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sábado, 8 de novembro de 2014

O MAU EXEMPLO DOS VIZINHOS

REVISTA ISTO É N° Edição: 2346 | 07.Nov.14


Como modelo para o PT, o bolivarianismo de países latino-americanos não passa de delírio. Como espantalho usado pela Oposição, vira proselitismo




Depois da reeleição da presidente Dilma Rousseff, a direção do PT divulgou um documento cheio de ideias que, aparentemente, voltam a flertar com experiências políticas heterodoxas em marcha em determinados países latino-americanos. O bloco dos chamados “bolivarianos”, Venezuela, Bolívia e Equador, seriam as principais fontes de inspiração, além da Argentina, com seu velho peronismo, e do México e seu quase centenário PRI (Partido Revolucionário Institucional). A intenção básica declarada pela Executiva petista é promover mudanças na organização do Estado, por meio de “reformas democrático-populares”. Essas pequenas revoluções brotariam da pressão de comitês sociais representativos, plebiscitos, reforma política e “democratização da mídia”. Com uma opinião pública informada de modo “correto”, um Congresso amestrado e um Judiciário menos independente, o partido conseguiria ampliar, então, o controle da máquina pública e assegurar mais tempo de poder. Não é pouco.


ATROPELOS
Manifestantes chavistas (acima) são pressão constante sobre o Congresso
e a imprensa na Venezuela. Na Bolívia, o presidente Evo Morales (abaixo)
conseguiu subjugar o Poder Judiciário



Como aspiração, o bolivarianismo e afins não chega a surpreender num espectro ideológico em que não é raro encontrar saudosos da Albânia stalinista ou da liderança de um Nicolau Ceausesco. Como modelo realista, contudo, não passa de um delírio. A chance de replicar fórmulas de origens e condições ímpares, levadas a cabo em países tão díspares, carece de objetividade e bom senso. A menos que a inspiração bolivariana esconda apenas a intenção de adequar antigas recomendações bolcheviques (e então tanto sonhos como pesadelos sobre o assunto seriam pura mistificação), ela reflete, na verdade, uma profunda ignorância sobre as nações envolvidas. A história e o tamanho das populações e das economias impõe um fosso para a transposição dessas políticas. A Bolívia, por exemplo, tem um PIB de US$ 30,6 bilhões e 10,9 milhões de habitantes, a maioria de origem indígena, submetida a séculos de opressão. Depois de domar a oposição, o presidente Evo Morales, eleito para seu terceiro mandato, também subjugou o Judiciário boliviano, transformando-o numa repartição para endosso de suas ações. Para reinar sobre os tribunais, Evo não precisou mais do que caneta e tinta. O governo da Venezuela, país de 31 milhões de habitantes, PIB de US$ 438,3 bilhões, não enfrentou maiores problemas para fazer quase o mesmo que Evo. Seria razoável, porém, esperar tamanha facilidade num Brasil de 203 milhões de habitantes, PIB de US$ 4,8 trilhões, com uma economia sofisticada, sociedade civil bem mais complexa e estável, sustentado sobre pilares de instituições livres e ativas? Associações de magistrados, ordem de advogados, Ministério Público, imprensa, empresariado e Congresso estariam prontos para se curvar? E os brasileiros, resignados ao silêncio?

Organizações populares sem a bênção das urnas, plebiscitos em série para alterar a Constituição e reforma política tendenciosa, enfrentariam no Brasil uma resistência inimaginável em plagas bolivarianas. Idem para os controles sobre a imprensa livre. Os chavistas na Venezuela avançaram brutalmente contra jornais e redes de TV, em 2002, incentivando, contrabandeando armas e participando de um golpe de estado que dissolveu Congresso e Judiciário, mas só teve fôlego para durar dois dias. Não há paralelo brasileiro em nenhuma das duas pontas. Na Argentina, a presidente Cristina Kirchner conseguiu aprovar o desmembramento do grupo de comunicação Clarín, de oposição a seu governo. As condições que permitiram o bote de Cristina começam pelo poder de seu partido, o Justicialista, uma força entranhada nos movimentos sindicais históricos, capaz de impedir, desde 1930, que agremiações adversárias concluam mandatos presidenciais. Entre um ilusório namoro petista com o peronismo e as condições concretas para essa transfiguração vai, enfim, uma distância soviética. Outro sonho suspeito atribuído a setores petistas seria transformar o partido num imenso PRI. Nesse ponto, as lonjuras são ainda mais acentuadas. Fundado em 1929 para acomodar os veteranos da heroica revolução mexicana, o PRI manteve-se no poder até o ano 2000, longevidade que lhe permitiu arrumar lugar para acomodar também seus inimigos: os latifundiários, a Igreja e os interesses americanos. O PRI infiltrou-se na máquina pública do país corrompendo-a até a raiz. É crível que o Brasil do século XXI desabe num precipício semelhante?


ATAQUE PERONISTA
A presidente argentina Cristina Kirchner fecha o cerco contra os
veículos de comunicação que não seguem sua cartilha

E a Petrobras, corre o risco de virar uma PDVSA venezuelana? Mesmo levando em conta a octanagem dos esquemas de corrupção em que jogaram a estatal brasileira, ela é uma empresa de capital aberto, devendo responder aos acionistas. A própria história da PDVSA lhe confere outro caráter. Criada em 1976 no embalo de políticas que nacionalizaram gás, petróleo e ferro na Venezuela, a estatal já nasceu aparelhada pela cleptocracia que saqueou o país. Uma elite que acabou sucumbindo em lutas por partilha até o surgimento de Hugo Chávez, o caudilho teatral eleito em 1998, anos depois de comandar um golpe militar desastrado. Cerca de 90% das reservas cambiais da Venezuela provêm do petróleo.

Deixando-se de lado um eventual oportunismo maroto, o bolivarianismo só pode ser agitado como bandeira governista à custa de uma profunda ignorância sobre os países que o adotam e um desconhecimento também rotundo sobre a realidade brasileira. O mesmo acontece quando é sacudido como espantalho. O medo da ameaça bolivariana que perturba almas oposicionistas também não não passa de proselitismo barato.

Fotos: Fernando Llano)/AP Photo; David Mercado/Reuters; Juan Mabromata/AFP Photo

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