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domingo, 25 de janeiro de 2015

O PROCURADOR QUE INCOMODAVA CRISTINA KIRCHNER




ZERO HORA 25 de janeiro de 2015 | N° 18053


NILSON MARIANO | Enviado Especial/Buenos Aires

UM PROMOTOR ADEPTO DA VIDA ZEN


AO LADO DE NÉSTOR, CONTRA CRISTINA. PIVÔ DO MAIS sangrento e misterioso episódio da história recente da Argentina, o promotor Alberto Nisman, que foi encontrado morto com um tiro no crânio, passou de aliado a inimigo do oficialismo da família Kirchner


A morte do promotor federal Natalio Alberto Nisman instalou a maior crise política nos 11 anos de governo do casal Kirchner. Desde a madrugada de segunda-feira, os argentinos se debatem em torno de uma dúvida que já ganha contornos de mistério: foi suicídio ou assassinato?

Mas quem era Alberto Nisman – preferia não ser chamado de Natalio –, encontrado morto com um tiro na cabeça no apartamento onde morava, no elegante bairro de Puerto Madero, em Buenos Aires? Aos 51 anos, divorciado, pai de duas filhas, portava-se como um portenho de hábitos singulares. No exercício da profissão, mostrava-se em ternos sóbrios, as gravatas com detalhes em azul (cor símbolo do país), nos tons claro ou escuro. Considerado um promotor corajoso, não aliviava com os poderosos à margem da lei.

Na vida privada, Nisman mudara de estilo. Devido a uma lesão lombar, abandonara as corridas. Estava maravilhado com os efeitos do método zen de se exercitar. Quase todos os dias, concentrava-se como um monge no ritual da respiração hindu: inalar, reter o ar e exalar. Quando a agenda permitia, tratava de seguir os ensinamentos do livro A Arte de Viver.

Era de família abastada o promotor que morreu às vésperas de apresentar denúncia contra a presidente, Cristina Kirchner, em razão do atentado terrorista contra a sede da Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 1994, na capital do país. O pai, empresário do ramo têxtil, patrocinou o curso de Direito na Universidade de Buenos Aires. Estudioso, tinha notas acima de oito.

No condomínio onde Nisman vivia, o Le Parc Puerto Madero, o clima é de consternação. Uma pequena faixa, afixada na guarita de entrada com cadarços de tênis, expõe um clamor: “Justiça”. Num dos postes, hastearam a bandeira nacional a meio pau, em sinal de luto. O automóvel do promotor, um Audi, está à vista, exibindo o lacre de apreendido da Polícia Federal.

Os vizinhos de Nisman saem apressados das torres residenciais, levando seus cães, sem olhar para os repórteres diante do condomínio. Na manhã de sexta-feira, ao ser abordada, uma jovem parou e tirou os fones de ouvidos para conversar. Quando soube do assunto, desculpou-se.

– Sinto, não quero falar.

A carreira de Nisman deslanchou justamente durante o governo do clã Kirchner. Em 1997, era apenas um dos promotores que investigavam o atentado contra a Amia, que deixou 85 mortos. Em 2004, o recém-empossado Néstor Kirchner o designou para chefiar as apurações, com plenos poderes.

Nisman foi a fundo. Logo descartou uma eventual participação da Síria, apostou que as bombas contra a instituição judaica foram acionadas por criminosos do Irã. Em 2008, surpreendeu o país ao pedir a detenção de ninguém menos que o ex-presidente Carlos Menem. Acusação: obstruir as investigações e fabricar provas falsas.

Foi a partir daí que o promotor começou a colecionar inimigos ocultos e a se enredar na teia de intrigas que move a política argentina. Disseram que tentou inculpar Menem para cair nas graças de Cristina Fernández de Kirchner, a sucessora do marido, Néstor. O objetivo, segundo os maledicentes: conquistar a chefia da Procuradoria Geral da Nação.

O promotor, porém, mostrou que não era manipulado pelos cordéis do kirchnerismo. Afastou-se de Cristina quando o governo firmou um pacto com o Irã, em 2013. Entendeu que a mandatária pretendia encobrir os autores ideológicos do atentado antissemita, em troca de compensações econômicas por parte de Teerã.

O escritório de Nisman, na Promotoria Federal do Caso Amia, é vizinho ao gabinete de Cristina na Casa Rosada. Ambos estão de frente para a Praça de Maio, no coração de Buenos Aires. Soldados com armas pesadas guardam o local.

Os colegas de Nisman também emudeceram, pelo menos na sexta-feira, quando foram procurados. Porteiros esclareceram que nenhum jornalista poderia entrar no prédio. Os promotores estão estarrecidos com a morte, que ocorreu quando faltavam 12 horas para Nisman denunciar a presidente Cristina e o seu chanceler, Héctor Timerman, no Congresso Nacional.


À sombra da Side

Se houve crime na morte de Alberto Nisman, uma organização precisará ser investigada: a Secretaria de Inteligência de Estado (Side). Herança da ditadura militar (1976-1983) da Argentina, a mais sangrenta da América do Sul por ter produzido cerca de 30 mil mortos e desaparecidos, a sinistra Side não foi totalmente desmontada com a redemocratização. Numa situação difícil de entender, auxiliava a equipe de Nisman nas investigações sobre o atentado antissemita contra a Amia.

O promotor era próximo do homem forte da Side, Antonio Stiusso, o Jaime. Temido nos subterrâneos da espionagem, Stiusso foi afastado do organismo em dezembro, depois de várias tentativas de parte de Cristina Kirchner. A partir de então, coincidência ou não, aumentaram as inquietações de Nisman.





UM DIA QUE NÃO TEVE FIM

HAMILTON ALMEIDA* | Especial *

O maior atentado terrorista da história argentina – e segundo maior das Américas, só ficando atrás do tristemente célebre 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos – deixou feridas que não cicatrizam e voltam a sangrar, clamando justiça. Aquela segunda-feira, 18 de julho de 1994, amanheceu como um dia normal, ensolarada e um pouco fria. No centro de Buenos Aires, muitos já estavam trabalhando, outros tomavam café com medialunas nos bares e comentavam sobre futebol, uma das paixões argentinas.

No dia anterior, a Seleção Brasileira sagrara-se tetracampeã, nos Estados Unidos, ao derrotar a Itália nos pênaltis. Esse foi o assunto que levou o jornalista Lasier Martins, da Rádio Gaúcha, a fazer uma entrevista ao vivo comigo, então correspondente de Zero Hora em Buenos Aires. Comentei que havia visto uma pelada de guris em frente ao edifício da Embaixada do Brasil, uns vestindo a camiseta amarela, outros a azul celeste ou qualquer cor, tudo misturado. Felizes. No mais, os argentinos ainda estavam melancólicos com a desclassificação precoce da sua equipe, nas oitavas de final, após um caso de doping do ídolo Maradona, que jogava sua última Copa.

Por volta das 10h, escutei a Rádio Mitre divulgar em poucas palavras que havia ocorrido um atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia): “É lamentável. Mais uma vez...”, anunciou o locutor. Para checar, liguei para a sede da instituição judaica. Nunca pude esquecer aquele desesperado som de “chama e ninguém atende”. Foi então que a manhã, que eu imaginava morna, se transformou em um pesadelo. Saí do escritório da RBS, na Rua Reconquista, e peguei um táxi. Na Avenida Córdoba, depois do Obelisco, o trânsito incomum já refletia o drama que ocorria poucos quilômetros adiante.

Desci do automóvel e fui caminhando e correndo até a Rua Pasteur, 633. Às 9h53min, uma caminhonete Renault Trafic carregada com uma quantidade estimada entre 300 e 400 quilos de um composto de nitrato de amônio, alumínio, hidrocarboneto pesado, TNT e nitroglicerina explodiu em frente ao edifício da comunidade judaica, provocando a morte de 85 pessoas e ferimentos em outras tantas.

UMA NUVEM DE PÓ PAIRAVA NO AR. E A DOR, MUDA

Cheguei à cena de guerra às 10h30min. O cadáver de uma mulher com uma roupa modesta, um vestido colorido, estava estirado na calçada, a uma centena de metros do local da explosão do carro-bomba, refletindo a insanidade do ato terrorista. Ela certamente estava passando por ali quando tudo aconteceu. O edifício era uma montanha de escombros, e uma dezena de pessoas já se dedicava a buscar sobreviventes. Uma nuvem de pó pairava no ar. E a dor, muda.

Aproximei-me o mais que pude para, depois, poder escrever. Ao mesmo tempo, imagens de pessoas que conhecia vinham martelando a minha cabeça. Estariam mortos? A angústia seria em parte sanada nos dias seguintes da cobertura. Traumatizados e desconfiados, talvez tenham julgado mal o sorriso no canto dos lábios que esbocei ao revê-los. Quem eu nunca mais vi sorrir foi a jovem Marisa Raquel Said. Tinha uns 21 anos e trabalhava na recepção da Amia. Talvez a sua última imagem na Terra tenha sido a aproximação suspeita da Trafic.

Foi ela quem me atendeu, simpática, meses antes, quando fui fazer uma reportagem sobre os nazistas na Argentina. Os arquivos estavam lá, no quinto andar. Vi documentos de vários deles, como o médico de Auschwitz, Josef Mengele, que morou a algumas quadras do Obelisco, quando chegou à Argentina de Perón, ocupou outras residências em suas constantes fugas até que morreu em Bertioga (SP).

Dois anos antes da Amia, em 17 de março de 1992, a Argentina havia sofrido outro atentado terrorista, que destruiu a embaixada de Israel, na Rua Arroyo, centro, matando 22 pessoas. “Por que a Argentina na rota do terror internacional?”, se perguntava. Também tive a oportunidade de fazer a cobertura para ZH desse evento, que permanece impune.

Desde aquela época, já circulava entre a imprensa que o Hezbollah, a serviço do Irã, estava por trás de tudo. Procurei várias vezes ouvir uma autoridade do Irã em Buenos Aires, Mohsen Rabbani, conselheiro cultural da embaixada. Ele nunca atendeu: fugiu do país e tem mandado de prisão da Interpol. Na denúncia de Alberto Nisman, Rabbani é acusado de participar das negociações comerciais com as autoridades argentinas envolvidas no plano macabro. Ele interveio, escreveu o promotor, para garantir a própria impunidade. O ciclo se fecha?

 Hamilton Almeida foi correspondente de Zero Hora em Buenos Aires de 1994 a 1995



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