Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

HONG KONG EM FÚRIA



ZERO HORA 30 de setembro de 2014 | N° 17938


Pequim recua, mas protestos avançam

Governo anunciou retirada de batalhões de choque, e número de manifestantes aumentou

Com uma campanha crescente, milhares de manifestantes pró-democracia de Hong Kong mantinham ontem o desafio ao governo chinês e a exigência de mais liberdades políticas.

A campanha de desobediência civil em curso há algumas semanas na ex-colônia britânica se intensificou no final de semana e virou o episódio de violência urbana mais grave desde que o território foi devolvido à China, em 1997.

Na noite de domingo e durante a madrugada de ontem, a polícia usou gás lacrimogêneo (87 vezes em nove pontos diferentes) e spray de pimenta para dispersar os manifestantes, provocando cenas de caos pouco frequentes nas ruas de Hong Kong.

Em um aparente gesto de apaziguamento, o governo de Hong Kong anunciou ontem a retirada da polícia antidistúrbios das ruas, mas pediu em troca aos manifestantes “que liberem as ruas ocupadas o mais rápido possível, para dar passagem aos veículos de emergência e restabelecer os serviços de transporte público”.

Mas o número de manifestantes nas ruas aumentou com o passar das horas. Na noite de ontem, quase 20 mil pessoas estavam concentradas no bairro de Admiralty, perto da sede do governo.

REGRAS ELEITORAIS DE 2017 FORAM ESTOPIM DA CRISE

Os ativistas pró-democracia controlam três cruzamentos vitais da cidade, onde moram mais de 7 milhões de pessoas.

– Hoje estamos mais otimistas. Não há muitos policiais para bloquear as áreas com manifestantes – declarou Ivan Yeung, ativista de 27 anos.

Pequim anunciou em agosto que a eleição do governador de Hong Kong, em 2017, será realizada por sufrágio universal, mas que só poderão se candidatar dois ou três nomes aprovados por um comitê leal a Pequim. Os ativistas rejeitam essa condição.

Hong Kong



 

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

DEMOCRACIA: ILUSÃO OU MENTIRA?




ZH 22 de setembro de 2014 | N° 17930


GUILHERME BACCHIN*


Trago uma reflexão, uma palavra sob o silêncio dela mesma. Sempre entendi a democracia como o método de governo mais justo e igual, tendo clara a distinção entre os dois até conhecer nossa democracia. A ação democrática, aqui, tem início e fim em sua essência. Ela se inicia no voto e termina no voto.

Disse Saramago, em sua sabedoria: “Atualmente, somos seres impotentes diante de instituições democráticas das quais não conseguimos nem chegar perto”. A democracia brasileira precisa aprender a ser democracia. E ela não pode ser posta em xeque, pois não movemos nem os peões do tabuleiro – assistimos à cruel miséria do jogo. Onde está o governo? Esquecido na mentira do próprio governo.

Há justiça? Sim, e ela é injusta. Há igualdade? Sim, e ela é desigual. Nosso país deitará eternamente no berço esplêndido da discriminação ante o igual, no paradoxo de um preconceito contra si mesmo, e o fará perdido em leis que só existem para somarem-se ao vácuo da inação, e moldarem a feição da ilusão?

Vemos uma escuridão política, e o pior da escuridão é isso – é poder vê-la. “Para nascer, nasci”, disse Neruda. Para morrer, morri, disse nossa democracia. E a nossa lágrima já se tornou clichê. Saúde. Educação. Coloquem isso no desespero de nossa bandeira. Ecoem pelos quatro cantos de um tabuleiro que deve ser posto em xeque, ecoem pelo país que não é país, pela democracia que não é democracia.

Quantas crianças veremos findar nas sinaleiras do analfabetismo, quantos brasileiros veremos minguar no labirinto do SUS, quantos bilhões se perderão no cemitério do tributarismo, e prosperarão no bolso dos que governam? Perca-se a criança em sonhos, não em malabares, ardam peitos na eternidade de amores morridos, não em doença, vejamos o sol pôr-se no horizonte, não na alma ceifada pela insegurança pública, mas por favor, tirem esse lema de nossa bandeira.

Ele não é nosso. Nós não somos nossos, a democracia não é nossa, o Brasil não é nosso. Libertem- nos de nossa liberdade, esqueçam o futuro de um país rejeitado pelo seu povo. Um povo de ninguém. Ignoramos nossa democracia. E ela ignora a nós.


*ESTUDANTE

MÃE CONTA COMO SEU FILHO SE TORNOU EXTREMISTA

TV GLOBO FANTÁSTICO Edição do dia 21/09/2014


Mãe brasileira conta como seu filho se tornou radical do Estado Islâmico . Brian tem 21 anos e adotou o nome de Abu Qassem Brazili. No fim de 2012, ele foi para a Síria se juntar aos extremistas.





Imagine ver seu filho se alistar no grupo extremista mais brutal do mundo. Um exército terrorista que grava vídeos com decapitações de prisioneiros e ameaça destruir todos que discordam dele.

O correspondente Roberto Kovalick conversou com a brasileira que tem um filho nas tropas do Estado Islâmico.

A vida da brasileira Rosana Rodrigues deu uma volta gigantesca. Ela busca respostas. O que levou o filho dela, um rapaz católico, esportista, alegre, a se tornar um radical do Estado Islâmico, um grupo em que matar ou morrer são coisas banais?

“Que meu filho não chegue ao ponto de decepar a cabeça de alguém ou de matar alguém. E no fundo do meu coração, eu sinto que meu filho jamais faria isso. Porque eu como mãe, eu jamais... Eu amo muito ele, mas eu jamais seria capaz de perdoar meu filho se ele fizesse uma coisa dessas”, conta a mãe de Brian.

A Bélgica é um país de 11 milhões de habitantes, com uma das melhores qualidades de vida do planeta e um dos celeiros de extremistas do Estado Islâmico na Europa.

O grupo se autoproclamou um califado, uma comunidade muçulmana radical em uma região entre a Síria e o Iraque.

O Estado Islâmico se tornou ainda mais conhecido depois dos vídeos em que dois jornalistas americanos e um voluntário britânico aparecem sendo decapitados por um extremista. Estima-se que mais de 2 mil ocidentais se juntaram ao grupo e 300 saíram da Bélgica.

Um deles é o filho da brasileira Rosana Rodrigues, que vive na Bélgica há 24 anos.

“Um dia ele foi. Um dia eu fui no quarto dele e ele já não estava mais lá. Ele só se despediu da minha filha mais nova. Deu um beijo no rosto dela e falou que essa era a última vez que ela ia ver ele”, ela conta.

O filho de Rosana, Brian, tem 21 anos. Tem cidadania belga, mas fala português. Foi várias vezes ao Brasil e, ao se juntar ao Estado Islâmico, adotou o nome de Abu Qassem Brazili, ou o Abu Qassem brasileiro.

Para entender o que provocou esta transformação, o Fantástico foi até a Antuérpia, a segunda maior cidade da Bélgica, famosa pelo comércio de diamantes e onde a família morava. Brian é filho de pai belga e estudava em uma das melhores escolas católicas da cidade. Praticava a religião.

“Ele era muito católico e, na maioria das fotos que ele tem no Brasil e aqui na Bélgica ou na Espanha, na Turquia, aonde ele esteve, ele sempre usava um crucifixo”, relata a mãe.

A transformação de Brian começou com uma grande decepção, o fim de um sonho. Ele queria ser jogador de futebol. Mas aos 17 anos, foi dispensado e entrou em depressão.

Foi nesse momento que os extremistas se aproximaram dele. Não é um caso isolado. Esta semana, uma revista belga publicou a entrevista com outro rapaz que está lutando na Síria. E ele declara: “Antes nossos ídolos eram Ronaldo e Messi. Hoje é Bin Laden.

“Para ele, foi uma desilusão muito grande”, lembra Rosana.

E ele encontrou apoio em um grupo de jovens muçulmanos do bairro.

“Esses rapazes aconselharam ele a procurar a força no Alá, que eles falam Alá, para nós é Deus. E em um profeta Mohamed, que disse que era para pedir ajuda para o Deus deles e o profeta deles, que o Deus ia ajudar ele a superar essas tristezas e tudo. Só que, infelizmente, foi a desgraça da vida do meu filho. E para minha vida também, para minha família, uma verdadeira desgraça”, diz Rosana.

Na mesquita que Brian frequentava, segundo a imprensa da Bélgica, ele encontrou extremistas de vários países: Afeganistão, Paquistão, Bangladesh. Em poucos meses, menos de dois anos, se tornou um deles.

Nós tentamos conversar com os líderes da mesquita. Eles não quiseram dar entrevista, mas asseguraram que não têm nenhuma ligação com os radicais islâmicos. Brian foi apresentado a um dos líderes dos extremistas na Bélgica, Fuad Belkacem, que agora está preso.

Rosana conta que o filho foi levado para outra mesquita que fica no meio da floresta das Ardenas, a maior da Bélgica.

“Eles se escondem nessa mesquita para ficar aprendendo a pular, atirar, aprender a passar fome, como você conseguiria ficar dias sem comer. Eles fazem um total treinamento nos meninos”, ela explica.

No fim de 2012, Brian foi para a Síria se juntar aos extremistas.

“Eu pedi ajuda à polícia, pedi assistência às pessoas, e ninguém quis me ajudar. E por conta própria, eu encontrei uma foto do meu filho e reconheci o meu filho. Ele estava com uma arma, com uma roupa de soldado. E desde aí já vai fazer dois anos que ele está na Síria. Nos últimos meses, eu não tenho mais notícias dele. Não sei se meu filho está vivo ou se ele está morto”, conta a mãe.

O prefeito da Antuérpia, Bart de Wever, conta que há recrutadores nas ruas do país em busca de jovens como Brian.

Um dos grandes medos na Europa é que esses jovens extremistas voltem para praticar atos terroristas nos países onde nasceram. E é exatamente isso que os belgas temem que Brian faça.

Em um vídeo atribuído a ele, o Estado Islâmico ameaça explodir um monumento chamado Atomium, um dos pontos turísticos mais visitados de Bruxelas, a capital da Bélgica. Um ataque no local destruiria um dos símbolos do país e provocaria centenas de vítimas.

O vídeo começa com imagens dos extremistas. Brian não aparece, mas a voz que entoa um cântico é atribuída a ele.

Rosana: Não tem nada a ver com a voz do meu filho. Não é meu filho. Eu tenho tanto medo que a qualquer minuto ter uma notícia que mataram o Brian, que o Brian está morto, que eu nunca mais vou poder ver meu filho.
Fantástico: Você acha que o Brian cometeria um ato terrorista?
Rosana: Eu não sei. Eu tenho medo de eles colocarem ele para se explodirem. Eu seria capaz de fazer tudo. Eu seria, inclusive, capaz de dar a minha cabeça para ver o meu filho de volta.

“Brian é considerado perigoso e muito radical. Há testemunhas que implicam ele em atentados. A mãe dele quer acreditar que ele seja ingênuo, mas nós devemos considerá-lo um radical perigoso”, avalia o prefeito da Antuérpia.

Usar ocidentais como garotos-propaganda é uma tática do Estado Islâmico para impor medo no Ocidente e atrair mais seguidores.

O extremista que aparece decapitando os dois reféns americanos e o britânico tem sotaque de Londres. Rosana acha que o mesmo está sendo feito com o filho. “É como o Brian, o Brian é lindo, ele é bonito, não é por ser meu filho”, diz ela.

A comunidade muçulmana condenou as ações terroristas do Estado Islâmico. Em São Paulo, o xeque Rodrigo Rodrigues, da Liga da Juventude Islâmica do Brasil, disse que, pelo que está sendo mostrado, o grupo vai contra o que o Islã ensina.

“A tradição do profeta Mohamed não prega isto. O Islamismo é uma religião de justiça, de paz, de harmonia. Historicamente, muçulmanos e não-muçulmanos viveram séculos de mãos dadas. Se não andaram de mãos dadas, andaram se respeitando uns aos outros. Mas isso de matar todo o mundo que está contra mim não é islâmico”, ele explica.

A última notícia que Rosana teve do filho foi de que ele estava na cidade de Aleppo, no noroeste da Síria, um dos fronts de batalha entre os extremistas do Estado Islâmico e as forças do regime sírio. Ela está disposta a uma ação desesperada para reencontrar Brian.

“Eu vou para a Síria. Eu vou ver meu filho. Buscar eu não sei, mas que eu vou, eu vou”, avisa Rosana.

domingo, 21 de setembro de 2014

A TIRANIA DAS LENDAS



ZH 21 de setembro de 2014 | N° 17929


MOISÉS MENDES*



Tem mais elementos de comédia do que de epopeia a performance de parte da torcida do Grêmio, que gritava o Hino Rio-Grandense enquanto era tocado o Hino Nacional antes do jogo com o Santos, na quinta-feira.

Foi uma manifestação juvenil, mas com adolescentes de todas as idades, alguns já meio velhuscos. O que o Brasil deve pensar dessa bazófia, que já aconteceu no Beira-Rio?

O historiador Moacyr Flores conta que na campanha republicana, nos anos 70 do século 19, os estudantes desfilavam pelas ruas de Porto Alegre cantando o Hino Rio-Grandense e a Marselhesa.

A Revolução Farroupilha começava a ser mitificada e comparada à Revolução Francesa. Quase um século e meio depois, parte da Geral do Grêmio canta o hino gaúcho sobre a música do Hino Nacional.

Regredimos ao primitivismo do período revolucionário iniciado em 35, que ainda mobiliza tanta gente na Semana Farroupilha. Imagino o rebuliço se alguém subisse numa carreta, no centro do Acampamento Farroupilha, em Porto Alegre, e gritasse: não é bem isso que vocês estão pensando.

Alguém com a sabedoria de um Moacyr Flores. Que chamasse os interessados para uma roda e falasse da revolução. Que dissesse que os líderes farroupilhas não eram, na origem, separatistas – mas foram, por oportunismo, convencidos de que essa seria uma boa ideia.

Seria formada uma roda de fogo para explicar que a corrente farroupilha, dentro do movimento, nem foi liderada por um gaúcho. O líder era um mineiro. E que a maioria dos gaúchos não aderiu à revolta.

E assim avançaria a conversa. Você pensa que a motivação do levante foi a tributação do charque? Mas os chefes da rebelião contrabandeavam charque para o Uruguai. E, se o imposto incomodava, por que, instalada a República Rio-Grandense, o que aconteceu foi o aumento do imposto sobre o charque?

O povo iria se achegando no Acampamento, e a prosa se alastraria. A expressão farroupilha não tem nenhuma conexão com guerrilheiros esfarrapados. Moacyr Flores diria: no início do século 19, já existia o Partido Farroupilha do Rio de Janeiro. O significado de farrapo ou farroupilha é revolucionário federalista.

Quem quiser saber mais dos rebeldes de 35 pode ler A Paz dos Farrapos, publicado há 10 anos pela Já Editores, com organização do jornalista Elmar Bones. O livro contribui para a compreensão da construção da mitologia dos farroupilhas, amplificada pelo tradicionalismo.

Foi assim que se fortaleceu a ideia de que somos um modelo a toda a Terra, na valentia, no discurso e na dança do pezinho. Com todas as contradições possíveis, entre as quais esse acampamento gigante na Capital que pôs a correr os farroupilhas.

Flores acredita que as ideias que mobilizaram os farroupilhas – descentralização do poder, fortalecimento do parlamento e, enfim, dos princípios republicanos – são melhores do que isso tudo que ficou da lenda. As lendas são a parte reconfortante da História que nos constrange e nos perseguirá para sempre.

A mesma conversa do historiador com o pessoal do Acampamento poderia se repetir na saída de um jogo do Grêmio. Os torcedores que se impuseram na gritaria, para que o hino gaúcho abafasse o brasileiro, iriam sentar-se com Flores no chão do Largo Glênio Reis.

Teriam a chance de dizer a um mestre da nossa História por que cometeram a grosseria dos hinos sobrepostos. Estão insatisfeitos com o Brasil? Sentem-se inseguros?

Quem são esses gaúchos que acham que somos uma gente superior? Acreditam que um dia pegaremos de novo em armas? Contra quem? Contra o goleiro Aranha?

Coitado do Bento Gonçalves. Quem imaginaria que, em nome da memória dos farrapos, os que se acham os verdadeiros gaúchos seriam tão grotescos?



*JORNALISTA


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Admiro muito o jornalista Moisés Mendes, mas neste artigo ele faz uma comparação lamentável entre a epopeia farroupilha com os hooligans do futebol que cometem atos racistas e homofóbicos, vandalismo, agressões e mortes de torcedores rivais. Os farrapos nunca se consideram superior, nem a grande maioria dos gaúchos se considera superior. Ocorre que o nacionalismo é um sentimento forte de gauchismo, demonstração de amor à terra e reconhecimento das façanhas dos farrapos que, por 10 anos, enfrentaram o maior império da América latina. O fato é que a permissividade das leis, a morosidade de uma justiça assistemática e a condescendência das autoridades, vem estimulando o desrespeito aos símbolos nacionais e a banalização e a impunidade do holiganismo por todo o Brasil, com Estados registrando muito mais violência e crimes contra a vida do que o RS.

sábado, 20 de setembro de 2014

OS EVANGÉLICOS OCUPAM O MST

REVISTA ISTO É N° Edição: 2339 | 19.Set.14

Novidade no Movimento dos Sem-Terra, protestantes, historicamente conservadores, se dividem entre devoção religiosa e militância política pela reforma agrária no interior do País


Rodrigo Cardoso




É cada vez maior o número de evangélicos no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Eles têm assumido papéis de liderança nos assentamentos e conseguem se dividir entre os compromissos religiosos e a militância política. Os protestantes, pentecostais em sua maioria (leia quadro), são uma novidade no movimento criado na década de 1980. Mas a origem da luta pela reforma agrária no Brasil tem um forte DNA religioso, graças a parte da Igreja Católica, que há 40 anos se posiciona contra os interesses dos grandes proprietários de terra por meio da Comissão Pastoral da Terra (CPP). Atentos às denominações evangélicas que se assentaram nas organizações do campo, uma série de pesquisadores que estudam a relação entre religião e reforma agrária tem observado esse fenômeno. “Trata-se de um novo agente religioso que reivindica políticas sociais para o desenvolvimento rural”, diz o sociólogo Fábio Alves Ferreira, autor de “Pentecostais e a luta pela terra no Brasil – deslocamento e equivalências entre identidades religiosas e agentes sociais em assentamentos de reforma agrária”, tese de doutorado defendida no ano passado na Universidade Federal de Pernambuco. O curioso, segundo os acadêmicos, é que a teologia pentecostal costuma enfatizar uma espiritualidade mais individualista e menos coletiva. Para eles, a experiência de Deus no coração seria suficiente. Mesmo assim, os fiéis dessa corrente têm se envolvido em ações políticas coletivas.


NA LUTA
Por acreditar que estão brigando pela terra por um chamado de Deus,
os protestantes do MST tendem a ser mais perseverantes e obstinados

Um exemplo é Elisabeth de Oliveira Costa, 41 anos, no MST há cinco. Uma irmã da Assembleia de Deus, igreja que ela frequenta, a levou para conhecer “o grupo que estava ganhando terras do governo”. Elisabeth se identificou com a causa, fez um curso de militância e foi convencida a fazer parte da equipe de educação do acampamento Luiza Ferreira, em Moreno, região metropolitana do Recife (PE). Hoje, ela preside a associação de mulheres agricultoras rurais no local. “Sou socialista, mas antes morria de medo dos sem terra. A vida melhorou muito. Como o que planto e colho”, diz. Autora de uma tese de doutorado da Universidade de São Paulo (USP) sobre as relações entre os movimentos sociais e as religiões em dois assentamentos paulistas, a socióloga Marluse Maciel refuta uma visão unilateral que pesa sobre os evangélicos. “Acham que são apáticos à política e vulneráveis a opiniões externas. Mas participam de movimentos sociais e ocupam terras”, diz ela.


COMPANHEIRA
A evangélica pernambucana Elisabeth fez curso de militância no MST
e preside uma associação de mulheres agricultoras rurais. "Sou socialista", diz



No acampamento Herbert de Souza, também em Moreno (PE), e no assentamento Luiza Ferreira, ambos do MST e estudados pelo sociólogo Ferreira, os militantes pentecostais são, respectivamente, 30% e 90%. A interiorização dos evangélicos, grupo que tem crescido de forma significativa em zonas rurais, é um dos motivos que os aproximam do engajamento social, uma vez que a luta por terras se dá no interior. Em 2010, o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou a existência de 4,4 milhões de fiéis em zonas rurais, cerca de nove vezes mais do que o registrado dez anos antes. “Por acreditar que estão lutando pela terra por um chamado de Deus, essas pessoas tendem a ser mais perseverantes. Isso gera uma força muito grande ao movimento”, diz o professor Agnaldo Portugal, do departamento de filosofia da Universidade de Brasília (UnB). Ciente disso, o MST – que foi procurado, mas não quis se manifestar sobre a reportagem – conduz essa força religiosa para uma prática política.



Com 30 anos de lutas sociais no currículo, a assentada Maria Solange Barbosa, 65, vive em Bela Vista do Chibarro, uma antiga fazenda de café, na região de Araraquara, interior paulista. Na agrovila de cerca de 120 casas existem cinco igrejas evangélicas. “Conheci muita violência no início da minha militância, pancadaria era o meu símbolo”, diz ela, fiel da Assembleia de Deus, que enfrentou madeireiro de arma em punho e foi ameaçada de morte. “Hoje, não vou deixar de lutar pelos nossos irmãos, mas não vou tomar nada de ninguém.” Apesar de vários evangélicos participarem do movimento, nenhuma denominação apóia oficialmente o MST. Os fiéis, porém, não abandonam a crença para levar adiante uma identidade social. Para se livrarem do pecado de estar tomando o que seria de outra pessoa, passam, de acordo com o sociólogo Ferreira, a interpretar a “Bíblia” pelo próprio olhar e não mais pelo viés do líder religioso. “Quando Deus criou o mundo, deu terra para todos. Ele não queria que um grupo morasse na favela”, afirma a militante Elisabeth. São reinterpretações como essa que têm amparado a atuação do militante evangélico pela reforma agrária.

Fotos: Montagem sobre foto de Roberto Castroe Alexandre Sant’anna

A VITÓRIA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

REVISTA ISTO É N° Edição: 2339 | 19.Set.14 - 21:00 | Atualizado em 20.Set.14 - 13:40


Em decisão memorável, o ministro do STF Luís Roberto Barroso derruba a censura à ISTOÉ, permitindo aos leitores o livre acesso à informação. Entidades saem em defesa da revista e repudiam a decisão da juíza de Fortaleza de recolher a publicação


Josie Jerônimo




"As liberdades de expressão, informação e imprensa são pressupostos para o funcionamento dos regimes democráticos.” Com essas palavras, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso sintetizou, na quarta-feira 17, um dos princípios basilares da Constituição de 1988. A frase faz parte da sentença de 17 páginas proferida por Barroso para derrubar a censura imposta à última edição de ISTOÉ pela juíza Maria Marleide Maciel Queiroz, da 3ª Vara de Família de Fortaleza, na noite da sexta-feira 12. A magistrada, habituada a lidar com divórcios e pensões alimentícias, julgara procedente uma reclamação feita pelo governador do Ceará, Cid Gomes, contra a revista por causa da reportagem que o relacionou com o escândalo da Petrobras. Promulgada três anos depois do fim da ditadura militar, a Carta Magna se contrapôs às trevas impostas pelo regime fardado e acabou com qualquer tipo de cerceamento da liberdade de imprensa no país. Só os governantes com instintos autoritários e os juízes sem zelo pelo texto constitucional ignoram o ambiente de plena garantia dos direitos que os brasileiros conquistaram ao derrubar os generais do poder.


SENTENÇA
Ministro do STF, Luís Roberto Barroso derruba liminar

Foi este o comportamento do governador do Ceará, Cid Gomes, ao tentar impedir ISTOÉ de chegar à casa dos brasileiros interessados em se informar sobre as denúncias feitas pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Com a ajuda de Maria Marleide, Cid passou por cima de entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que repudia qualquer tipo de censura prévia. Os cidadãos que respeitam as leis e não aplicam o peso do prestígio pessoal para convencer o Judiciário, caso se sintam prejudicados, podem usar os canais legais para reclamar de con-teúdos jornalísticos após a publicação, jamais impedindo a circulação de ideias ou informações. Cid pretendeu ser mais do que um cidadão.

O cerceamento de direitos do qual ISTOÉ foi vítima engrossou a lista das agressões à liberdade de imprensa registradas no Brasil. Veículos como “O Estado de S. Paulo”, “Zero Hora” (RS), “O Povo” (CE) e “A Tarde” (BA) também foram enquadrados por censuras prévias em plena democracia. O desrespeito constitucional acionado por Cid Gomes acendeu o sinal de alerta para as organizações que monitoram indicadores da liberdade de imprensa como referenciais de peso para se medir a qualidade de uma democracia e as entidades saíram em defesa de ISTOÉ. A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) condenou duramente a atitude do governador do Ceará. A SIP divulgou nota lembrando que o episódio só piora o perfil do país, considerado um dos mais desrespeitosos da América Latina no quesito liberdade de imprensa. “É grande a frequência, no Brasil, em que os juízes protegem agentes públicos em detrimento aos meios de comunicação e em particular contra a garantia constitucional que permite que todo brasileiro tenha seu direito de receber e transmitir informações livremente”, afirmou o presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP, Claudio Paolillo.



Os três principais jornais diários do País também se solidarizaram com ISTOÉ. O diretor de redação e editor responsável de O Globo, Ascânio Seleme, demonstrou “espanto” com a decisão que retirou a reportagem do site de ISTOÉ e mandou recolher as revistas das bancas de todo o país. “É ilegal recolher ou impedir que uma revista circule porque uma pessoa ou instituição acha que o que foi dito está errado. Há meios legais para se resolver isso. Se estiver errado, que se corrija. Estaremos sempre solidários a todos os veículos que sejam vítimas de uma decisão assim.”

O diretor de conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour, ressaltou que o País precisa amadurecer a cultura da liberdade de imprensa. “A apreensão é uma violência, um ato de censura. Em vez de se buscar o esclarecimento a posteriori, tem-se o impedimento da circulação da informação, que é maléfico para a sociedade. Acreditamos que a imprensa deve amadurecer e que devemos responder pelo que publicamos, sim, mas em liberdade. Para acabar com esse tipo de censura, são necessárias uma permanente vigília e uma luta, caso a caso.” O editor-executivo da Folha de São Paulo, Sérgio Dávila, também condenou o recolhimento da publicação. “A Folha condena todas as formas de censura, inclusive a judicial, como foi o caso.”



Associações que preservam os direitos da imprensa no país repudiaram, durante toda a semana, a decisão judicial. Associação Nacional de Jornais (ANJ), Associação Nacional de Editores de Revista (Aner), Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e Associação Brasileira de Imprensa (ABI) divulgaram notas e criticaram o ato “arbitrário” e “antidemocrático” de Cid Gomes. O diretor da ANJ, Ricardo Pedreira, observa que a entidade tem analisado coincidências entre despachos autoritários de juízes estaduais no período eleitoral. “Tem acontecido com frequência, especialmente em períodos eleitorais, os candidatos recorrem à Justiça para impedir a divulgação de conteúdos. Em alguns casos, a Justiça acata. Mas a Constituição veta censura de natureza política. Mesmo assim, a Justiça estadual continua dando esse tipo de sentença. Essas decisões acabam sendo revistas, mas a imagem do país fica maculada”, afirma Pedreira.

Juristas de renome e entidades do Direito também se constrangeram com a sentença da juíza do Ceará. Ayres Britto, ex-ministro do STF e presidente da Comissão Especial de Defesa da Liberdade de Expressão da Ordem dos Advogados do Brasil, observou que as decisões de primeira instância são infrutíferas, pois o Supremo já tem entendimento firmado sobre o assunto. Britto foi relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, que enfatizou a proibição da censura prévia no Supremo Tribunal Federal. “As decisões monocráticas, censurando a liberdade de imprensa, tendem a cair drasticamente porque a decisão do Supremo tende mais e mais a se tornar uma cultura. Não temos enraizada ainda a cultura da liberdade de imprensa, mas temos a decisão judicial. A Constituição deixa claro que a liberdade de informação jornalística é plena. E o que é pleno é monolítico, não abre brechas para a censura prévia se esgueirar. Há um vínculo umbilical entre liberdade de imprensa e democracia, elas são irmãs siamesas.”



Apoiado na ADPF 130, o ministro Luís Roberto Barroso desautorizou a juíza Maria Marleide a interferir no livre fluxo de informações. Barroso associou a liberdade de imprensa a uma liberdade ainda maior, a de expressão, e assim rechaçou a censura sofrida por ISTOÉ. Ao rebater a iniciativa extemporânea de Cid Gomes, Barroso lembrou a “história acidentada” das liberdades de expressão no Brasil e associou a motivação da censura prévia a argumentos pouco palpáveis, como a alegação da defesa da moral, bons-costumes e anticomunismo. O ministro foi claro ao informar que os cidadãos, sem qualquer tipo de favorecimento, têm amplos mecanismos do judiciário para acionar uma publicação quando se sentem ofendidos e que inibir previamente a circulação de informações é uma via mais afeita a “caprichos” do que ao exercício da cidadania. “A história brasileira na matéria tem sido assinalada pela intolerância, pela perseguição e pelo cerceamento da liberdade. Entre nós, como em quase todo o mundo, a censura oscila entre o arbítrio, o capricho, o preconceito e o ridículo.”

Não é a primeira vez que a juíza Maria Marleide se envolve em polêmica com decisões que contrariam a dinâmica democrática. Em 2008, em um episódio de vacância na prefeitura de Fortaleza, a juíza indicou um colega magistrado – o mais antigo da Vara de Fazenda Pública – para assumir o governo municipal em vez de obedecer à hierarquia que determinava que caberia ao Procurador-Geral do Município a cadeira provisória da administração. À época, o prefeito, o vice-prefeito e o presidente da Câmara estavam ausentes e a lei orgânica do município de Fortaleza era omissa em relação ao episódio. O imbróglio foi parar nas mãos da então ministra Ellen Gracie, que, como Barroso, também derrubou outra infeliz decisão de Maria Marleide, como a que atentou contra o sacrossanto direito do leitor à livre informação. Que episódios como esses sejam sempre lembrados para que nunca mais sejam repetidos neste País. A democracia agradece.

O QUE É UM CTG?




ZH 20 de setembro de 2014 | N° 17928


MANOELITO C. SAVARIS*



As perguntas mais frequentes a que respondi nesses dias foram: o que é um CTG? Há racismo e homofobia nos CTGs? Respondi a elas durante 30 dias e, mesmo assim, parece que não foi suficiente, pois permanecem as dúvidas e são frequentes as manifestações que apontam o dedo para o Movimento Tradicionalista.

Um Centro de Tradições Gaúchas é uma entidade civil, com quadro de associados e que se dedica ao resgate, à preservação e à divulgação das coisas tradicionais. Trata-se de um “clube” que possui regras claras e conhecidas por todos os seus associados. A Carta de Princípios (documento aprovado em 1961) é a referência para todos os CTGs, que, ao se federarem, criaram o MTG como órgão orientador, coordenador e fiscalizador.

Para reconhecer o que pode e o que não pode ser realizado por um CTG associado ao MTG, basta responder afirmativamente à seguinte pergunta: essa é uma atividade tradicional? Quando a resposta for negativa, então o lugar não é o CTG. Ao dizer-se que o lugar disso ou daquilo não é o CTG não se está discriminando ou proibindo, simplesmente se está dizendo que aquilo não combina com os objetivos da sua existência.

No CTG não se pergunta qual a cor, o credo religioso, o partido político, o time do coração, a preferência sexual ou a renda familiar. Nos CTGs há patrões e patroas, brancos, pardos e negros, ricos e pobres, heterossexuais e homossexuais. As exigências para todos são as mesmas: no galpão e nas atividades tradicionalistas é imperioso o cumprimento do estatuto e que as prendas e os peões se portem segundo seus gêneros.

O Movimento Tradicionalista não interfere na vida privada das pessoas. Cada um escolhe onde quer trabalhar, o que vai estudar, em qual Deus acreditará e quem será seu parceiro.

Essas regras são legais e combinadas entre cidadãos que voluntariamente participam das entidades tradicionalistas, portanto não cabe ao poder público interferir ou tentar impor qualquer padrão de comportamento diferente disso. No Estado, temos 1.654 entidades tradicionalistas ligadas ao MTG que merecem ser respeitadas, pois elas são respeitadoras. Atitudes isoladas devem ser tratadas como tal.



*PRESIDENTE DO MTG

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

LEI ARGENTINA PERMITE INTERVENÇÃO DO GOVERNO EM EMPRESAS

FOLHA.COM 18/09/2014 08h55

Argentina aprova lei que permite intervenção do governo em empresas


FELIPE GUTIERREZ
DE BUENOS AIRES



O Congresso argentino aprovou uma lei que dá ao Executivo poderes para interferir nas decisões de produção das empresas. As medidas entram em vigor depois de serem sancionadas pela presidente Cristina Kirchner.

Com a decisão, o governo poderá tomar medidas como determinar um piso e um teto para preços produtos, ordenar que uma companhia siga produzindo um produto mesmo que esse dê prejuízo e estabelece multas caso os negócios estoquem seus bens para esperar o momento oportuno para vender.

A lei de estabelecimentos foi aprovada depois de uma longa maratona na câmara de deputados. Às 2h desta quinta (18), os deputados governistas conseguiram a maioria necessária para passar a lei. Também foram aprovadas duas outras iniciativas: um espaço para tomar decisões de direito do consumidor (algo semelhante ao Procon) e um órgão de "observação dos preços".

Fernando Sturla - 17.set.2014/Efe


Congresso argentino aprovou lei que permite ao governo intervir diretamente em decisões de empresas


NOVA LEGISLAÇÃO

A lei define que se poderá estabelecer, para qualquer etapa do processo econômico, margens de lucro e preços de referência, com níveis máximos e mínimos.

Também poderá "dispor sobre a continuidade de produção, industrialização, comercialização, transporte, distribuição ou prestação de serviços, assim como a fabricação de determinados produtos, dentro de níveis ou cotas mínimas que estabelecer a autoridade de aplicação, que vai levar em conta o volume habitual de produção e a capacidade produtiva".

Ou seja, o governo pode determinar que uma empresa deve continuar a fabricar um produto, mesmo que ele dê prejuízo. Nesses casos, há, na lei, a possibilidade de subsídios.

O governo também pode pedir "toda documentação relativa às operações comerciais da empresa ou agente econômico", mas garante o sigilo desses dados. Eventualmente, pode reter esses documentos

PUNIÇÕES

Há a possibilidade de multas a quem eleve preços "artificialmente ou injustificadamente", de maneira não proporcional aos custos, acumule matérias-primas, crie atravessadores ou etapas "artificiais" de distribuição, destrua mercadorias, negue a venda ou descontinue o abastecimento "normal e habitual".

As multas vão de 500 pesos (R$ 139) a 10 milhões de pesos (R$ 2,78 milhões; limite que pode aumentar, pois pode ser até três vezes o que a empresa ganhou com o que o Estado considerar fraude), e a empresa pode ser fechada por até 90 dias, além de perder concessões, contratos estaduais ou possibilidade de empréstimos

Durante a sessão, os deputados governistas afirmaram que os três projetos tinham como função proteger os consumidores de empresas com posição de domínio no seu mercado.

Mas para a deputada de oposição Patricia De Ferrari, titular da comissão dos direitos do consumidor, o melhor caminho para evitar que monopólios ou oligopólios abusem de seu poder econômico seria implementar tribunais específicos para isso, algo que é previsto em lei, mas que nunca foi implementado.

Ela afirma que a lei que foi aprovada nesta madrugada concentra poderes na mão do secretário de comércio, já que é a Secretaria de Comércio que irá tomar as decisões relativas à lei. ilhe no Twitter

AGORA É OFICIAL: ARGENTINA JÁ ESTÁ SOB REGIME SOCIALISTA

VEJA ONLINE 18/09/2014 às 18:35


Coluna Rodrigo Constantino





Adeus, livre mercado! Cuba vem aí…

O Congresso argentino aprovou, nesta madrugada, a reforma da Lei de Abastecimento, rejeitada fortemente pela oposição e pelo setor produtivo por considerar que aumenta o controle do Estado sobre a atividade empresarial. O projeto de lei, que já havia passado pelo Senado, foi aprovado pela Câmara dos Deputados, por 130 a favor e 105 contra.

A lei permite a fixação de limites de preços e de lucro de empresas, além do controle de cotas de produção, que ficará a cargo da Secretaria de Comércio do Ministério da Economia. O projeto ainda compreende a aplicação de multas, fechamento de empresas por até 90 dias e suspensão de registro por até cinco anos. A medida, portanto, aumenta ainda mais o poder de intervenção da presidente Cristina Kirchner na frágil economia argentina.

A deputada Diana Conti, da coalizão governista Frente para a Vitória, disse durante a maratona de debates que a nova lei “ajudaria a garantir que o Executivo tenha os instrumentos necessários para proteger consumidores”. Defensores dizem que a medida também buscará conter as demissões em tempos de crise.

Proteger consumidores? Uma piada de mau gosto. A melhor proteção que existe para consumidores está no funcionamento do livre mercado, com ampla concorrência do lado dos produtores e empregadores. Delegar tanto poder ao estado jamais protegeu consumidores ou quem quer que seja, à exceção dos próprios governantes e burocratas.

Aquilo que já era ruim ficou ainda pior. O grau de intervenção estatal na economia aumentará ainda mais agora, com essa prerrogativa esdrúxula. Se capitalismo é, na essência, os meios de produção em mãos privadas, e o socialismo é o controle estatal deles, então a Argentina já está sob um regime socialista na prática.

Manter a propriedade privada de jure serve apenas para preservar as aparências. Quando quem controla as decisões mais relevantes de uma empresa, como preço e produção, é o governo, então a propriedade de facto está nas mãos estatais, foi abolida.

Paradoxalmente para aqueles que ignoram que o nazismo foi mais afeito ao modelo socialista do que ao capitalismo liberal, esse era exatamente o método adotado pelos seguidores de Hitler. O Führer apontava dirigentes dentro das empresas, determinava o que produziriam e por quanto ou para quem venderiam. Por que socializar os meios de produção, se ele havia socializado os homens?

A Argentina caminha rapidamente rumo ao desastre socialista, como a Venezuela. Não custa lembrar que teve vários entusiastas por aqui, em nossa esquerda. Fico perplexo ao pensar que empresário ainda permanece lá, mantendo alguma chama de esperança de que poderá reverter tal curso. Dizem que a esperança é mesmo a última que morre. Sem dúvida ela morre depois do bom senso e do realismo…

Rodrigo Constantino

REVOLUÇÃO FARROUPILHA SEM DISCUSSÃO REVISIONISTA



JORNAL DO COMÉRCIO 19/09/2014 


EDITORIAL



O Rio Grande do Sul tem aderido ao revisionismo histórico e ao enfrentamento com viés ideológico antes do que com argumentos racionais. Até mesmo a Revolução Farroupilha, símbolo máximo do que há de melhor entre os feitos dos gaúchos desde o início da colonização da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, não foi poupada. No entanto, para os tradicionalistas, o tema não chega a empolgar. Às vezes é totalmente ignorado o que, a rigor, está certo. Não se reescreve a história. É que cada um de nós contribui com o seu contingente para o acervo da ciência humana. Infelizmente, este acervo compõe-se, geralmente, de mais erros e fábulas do que de verdades. Pois a Guerra dos Farrapos ou Revolução Farroupilha são os nomes pelos quais ficou conhecido o movimento armado ou guerra regional, de caráter republicano, contra o governo imperial do Brasil. O movimento levou à independência da província, dando origem à República Rio-Grandense. Estendeu-se de 20 de setembro de 1835 a 1 de março de 1845.

A revolução influenciou ações que ocorreram em outras províncias brasileiras, como a Revolução Liberal, em São Paulo, em 1842, e na revolta denominada Sabinada na Bahia, em 1837, ambas de ideologia do Partido Liberal da época. Chegou a expandir-se à costa brasileira, em Laguna, com a proclamação da República Juliana e ao planalto catarinense de Lages. Teve como líderes o general Bento Gonçalves, general Netto, coronel Onofre Pires, coronel Lucas de Oliveira, deputado Vicente da Fontoura, Pedro Boticário, general David Canabarro, coronel Corte Real, coronel Teixeira Nunes, coronel Domingos de Almeida, major Vicente Ferrer de Almeida, coronel Domingos Crescêncio de Carvalho, general José Mariano de Mattos, general Gomes Jardim. Também teve inspiração ideológica de italianos da Carbonária refugiados, como o cientista e tenente Tito Lívio Zambeccari, e o jornalista Luigi Rossetti, além do capitão Giuseppe Garibaldi, que embora não pertencesse a Carbonária, esteve envolvido em movimentos republicanos na Itália.

A questão da abolição da escravatura também esteve envolvida, organizando-se exércitos, contando com homens negros que aspiravam à liberdade. Há quem sustente que houve um massacre dos escravos que lutavam ao lado dos farroupilhas quando a derrota se tornou inevitável e o movimento se esvaía, sem mais recursos, armamento e combatentes, além da superioridade militar do Império do Brasil. Mas o que fica para as gerações que se sucederam são os ideais republicanos, atos de heroísmo e a certeza de que o Brasil teve a sorte de contar, por 50 anos, com Dom Pedro II e seus preceptores na condução dos negócios de interesse da nação. Enquanto a América Espanhola se desintegrava do México até a Patagônia, Portugal manteve unida a colônia. Depois, Dom Pedro II e Duque de Caxias não permitiram, com muita habilidade política e também pela força das armas, impedir que a mesma fragmentação ocorresse no Brasil. Os farrapos lutaram por ideais, mas eles jamais apagaram do peito o coração pulsante pelo Brasil. Hoje, dá orgulho ver-se quando dos desfiles tremulam, lado a lado, a bandeira nacional e a da República Rio-grandense.

ÉTICA DO ABUSO

 

ZH 19 de setembro de 2014 | N° 17927


JOSÉ PEDRO MATTOS CONCEIÇÃO



O Estado democrático-social é conquista da evolução do homem. O pensamento humanista, seja de base marxista, seja de fundo cristão, propugna por sociedade justa, com respeito à dignidade humana e proteção aos menos favorecidos. Houve um tempo de grandes disparidades sociais e econômicas entre cidade e campo. Hoje, os espaços urbanos abrigam as diferenças mais chocantes, pelo crescente grau de concentração em busca de sobrevivência e realização, nos países em desenvolvimento, como o Brasil. É fenômeno que data de algumas décadas, a partir do que se considera modernidade, isto é, desenvolvimento industrial, democratização do consumo e avanço tecnológico. Chegamos a um estágio que a Europa atingiu bem mais cedo, e que os EUA também alcançaram, sem o esplendor europeu, mas com impressionante estrutura cívica, organizacional e de aproveitamento de riquezas. Todos os países atravessam períodos de desajustes sociais. Afinal, as agruras do progresso são comuns. É o bom senso, a sensibilidade e o Direito que fornecem os instrumentos adequados para a superação dos males da evolução e não a ideologia ou a religião, que provocam atraso.

O Brasil é um país com ilhas de progresso de Primeiro Mundo. Falar sobre um país como um todo é difícil, tão árduo como explicar os contrastes sociais das cidades. Um dos grandes erros é acreditar possível prescindir de políticas de proteção aos menos aquinhoados, como se o mercado ou as leis naturais tivessem o condão de produzir justiça social. Outro, tão grave quanto, é fazer política pública com sentimento de culpa, como se o desvalido, ainda que permaneça sempre como tal, necessite de tratamento piedoso em qualquer circunstância.

Este falso humanismo é deletério para a vida dos cidadãos e para a organização dos polos de convívio. É inconcebível que um país que se pretende desenvolvido combine tímidas políticas sociais com proteção a vandalismo, invasores aloprados, moradores de rua – que conspurcam as cidades, apropriando-se de praças, calçadas e viadutos – ou de catadores de lixo que anulam a incipiente educação dos moradores urbanos, espalhando porcarias pelas calçadas e ruas, em absoluto estado de impunidade. Temos falhas institucionais e de estrutura, mas é preciso combater a demagogia, a acomodação, a negligência ou as ideias confusas de quem nos conduz. A cidade é para todos, habitantes e visitantes.

Advogado

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

UM MISTURA EXPLOSIVA




O Estado de S.Paulo 18 Setembro 2014 | 02h 05


OPINIÃO



Não se pode dizer que foi uma surpresa a baderna que tomou conta do centro da cidade durante 12 horas, na terça-feira - das 6 horas até o começo da noite -, provocada pela resistência à reintegração de posse, ordenada pela Justiça, do imóvel no antigo Hotel Aquarius, na Avenida São João, esquina com a Avenida Ipiranga, ocupado por 200 famílias de sem-teto ligadas à Frente de Luta por Moradia (FLM). Tais episódios vêm se tornando corriqueiros. Mas esse, além de particularmente violento, apresentou características que mostram para que terreno perigoso essas ações, promovidas pelos ditos movimentos sociais, estão caminhando.

Segundo o comandante do policiamento da capital, coronel Glauco Araújo de Carvalho, a tropa da Polícia Militar (PM) chegou ao local às 6 horas e até as 8 horas tentou convencer os sem-teto a deixarem pacificamente o local. Tanto o que diz é procedente que o tumulto só começou por volta das 8 horas, quando os ocupantes do imóvel começaram a atirar pedras, móveis e até aparelhos eletrodomésticos sobre os policiais, que reagiram com bombas de gás lacrimogêneo. A alegação dos sem-teto para sua resistência à desocupação foi de que a PM não levou ao local os 40 caminhões prometidos para ajudar na mudança. A PM assegura que os caminhões estavam lá, embora uma parte deles, nas imediações, pois não havia como estacionar todos perto do imóvel.

Até aí, esse lamentável afrontamento parecia estar dentro dos limites do que vem ocorrendo nesses casos. A situação degenerou quando entraram em cena outros atores, os mais diversos - integrantes de outros movimentos, estudantes, black blocs, usuários de drogas, ladrões e infratores. Um ajuntamento explosivo que levou a atos de violência que se espalharam pelas imediações, do Viaduto do Chá à Praça da República, e que nada tinham a ver com a desocupação daquele imóvel - depredações e saques de lojas e agências bancárias e incêndio de ônibus. A PM respondeu, além das bombas de gás, com balas de borracha.

A desordem tomou conta da região, levou o comércio a baixar as portas e tumultuou o trânsito numa ampla área da cidade. Uma situação que perdurou até o fim da tarde e começo da noite, com momentos alternados de baderna de maior e menor intensidade. Ao final, 9 pessoas haviam sido presas e 75 levadas a delegacias e soltas pouco depois. Outras 12 ficaram feridas, entre elas 5 PMs, o que torna inconsistente a acusação de excesso repressivo da polícia. O que houve foi uma verdadeira batalha, iniciada pelos sem-teto, da qual a PM, evidentemente, não podia fugir.

Há duas coisas altamente preocupantes nesse episódio. Uma é a reunião de um grupo heterogêneo como esse - de sem-teto a bandidos, passando por black blocs - numa situação como essa, que pode se repetir tanto no centro como em outras regiões onde existem imóveis invadidos. É uma combinação explosiva que, além de contaminar qualquer reivindicação, tem tudo para semear o pânico e o vandalismo na cidade, como já se viu, e cedo ou tarde acabar em tragédia.

Outra é o caráter marcadamente político e partidário que vem adquirindo a ação de grupos como a FLM, que tem notórias ligações com políticos petistas, como os deputados Adriano Diogo (estadual) e Renato Simões (federal). Ficar repetindo, como eles fazem, que os imóveis ocupados não cumprem função social só serve para incentivar novas ocupações e tentar atribuir a culpa pelo problema habitacional ao governador do Estado, que é do PSDB e comanda a PM. Ora, ele não tem nada a ver com a reintegração de posse. Ela é uma ordem judicial que o governador - seja Geraldo Alckmin ou qualquer outro - é obrigado a cumprir, acionando a PM. E, diante da resistência dos ocupantes, só resta à PM retirá-los do local pela força. Não há outra saída para esse tipo de situação.

Se os petistas ligados aos sem-teto quisessem mesmo resolver o seu problema, poderiam começar pressionando o prefeito Fernando Haddad, que é seu correligionário, a investir mais em programas habitacionais. Deixar Haddad de lado e insinuar que a culpa é de Alckmin não é sério.

FOCO DE CONFLITOS



ZH18 de setembro de 2014 | N° 17926


EDITORIAL


O poder público tem o dever de ampliar as alternativas de moradia para a população de menor renda, mas sem se submeter a pressões indevidas, que só contribuem para agravar o problema.

Merece atenção dos governantes e das autoridades de todo o país o episódio da última terça-feira em São Paulo, quando forças policiais e ocupantes de um antigo hotel entraram em confronto, gerando grande confusão e depredação no coração da maior capital do país. Há inegável motivação política nas ocupações, até mesmo porque estamos em período eleitoral, mas existe também, em São Paulo e em outras grandes cidades do país, um contingente de pessoas sem moradia com potencial para a manipulação e para a perturbação da ordem pública. A situação exige urgente atenção das autoridades para a elaboração de políticas públicas que proporcionem atendimento a quem realmente necessita. É importante que possam, ao mesmo tempo, desarmar a bomba-relógio das ocupações urbanas, que tendem a se estender por todo o país como as manifestações de junho do ano passado.

O drama da falta de moradia, que a infiltração de oportunistas entre os defensores de ações eficazes nessa área só contribui para piorar, desafia gestores públicos de todas as instâncias da federação. A estimativa, com base no Censo de 2010, é de uma carência de 6,9 milhões de unidades em todo o país. O total, que inclui desde moradias precárias até casos como mais de três pessoas convivendo num cômodo, equivale a 12,1% do total de domicílios existentes no país.

A questão é que os programas oficiais em vigor no país preveem a construção de moradias pelo setor privado, que tem pouco interesse por moradias de baixo custo. O poder público tem o dever de ampliar as alternativas de moradia para a população de menor renda, mas sem pressões indevidas, que só contribuem para agravar o problema.

Quando os sem-teto passam a ser usados por militantes de outras causas, muitos dos quais habituados a táticas agressivas, como ocorreu agora em São Paulo, todos perdem. É inadmissível que o mesmo poder público sem condições de investir o necessário em moradia digna para brasileiros incapazes de adquiri-las a não ser em condições especiais seja forçado a arcar com os danos de vandalismos, valendo-se de recursos que são dos contribuintes.








SEPARATISMOS





ZERO HORA 18 de setembro de 2014 | N° 17926


L.F. VERISSIMO




Não sei se os escoceses votarão por sair de baixo das saias da rainha Elizabeth, hoje, ou não, mas o fato de o ímpeto separatista ter chegado a este ponto (as últimas pesquisas davam um empate técnico entre o “sim” e o “não”) num país do Reino Unido, aquela aconchegante matriz do “Commonwealth”, que os britânicos inventaram para fingir que ainda têm um império, mostra como nem as presumíveis zonas de conforto do mundo estão livres dos contrassensos da História. A secessão escocesa seria uma bonita vitória de ideais abstratos mas respeitáveis como independência e identidade nacionais, mas seria, ou será, um contrassenso. Isto se você concordar que o senso da História deveria ser para a integração cada vez maior de nacionalidades em vez de um retorno ao tribalismo. E todos os ímpetos separatistas, por mais nobres e justos que sejam, são movidos por uma saudade da tribo. Ou, no caso da Escócia, do clã.

Não há analogia possível entre a secessão escocesa e outros movimentos separatistas no mundo – mesmo porque não há analogia possível entre a relação da Inglaterra com o resto do Reino Unido e a relação de qualquer outro governo do mundo com suas províncias – mas todos têm em comum esse caráter regressivo, essa nostalgia tribal. Você pode simpatizar com a rebeldia de uma Catalunha ou de um País Basco, ligados ao governo central em Madri apenas por frágeis formalidades, ou com o País de Gales, que talvez seja o próximo pedaço da Grã-Bretanha a pedir seu boné. Mas cada reivindicação de autonomia de um desses países autodefinidos por uma cultura e uma língua próprias é um passo na direção errada. Acho eu.

Mas é difícil resistir aos apelos do separatismo. Uma vez, alguém me mostrou num mapa o que, na sua opinião, era o país perfeito. Começava na Toscana, incluía o Piemonte, pegava um naco da Cote D’Azur e toda a Provence. Era um país em que não faltaria nada, nem em paisagens, nem em gastronomia, nem em qualidade de vida (e que vinhos!), e que só precisaria eliminar uma fronteira nacional e criar outra para existir. Tem gente que defende a sério uma secessão gaúcha, mas volta e meia surgem especulações menos sérias sobre como seria um país desejável do Sul. Ele talvez incluísse o Paraná, mas há controvérsias. Santa Catarina não poderia ficar de fora, se por mais não fosse, pelas suas praias. E anexaríamos o Uruguai, certamente. Tudo puro delírio, claro. Se bem que... Não, não. Puro delírio.

Há quem diga que já houve uma secessão no Brasil. São Paulo separou-se do resto e há anos é a sua própria União independente. Não sei.

ESTÁ DECRETADO: EU NÃO PRESTO!





ZH 18 de setembro de 2014 | N° 17926


THYAGO DUARTE DA CUNHA*



Sou jovem, católico, tenho uma ideologia política que prima pelo respeito à propriedade privada e ao empreendedorismo, respeito as minorias e os que mais necessitam. Mas eu não presto! Não presto por ser rotulado como um agente político de “direita”.

Ao contrário dos rótulos que sofro, não busco adjetivos para aqueles que se denominam de “esquerda”, que defendem as invasões, as quebradeiras e a omissão da força policial em atos de vandalismo, que fazem propostas de melhorias nos serviços básicos sem dizer claramente de onde sairão os recursos para que sejam executadas. Apenas me permito pensar, agir e militar de forma diferente. Mas eu não presto!

Assim como sou rotulado de ser preconceituoso contra a livre orientação sexual pelo simples fato de ser católico, o que o tempo e as ações da Igreja Católica, através do Papa, vêm demonstrando que é uma grande inverdade. Também sou rotulado de ser contra os pobres por ser de “direita”. Está decretado: eu não presto!

É oportuno lembrar que os de “direita” são aqueles que geram mais empregos neste país e que, com isso, acabam assalariando uma classe que não teve as mesmas oportunidades. Os de “direita” também são aqueles que mais pagam impostos e acabam patrocinando um governo que se preocupa mais com as emendas parlamentares – aquelas que garantem a tal “governabilidade” no Congresso – do que com saúde, educação e segurança. Mas, se eu defendo a propriedade privada, o respeito às instituições e a ordem na sociedade, eu acabo sendo rotulado de “direita”. Logo, eu não presto!

Queres ser de “esquerda”? É justo. Desde que seja pela tua própria mente, e não pelo que se cria, com a demonização de quem ousa pensar diferente. Eu sou de direita e, por isso, não presto! Mas tenho certeza de que realizo muito mais ações sociais que impactam diretamente na vida daqueles que mais necessitam do que muitos que me rotulam de forma vaga. E o faço – sem a necessidade de mostrar que faço – por ter uma formação em valores cristãos, pelos quais a dignidade do ser humano é uma “cláusula pétrea” e, para isso, independe ser de direita ou de esquerda, bastando agir, em vez de ficar buscando desconstituir os outros.

*Servidor público

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

O REI E A LEI


JORNAL DO COMÉRCIO 17/09/2014


Jorge Claudio Cabral


Havia um reino que tinha um rei tolo. O rei tolo disse para o único sábio do reino dos tolos: No meu reino, há muita mentira, a partir de hoje quem mentir será decapitado. O sábio disse ao rei tolo: A verdade (educação) não se impõe por decreto, conquista-se através dos anos com os ensinamentos da verdade. O rei, como era tolo sem cabeça, pois o negócio dele era tirar cabeças e não fazer cabeças, disse: O primeiro que passar amanhã pelo portal do reino vai ser instado a dizer a verdade, se mentir será decapitado e eu estarei lá com o carrasco. Dito e feito, no dia seguinte estava lá o rei tolo e seu carrasco mentecapto (sem cabeça). Quando o dia raiou, eis que o primeiro a entrar foi o sábio do reino. Perguntado pelo tolo carrasco sobre aonde ia, diga a verdade, o sábio do reino disse: Vou ser decapitado. O tolo carrasco redarguiu: Não mintas sábio do reino. O que lhe respondeu: Se estou mentindo, cumpra com o seu dever e me decapite.

O carrasco olhou para o rei e lhe cochichou no ouvido: Se ele estiver falando a verdade, mataremos um inocente e, se não matarmos, ficará para sempre a dúvida da mentira, mas será preservada a vida do sábio do reino. O rei, neste exato momento, revogou o decreto. Imaginamos um estádio de futebol de um grande clube cheio de torcedores emitindo sons provocativos, não por intuito ou ideologia segregacional, mas para provocar o poder penalizante constituído. Como aplicar a pena? Todos serão presos em flagrante? A pena será igual para todos? E a minoria que não emitiu som, será presa por estar no estádio? Qual a culpa do clube se a manutenção da ordem é dever do poder público? Respondam-me sábios do Reino. Albert Einstein afirmava que duas coisas eram infinitas: a tolice e o universo, quanto ao universo, ele não tinha certeza. Educando as crianças, não precisaremos punir quando adultos (Pitágoras).

Advogado

HOMENS, SANTOS E DESERTORES


ZH 17 de setembro de 2014 | N° 17925


MARTHA MEDEIROS


Outro dia, o Fábio Prikladnicki escreveu um artigo interessante sobre essa mania de aplaudir de pé qualquer apresentação teatral, seja ela excelente, razoável ou uma porcaria. É de fato constrangedor prestar reverência a um artista apenas por hábito, mas felizmente não foi o que aconteceu sábado passado no Theatro São Pedro, quando o ator Ricardo Blat foi tão magnífico em Homens, Santos e Desertores, que até uma múmia daria um jeito de levantar ao final. Foi aplaudido com vigor, confirmando que, na televisão, atores coadjuvantes ficam presos a uma jaula com poucos recursos, mas no palco ganham uma liberdade de atuação que os torna comparáveis aos grandes. Só achei a peça curta: uns 15 minutos a mais poderiam aumentar a consistência do conflito mostrado no palco. Mas o que importa é que o desempenho foi hipnótico e os aplausos em pé se justificaram – reação espontânea e agradecida da plateia.

O texto é de Mario Bortolotto, um dos nomes em evidência na nova dramaturgia brasileira. Na peça, ele coloca em cena a inadequação social, a dificuldade de se integrar e a solidão como rota de fuga – há muitos desertores por aí. Pode-se desertar de uma forma convencional (colocar o pé na estrada) ou trágica (o suicídio). E, como desertores não costumam olhar para trás e avaliar os estragos causados, cabe àqueles que ficam administrar o abandono.

“Ninguém nunca tem culpa sozinho.” Essa é uma frase que pincei da peça e que pode confortar ou incomodar, depende: a quem atribuímos a tal culpa? Quando a culpa parece ser apenas dos outros, daqueles que não nos aceitam como somos, que vivem à revelia das nossas vontades, vale perguntar: por que colocamos nas mãos deles o que é responsabilidade nossa? As outras pessoas não vieram ao mundo para nos bajular, para nos mimar. Elas têm suas próprias necessidades, suas próprias carências. Não são agressores conscientes, apenas estão tocando a vida da forma que acham que devem. Serão os únicos culpados pela nossa infelicidade? Nós é que devemos encontrar um jeito de não sermos tão dependentes do olhar alheio.

Por outro lado, se assumimos sozinhos a culpa pela nossa incompetência diante da vida, pela nossa dificuldade em lidar com os desafios, por não conseguirmos manter laços afetivos, também é um exagero. O egoísmo do mundo tem crescido, as pessoas andam desinteressadas em manter vínculos, temos sido jogados às feras mesmo. Os outros contribuem para nossa dor, sem dúvida.

Do que se conclui: tudo o que nos acontece tem vários “pais” e “mães”. Ao reconhecermos isso, fica mais democrática a distribuição de responsabilidades e o impulso de fugir diminui. Desertar é uma tentativa de escapar da culpa, mas raçudo mesmo é aquele que fica e a reparte – e toca a vida sem abandonar ninguém.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

QUE BANDEIRA QUEREMOS?


ZH 16 de setembro de 2014 | N° 17924


PATRÍCIA TRUNFO


Nenhum movimento pode sobrepor a sua bandeira à do Rio Grande ou à do Brasil, pois todas as bandeiras inserem-se numa mesma história, simbolizada por nosso estandarte comum.

Assim, reconhecendo a necessidade do respeito às diferenças, precisamos valorizar o que nos é comum, a história do nosso Estado, do nosso país, elemento que nos aproxima, identificando-nos como povo, como nação, fortalecendo-nos para brigarmos juntos por nossos direitos, mesmo que essa história passe por fatos nem sempre elogiáveis, em alguns momentos reprováveis, às vezes não tão bem contados ou interpretados.

Afinal, preferimos um Estado forte ou um governo forte? O Estado forte, que atenda a todos, é construído pela união de seu povo em torno de objetivos comuns. O governo forte pode ser construído a partir da legitimação de um Estado forte – e aí teremos ambos –, mas também pode ser construído à margem disso! A exaltação do que nos diferencia, o estímulo à “guerra de todos contra todos”, a divisão maquiavélica para melhor “governar”, sob a justificativa muitas vezes aparente de “respeito às minorias”, pode vir em benefício daqueles que querem chegar ou se manter no poder, preocupados com seus interesses particulares ou de grupos políticos, à margem do Estado e das instituições democráticas.

Ressaltando que todos devam ser considerados, na diversidade de suas posições ideológicas, sociais, raciais, sexuais, parece evidente que o ultrapassar da exigência moral e jurídica de igualdade em direitos na busca de um bem comum, para estimular a imposição, muitas vezes arbitrária e violenta, de ideias e valores de uns aos outros, antes de tornar isonômica a convivência social, serve a quem quer passar despercebido nas suas atitudes nem sempre aprováveis. Enquanto a sociedade volta seu interesse apenas a suas divisões de grupos, numa atitude autofágica, não atenta ao debate político e às atitudes dos que estão ou querem chegar ao poder, possibilitando a instalação de um governo forte em um Estado fraco, em favor de alguns e não de todos. Qual bandeira queremos? A que nos une e fortalece ou a que nos separa e enfraquece?

Advogada da União, professora universitária

DIREITOS DOS ADULTOS E DAS CRIANÇAS

ZH 16 de setembro de 2014 | N° 17924


MARCELLO BLAYA PEREZ


O casamento de Solange, 24 anos, e Sabriny, 26, no sábado, em Santana do Livramento, é uma vitória justa das duas corajosas jovens e das autoridades na luta contra o preconceito. São duas moças adultas cuja opção homossexual é um direito líquido e certo, mesmo que ofenda as pessoas com tendências conservadoras e provoque reações como a do incêndio do CTG, onde seria o casamento delas.

A decisão do juiz Rafael Cunha, de Santa Maria, é diferente, pois envolve o futuro de uma criança. Fernanda, 26 anos, e Marina, 27, casadas há dois anos, contaram com a colaboração do amigo Luis Guilherme, que engravidou Fernanda com a condição de que, na certidão de nascimento, constasse seu nome como pai. A filha, Maria Antonia, nasceu de parto normal no dia 27 de agosto último e o juiz decidiu que a certidão de nascimento terá duas mães.

Lésbica se origina do nome de uma ilha grega, Lesbos, onde viveu há 2.600 anos uma poetisa talentosa cujos poemas proclamavam sua adoração pelo amor e pelas mulheres. Platão chamava Safo de musa! Na Idade Média, mais de 300 mil mulheres, muitas delas lésbicas, foram queimadas pela Santa Inquisição. Sorte o revoltado haver incendiado o CTG e não, como a Santa Inquisição, as moças.

Eu nasci no dia 7 de abril e meu pai fez o registro no dia 17 de maio. Carteira de identidade, de motorista e todos os documentos têm a data de 17 de maio e os nomes de mãe e pai. Algumas vezes em que devo dizer a data do nascimento, me engano e sou obrigado a explicar o fato. Nesses momentos, sinto raiva de meu pai, que foi um excelente pai.

Imaginem a situação da Maria Antonia com essa certidão de nascimento com duas mães e seis avós! Façamos uma enquete perguntando a adolescentes como se sentiriam nessa situação e imagino que a opção por um pai e uma mãe únicos seria algo como 99%.

E o problema não é só o de Maria Antonia. Muitos casais homossexuais, de mulheres e de homens, estão recorrendo às trindades para satisfazer seu desejo de ter uma família completa. Se a decisão do juiz de Santa Maria não for contestada, as crianças nascidas desses trios também terão certidão de nascimento semelhante!

Se eu fosse o titular da Promotoria de Justiça que defende os direitos de crianças e adolescentes, certamente moveria um processo tentando anular essa decisão, que, acredito, vai infernizar a vida dessa menina e de muitas outras crianças, já a partir da escola primária.

Médico psicanalista

sábado, 13 de setembro de 2014

BICOTE DOS MILITARES

REVISTA ISTO É N° Edição: 2338 | 12.Set.14


Agentes da ditadura se negam a prestar informações à Comissão da Verdade. Mesmo assim, processo que apura a morte e o desaparecimento do deputado Rubens Paiva é reaberto

Alan Rodrigues


Depois de dois anos de trabalho, 1.045 depoimentos em 73 audiências públicas, os integrantes da Comissão Nacional da Verdade (CVM) mapearam e ajudaram a esclarecer boa parte dos casos de torturas, mortes, e ocultação de cadáveres praticadas ou comandadas por agentes do Estado durante a ditadura militar. No entanto, a três meses da entrega do relatório final, os responsáveis pelas investigações que apuram as denúncias de violações aos direitos humanos se depararam com um obstáculo: a resistência de militares em colaborar com a comissão. Talvez estimulado pelo fato de até hoje as Forças Armadas se recusarem a reconhecer as práticas de tortura e morte durante o regime, o tenente do Exército José Conegundes do Nascimento, que atuou na Guerrilha do Araguaia, se recusou a depor sobre suas atividades na repressão. Pior. Ainda provocou a Comissão. “Não vou comparecer. Se virem. Não colaboro com o inimigo”, escreveu Conegundes em documento. Convocado, o general do Exército José Brandt Teixeira seguiu na mesma toada. “Segundo orientação do Comando do Exército, as convocações devem partir daquela autoridade”, escreveu ele na intimação.


À REVELIA
Ao mesmo tempo que militares celebram pacto para se manter calados,
ação penal do caso Rubens Paiva volta a tramitar na Justiça

O boicote dos militares, no entanto, não tem surtido o efeito desejado por eles. A Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal, do Rio, decidiu na quarta-feira 10, por unanimidade, restabelecer a ação penal e retomar o processo que apura a morte e o desaparecimento do deputado federal Rubens Paiva, em janeiro de 1971. Pela primeira vez, a Justiça brasileira reconheceu que os crimes praticados por militares durante a ditadura foram contra a humanidade. Os três votos a favor do processo descartaram a intenção da defesa dos militares de que o crime prescreveria e eles não poderiam ser julgados pela Lei de Anistia. “Os crimes cometidos contra a humanidade não podem ser abraçados pela Lei de Anistia”, afirmou a procuradora Silvana Batini. O processo estava parado desde que um habeas corpus fora impetrado por cinco militares acusados de assassinar e ocultar o corpo do ex-deputado.


SILÊNCIO FARDADO
Em documento encaminhado à Comissão da Verdade, o tenente
do Exército José Conegundes do Nascimento se recusa a
colaborar com o que chama de "inimigo"

Foto: Marcos Tristão/Agência o Globo

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

DIREITO À FELICIDADE


CONSULTOR JURÍDICO, 7 de setembro de 2014, 07:52

Por Alessandro Cristo



"Direito à felicidade eleva os propósitos do STF, não os deprecia"

A ideia de que o Produto Interno Bruto não é o melhor número para se avaliar o bem-estar de uma nação já foi defendida por prêmios Nobel como Joseph Stiglitz e Amartya Sen. O Índice de Desenvolvimento Humano já faz parte dessa avaliação desde meados de 1993 graças à Organização das Nações Unidas, e inclui padrões mínimos de vida e de sustentabilidade. Um olhar mais atento, no entanto, começa a perceber uma nova mudança, que já chega à Justiça. Em todo o mundo, diversos precedentes já usam o conceito de "direito à felicidade". Longe de ser um critério subjetivo ou de inaugurar um princípio, a novidade tem aplicações práticas e já foi usada até mesmo pelo Supremo Tribunal Federal, ao decidir que casais homoafetivos têm direito à união estável.

O advogado Saul Tourinho Leal monitorou esses julgados durante quatro anos — em três continentes. Agora, o constitucionalista, que dá aulas no Instituto Brasiliense de Direito Público, lança a obra Direito à Felicidade, fruto de sua tese de doutorado a respeito.

Leal é doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP e atua no Supremo pelo escritório Pinheiro Neto Advogados. Foi pesquisador visitante na Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, e esteve no Quênia para falar de ativismo judicial a convite da Comissão de Implementação da Constituição do país.

Embora trate do mesmo tema, a tese nada tem a ver com a chamada PEC da Felicidade, proposta em 2010 — que não andou, segundo Leal, devido ao preconceito contra seu suposto subjetivismo. "O direito à felicidade já está positivado na Constituição, quando menciona o 'bem-estar' da população", garante.

Participação popular, busca da felicidade e direito aos meios para essa busca são os três pilares que sustentam uma gama de centenas de outros, com um alicerce importante. "Diante o desafio de tomar uma decisão pública dentre várias opções possíveis, deve-se primar por aquela que amplie a felicidade de todos no longo prazo", explica.

O "cartão de visitas" da tese é o voto do ministro Celso de Mello, do STF, no julgamento do direito de casais homoafetivos formalizarem união perante o Estado — clique aqui para ler. Para o ministro, o direito dos homossexuais está baseado, entre outras previsões constitucionais, no "direito à busca da felicidade". O voto citou artigo de Tourinho Leal a respeito.

Envolvido na pesquisa, o advogado viveu outra experiência que também virou livro. Na África do Sul, acompanhou o funeral do líder Nelson Mandela e a comoção nacional causada pela partida do responsável pela unificação de um país reconstruído graças ao respeito à história das vítimas da violência do apartheid, sem ceder à tentação do revanchismo. Para Leal, diferentemente dos sul-africanos, o Brasil está longe de fechar suas feridas justamente porque insiste em manter o ódio contra algozes da ditadura militar. Publicada este ano, a obra A Construção dos Direitos Fundamentais e a Esperança: Da África do Sul ao Brasil compara as diferenças e avalia os novos movimentos populares brasileiros sob o enfoque do que diz ter sido o combustível das manifestações de junho de 2013: a esperança.

Leia a entrevista:

ConJur — Como surgiu a ideia de uma tese sobre o Direito à Felicidade?
Saul Tourinho Leal — Tem coisas que a gente não consegue explicar. Em 2008, eu estava na sessão do Supremo Tribunal Federal acompanhando os julgamentos. Estavam decidindo se o estado de Pernambuco deveria indenizar um garoto que ficou tetraplégico após ser alvejado num assalto em Recife. De repente, o ministro Celso de Mello se opôs ao voto da relatora e concedeu o pedido. Dentre os argumentos, citou o "direito à busca da felicidade". Fiquei arrepiado. Eu era aluno do mestrado no Instituto Brasiliense de Direito Público e passei a estudar o assunto. Escrevi um artigo e publiquei no site do IDP. Anos depois, novamente no STF, vejo o ministro Celso de Mello mudar o tom de voz para se manifestar sobre o caso das uniões homoafetivas. A corte era pura emoção. O ministro menciona o meu artigo e usa-o como parte dos seus argumentos, permitindo a união homoafetiva no Brasil. Eu não acreditei. Como assim? Ali eu percebi que havia um propósito maior.

ConJur — Como esse conceito pode mudar as decisões políticas e judiciais?
Saul Tourinho Leal — Ele abraça duas premissas: na primeira, devemos considerar as consequências das decisões públicas. Depois, a meta de boa parte delas deve ser a ampliação da felicidade ao maior número de pessoas. “Boa parte” porque pode ser que, em alguns casos, esse raciocínio colida com os direitos das minorias. Nessa hipótese, o escudo da dignidade da pessoa humana é mais forte e o raciocínio não pode ser aplicado. Quanto às políticas públicas, vamos a um exemplo: ter um carro, uma moto, é sinônimo de liberdade, de autonomia, dois bens valiosos para a teoria da felicidade. Contudo, devemos pensar sempre no longo prazo. Quais os efeitos da explosão do número de veículos? Os engarrafamentos, os atrasos, o estresse, as batidas, a ampliação do valor das franquias de seguro... Isso é bom para a felicidade? Claro que não. Devemos expulsar as pessoas das cidades? Também não, elas são felizes morando ali. Então como decidir? Primeiro, sabendo o que é importante para as pessoas e o quanto isso afeta sua sensação de felicidade. Pedágio, rodízio ou transporte público? Podemos reposicionar a política e investir naquilo que, no longo prazo, faça as pessoas mais felizes.

ConJur — De que direitos estamos falando exatamente?
Saul Tourinho Leal — Primeiramente, o direito à felicidade pública, que é a participação popular. Recente estudo que comparou a felicidade dos cidadãos de diferentes cantões suíços concluiu que há variações quanto ao nível de felicidade de acordo com a extensão da democracia direta — como iniciativas populares, referendos, plebiscitos. Quanto mais direta é a democracia, maior é a felicidade. É uma pesquisa de Bruno Frey. Se compararmos os cantões em que esses direitos são mais amplos com os em que são menos, a diferença na felicidade é tão grande quanto se a renda tivesse duplicado. Depois, temos o direito à busca da felicidade, que é o direito de perseguir um projeto de satisfação de aspirações legítimas, desde que não haja violações a direitos de terceiros. Na sequência, o direito aos meios à busca da felicidade, que consiste, segundo Adam Smith, em assegurar às pessoas um pouco de segurança, os direitos sociais. Tudo em sintonia com a dignidade da pessoa humana, ou seja, o direito à felicidade não abraça prazeres perversos. Por fim, a ponderação: diante o desafio de tomar uma decisão pública dentre várias opções possíveis, deve-se primar por aquela que amplie a felicidade de todos no longo prazo.

ConJur — Quanto essa ideia é inovadora no Brasil?
Saul Tourinho Leal — Em 1822, quando D.Pedro I decidiu desobedecer às ordens de Lisboa e permanecer no Brasil, foi saudado com gritos de “Viva a Constituição” e “Viva El Rei Constitucional”. A frase dele foi: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico!” Era o nascimento do constitucionalismo brasileiro. Debates do STF sobre células-tronco embrionárias ou uniões homoafetivas invocam o direito à felicidade. Decisões sobre a Marcha da Maconha e as políticas de cotas, apesar de não usarem a palavra “felicidade”, se valem da escola utilitarista, cuja meta é ampliar a felicidade dos povos.

ConJur — Quais as previsões desse direito no mundo?
Saul Tourinho Leal — A felicidade é um direito na Declaração de Independência dos Estados Unidos, nas Constituições do Japão, Coreia do Sul, da República Francesa de 1958, Butão, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, até chegar à ONU, que aprovou uma resolução indicando que os governos devem elaborar suas políticas visando à felicidade. É algo relevante. A Grã-Bretanha, com David Cameron, criou um órgão para mensurar o impacto das políticas públicas na felicidade das pessoas. A França fez o mesmo, com o suporte de dois Prêmios Nobel, Amartya Sen e Joseph Stiglitz. Pesquisei o desenvolvimento da jurisprudência sul-coreana, norte-americana e brasileira. É impressionante a identidade de temas fundamentados no direito à felicidade: proteção à propriedade privada, combate aos excessos da tributação, liberdade para se casar com quem se quer, necessidade de ser deixado em paz — ou direito ao esquecimento — e respeito à privacidade.

ConJur — Quando sua tese foi defendida e quando o livro será lançado?
Saul Tourinho Leal — Defendi na PUC de São Paulo em agosto de 2013, numa banca coordenada por Marcelo Figueiredo, após quatro anos de pesquisas em três continentes, passando por instituições como a Universidade Georgetown, nos Estados Unidos, e tendo encontros com pesquisadores como Carol Graham, referência na aferição da felicidade dos povos. Agora, saiu uma edição do livro dirigida a pesquisadores. Mais à frente, quem sabe, teremos uma edição comercial.

ConJur — Quais foram os questionamentos que ela sofreu?
Saul Tourinho Leal — Falam da subjetividade da expressão. Também temem uma banalização dos direitos fundamentais e os riscos de conferir uma carta em branco a quem toma decisões públicas. Mas a fluidez do conceito de felicidade não é motivo para se negligenciar o tema. Quando o intelectual foge de temas complexos, quem perde é a comunidade. Os métodos científicos são objetivos, mas a ciência visa à verdade, e o que é a verdade? Aí já há fluidez. Imagine o pântano no qual estaríamos se não tivéssemos nos empenhado em debater o conceito de dignidade da pessoa humana. O conceito de justiça é fluido, mas nem por isso Hans Kelsen deixou de investigá-lo. O direito à felicidade invoca liberdade. Liberdade é um novo direito? Invoca condições mínimas de existência. Isso é um novo direito? Quanto à carta em branco, não sou eu quem deve fazer esse controle. O que devemos é nos precaver contra a retórica delirante, demagógica. Falo da Prússia, de Cuba, do Butão e da Venezuela, nações que invocaram a felicidade esquecendo-se da sua base: a liberdade. Questionar é um dever científico. Quem o faz está exercendo o seu papel. Mas não podemos esquecer que investigar e insistir também é. E é o que eu tenho feito.

ConJur — Essa discussão se encaixa em situações concretas ou é só um alicerce para uma mudança de pensamento?
Saul Tourinho Leal — Ela é importante porque reposiciona os propósitos públicos. Se uma nação se escandaliza quando se fala em felicidade dos povos, pode acreditar que o tempo gerou uma adaptação perversa em seu povo e que seus intelectuais estão ocupados demais para se debruçarem sobre temas valiosos. Essa tese tanto responde a inúmeros dilemas contemporâneos com segurança, como relembra o verdadeiro eixo do pensamento relativo ao papel do Estado.

ConJur — Como positivar o direito à felicidade?
Saul Tourinho Leal — Se eu escrevo num texto legal: “todos têm o direito à alimentação”, eu positivei, mas nem por isso as pessoas deixarão de sentir fome se nada for feito. A proteção jurídica ao direito à felicidade já existe na Constituição, explicitamente. Os economistas não usam só a expressão “felicidade”, eles falam em “bem-estar”. E o que diz o preâmbulo da Constituição? Que o Estado Democrático brasileiro se destina a assegurar o “bem-estar” de sua gente. Recentemente, na Associação dos Advogados de São Paulo, a ministra Cámen Lúcia, do STF, disse que o Estado existe para que as pessoas tenham mais chances de ser felizes. A ministra sabe o que está falando. Já o direito à busca da felicidade, esse é uma expressão da liberdade. Para que as pessoas busquem sua felicidade, temos que assegurar-lhes um prato de comida, um teto para dormir embaixo, um hospital para combater os males e uma escola para lhes tirar da ignorância. São os direitos sociais. Ou seja, a felicidade já está positivada.

ConJur — É possível ajuizar uma ação tendo esse princípio como base?
Saul Tourinho Leal — Ajuizar, sim, mas ter a concessão da aspiração à felicidade, por parte de um juiz, não. Imagine um sujeito que ajuíza uma ação dizendo que quer ser feliz. Isso é brincadeira. É como ajuizar uma ação querendo um bife à milanesa porque a Constituição assegura o direito à alimentação. Nós temos instituições, o Judiciário não está aí para brincadeiras. O que pode acontecer é a pessoa pleitear, por exemplo, a cirurgia conhecida como de mudança de sexo e, em seus fundamentos, suscitar o direito à busca da felicidade. Aí, sim. Estaríamos falando de desdobramentos do direito à felicidade. Nessas hipóteses, é plenamente possível.

ConJur — O condenado tem direito à felicidade? Em que medida?
Saul Tourinho Leal — Qual a finalidade das leis penais? A felicidade dos cidadãos, incluindo-se, nesse cômputo, os próprios condenados, que também devem ser considerados. Vamos a um caso concreto: um jovem do interior de Minas Gerais, sem antecedentes criminais, foi preso em flagrante e denunciado pela prática do crime de furto, por haver tentado levar um pedaço de carne de um supermercado. Após a prisão, sofreu uma ação penal. A Defensoria Pública tentou paralisar a ação no Tribunal de Justiça, mas o pedido foi negado. Um novo pedido foi feito, ao Superior Tribunal de Justiça, que também o negou. Ele chegou até a Suprema Corte. Lá, a ação penal foi paralisada. Essa decisão do STF mostra que Cesare Beccaria está certo quando disse ser melhor prevenir os crimes que puni-los: “Esta é a finalidade precípua de toda boa legislação, a arte de conduzir os homens ao máximo de felicidade, ou ao mínimo de infelicidade possível, para aludir a todos os cálculos dos bens e dos males da vida”, disse Beccaria. Deixe que eu mostre outra perspectiva: Derek Bok foi reitor de Harvard. Para ele, vale à pena conhecer os efeitos negativos que a prisão impõe ao casamento e à paternidade, principalmente nas regiões urbanas. Bok sugere que o Legislativo pode rever a aplicação de penas de prisão obrigatória para delitos de drogas e outros crimes não violentos. Isso, para determinar se os efeitos de dissuasão são suficientes para justificar as consequências devastadoras para as famílias. O raciocínio encontrou amparo no STF por meio da jurisprudência dos crimes de bagatela, que aplica o princípio da insignificância a crimes como o narrado acima.

ConJur — A atual indústria do dano moral não é um exemplo do estrago que se pode causar com um conceito subjetivo? Se calcular a honra de uma pessoa gera inúmeras discussões, como avaliar o quanto vale sua felicidade?
Saul Tourinho Leal — O dano moral é uma conquista. Não podemos temer conquistas pelo mau uso que eventualmente se dê e elas. Inclusive, acho que estamos atrasados nesse tema. Hoje em dia, fala-se em danos hedônicos, uma nova dimensão a compor os danos morais. Há decisões nos Estados Unidos entendendo que a mera reparação pecuniária quanto à dor e ao sofrimento não englobaria os delicados aspectos relativos à perda da felicidade com o gozo da vida. Danos hedônicos são compensações a um indivíduo pela perda da capacidade de desfrutar os prazeres da vida. Dois outros elementos são as expectativas do indivíduo para o futuro, bem como o gozo de atividades passadas. Para ilustrar, podemos utilizar como elementos informadores do valor do dano hedônico a incapacidade de dançar, de nadar, de praticar esporte, de se exercitar ou de se envolver em atividades recreativas, de surfar, de tomar sorvete, de ter relações sexuais, de fazer tarefas domésticas, de brincar com os filhos ou de desfrutar da companhia dos amigos. São novas dimensões do dano moral ou, para alguns, um novo tipo de dano que merece reparação.

ConJur — Um conceito tão aberto não escancara a porta para o ativismo judicial?
Saul Tourinho Leal — Excessos não virão em razão do direito à felicidade. Kant defendeu a concepção de autonomia, cuja consequência é a dignidade da pessoa humana. Há decisões judiciais no Brasil determinando indenizações a pessoas que fizeram “gambiarras” de energia, um crime, com base na dignidade. A tese é a culpada? Claro que não. Eu tive o cuidado de trabalhar bem o suporte fático do conceito para não darmos espaço para fantasias. Participação popular de qualidade, liberdade, segurança e dignidade. É a base.

ConJur — Há quem diga que a Constituição de 1988 criou um arcabouço tão grande de direitos que eles não cabem no orçamento. A ideia de felicidade não esgarça ainda mais essa corda?
Saul Tourinho Leal — Adam Smith é um dos marcos teóricos dessa tese e não posso dizer que seja um defensor de um “Estado-babá”. Imagine que uma política pública tem que optar entre água limpa para todos e um tratamento experimental para uma vítima de enfermidade incurável, cuja perspectiva é mexer um dedo a longo prazo. Conheço um caso assim. Qual das decisões seria a mais adequada segundo a teoria da felicidade? Água potável para todos, sem dúvida. Por quê? Porque concretiza em maior dimensão as bases do direito à felicidade, principalmente a segurança. Além disso, a mitigação que gera sobre o outro lado não o destrói quanto à sua dignidade. Veja que o que fizemos foi reduzir os riscos do voluntarismo político ou judicial. Não é coisa de aventureiro.

ConJur — E quanto a instituições que defendem direitos difusos e coletivos, como o MP e a Defensoria Pública? Elas teriam esse bom senso ao exigir políticas públicas?
Saul Tourinho Leal — Se o fizessem, seria um excelente uso. Recentemente, a Procuradoria-Geral da República ajuizou uma ação no Supremo contra o crime de pederastia ou outro ato de libidinagem em lugar sujeito à administração militar. Fundamentaram o pedido no direito à busca da felicidade. Isso é ruim? Penso que não. É uma tese, uma forma de compreender o mundo. Cabe ao STF responder argumentativamente.

ConJur — A Justiça é a face do Estado da qual o cidadão menos duvida, mas sua sobrecarga ameaça esse título. Princípios abertos não a sobrecarregarão ainda mais?
Saul Tourinho Leal — O Supremo Tribunal Federal vira e mexe se queixa da quantidade de casos que tem que apreciar. Recentemente, o ministro Luís Roberto Barroso apresentou uma proposta visando conferir agilidade à corte. Qual é o propósito de uma corte como o STF? A felicidade das pessoas. E sabe onde isso está escrito? Na certidão de nascimento da jurisdição constitucional. A Constituição da Pensilvânia de 1776, nos Estados Unidos, criou o Conselho de Censores que, posteriormente, viraria o embrião da Suprema Corte. Foi dada a ele a prerrogativa de declarar leis inconstitucionais. Eu vou ler aqui o fundamento: “Quando for necessário à conservação dos direitos e felicidade do povo”. Olhe só. Princípios garantem a eternidade dos textos constitucionais. Não devemos temê-los, mas sim compreendê-los e dar-lhes a devida aplicação. O direito à felicidade eleva os propósitos do STF, não os deprecia.

ConJur — Pelo menos um voto no Supremo sua tese já tem a favor. Em que a citação feita pelo ministro Celso de Mello no caso do casamento homoafetivo ajuda a tornar esse entendimento mais prático?
Saul Tourinho Leal — O voto mostra um compromisso intelectual sincero do ministro em investigar qual a roupagem do direito à felicidade. Ele compreende que o direito está ligado à dignidade da pessoa humana. Para mim, essa é só uma das possibilidades. De todo modo, a manifestação de um humanista da envergadura do ministro Celso de Mello mostra que o assunto é levado a sério em suas múltiplas dimensões e que a Suprema Corte brasileira, na linha de outras respeitadas supremas cortes, como a norte-americana, vem utilizando esse direito para fundamentar decisões célebres expandindo o contato com os direitos fundamentais.

ConJur — Em 2010, a comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou a PEC 19/2010, a chamada PEC da Felicidade, de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT-DF). Mas a tramitação não andou e a discussão ganhou contornos caricatos. Em que essa proposta coincide com sua tese e no que ela ajudou ou atrapalhou?
Saul Tourinho Leal — Houve uma compreensão equivocada quanto à PEC, que não é somente de iniciativa do senador Cristovam Buarque. Há também uma proposta da deputada federal Manoela D’Ávila. O senador Cristovam é um educador. Ele foi reitor da UnB, governou o Distrito Federal, foi ministro da Educação, tem uma vida dedicada à educação. Ele merecia ser aplaudido, mas quando apresentou a proposta, imediatamente veio a galhofa: “eu serei feliz com uma piscina, então quero uma piscina”; “serei feliz com um carro novo, então quero um carro novo”. E por aí vai. É uma compreensão tão superficial que chega a ser perturbadora. Falar de felicidade, de bem-estar, vinculando isso a leis e políticas públicas, é algo respeitável. Para mim, a PEC tenta realçar um compromisso que a Constituição Federal já firmou. A diferença é que a Constituição usa o termo “bem-estar”. O mundo inteiro está discutindo esse tema, por meios de instituições e pessoas respeitadas. Todos vão te cumprimentar, sentar, ouvir e trocar ideias. Ninguém vai gargalhar, debochar ou tentar te humilhar.

ConJur — Em que o conceito de “felicidade interna bruta” como medição da riqueza de uma nação coincide com sua tese? A avaliação de uma nação pelo seu Índice de Desenvolvimento Humano e não mais pelo PIB é um caminho que levará à adoção da felicidade como critério?
Saul Tourinho Leal — A Felicidade Interna Bruta, nos termos do que foi feito no Butão, é perigosa. O governante, num gabinete, aponta o que ele supõe tornar a vida pública nacional mais elevada e, então, passa a perseguir isso com um porrete na mão. Sem liberdade, não há felicidade. A questão do IDH é diferente. Esse índice, cuja criação vem de Amartya Sen, o Nobel que ajudou Nicolas Sarkozy a mensurar o impacto das políticas na felicidade dos franceses, humaniza a questão do PIB. Vou dar um exemplo: num certo fim de ano, pesquisei o valor da passagem de avião para Teresina, no Piauí, e para Roma, na Itália. Era mais barato ir para Roma. Sabe por quê? Em razão do ICMS que incide no combustível do avião. Para quê? Incrementar o PIB. Recentemente, estive no Piauí. Vi centenas de jovens, nas pequenas cidades do sertão, conduzindo motocicletas, embriagados, e, em seguida, caídos no asfalto, feridos ou mortos. Isso gera PIB, porque precisa de ambulância, das próprias motos, da bebida que foi ingerida, dos equipamentos de hospitais, do enterro, de tudo. Mas é bom para nós? O IDH mostra que não. A vanguarda está em medir o bem-estar das pessoas, a felicidade, num viés quantitativo e qualitativo. O PIB seguirá seu caminho, mas sem monopólio.

ConJur — Países como Espanha e Turquia ampliaram direitos sociais nos últimos anos. É coincidência que a crise financeira internacional os tenha afetado com força?
Saul Tourinho Leal — Na ciência, precisamos provar o que afirmamos. Eu não consigo provar que a Espanha quebrou porque tentava garantir direitos sociais. O direito à felicidade envolve participação popular. Enquanto uma juventude urbana desempregada tomava a Puerta del Sol, em Madrid, no movimento Indignados, o monarca, Juan Carlos, em pleno século XXI, caçava elefantes em um safári em Botsuana, um lazer perverso que custa até 30 mil euros. Que tal? Não acredito que a débâcle [queda] passageira desses países tenha vindo do compromisso com os direitos sociais. Veio da violação a vieses do direito à felicidade. Direitos sociais trazem segurança. Eles são extraordinários.

ConJur — A “esperança” foi outro objeto de estudo seu. A Construção dos Direitos Fundamentais e a Esperança: da África do Sul ao Brasil, que está disponível para download gratuito no site do Instituto Brasiliense de Direito Público, diz que “a esperança é uma emoção universal que tem dado o tom da construção contemporânea dos direitos fundamentais”. Qual o contexto?
Saul Tourinho Leal — Estive na África do Sul no fim de 2013, no funeral de Nelson Mandela. O sentimento me permitiu descrever tudo o que compôs esse importante momento histórico, assim como desenvolver a temática da esperança na construção contemporânea dos direitos fundamentais. A trajetória da África do Sul é apresentada com suas conquistas em relação à união da população, à luta por igualdade e à manutenção de um Estado de reconciliação, exemplo para todos, quando considerado em seu contexto. Ao fim, com uma Constituição generosa, em 1996, a nação seguiu o caminho da reconciliação, fundamental no processo de aproximação de um povo dividido por tanto tempo. Percebi que líderes políticos que apostam na divisão, que sustentam o discurso do “eles contra nós”, que incitam ou toleram a violência contra cidadãos ativos, devem se conscientizar que estão plantando sementes do ódio que inevitavelmente florescerão.

ConJur — A comissão da verdade sul-africana buscou revelações, não revanchismo. Aqui, ainda se discute a revisão da Lei de Anistia. É possível uma pacificação, no Brasil, como aconteceu lá?
Saul Tourinho Leal — Na África do Sul, a Comissão da Verdade e Reconciliação visava tratar os assassinatos e torturas da era do apartheid. Foi uma experiência poderosa. O importante era ver os rostos, ouvir as vozes, ver as lágrimas das vítimas e também o choro dos agressores ao reconhecer sua conduta brutal e buscar anistia. Era a senhora falando sobre o filho que voltara para casa com o cabelo caindo, o corpo envenenado, moribundo. Tudo isso eu ouvi do amigo Albie Sachs, juiz da Corte Constitucional da África do Sul, que relatou vários casos em seu último livro,A Estranha Alquimia entre a Vida e o Direito, prestes a ser lançado no Brasil. Ele conta que Tony Yengeni pertencera ao braço armado do ANC, partido de Nelson Mandela, e foi torturado pelo sargento Benzien, que pedia anistia. A televisão mostrava a sessão da Comissão, com Tony pedindo que o sargento Benzien mostrasse como colocara grandes sacos molhados nas cabeças de prisioneiros. A Comissão pediu que alguém se deitasse no chão. O sargento Benzien se ajoelhou e segurou o saco por um bom tempo. Depois que ele se levantou, Tony pediu para que ele explicasse como um ser humano pode fazer isso com outro ser humano. O sargento começou a chorar. Ele desabou. São momentos como esse que a nação firma os valores da sua sociedade e constrói o princípio do “nunca mais”. Não posso julgar o cenário brasileiro, porque não o investiguei suficientemente, mas não me parece leviano afirmar que não há, entre nós, a mesma dimensão que há na África do Sul no que diz respeito ao compromisso em curar as cicatrizes do passado.

ConJur — Por quê?
Saul Tourinho Leal — A trajetória da África do Sul é apresentada com suas conquistas em relação à união da população, à luta por igualdade e à manutenção de um estado de reconciliação, exemplo para todos, considerado em seu contexto. Quando falamos em reconciliação como resultado da revolução calcada na esperança, o que estamos afirmando é que o ápice do movimento revolucionário ou da luta por direitos fundamentais deve ser, sempre, a reconciliação, jamais a revanche. No Brasil, temos alguns episódios que mostram, por exemplo, uma resistência imensa às mulheres politicamente ativas. Em 2011, a advogada Roberta Fragoso foi convidada pela Universidade de Brasília para participar de um debate sobre cotas raciais. Contrária à política, ao tentar falar, assustou-se com a gritaria. Chamada de racista, ouviu ofensas. Seu carro foi vandalizado. Nas portas, estava pichado: “Loira filha da p...”. Em 2013, a blogueira cubana Yoani Sánchez desembarcou no Recife disposta a discutir sobre Cuba. “Fora, Yoani!”, foi o que ouviu. Em seguida, um sujeito tentou fazê-la engolir notas de dólares, esfregando-as em sua face. Puxaram-lhe os cabelos. Na Bahia, proibiram a exibição de um documentário com a sua participação. Em São Paulo, novos protestos impediram-na de expor suas opiniões em um debate. Atitudes como essas nunca nos trouxeram nada de bom. Só nos dividiram, plantando o ódio e fazendo nascer uma revanche interminável. É uma atmosfera hostil.

ConJur — Qual foi a importância de Nelson Mandela, um advogado, para esse processo de pacificação?
Saul Tourinho Leal — Mandela fez um curso de Direito com dificuldade, reprovou em muitas disciplinas e exerceu a advocacia muito mais como instrumento de luta política do que qualquer outra coisa. Não penso que sua profissão tenha sido a razão do seu legado extraordinário. O jovem da etnia IsiXhosa virou um advogado militante e, posteriormente, um ativista político capaz de grandes renúncias pelo compromisso de livrar o seu povo doapartheid, o modelo da colonização promovido pela Grã-Bretanha que dividia o país em dois grupos: os dos brancos europeus e o dos não-brancos. De Soweto, nos arredores de Johannesburgo, Mandela, aquele homem alto, forte, carismático, praticante de boxe, que cultivava hábitos refinados, deu uma demonstração do seu caráter diante da condenação iminente à pena de morte. “Lutei contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra”, disse. “Tenho cultivado o ideal de uma sociedade livre e democrática na qual todas as pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal no qual deposito a esperança de viver e alcançar. Mas, se for preciso, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer.” Essa foi a última declaração diante do juiz que tinha a sua vida nas mãos.

ConJur — Como se deu a implementação da atual Constituição da África do Sul?
Saul Tourinho Leal — Um episódio explica bem isso. Em 1995, o então presidente Nelson Mandela, valendo-se da Lei de Transição do Governo Local [Local Government Transition Act], usou o poder de ampliar suas próprias competências e alterou a lei, passando a determinar os locais das eleições municipais seguintes, o que favoreceria seu partido, o ANC. O ato foi questionado na Corte Constitucional. Mandela havia sido eleito por uma esmagadora maioria de votos, tinha uma popularidade inimaginável e apoio majoritário no Poder Legislativo. A Corte Constitucional derrubou a proclamação do presidente e a alteração feita na lei. Violava a Constituição esse tipo de delegação, que deixava o presidente da República gozando de poderes ilimitados. Nelson Mandela convocou uma declaração pública e afirmou: “Esse julgamento não foi o primeiro, nem será o último, no qual a Corte Constitucional ajuda a ambos, o governo e a sociedade, a garantir um governo constitucionalmente eficaz”. Ele cumpriu a decisão sem discutir. Ali nascia o Estado constitucional sul-africano contemporâneo.

ConJur — Brasil e África do Sul têm coincidências entre suas Constituições e cortes supremas?
Saul Tourinho Leal — São trajetórias diferentes. Contudo, os dois países têm um compromisso com a solidariedade, que, para os sul-africanos, se chama Ubuntu. Essa sintonia é virtuosa, pois estabelece um novo constitucionalismo, marcado pelas seguintes características: esperança como sentimento coletivo agregador; recusa à revanche em benefício da reconciliação; e construção de um constitucionalismo transformador. Deixe que eu leia o preâmbulo da Constituição sul-africana para você: “Nós, o povo da África do Sul, reconhecemos as injustiças do nosso passado; honramos aqueles que sofreram por justiça e liberdade em nossa terra; respeitamos aqueles que trabalharam para construir e desenvolver o nosso país, e acreditamos que a África do Sul pertence a todos que nela vivem, unidos na nossa diversidade”. É de arrepiar ou não é?

ConJur — A Constituição sul-africana é considerada generosa e complexa como a nossa?
Saul Tourinho Leal — Quanto à generosidade, não imagino nenhuma outra Constituição tão generosa como a desses dois países. Ambas fundam a noção de constitucionalismo transformador, comparável a um agente cuja missão é induzir mudanças sociais por meio do processo político, sem violência e com base legal. Há um compromisso com as futuras gerações. Ela tenta manter vivo o senso de comunidade, o “Ubuntu”, a filosofia africana que foca nas alianças e relacionamento das pessoas. “Eu sou, porque nós somos”, dizem os sul-africanos. Incorporado como um dos princípios fundamentais da África do Sul, o “Ubuntu” também é utilizado para enfatizar a necessidade da união e do consenso nas tomadas de decisão, bem como na ética humanitária envolvida nessas decisões. Essa inspiração e comprometimento estão presentes aqui também, por meio da fraternidade e solidariedade.

ConJur — Como funcionam institutos como liberdade de imprensa e política? É possível comparar aos do Brasil?
Saul Tourinho Leal — Há liberdade de expressão como em nenhum outro país africano e a política tem uma efervescência impressionante. Mas há costumes políticos que precisam ser aperfeiçoados, seja lá, seja aqui. Vou falar do Brasil. Atualmente, uma praga a ser debatida é a inauguração de coisas públicas. Elas ofendem a impessoalidade, a moralidade, a paridade de armas da balança política e até mesmo a concepção moderna de República. Ministros de Estado inventam inaugurações para levar aliados políticos a tiracolo e, assim, granjear dividendos do poder. O mesmo se dá com vereadores, prefeitos, deputados, governadores, secretários, senadores e até presidentes de tribunais. Isso viola a Constituição, porque personaliza algo que não deveria ter cara. Esses personalismos políticos surgem como desafios, lá e aqui.

ConJur — Há decisões da corte sul-africana citadas no Brasil e vice-versa?
Saul Tourinho Leal — A África do Sul menciona muito a Inglaterra, Canadá e Estados Unidos. O Brasil aprecia a Alemanha, França, Itália, Portugal e Estados Unidos. Eventualmente, a Colômbia, se tivermos tratando de direitos sociais. Não tínhamos decisões sul-africanas citadas frequentemente por aqui, mas isso começa a mudar, e rápido. Casos relativos ao direito à saúde e à moradia são lembrados cada vez mais por aqui.

ConJur — E o que eles têm a nos ensinar?
Saul Tourinho Leal — A África do Sul, tendo de optar entre o medo e a esperança, na tentativa de estabelecer a sua ordem constitucional, optou por esta última. Não que não tenha sucumbido à tentação do ódio em muitos episódios. Sabemos que a violência deu o tom das manifestações em certas ocasiões. Contudo, a meta dos guerreiros da liberdade nunca foi o ódio ou a revanche. O sentimento condutor era a esperança de que, um dia, todos estariam juntos, vivendo na terra que escolheram para sua existência. Isso é extraordinário para nós. Nações que se mantiveram firmes na esperança conseguiram alcançar seus objetivos e, com a chegada de uma ordem legítima, abraçaram a reconciliação. É um novo ciclo das lutas populares por direitos fundamentais que merece o nosso estudo, compreensão, análise e discussão.