Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

domingo, 31 de agosto de 2014

CIDADANIA PARA OS SEM-PÁTRIA

REVISTA ISTO É N° Edição: 2336 | 29.Ago.14


Governo pretende facilitar a concessão do direito de ser brasileiro aos apátridas, pessoas sem nacionalidade reconhecida, que chegam ao País fugindo de guerras e perseguições

Fabíola Perez 



A sensação é de não existir em lugar nenhum e habitar uma espécie de limbo jurídico. Pessoas apátridas não possuem nacionalidade do país onde vivem, tampouco do lugar onde nasceram. Por não terem certidão de nascimento, não conseguem provar sua origem, obter documentos nem ter acesso a direitos básicos, como educação e saúde. Atualmente, existem 12 milhões de apátridas no mundo, segundo estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU). São indivíduos que, fugindo de guerras e perseguições, decidem até atravessar continentes, arriscando-se em viagens clandestinas, em busca de um novo país que lhes conceda identidade e abrigo. O caminho jurídico para ser reconhecido como apátrida, porém, costuma ser longo e repleto de entraves.


ACOLHIDO NO BRASIL
O veterinário iraquiano Ahmed Said não foi registrado ao nascer porque
seus pais eram sírios, o que dificultava a obtenção do documento

O Brasil pretende facilitar o calvário dessas pessoas. O Ministério da Justiça acaba de preparar um texto de projeto de lei a ser enviado em breve para o Congresso Nacional que estabelece direitos e prevê obrigações para os sem-pátria. O documento, elaborado em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), prevê a concessão da cidadania brasileira a pessoas sem nacionalidade. “Eles chegam sem falar a língua local, sem conhecer ninguém e sem ter para onde voltar”, diz André Ramirez, representante do Acnur. “Será uma proteção jurídica a essa população, que poderá aumentar nos próximos anos.”

A história de Andrimana Buyoya Habizimana, 34 anos, um dos poucos apátridas reconhecidos pelo Brasil, onde vivem cerca de 100 pessoas sem nação, mostra como é possível recomeçar quando há acolhimento do País. Abin, como é conhecido, nasceu no Burundi, na África, de onde partiu com os pais, aos 10 anos, fugindo da guerra civil rumo à Tanzânia. Ainda adolescente, perdeu toda a família. No fim de 2006, decidiu embarcar clandestinamente em um navio cargueiro em Cabo Verde. Sem saber, desembarcou no porto de Santos (SP). Como tinha o sonho de viver na Europa, tentou embarcar com um passaporte falso em um voo de Natal (RN) para Portugal, mas no aeroporto de Lisboa foi deportado para a capital potiguar, onde ficou preso durante oito meses.


VIDA NOVA
O africano Andrimana atravessou continentes para fugir da guerra,
obteve o registro de apátrida e reconstruiu a vida em Natal (RN)

Começou, então, sua batalha jurídica para ser reconhecido como apátrida. Abin diz que nunca chegou a ser registrado. “Vivia sob perseguição, por isso nunca fui atrás de tirar nacionalidade”, diz. O governo do Burundi negou que ele fosse um cidadão daquele país. “Isso ocorreu em função do genocídio na cidade de Bujumbura, onde muitos documentos foram queimados”, afirma Marcos Guerra, advogado dele. Somente em 2010, a Justiça brasileira reconheceu o direito de Abin viver no Brasil como apátrida. Há dois anos, ele estuda e trabalha como auxiliar em um hospital de Natal. “Posso ter perdido minha família na África, mas ganhei amigos no Brasil e hoje vivo tranquilo”, conta.

Nos últimos anos o número de pessoas sem nacionalidade aumentou muito em razão dos conflitos armados em diferentes regiões. Segundo a ONU, a apatridia está concentrada no Sudeste Asiático, Ásia Central, Leste Europeu, Oriente Médio e África. Entre os motivos que tornam uma pessoa apátrida está o desmembramento de países, a burocracia nas leis que algumas nações adotam para conceder a identidade ou o não registro de uma criança ao nascer. O veterinário Ahmed ali Haj Said, 30 anos, tornou-se apátrida depois de viver sob a ditadura de Saddam Hussein no Iraque e enfrentar restrições na legislação do país. Filho de pais sírios, Ahmed nasceu em 1984 no Iraque. “Perdi meus direitos de ter uma certidão de nascimento por ser filho de sírios”, diz ele. “Todos têm raiva de estrangeiros.” Com um passaporte falso, mudou-se para o Iêmen e depois para a Líbia. De lá, conseguiu viajar para o Brasil em 2009. “Queria vir para a América Latina para fazer uma pós-graduação e viver com segurança”, conta. Após oito meses aguardando a decisão da Justiça, Ahmed conseguiu obter o registro de refugiado apátrida e vive hoje em Guaíra (SP). “Meu sonho agora é conseguir tirar a nacionalidade brasileira.” Com a iniciativa do governo, ele poderá realizá-lo em breve




quinta-feira, 28 de agosto de 2014

REFLEXÕES SOBRE A LIBERDADE DE REUNIÃO

CARTA FORENSE, 13/08/2013

Reflexões sobre a Liberdade de Reunião nas Manifestações de 2013

por Nicholas Merlone


Nos últimos meses, temos acompanhado as manifestações e passeatas pelo Brasil, como em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde se reivindicam direitos e melhores condições sociais e políticas. Os jovens tomam as ruas em protestos pacíficos, mas, por outro lado, existem igualmente aqueles que se aproveitam da situação para exteriorizar o caos, com violência e porte de armas.


De início, cumpre trazer à tona o artigo 5º, XVI, da Constituição da República:

Art. 5º., XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;



Da leitura do artigo, extraímos os requisitos para que tenhamos reuniões legítimas e legais, quais sejam: 1) reuniãopacífica, sem armas; 2) em locais abertos ao público; 3) não necessita de autorização; 4) não deve frustar outra reunião previamente convocada para o mesmo local; 5) é necessário aviso prévio à autoridade competente.



São, desse modo, esses 05 (cinco) os requisitos previstos na Lei Suprema, para que uma reunião possa ocorrer tranquilamente, dentro da textura constitucional.



Nesse sentido, Luís Roberto Barroso, ao tratar das colisões entre normas constitucionais, leciona ser possível a colisão entre a liberdade de reunião e o direito de ir e vir, caso em que cita como exemplo uma passeata que bloqueie integralmente uma via de trânsito essencial. (cf. BARROSO, Luís Roberto. O Novo Direito Constitucional Brasileiro. Contribuições para a Construção Teórica e Prática da Jurisdição Constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Editora Fórum, 1ª. ed., 2ª. reimpressão, 2013, p. 261)



Ora, segundo as lições do autor, basta que uma passeata bloqueie totalmente o trânsito de uma via essencial, para que seja passível de sofrer restrições. Nessa linha, podemos pensar que quem não pode o menos, não pode o mais, numa reflexão óbvia. Assim, reunir-se portando armas, com fins não pacíficos, configurando atitude mais grave do que a descrita pelo autor, não deve ser admitida, como, de fato, não o é por nossa Constituição Federal de 1988, logo em seu primeiro requisito.



Na mesma esteira, caminha José Afonso da Silva, que, claramente, argumenta: “Há, agora, apenas uma limitação: que a reunião seja sem armas; e uma exigência: que se dê prévio aviso à autoridade. [...] Sem armas significa sem armas brancas ou de fogo, que denotem, a um simples relance de olho, atitudes belicosas ou sediciosas.” (cf. DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 24ª. ed., 2005, p. 265.)



Fica nítido, então, o posicionamento do autor que expressamente dispõe como único limite às manifestações o uso de armas.



Da mesma forma, neste momento, trazemos as lições de José Cretella Jr sobre o assunto, contribuindo para a compreensão do tema de modo fundamental. O autor expõe:

“O animus dos participantes da reunião é importante para o efeito jurídico pretendido [...] Se houver animus bellicusou animus belli, este desnatura a reunião, retirando-lhe o caráter de legal. Mesmo ‘sem armas’, a reunião com intuitos não pacíficos constitui ameaça à ordem pública, sendo, pois, ilegítima. ” (cf. CRETELLA JR., J. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3ª. ed. revista, atualizada e ampliada, 2000, p. 235)



Adiante, Cretella Jr. prossegue com ponderações essenciais acerca do tema, recorrendo, de início, a Pontes de Miranda:

“São tantos os direitos subjetivos e as pretensões à reunião quanto os indivíduos que vão à praça, ou à casa, ou ao pátio, ou campo, ou à praia, para se reunirem. Donde duas consequências: a) o estar armado um, ou alguns deles, faz adormecer, elidir-se, o ‘seu’ direito, não dos outros; b) a ilicitude do fim de um, ou de alguns dos presentes, não se contagia aos fins dos outros. Por isso mesmo, a polícia não pode proibir a reunião, ou fazê-la cessar, pelo fato de um ou alguns dos presentes estarem armados. As medidas policiais são contra os que, por ato seu, perderam o direito a reunirem-se a outros, e não contra os que se acham sem armas. Contra esses, as medidas policiais são contrárias à Constituição e puníveis segundo às leis’ (cf. Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1969, 3ª. ed. Rio de Janeiro, Forense, v. V, p. 603-604). Sem razão Pontes de Miranda. Tanto assim que, logo depois, em flagrante contradição, escreve: ‘É possível que se formem grupos armados, grupos compactos em que, algum ou alguns, estando armados, a arma ou armas são de todos os do grupo, como unidade ofensiva. Aí, sim, não há direito de reunião quanto a todos os que fazem parte do grupo armado’. Tais considerações, na prática, não funcionam. Se a polícia chegar à reunião e encontrar pessoas armadas – duas, três, quatro – não tem de indagar se se trata de grupo armado ou não. A reunião é ilegal e deve ser dissolvida. A prova serão as armas apreendidas, não interessando a quem pertençam. O poder de polícia, concretizado no organismo policial, pode intervir nas reuniões armadas, mas encontra barreira constitucional diante da ‘reunião, sem armas’. Reunidos pacificamente sem armas, em locais abertos ao público, mesmo sem autorização, cumpridos mais dois requisitos – aviso prévio à autoridade e não coincidência com outra reunião anteriormente convocada para o mesmo lugar – os que se reunem têm garantido seu direito subjetivo público de atender à convocação. E de acorrer ao local.” (cf. CRETELLA JR., J. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3ª. ed. revista, atualizada e ampliada, 2000, p. 235-236)



No contexto, o presidente da OAB/SP, Marcos da Costa, afirmou: “Numa democracia, a polícia tem de garantir o direito de manifestação. É claro que surgem arruaceiros aproveitadores, provocadores, mas os policiais têm de estar preparados para contê-los, preservando a integridade dos cidadãos que se manifestam pacificamente”. (OAB/SP - Jornal do Advogado – Ano XXXIX – no 385 – Julho – 2013, p. 17)



Todavia, no rumo de Luís Roberto Barroso, José Afonso da Silva e Cretella Jr., reuniões em locais públicos, com uso de armas, ou não, mas com fins não pacíficos, são ilegítimas e ilegais, afrontando a Constituição de 1988, Lei Suprema do ordenamento jurídico, portanto, inconstitucionais, e, além disso, passíveis de dissolução, respeitando-se os direitos humanos de todos os manifestantes efetivamente.


Nicholas  Merlone
NICHOLAS MERLONE - Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor e advogado

http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/reflexoes-sobre-a-liberdade-de-reuniao-nas-manifestacoes-de-2013/11820

domingo, 24 de agosto de 2014

UMA VISÃO SOBRE O EXTREMISMO EM ALTA



ZERO HORA 24 de agosto de 2014 | N° 17901


LÉO GERCHMANN



TERRORISMO NA AGENDA. Uma visão sobre o extremismo em alta

DESCRÉDITO DE INSTITUIÇÕES faz crescer grupos fundamentalistas, como a direita radical europeia



Na tarde quente da última sexta-feira em Porto Alegre, 120 agentes da inteligência policial gaúcha se reuniram para uma operação atípica: a de apenas ouvir. Alguns a paisana, outros vestindo uniforme, acorreram à Federação Israelita para tomar lições na palestra de André Lajst, brasileiro radicado em Israel, onde estudou “Governo, diplomacia e estratégia” no Centro Interdisciplinar Herzeliah (IDC) – referência mundial em antiterrorismo.

Momentos antes da palestra, em entrevista a Zero Hora, Lajst definiu a atual exacerbação do fundamentalismo como reflexo do descrédito nas instituições, mesmo fenômeno que faz a extrema direita ganhar robustez na Europa.

– O extremismo usufrui das instituições democráticas. Um exemplo é a Inglaterra. Em democracias, não se fecham instituições religiosas, e há centros islâmicos radicais operando na Inglaterra – disse Lajst, citando o caso recente da decapitação do jornalista americano James Foley por um militante do Estado Islâmico (EI) que falava inglês com sotaque britânico.

– O que fazer? – perguntou o especialista, para logo responder – Só eficientes leis antiterroristas podem combater isso. Em países onde há menos centros de recrutamento, vigoram essas leis.

Lajst contou que, no Iraque e na Síria, há fundamentalistas que foram da Europa ao Afeganistão na década de 1980 combater a União Soviética. Hoje, estão no EI.

– Se a Síria fosse um país democrático, (o presidente) Bashar al-Assad já teria caído – assegurou.

Grupos como EI e Hamas se diferenciam pelos contextos, comparou. O EI tem foco global. O Hamas, local. Ambos, segundo Lajst, pregam a criação do “wakaf”, o território sagrado islâmico. No caso do EI, o objetivo é implementar o califado do século VII nas re- giões que eram muçulmanas durante o Império Otomano e depois estendê-lo mundo afora.

– É uma visão política, que determina que sua religião é a correta, com os outros sendo infiéis, que devem ser convertidos – afirmou.

O EI, que instalou o califado no norte do Iraque e no leste da Síria, pretende alcançar Jerusalém, disse o especialista. E isso foi encorajado pelas revoltas na chamada Primavera Árabe (levante ocorrido contra os governos de países árabes).

– É o lado perverso da Primavera Árabe, que se tornou o “outono islâmico” – comentou. – O EI mata quem não se converte. Os governos atuais pelo menos aceitam formas diferentes de religiosidade.

O delegado Paulo César Jardim, que ganhou notoriedade por investigar neonazistas, assistiu à palestra atentamente. Mas ponderou:

– No Brasil, nossa cultura não aceita esse tipo de ideologia.




sexta-feira, 22 de agosto de 2014

VENEZUELA, UM BIG BROTHER PARA O CONSUMO


ZERO HORA 22 de agosto de 2014 | N° 17899


LÉO GERCHMANN


SOB PRETEXTO DE EVITAR DESABASTECIMENTO e contrabando, o governo da Venezuela proibirá cidadãos de comprar mesmos produtos mais de uma vez na semana. Anunciou a implantação de controle biométrico no atacado e no varejo



Acossado por um desabastecimento que provoca inflação e mau humor até em antigos simpatizantes, o governo da Venezuela decidiu marcar de cima o comércio e os consumidores. Implementará um sistema de “controle biométrico” para restringir a venda de produtos na rede atacadista e nos supermercados. Será um cerco ao comprador que queira adquirir o mesmo produto duas vezes numa mesma semana.

Os consumidores terão suas impressões digitais conferidas. Objetivo alegado pelo governo: impedir que se tente acumular produtos ou até contrabandeá-los, em especial para a vizinha Colômbia.

Especialista em comunicação estratégica, o analista Miguel Sogbi critica o controle estatal e a “petroleodependência”. Interpreta o “controle biométrico” como uma forma de repassar a responsabilidade pelo desabastecimento à “última ponta da cadeia”: o varejo.

– Isso provoca o surgimento de máfias. Os supermercados e o consumidor são prejudicados – diz.

O desabastecimento na Venezuela se intensificou a partir de 2013. Provocou descontentamento e protestos que ganharam as ruas do país. O governo ficou acuado pela classe média e por antigos aliados dos setores mais desfavorecidos, chavistas cuja fidelidade se sustentava nas ações assistenciais.

Entre os produtos da cesta básica que mais têm faltado nas gôndolas nos últimos meses, estão papel higiênico, margarina, óleo de cozinha e farinha de milho, principal ingrediente da arepa – iguaria típica venezuelana. No início do ano, estava em 30% – e o governo deixou de divulgar os índices.

Em razão da escassez, os venezuelanos enfrentam filas nos supermercados e restrição na venda de mercadorias. Para tentar contornar a situação, o governo importou produtos, mas em quantidade insuficiente para atender à demanda. Atribuiu a escassez não à economia, mas à política. Haveria uma tentativa deliberada dos empresários de boicotar o governo para enfraquecê-lo.

O “controle biométrico” deverá funcionar em todos os supermercados e empresas atacadistas. Não foi definido se será restrito a alguns produtos e quais. O governo ainda pretende confiscar bens contrabandeados. A ideia é centrar nesse delito a razão das medidas restritivas.

– A distribuição e a comercialização serão perfeitas, tenho certeza – disse o presidente Nicolás Maduro ao fazer o anúncio.

Não é o que pensa, por exemplo, o presidente da Aliança Nacional de Usuários e Consumidores (Anauco), para quem o sistema será ineficaz.

– O controle tenta pôr panos quentes no desabastecimento. Só piora a situação – afirmou Roberto Parilli (leia abaixo a entrevista concedida por ele a Zero Hora).



ENTREVISTA

“O sistema lesa direitos constitucionais”

ROBERTO LEÓN PARILLI

Presidente da associação de consumidores venezuelana

Órgão que representa os consumidores venezuelanos, a Aliança Nacional de Usuários e Consumidores (Anauco) irá à Justiça contra o “controle biométrico”, disse seu presidente a ZH.

Vocês entrarão na Justiça?

Já sabemos que há grande rejeição à medida, mas ainda não foi implementada. Portanto, ainda não ingressamos com uma demanda coletiva. Poderemos tentá-la assim que se implemente.

Sob quais argumentos?

O sistema biométrico em supermercados e outros estabelecimentos lesa direitos constitucionais. O primeiro direito é o do livre acesso ao consumidor. Isso está previsto no artigo 117 da Constituição. Também temos o artigo 305, que prevê o direito à segurança alimentar. Cabe ao Estado manter a alimentação suficiente para a população. Quando põe uma máquina biométrica no supermercado, para o cidadão, está limitando o poder de compra dele e lesando esses direitos fundamentais. Por isso, estamos à espera de que o sistema seja implementado para tomar as medidas judiciais.

O governo atribui a estratégia ao contrabando para a Colômbia. É isso mesmo o que ocorre?

O problema de fundo é o desabastecimento, não é o contrabando. O que se está fazendo é atingir os direitos dos cidadãos. Para combater o contrabando, não se deve lesar direitos dos cidadãos. Repito: o problema é o desabastecimento. O governo deve aumentar a produção e aplacar o desabastecimento. No Brasil, na Colômbia não se vê essa castração de direitos.

Quais os dados sobre o desabastecimento na Venezuela?

O Banco Central não publica o índice de desabastecimento há dois meses. Não o faz porque os dados são prejudiciais ao governo. Tapam o mensageiro. Melhor seria reconhecer a escassez e detê-la com transparência. O que não pode é afetar os cidadãos. O último dado oficial foi de 30%. É mais, sabemos. E 30% é um terço da cesta de alimentos e medicamentos.


COMO SERÁ A FISCALIZAÇÃO

QUAL O OBJETIVO? -Limitar compras de produtos no atacado e no varejo.

QUANDO COMEÇA? -O programa piloto, em 90 dias.

QUAIS OS PRODUTOS-ALVO? -Gasolina e alimentos subsidiados pelo governo. Não há detalhes.
QUAL O MECANISMO? -Leitores ópticos de impressões digitais para reconhecer o comprador.
COMO FUNCIONARÁ? -A mesma pessoa não poderá comprar mesmo produto duas vezes em uma semana.
QUAL A ESCASSEZ E A INFLAÇÃO? -Segundo dados oficiais, 30% de desabastecimento e 60% de inflação em 12 meses.
ONDE FUNCIONARÁ? -“Estabelecimentos e redes distribuidoras e comerciais”, anunciou o presidente Nicolás Maduro.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

VENEZUELA LIMITA COMPRAS DE PRODUTOS E ALIMENTOS

ZERO HORA 21/08/2014 | 04h25

Venezuela limita compras de produtos e alimentos em supermercados. Controle biométrico será utilizado


Venezuela fechou sua fronteira com a Colômbia para combater o contrabando de gasolinaFoto: George Castellano / AFP

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, decretou na noite desta quarta-feira a instalação de um mecanismo de controle "biométrico" para limitar as compras de produtos e alimentos nos supermercados e mercados do país.

— A ordem já está dada, através da superintendência de Preços, para que se crie um sistema biométrico em todos os estabelecimentos e redes distribuidoras e comerciais da República — disse Maduro durante mensagem em rede nacional de rádio e TV.

O mecanismo utilizará leitores óticos de impressões digitais para reconhecer cada comprador de produtos básicos. Segundo Maduro, "o sistema biométrico será perfeito" e servirá para evitar o que chamou de "fraude" envolvendo milhões de litros de gasolina e toneladas de alimentos subsidiados pelo governo, no momento em que a Venezuela enfrenta a falta de diversos produtos básicos e uma inflação de 60%.


O sistema visa a impedir que uma pessoa compre o mesmo produto duas vezes na mesma semana, em qualquer das redes governamentais da Venezuela. Vários funcionários do governo Maduro indicaram que no prazo de 90 dias haverá um "programa piloto" para iniciar a venda controlada de produtos básicos no país "de maneira ordenada e justa".

Maduro também anunciou "um sistema de referência" que processará a informação de tudo o que for distribuído e armazenado "para todos os produtos e insumos que movem a economia do país". O presidente ordenou ainda o "confisco, de maneira imediata, de todos os elementos" utilizados para contrabando, incluindo galpões e veículos, que serão revertidos para os programas estatais de alimentos. Maduro convocou as forças militares e policiais para deter todos os envolvidos em desvios e contrabando.

*AFP

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

PEDIDOS DE REFÚGIO CRESCE 800% EM QUATRO ANOS

GLOBO TV, FANTÁSTICO, Edição do dia 17/08/2014

Número de pedidos de refúgio cresce 800% em quatro anos no Brasil. Novos trabalhadores vêm de Bangladesh, de Gana, do Senegal, do Haiti, em uma das maiores ondas migratórias já registradas no país.




Os novos trabalhadores do Brasil vêm de Bangladesh, de Gana, do Senegal, do Haiti, em uma das maiores ondas migratórias já registradas no país. Como eles chegaram aqui? Por que vieram para cá? E como eles conseguem ficar, arranjar empregos, trabalhar? É o que você vê na reportagem de Felipe Santana.

A casa acabou de ser alugada por Billy, de 27 anos, senegalês que acertou os trâmites. Deixar o sapato do lado de fora é sinal de respeito. É um líder da comunidade. “Todos os últimos domingos do mês a gente se encontra aqui. Oramos, fazer a oração que temos que fazer”, ele diz.

Eles se preparam para o fim do Ramadã, o mês sagrado da religião islâmica. Nesse mês, muçulmanos, no mundo todo, mantêm jejum e abstinência sexual do amanhecer até o pôr do sol.

A casa é um pedaço do Senegal na cidade gaúcha de Caxias do Sul. A cidade de 500 mil habitantes recebeu 1,8 mil senegaleses nos últimos três anos. O que tem deixado muita gente assustada.

“Não acho justa a convivência deles aqui no meio da gente”, diz um morador.

“Sem falar todas as doenças que eles estão trazendo”, diz uma mulher.

“O pessoal daqui vai perder emprego por causa disso. Porque por qualquer mixaria eles estão trabalhando”, afirma um senhor.

“Acho que inclusive até aqueles que estão vindo aqui têm que ir embora!”, reclama uma senhora.

Agora, imagina como ficou a mesma cidade quando chegaram 300 ganeses de uma só vez, no mês passado, sem aviso. Eles nunca tinham sentido frio, até esse dia. No abrigo da igreja fazia 4°C.

Um grupo de 15 acordou cedo para um dia decisivo. A irmã Maria do Carmo cuida deles desde que chegaram.

Fantástico: Mas o que a senhora sentiu?
Maria do Carmo: Angústia, muita angústia. Até mesmo porque a gente sabe que não há um consenso do que deve ser feito ou não com relação a essas pessoas aqui.

Às 7h, todos estão com os documentos prontos. É o dia que eles vão pedir refúgio no Brasil.

Qualquer estrangeiro pode pedir refúgio no Brasil. Ao entrar com esse pedido, ele tem direito, automaticamente, a uma carteira de trabalho e a um CPF, até que o caso seja julgado. Mas, de acordo com a lei brasileira, esse estrangeiro só pode receber refúgio se comprovar que sofreu algum tipo de perseguição - política, religiosa ou étnica, por exemplo - no seu país de origem. Não é o caso da maioria dos ganeses que chegou ao Rio Grande do Sul. Eles estão no local em busca de emprego.

Veja o exemplo do Gerhardt. Ele é engenheiro de óleo em gás, tem pós-graduação, fala cinco línguas. E acabou de pedir refúgio ao Brasil. “Antes de vir eu pesquisei sobre a economia do Brasil na internet e decidi que aqui é um bom lugar para começar a vida. Em Gana, mesmo formado, eu não conseguia um salário de mais de R$ 600. E aí eu pensava: quando vou poder comprar um terreno, construir uma casa, casar, dar uma boa educação aos meus filhos?”, conta Gerhardt.

E foi com histórias assim que o número de pedidos de refúgio aumentou em 800% nos últimos quatro anos no Brasil.

“O Brasil faz propaganda pelo futebol. Pelé é negro. O Brasil tem brancos e negros. Eu sou negro. Eu me misturo nesse país.”, avalia Gerhardt.

O governo brasileiro emitiu 8,5 mil vistos para ganeses virem assistir à Copa do Mundo. Foi desse jeito que eles entraram no país. Mil e cem não voltaram depois da Copa.

O ganês Adams trabalhou como vendedor durante cinco anos para conseguir comprar a passagem para vir ao Brasil. “Eu usei a Copa do Mundo como um pretexto. Ia ser muito difícil entrar no Brasil se não fosse desse jeito. Em Gana, não é fácil conseguir um visto de viagem.”, conta Adams.
O sonho dele é ser jogador de futebol.

No abrigo em Caxias do Sul, duas semanas depois da primeira visita do Fantástico, todo os ganeses já tinham uma carteira de trabalho. Gerahrdt ainda nem sabe se seu pedido de refúgio será aceito, mas já está com a carteira de trabalho na mão e preenche o currículo para entregar pela cidade.

Às 9h um ônibus chega no abrigo para recolher trabalhadores para levar pra uma fábrica no interior do estado. Cerca de 20 ganeses foram levados para lá e o Fantástico acompanhou a viagem.

“Eu preciso trabalhar! Eu só quero agradecer a todos os brasileiros, porque eles gostam de todo mundo. Isso me fez amar o Brasil. Não tem racismo. Todo mundo é igual”, conta um dos ganeses.

“A necessidade da mão de obra faz com que a gente faça tudo isso. Que a gente invista em trazer essas pessoas para trabalhar, porque eles querem trabalhar”, conta Leticia Moreira, gestora do RH da fábrica.

Fantástico: Mas eles vão ganhar o mesmo salário que ganharia um brasileiro?
Gestora do RH da fábrica: Mesmo, mesmo salário. Os mesmos benefícios.

São duas horas de estrada até São Sebastião do Caí, cidade de 20 mil habitantes. Primeiro, os exames admissionais. Em nenhum ganês foi diagnosticada doença contagiosa ou que impeça o trabalho. Todos têm que tirar a barba. Só depois, vestem o uniforme para conhecer a fábrica de conservas. De acordo com um levantamento entre empresas da Serra Gaúcha, há 7 mil vagas abertas na região. Mas tem sido difícil atrair jovens brasileiros.

“Tem sido bastante difícil em função da alta. A geração Y não tem muita paciência nos postos de trabalho e quer os resultados de forma imediata”, avalia Claudio Oderich, diretor da empresa.

O dia já chegava ao fim quando o grupo de ganeses conheceu o novo lar. A casa que a empresa alugou por seis meses para que os 20 trabalhadores morem é uma casa de cinco quartos.

“Eu quero trabalhar aqui por muito tempo”, diz um deles.

Dividir o aluguel é comum entre imigrantes de todas as nacionalidades, no Brasil inteiro. Em Criciúma, Santa Catarina, 50 ganeses vivem em um porão de três cômodos, quase sem janelas.

“Muita gente continua chegando! E a gente tem que ajudar porque aqui é difícil alugar uma casa, conseguir um fiador. Você não pode deixar o irmão dormindo na rua”, conta um ganês.

*Brasília

Em Brasília, cinco jovens de Bangladesh têm uma situação um pouco mais confortável. Mas o caminho até o Brasil, para eles, foi bem diferente.

Faruk não chegou por conta própria. Há um ano, pagou R$ 35 mil a uma pessoa que o levaria até a fronteira do Brasil. Ou seja, um coiote. Voou de Daca, capital de Bangladesh, para Dubai; de lá para São Paulo; depois passou pelo Peru até chegar à Bolívia. De lá, um grupo de imigrantes foi levado pelos coiotes para a fronteira com o Brasil. Ele não sabia que ia ser assim. Achava que tinha pago por um visto.

“Eu protestei: ‘cadê o meu visto?’ Ele não deu. Bateu em mim e falou: ‘você precisou ir para o Brasil’”, conta Faruk.

Faruk e o grupo foram obrigados a entrar na floresta para atravessar a fronteira ilegalmente. “Eu andei no mínimo três horas, dentro da floresta, para passar da fronteira do Brasil”, lembra Faruk.

Depois, foi todo mundo para dentro de um caminhão até Cuiabá. “Todas as pessoas só chorando e chamando por Deus. Três dias e eu não sabia como chamar ‘água’. Muito difícil. Não como carne de porco, mas eu acho que eu comi”, conta Faruk.

De Cuiabá, foi colocado em um ônibus para Brasília, e ainda não tinha o visto prometido pelo coiote. Para ficar no Brasil, então, ele foi orientado a pedir refúgio, como o Billy, o Gearhrdt e o Adams.

No ano passado, 1.940 bengalis solicitaram refúgio ao Brasil. Apenas quatro pedidos foram aceitos. Faruk ainda não teve resposta do seu pedido. Como Faruk já estava trabalhando, e o pedido de refúgio dele, provavelmente seria negado, o caso dele acabou parando no Ministério do Trabalho.

“No final do ano passado, fomos confrontados com uma situação em que existe um grupo relativamente grande de trabalhadores que estavam empregados e havia o receio dos seus pedidos de refúgio serem negados pelo governo brasileiro”, conta Paulo Sérgio de Almeida, presidente do Conselho Nacional de Imigração.

O Ministério do Trabalho resolveu dar um jeito de regularizar os trabalhadores estrangeiros.

“Esses casos foram encaminhados ao Conselho Nacional de Imigração, que acabou analisando esses casos como situação especial, entre aspas, e garantindo documentos, garantindo a possibilidade desses trabalhadores estrangeiros permanecerem no nosso país”, explica Almeida.

Em 2012, 27 mil carteiras de trabalho foram expedidas para estrangeiros. Em 2013, foram 41 mil. O próprio governo sabe que dar vistos em caráter extraordinário a quem pede refúgio não é o jeito certo de resolver a questão.

Fantástico: Solicitar o refúgio é driblar a nossa lei de imigração?
Presidente do CNIG: Acaba que muitas vezes a nossa legislação é antiga, ultrapassada. Ela, por exemplo, proíbe a regularização migratória de um estrangeiro. Proíbe.

A lei de imigração vigente no Brasil é da época da ditadura. “Nós herdamos uma lei que permite ao Estado fazer com o estrangeiro o que ele quiser: expulsá-lo, decidir se ele fica no país ou não. Bom, isso é incompatível com a nossa Constituição de 1988 e com os acordos internacionais que o Brasil subscreveu”, diz Deisy Ventura, professora de direito internacional da USP.

“Eu avalio como uma lei que precisa ser urgentemente modificada”, diz o presidente do CNIG.

O governo criou uma comissão de especialistas para discutir mudanças na legislação. Deisy Ventura, pesquisadora da Universidade de São Paulo, participou dessa comissão. O grupo propõe, em primeiro lugar, a criação de uma autoridade nacional migratória e a criação de um visto temporário para que o imigrante procure emprego, legalmente, no Brasil.

“Se ela consegue esse trabalho, ela pode converter essa autorização em uma residência temporária ou residência permanente”, explica Deisy Ventura.

Esses pontos estão em um anteprojeto de lei, obtido pelo Fantástico, que foi encaminhado pelo grupo de pesquisadores ao Ministério da Justiça. Mas ainda não há previsão de quando ele será analisado pelo governo e quando vai para o Congresso.

“Qual a sociedade eu quero daqui a dez anos? É uma sociedade de guetos? É uma sociedade aonde algumas pessoas estão à margem, são de uma cultura diferente, tem uma cor diferente, uma religião diferente? Ou eu quero uma sociedade sadia, saudável, onde as pessoas possam crescer, se desenvolver de forma harmônica, saudável?”, questiona Maria do Carmo.

O Brasil foi obrigado a lidar com essa situação quando milhares de haitianos chegaram a Brasiléia, no Acre. Sobreviventes do terremoto de 2010 que arrasou o país atravessaram a Floresta Amazônica em busca de emprego. Eles não poderiam ficar no Brasil, segundo nossa lei de imigração. O governo também arranjou um jeito temporário de regularizá-los. Até agora, concedeu vistos humanitários para 30 mil haitianos, que também receberam uma carteira de trabalho.

Eles vão tentando construir a vida por aqui. O Brasil deu para o haitiano Claudel mais do que um emprego – ele agora tem uma filha. “Nasceu aqui, ela é brasileira já, então tem que chamar ela de nome brasileiro, se chama Ana Clara”, diz o haitiano.

Ana Clara está matriculada na creche municipal. Em Criciúma, Santa Catarina, Claudel trabalha na construção. Ainda não conseguiu erguer o banheiro da própria casa. Mas isso por enquanto é detalhe.

“O brasileiro fala: ‘Irmão! Irmão do fundo do meu coração!’ Se o povo está feliz de me ter, tenho que ficar feliz também!”, diz Claudel.

Ele não sabe por quanto tempo poderá ficar no Brasil. Cada dia o trabalho, se torna uma batalha pelo direito mais básico.

“Trabalhar é liberdade, tem que trabalhar”, define.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

A DEFESA CONSTITUCIONAL DO CIDADÃO



ZERO HORA 18 de agosto de 2014 | N° 17894


MARCELO BERTOLUCI



O advogado é o profissional que defende a honra, a liberdade, o patrimônio e até mesmo a vida de um cidadão. É uma função de caráter público, sendo reconhecida pela Constituição Federal, quando afirma que “o advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações, no exercício da profissão, nos limites da lei”.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por sua vez, atua em defesa do Estado democrático e material de direito, sendo uma entidade independente, apartidária e que não recebe recursos públicos. Isso credencia a OAB como protagonista da história política nacional, como nas décadas de repressão, nas Diretas Já e no impeachment de um presidente da República.

O advogado e a OAB atuam em causas cidadãs. Recentemente, ajuizamos ações no Supremo Tribunal Federal pela correção da tabela do Imposto de Renda e pelo aumento da dedução dos gastos em educação, assim como pelo fim do financiamento das campanhas eleitorais por empresas. No âmbito do Rio Grande do Sul, a Ordem buscou a inconstitucionalidade das leis que permitiram o saque de R$ 5 bilhões dos depósitos judiciais e a revisão real da dívida pública do Estado.

Com o apoio da OAB, as manifestações populares resultaram em leis indispensáveis: Ficha Limpa, Anticorrupção e Acesso à Informação. A mobilização, agora, é pela reforma política para o fortalecimento da democracia.

O respeito à cidadania passa pela valorização da advocacia. Conquistas importantes para o exercício profissional são comemoradas, como a inclusão da classe no regime do Supersimples. Outras garantias obtidas, a partir do iminente Código de Processo Civil, referem-se ao direito a férias para os advogados, como todo trabalhador, e ao reconhecimento do caráter alimentar dos honorários e o fim da sua compensação.

Desta forma, fortalecemos o conceito de que a cidadania está representada nas prerrogativas da advocacia. Seguiremos, juntos, com o compromisso de defender os valores constitucionais, pois advogado valorizado significa cidadão respeitado.

Presidente da OAB/RS

domingo, 17 de agosto de 2014

EQUIPAMENTO ANTIMENDIGO


ZERO HORA 16 de agosto de 2014 | N° 17892


EDITORIAL



A busca de solução para os sem-teto não pode se restringir à colocação de grades, mas deve envolver ações eficazes lideradas pelo poder público e pela sociedade organizada.

Ogrande debate que se trava em Porto Alegre a partir da instalação de uma grade destinada a impedir a presença de moradores de rua sob uma marquise do bairro Cidade Baixa evidencia uma questão social irresolvida, que afeta as principais cidades do país. A reação dos moradores, que está sendo condenada pelo Ministério Público e por órgãos governamentais, pelo fato de dificultar a circulação de pessoas, representa um protesto da população desassistida, que convive diariamente com os transtornos da presença de sem-teto na frente de suas residências e estabelecimentos comerciais. Só tem uma solução: políticas públicas eficientes, como a que, por exemplo, afastou das esquinas e dos semáforos de Porto Alegre as crianças e adolescentes dependentes de esmola.

São conhecidas as restrições enfrentadas por representantes de Organizações Não Governamentais (ONGs) e servidores de organismos assistenciais na abordagem a quem, na falta de um teto, costuma se instalar sob marquises de prédios públicos e particulares, em escadarias de igrejas e palácios, em praças e também nas calçadas. Por razões que vão do alcoolismo ao uso de drogas e até mesmo problemas mentais, moradores de rua resistem a dormir em abrigos. Preferem também locais mais iluminados, nos quais se sentem mais seguros, e próximos a estabelecimentos nos quais haja maior descarte de alimentos. Daí a opção por bairros mais movimentados, nos quais se constituem hoje em tormento para moradores que pagam seus impostos na expectativa de não precisar defrontar com a miséria e suas chagas, cotidianamente, na porta de casa.

Quando um problema atinge essas dimensões, por descaso do poder público, não tem como ser resolvido com base no rechaço ou na hostilidade, por parte de quem não quer nem olhar a miséria, pois incomoda de fato. Ao contrário: só haverá um começo de solução quando cada morador de rua for devidamente identificado e passar a contar com documentos, tiver o seu potencial avaliado e, sempre que possível, dispuser de uma perspectiva de não depender mais de caridade ou de ajuda social. O que não pode é continuar ao relento, quando não dispõe de condições físicas, mentais ou financeiras para romper com a pobreza extremada.

A busca de solução para os sem-teto não pode se restringir à colocação de grades, mas deve envolver ações eficazes lideradas pelo poder público e pela sociedade organizada. E é justamente isso o que, com honrosas exceções, ainda não existe – nem na Capital, nem na imensa maioria das cidades brasileiras.

INVASORES OCUPAM TERRENO EM BAIRRO DE PORTO ALEGRE

ZERO HORA Atualizada em 16/08/2014 

Cerca de cem pessoas ocupam terreno no bairro Rubem Berta. Primeiros ocupantes chegaram na noite de sexta-feira ao local, na zona norte de Porto Alegre

por Laura Schenkel


Paus cravados no chão e fitas dividem o terreno em lotes, onde começam a surgir barracos e casas improvisadasFoto: Mauro Vieira / Agência RBS


Entre a noite de sexta-feira e a madrugada deste sábado, dezenas de pessoas ocuparam um terreno no bairro Rubem Berta, na zona norte de Porto Alegre. A área, na Estrada Antônio Severino, perto da Avenida Baltazar de Oliveira Garcia, era usada como pastagem para cavalos, segundo os ocupantes. Agora, paus cravados no chão e fitas dividem o terreno em lotes, onde começam a surgir barracos e casas improvisadas. Moradores da estrada olhavam a montagem de casebres com espanto:

— Ontem de noite, não tinha ninguém. Hoje de manhã, estavam todos aqui — conta Luis Chaves Barcelos, 77 anos, que mora há 50 anos na estrada, bem ao lado do terreno invadido.

— Os moradores do bairro são, na maioria, idosos. Já tem uma ocupação aqui perto. Eles tiram o sossego do bairro — reclama Vera Wolkmer, 55 anos.


Dentro de um dos "lotes" da ocupação, Hamilton Magalhães, 47 anos, funileiro, conversava com amigos sob uma lona na tarde deste sábado. Ele reclama que, com o que ganha, não consegue comprar um imóvel próprio. Apontou uma casa na estrada Antônio Severino e disse:

— Tá vendo aquela casinha ali em frente? Custa R$ 20 mil só de entrada. Pelo sistema atual, é muito difícil conseguir a aprovação para um financiamento.

Guilherme Zitto, 25 anos, auxiliar de funileiro, também está na ocupação.

— As terras estavam abandonadas. Tinha meia dúzia de cavalos, enquanto tem tanta gente sem um lugar para morar — afirmou.

Os ocupantes afirmam que o proprietário foi ao local armado, com outros três homens, na manhã deste sábado. A Brigada Militar intermediou o diálogo e aconselhou o proprietário a ingressar na Justiça para pedir a reintegração de posse. Zero Hora não conseguiu falar com o proprietário.

Ocupantes montavam casa e transportavam pertences neste sábado
Foto: Mauro Vieira

De acordo com a Brigada Militar, cerca de cem pessoas estão no local.

— Fica ao lado de uma área que já foi ocupada. O proprietário entrará com pedido de reintegração de posse — comentou o comandante do 20º Batalhão de Polícia Militar (20º BPM), tenente-coronel Marcelo Tadeu Pitta Domingues.

A ocupação surge três dias após a desocupação de um terreno que foi da antiga Avipal e hoje pertence à construtora Melnick Even, na zona sul de Porto Alegre. Uma sequência de entraves burocráticos arrastou por quase um mês o cumprimento da reintegração de posse. Sthefany Paula, 23 anos, uma das coordenadoras da ocupação Iluminados por Deus, afirma que a nova ocupação não tem ligação com o grupo que deixou a área do bairro Cavalhada:

— Pode ser que algum ocupante seja do Iluminados por Deus, mas não tem nada organizado em relação a isso.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

MORADORES DE RUA


ZERO HORA 15 de agosto de 2014 | N° 17891

ANTONIO AUGUSTO DAVILA*



O cidadão comum não tem o direito de obstruir ou de se apropriar da sua ou da calçada do vizinho. Não tem o direito de jogar lixo na rua. Não pode consumir drogas, pelo menos, em público. Além disso, é responsável pela manutenção da calçada e é obrigado a manter o ambiente limpo, saudável, enfim, higiênico. Porém, bem mais do que isso, as autoridades têm o poder-dever de polícia, não lhes é facultado escolher quem deve e quem não deve cumprir a lei ou, então, fazer apenas convites e ofertas diante de condutas não condizentes com as normas vigentes, seja a quem for, pobre, remediado ou doutor. Aliás, com boa divulgação, entrou em vigor novo Código de Limpeza Urbana de Porto Alegre (LC nº 728) com um rol de condutas vedadas e respectivas punições que visam tornar a capital gaúcha um pouco menos imunda.Todavia, alguns agentes públicos não pensam assim ou se omitem ou proclamam que a população em situação de rua tem direito de nela viver. Afirmam isso como se esse viver fosse uma opção válida de vida, algo inócuo, inofensivo, talvez até, poético. Como se esse viver pudesse ser dissociado do comer, beber, dormir, montar “comunidades”, produzir lixo, copular, urinar, defecar e, muitas vezes, se alcoolizar e se drogar, tudo em plena via pública. Como se esse triste viver não representasse grave afronta à dignidade humana, ao meio ambiente, à saúde pública.

Ao longo dos anos, essas cenas deprimentes aos poucos nos entorpeceram. Cães lazarentos e abandonados nos chocam mais que os sub-humanos das ruas que as transformam em pocilgas fétidas, muitas delas, junto a residências e estabelecimentos comerciais. Com certeza, os cidadãos da classe média que convivem com isso devam purgar enorme culpa por sua insensibilidade, por seu egoísmo, por não saberem fazer discursos politicamente corretos, por nada pretenderem fazer além de cumprir a lei, por nada fazerem além de pagar seus impostos. Talvez, o fundamento básico do direito do cidadão comum seja, simplesmente, aguentar, resignadamente.

*Economista

SEM TETO TAMBÉM MORA

ZERO HORA 15/08/2014 | 05h01

E se Porto Alegre se adaptasse aos moradores de rua? Pesquisadores e ativistas sugerem alternativas para melhorar a convivência com a população de rua

por Bruna Vargas


Casas móveis compactas, vestiários públicos e hortas comunitárias são algumas das sugestões para melhorar a convivência na cidade. Foto: mapa


Acabamento de pedras pontiagudas sob viadutos, grades ou outras estruturas metálicas instaladas sob marquises, vãos de pontes fechados e bancos com barras de ferro atravessadas são apenas alguns exemplos de medidas que cidadãos e poder público já adotaram para repelir moradores de rua em Porto Alegre. Mas e se, em vez de rejeitar essa população, a Capital criasse mecanismos que tornassem viver na rua uma escolha possível?

Locais para lavar roupas ou guardar carrinhos, fazer uma refeição a preço popular, ou mesmo produzir a sua, além da disponibilidade de atividades que criem um envolvimento saudável entre as pessoas e o espaço urbano são exemplos ainda distantes da realidade da maioria.

Autora do trabalho Morar na rua: há um projeto possível?, a mestre em arquitetura e urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP) Paula Rochlitz Quintão, acredita que, mais que oferecer estruturas adequadas à população de rua, é preciso facilitar o acesso dessas pessoas a elas, direcionando as alternativas para as áreas onde costumam circular — via de regra, na região central das cidades.

— Essa população é um contingente que se refaz, e sempre existirá uma parcela que não quer deixar as ruas. Mas, se alguém que mora na rua tem onde tomar banho, lavar suas roupas, pegar o transporte público, essa pessoa poderá levar uma vida mais digna, entrar no mercado de trabalho e, talvez, queira deixar as ruas no futuro — destaca Paula.

As razões que levam alguém a adotar a via pública como moradia vão da perda de um emprego a um assalto na chegada a uma nova cidade, passando pela violência doméstica, abuso de álcool ou drogas e até mesmo uma desilusão amorosa. Sua diversidade e complexidade resultam em uma equação tão simples quanto incômoda: qualquer pessoa é um morador de rua em potencial.

Só em Porto Alegre, um levantamento de 2011 da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) indicou que mais de 1,3 mil pessoas vivem nessa situação. Segundo Fernando Fuão, coordenador do projeto Universidade na Rua da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no entanto, esse número está desatualizado: já oscilaria entre 3 mil e 5 mil o número de moradores de rua na capital gaúcha.

Apesar da crescente demanda, as opções de quem mora na rua são restritas. É possível pernoitar em um albergue ou abrigo, porém as regras são rígidas, e o número de vagas — o total não chega a 600 — está muito abaixo do necessário. O resultado é que esses instrumentos, muitas vezes, acabam por repelir em vez de auxiliar a população de rua.

Para Eber Marzulo, integrante do projeto da UFRGS que busca conhecer melhor e debater o problema das pessoas em situação de rua, os albergues precisam ser humanizados, deixando de funcionar como reformatórios para se tornarem abrigos. Outras medidas, mais simples, como a instalação de mais bebedouros, banheiros e duchas públicas pela cidade, ajudariam a melhorar o ambiente urbano para todas as pessoas.

— É preciso fazer o oposto do que é feito hoje no sentido de impedir o uso pelas pessoas e tornar a cidade habitável ao morador de rua. Se ela for amigável a essa população, ela será amigável a qualquer usuário.

Promover a harmonia entre quem tem um teto e quem, por força das circunstâncias, se viu obrigado a morar a céu aberto, é visto por pesquisadores do tema como único caminho possível para melhorar a convivência no espaço urbano. Para que isso ocorra, porém, é necessário inverter a lógica repulsiva adotada em grandes cidades.

— Essa população é cada vez maior no mundo todo. É fundamental que a cidade e os cidadãos se perguntem o que poderia ser feito para melhorar a relação com a população de rua. O mais importante é a humanização do ambiente urbano — destaca Maria Cecília Loschiavo dos Santos, professora titular da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (USP).

http://infogr.am/como-vive-a-populacao-de-rua-em-porto-alegre?src=web


Veja a nota que a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) divulgou na terça-feira sobre a questão dos moradores de rua:

A Política de Assistência Social do Município busca oferecer toda a assistência e acompanhamento às pessoas em situação de rua na tentativa de promover o acesso à rede de serviços socioassistenciais, bem como reinseri-los às comunidades de origem. Não compete à Fundação de Assistência Social e Cidadania retirá-los da rua, mas buscar, através da formação de vínculos no espaço rua, o acesso aos espaços de proteção e às demais políticas públicas.

O Serviço de Abordagem Social trabalha prioritariamente com a possibilidade de retomada do vínculo com a família, com a comunidade e também com a perspectiva de produção de autonomia. A partir da discussão de caso com a rede de proteção regional, que inclui serviços de assistência social, saúde, escolas, entre outros, é estabelecido um Plano de Acompanhamento visando construir alternativas para a situação de rua, na perspectiva de garantia de direitos.

Em muitos casos o Serviço Especializado em Abordagem Social tem êxito, promovendo o acesso dessas pessoas aos espaços de proteção, mas muitas vezes esse acolhimento não é aceito ou eles voltam ao espaço da rua.

A Fasc vai continuar acompanhando as pessoas em situação de rua com transversalidade e intersetorialidade entre as políticas públicas.

O serviço de abordagem social pode ser solicitado durante o dia pelo telefone 3289-4994 e à noite pelo telefone 3346-3238.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

O SECRET


ZERO HORA 14 de agosto de 2014 | N° 17890


LARISSA ROSO

FOFOCA ONLINE

SEGREDOS QUE VIRAM POLÊMICAS

A NOVA SENSAÇÃO da internet é um aplicativo no qual os usuários podem fazer confidências sobre si ou outras pessoas sem ter a identidade revelada. Na prática, se transformou em mais um canal para o aparecimento do cyberbullying


Seduzidos pela promessa de anonimato, usuários sucumbem ao apelo do aplicativo para celulares e tablets mais comentado dos últimos dias: falar o que quiserem sem serem identificados. O Secret permite a conexão com amigos e desconhecidos, que interagem por meio de curtidas e comentários, sem que as identidades sejam reveladas.

Lançado nos Estados Unidos, o app nasceu com a proposta de “incentivar as pessoas a compartilhar seus pensamentos e sentimentos mais profundos, gerando conversas genuínas que seriam impossíveis de outra forma”, como explica sua apresentação. Exibe confissões (a sexua- lidade é um tema recorrente) e amenidades, mas se transformou em ambiente propício para a disseminação de mentiras e preconceitos. Entre adolescentes, é a mais nova plataforma para o bullying.

Bruno Henrique de Freitas Machado, 25 anos, consultor de marketing de São Paulo, despontou como um dos primeiros a se rebelar, entrando na Justiça com uma ação que pede o bloqueio do serviço (leia mais na página ao lado). Em escolas da Capital, multiplicam-se os casos de estudantes vítimas de postagens maldosas – nos episódios mais graves, meninas nuas são muitas vezes identificadas pelo nome. Juliana*, 16 anos, teve uma foto roubada do celular por um colega. Na imagem publicada no Secret na última semana, aparece submersa em uma banheira, com a nudez se revelando parcialmente. “Caiu na rede é peixe”, debochava a legenda. A mãe decidiu prestar queixa na delegacia e procurar a direção do colégio para exigir providências:

– Ela ficou dois dias chorosa, com vergonha. Disse que se sentiu abusada. Eu fiquei muito furiosa. A imagem de uma pessoa é sagrada.

COMPORTAMENTO IMPULSIVO DO JOVEM PROVOCA CONSEQUÊNCIAS

Mariana*, 16 anos, também de Porto Alegre, ficou sabendo por intermédio de amigos que o tamanho do seu nariz tinha virado assunto no aplicativo.

– Fiquei chocada. Me senti mal. Minha autoestima já é baixa. É uma covardia, uma agressão – relata a menina.

Psicóloga do Grupo de Estudos Sobre Adições Tecnológicas e do Centro de Estudos, Atendimento e Pesquisa da Infância e Adolescência, Aline Restano destaca que essa fase do desenvolvimento é marcada pela impulsividade. Ainda em formação, o jovem, muitas vezes, age sem pensar, o que na internet pode ter consequências imprevisíveis.

– O cyberbullying é considerado pior do que o bullying “real” porque as vítimas têm a sensação de que todo mundo sabe, não adianta mudar de escola ou cidade para ter uma nova chance. O impacto é muito maior. Algumas se isolam, têm depressão ou até se suicidam – alerta Aline.

Entusiasta das redes sociais por fortalecerem os laços entre famílias e escola, o professor de filosofia Betover Santos costuma debater os riscos da superexposição. Recentemente, aproveitou conceitos previstos no plano de aula da disciplina, como ética e moral, para orientar turmas de Ensino Médio sobre o comportamento online.

– Quais as consequências daquilo que torno público? Tudo no mundo virtual, mesmo que anônimo, possui implicações morais e éticas. As redes exigem uma relação de zelo, cuidado, reciprocidade. Posso postar qualquer coisa, mas isso está passível de inúmeras interpretações. Qual o limite do que posso tornar público? O que ainda precisa permanecer no privado? Quanto mais idôneo, consciente, racional eu for, melhor será o uso da internet na minha vida – analisa o professor de filosofia.

* Nomes fictícios para preservar a identidade das entrevistadas


COMO FUNCIONA O SECRET

-Lançado em janeiro nos Estados Unidos e em maio no Brasil, o aplicativo permite a publicação de textos e fotos de forma anônima. Está disponível para download na Apple Store e na Google Play Store.

-Para se cadastrar, é necessário informar o e-mail e o telefone. É possível também fazer o login via Facebook. O app afirma que o sigilo do usuário será garantido.

-Pode-se fazer uma busca entre pessoas de sua lista de contatos e convidá-las a integrar a rede, a partir de um e-mail anônimo. Você estará publicando conteúdo para esse grupo de amigos e para amigos de amigos, mas sem saber exatamente quem são eles, e também para desconhecidos, se optar por essa alternativa.

-Cada post pode ser comentado ou “curtido”, sendo sinalizado com corações. Um ícone específico indica o autor do post no caso de ele interagir com os demais usuários que se manifestarem ali.

-Se encontrar conteúdo que julgue inadequado, o usuário pode denunciá-lo. O app também permite bloquear o autor da postagem.


Processo pede proibição do uso do aplicativo no Brasil



Surpreendido pela divulgação de uma foto íntima no Secret, Bruno Henrique de Freitas Machado, 25 anos, de São Paulo, resolveu procurar amparo jurídico. Além da imagem, as postagens realizadas por um usuário do aplicativo lhe atribuíam a participação em orgias sexuais e um diagnóstico de HIV positivo, vírus que o consultor de marketing alega não ter contraído.

– Foi uma invasão de privacidade muito grande. Fiquei inconformado. E os comentários ainda perpetuam preconceitos latentes na sociedade. Não basta uma pessoa ter HIV, ainda tem que sofrer esse preconceito – lamenta o jovem.

Representante de Bruno, a advogada Gisele Arantes protocolou uma ação na segunda-feira pedindo que o Google e a Apple removam o aplicativo de suas lojas virtuais e que todas as operadoras de internet bloqueiem o acesso dos usuários brasileiros. Segundo Gisele, o Secret não poderia ter sido disponibilizado no país porque incentiva o anonimato, vedado pela Constituição e pelo Marco Civil da Internet. As normas que regulam a utilização da web também determinam que qualquer serviço online que colete dados no Brasil deva se submeter à legislação pátria.

Outra violação seria em relação ao Código de Defesa do Consumidor: os termos de uso do dispositivo estão em inglês, e não no idioma local.

– Num segundo momento, vamos tentar conseguir as informações sobre a identidade de quem publicou essa foto no aplicativo. Se conseguirmos identificá-lo, poderemos processá-lo pelo crime de ofensa à honra e requerer indenização pelos danos morais causados à vítima – informa a advogada.


Vítimas podem denunciar o conteúdo e buscar a Justiça



Quando ocorre um episódio de cyberbullying, é fundamental tomar providências. A família deve acolher o adolescente e procurar a escola para determinar o que será feito. Muitas vezes, o professor é um confidente habitual dos jovens. Mesmo nos casos mais sérios, não é recomendável abafar e esperar o turbilhão passar.

– A vítima e também quem pratica o bullying estão precisando de ajuda. Quem agride também não está bem – explica a psicóloga Aline Restano.

Especialista em direito digital, o advogado Leonardo Zanatta recomenda fotografar ou fazer uma reprodução da tela do telefone celular, mostrando data e hora, antes de denunciar o conteúdo pelas ferramentas disponibilizadas no aplicativo.

Os mais precavidos podem se dirigir a um cartório e providenciar uma ata notarial. Depois, o ideal é buscar a orientação de um advogado, que pode recomendar o registro de uma ocorrência policial.

– A ideia de anonimato na internet é falsa. Sempre deixamos rastros. Mesmo o aplicativo garantindo o anonimato, essas informações ficam armazenadas e podem ser vazadas. A melhor forma de não ser afetado é não utilizar, ou usar de forma consciente e ética – ressalta Zanatta.

Sobre o uso abusivo constatado no Brasil, os desenvolvedores do Secret informaram que estão trabalhando para moderar as postagens realizadas pelos usuários. O procedimento já é adotado em outros países onde há uso do aplicativo. Além disso, o próprio usuário pode sinalizar o que considerar inadequado, bloquear membros da rede e solicitar, via e-mail (legal@secret.ly), a remoção de conteúdos publicados.



ATENÇÃO AOS ADOLESCENTES

-É importante discutir, em família, temas relacionados à internet. Destaque o rápido poder de propagação e a falta de controle sobre o que é divulgado na rede. Converse sobre as diferenças das esferas pública e privada da vida de cada um.

-A adolescência é o período de maior vulnerabilidade da autoestima, e a identidade ainda está em formação.
-Não menospreze episódios relatados por seu filho ou amigos dele. Uma aparente bobagem pode ter um grande impacto na vida e na produtividade do adolescente.

-O cyberbullying é capaz de abalar profundamente a vítima. Em certos casos, só se consegue superar o impacto psicológico com o auxílio de um profissional especializado.

-Quem pratica a violência virtual também precisa de ajuda. Se o seu filho se envolveu no ataque a alguém, dedique-se a investigar o que está acontecendo.

-Procure conhecer os aplicativos que o adolescente utiliza no celular e no tablet. Não se trata de descobrir a senha e invadir a privacidade, mas estar atento ao que atrai a atenção dele no ambiente virtual.

-Peça para saber mais sobre o funcionamento de cada rede social e ver com quem ele interage. Como sempre há novidades surgindo, é importante se manter alerta.




segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A FONTE DOS JORNALISTAS

O SUL Porto Alegre, Domingo, 10 de Agosto de 2014.



Uma inquirição ignomiosa própria de regimes de força


Peço que não anotem esta narrativa como sendo este humilde marquês o protagonista. Sou apenas um narrador e coadjuvante do episódio cuja gravidade, maior ou menor, está a envolver nos primeiros papéis autoridades policiais. Digo que, lá no mês de maio último, veiculei uma nota em que revelava que dois delegados estavam sofrendo acusações de atos de improbidade administrativa com prejuízo ao erário e infrações administrativo-disciplinares. No expediente acusatório havia, inclusive, o pedido de afastamento daquelas autoridades das funções que estavam e estão exercendo. Deixei passar alguns dias e recorri à assessoria de comunicação da Secretaria da Segurança Pública na busca de saber sobre a tramitação de tal imbróglio. Como resposta daquele órgão, me foram solicitados mais detalhes do episódio, como se a Pasta de nada ou quase nada soubesse. Sigam-me


Surpresa (1)


Para surpresa minha, recebi em minha torre a notícia de que seria intimado - como de fato fui - pela Corregedoria Geral da Polícia, mais precisamente pela Delegacia de Feitos Especiais, para depor como testemunha nos autos do SPI 009527-12.04/14-8. O mandado de intimação é de n° 229/14 e foi por mim cumprido no dia 24 de julho último, às 15h. Fui ouvido pelo delegado Carlo Butarelli, mas a única pergunta era enviada pelo delegado Odival Soares, titular do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa.


Surpresa (2)


A única pergunta que me foi feita estava no sentido direto para que eu informasse a minha fonte sobre a nota publicada. Uma inquirição ignomiosa própria de regimes de força com o detalhe agravante de que era citado, sei lá por qual motivo, o nome de um delegado que teria me passado a informação. Não me foi feita a pergunta sobre se era idônea a fonte. O objetivo, puro e simples, era o de que eu revelasse, nominalmente, a minha fonte com o uso constrangedor do status da Corregedoria da Polícia Civil


Recordação


A primeira vez que vivi fato semelhante ao que aqui narro aconteceu no final dos anos 1960, pico da ditadura, quando fui chamado a depor como testemunha num IPM (Inquérito Policial Militar) na Brigada Militar por ter escrito uma matéria no vespertino Folha da Tarde, há décadas extinto, sobre a simples ideia da separação do Corpo de Bombeiros da Brigada. Um jovem tenente que presidia o IPM chegou a ameaçar colocar-me como indiciado no processo caso eu não revelasse o nome do oficial da própria Brigada que teria me passado as informações. Assim é que, da minha torre, neste Dia dos Pais, mando esta mensagem aos jovens jornalistas para que não deixem de atentar para o fato de que o Diabo não dorme

domingo, 10 de agosto de 2014

GOTEJANDO

FOLHA.COM DE SÃO PAULO, 10/08/2014 02h00


Eliane Cantanhêde


BRASÍLIA - Depois de o Planalto enviar um funcionário a um seminário de internet em Cuba, tudo é possível. Cuba é o último lugar do mundo para fazer curso de internet... a não ser de guerrilha digital.

Por essas e outras, é irritante, mas não surpreendente, a informação da Folha e do "Globo" de que a rede do Planalto é usada para adocicar perfis de aliados, azedar dos adversários e plantar calúnias contra jornalistas críticos. A operação, além de indecente e possivelmente criminosa, é também de uma burrice gritante.

Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg, afora o fato de serem queridos amigos, são dois dos mais respeitados e premiados jornalistas do país. Logo, o ataque não foi só aos dois, mas a uma categoria inteira e a uma cidadania que exige liberdade de expressão e de crítica.

Do ponto de vista político, é péssimo para Dilma Rousseff, mas é sobretudo um desastre para o PT, que já enfrenta alta rejeição, candidatos assustados e atritos de toda sorte.

Segundo o marqueteiro João Santana, eleições trabalham o imaginário popular. Pois o uso da sede da Presidência para golpes rasteiros só "vai gotejando" uma imagem ruim do PT, como diz Gilberto Carvalho.

A hora é de falar de Mais Médicos, Minha Casa, Pronatec, não de o Planalto fazer jogo sujo que remete a mensalão, aloprados e manipulação da CPI. E à estrela vermelha de dona Marisa no Alvorada, ao passeio da cadelinha em carro oficial, ao emprego da nora para não fazer nada no Sesi e ao contrato milionário do filho –"o Ronaldinho"– por baixo dos panos. A confusão entre público e privado corresponde às boquinhas e ao aparelhamento de Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil. Em nome de "uma causa" –a dos poderosos e da elite de plantão. Os outros? São "contra os pobres".

Se cabeças rolaram no Santander por avaliações de mercado, o que ocorrerá por ações no Planalto que nada têm a ver com o interesse público, o Estado e a nação?
eliane cantanhêde
Eliane Cantanhêde, jornalista, é colunista da Página 2 da versão impressa daFolha, onde escreve às terças, quintas, sextas e domingos. É também comentarista do telejornal 'GloboNews em Pauta' e da Rádio Metrópole da Bahia.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

JUIZ: BLACK BLOCS AGIRAM COMO ESQUERDA CAVIAR

BRASIL 247, 5 DE AGOSTO DE 2014 ÀS 11:09



Magistrado Marcelo Matias Pereira, da 10ª Vara Criminal de São Paulo, se manifesta de forma polêmica ao dizer que os ativistas Fábio Hideki Harano e Rafael Lusvarghi, a quem ele negou pedido de liberdade na sexta-feira 1º, agiram "ao gosto da esquerda caviar"; expressão conservadora é usada com frequência pelo blogueiro Rodrigo Constantino, de Veja, para descrever quem defende o socialismo, mas usufrui dos benefícios do capitalismo; para o advogado de Harano, Luiz Eduardo Greenhalgh, manifestação do juiz foi "absolutamente ideológica"; "Isso me lembrou a época da ditadura militar, da lei de Segurança Nacional, sem nenhum fundamento"


SP 247 – O juiz que negou liberdade aos ativistas Fábio Hideki Harano e Rafael Lusvarghi, acusados de liderar manifestações violentas e depredação do patrimônio em São Paulo, usou a expressão "esquerda caviar" em sua decisão, proferida na última sexta-feira 1º. Marcelo Matias Pereira, da 10ª Vara Criminal, afirmou que os 'black blocs' atuam "bem ao gosto da denominada esquerda caviar".

A expressão conservadora é usada para descrever quem defende os conceitos do socialismo, mas usufrui dos benefícios do capitalismo e é citada frequentemente pelo blogueiro de Veja Rodrigo Constantino.

"Além de descaradamente atacarem o patrimônio particular de pessoas que tanto trabalharam para conquistá-lo, sob o argumento de que são contra o capitalismo, mas usam tênis da Nike, telefone celular, conforme se verifica nas imagens, postam fotos no Facebook e até utilizam uma denominação grafada em língua inglesa, bem ao gosto da denominada esquerda caviar", escreveu o juiz, segundo reportagem da Folha de S. Paulo.

O advogado de Hideki, Luiz Eduardo Greenhalgh, afirma que a manifestação do juiz foi "absolutamente ideológica" e sem fundamento. "Isso me lembrou a época da ditadura militar, da lei de Segurança Nacional, sem nenhum fundamento", disse Greenhalgh.

Em novo artigo, o jornalista Paulo Moreira Leite comenta nesta terça-feira o fato de dois ativistas terem ficado 42 dias presos, acusados por um crime que não cometeram. Para a polícia, em 2014, resta explicar uma acusação para a qual não exibe provas consistentes. Para os ativistas, cabe responder o motivo de protestos violentos", diz ele, que afirma que "provas fictícias ferem a democracia".

Laudos apontaram que os materiais que estavam com os ativistas presos não tinham potencial para explosão. As acusações contra os dois jovens são de incitação ao crime, associação criminosa armada, resistência, posse de artefato explosivo e desobediência. As defesas dos dois manifestantes afirmam que as acusações são inconsistentes.

Para o juiz, os ativistas Harano e Lusvarghi tinham "liderança sobre as massas". O magistrado defende a ideia de que os 'black blocs' fizeram com que as manifestações no País perdessem a legitimidade e suas atitudes, de depredação e violência, tiraram o direito dos que pretendiam protestar de forma pacífica.

REFLEXÕES SOBRE O DECRETO 8.243/2014

SOCIEDADE MILITAR. Seg, 09 de Junho de 2014

SAULO DE TARSO MANRIQUEZ

Reflexões sobre o Decreto nº 8.243, de 23 de maio de 2014


Gramsci propunha um Estado integral ou ampliado, no qual a distinção entre Estado e sociedade civil tornar-se-ia imperceptível.


Se o PT fracassar nas eleições, o partido não mais conduzirá o Estado ampliado, mas subsistirá, no governo de qualquer partido, por meio da sociedade ampliada que o partido mesmo criou.

O Decreto nº 8.243, de 23 de maio deste ano, que cria a “Política Nacional de Participação Social” e o “Sistema Nacional de Participação Social” tem por finalidades: 1) manter o PT, indiretamente, como protagonista dentro do governo federal (no caso de uma eventual derrota do partido nas urnas); 2) corroer a democracia representativa; 3) enfraquecer o Congresso; 4) acelerar a criação de uma nova Constituição.

Como Vivian Freitas, em artigo intitulado“O risco de golpe: o decreto n.º 8.243/2014 e o plebiscito constituinte”, já abordou a relação entre o decreto em tela e o desejo do PT em criar uma nova Constituição, o presente artigo não versará sobre esse aspecto.

1. Quem serão os participantes na Política Nacional de Participação e no Social Sistema Nacional de Participação Social?

O art. 1º do Decreto nº 8.243/2014 institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS) estabelecendo o objetivo de “fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”. E o art. 4º, I, estabelece, dentre outros objetivos da PNPS, o de “consolidar a participação social como método de governo”. Em princípio não há nada de muito estranho nisso, pois existem outras normas vigentes no Brasil que valorizam a participação social no âmbito da Administração Pública (v.g. artigos 32 e 33 da Lei nº 9.784 , de 29 de janeiro de 1999 e art. 2º, art. 4º, III, “f”, e § 1o do art. 32 da Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001). Ocorre, no entanto, que ao contrário do que acontece com outras normas que enfatizam a participação, colocando-a como uma possibilidade ou como ferramenta de planejamento a ser ou não concretizada pelos administradores públicos, o Decreto nº 8.243 enfatiza a promoção da participação como um dever da Administração Pública Federal e, logo, acaba transformando a participação social em um “direito”[1]. O art. 3º do referido decreto concebe a participação como um direito e o art. 5º do mesmo decreto diz que “os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta deverão, respeitadas as especificidades de cada caso, considerar as instâncias e os mecanismos de participação social, previstos neste Decreto, para a formulação, a execução, o monitoramento e a avaliação de seus programas e políticas públicas”, ou seja, o decreto amarra a atuação do governo federal à participação dos movimentos sociais, coletivos e ONGs, colocando-os como juízes do agir estatal.

O art. 2º, I, do Decreto nº 8.243 diz que a sociedade civil abrange “o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”. Para compreender o alcance das pretensões desse decreto é preciso refletir sobre o que se entende usualmente por “movimentos sociais”, “coletivos” e sobre a temática da participação.

Há quem diga, como é o caso de Maria da Glória Gohn, que os movimentos sociais abrangem atores coletivos de diferentes classes e com interesses distintos[2], entretanto, convém lembrar que além da noção de movimento social estar historicamente relacionada com movimentos que lutam por transformações sociais[3] – amiúde mediante expedientes revolucionários -, o conceito corrente de movimentos sociais está muito longe da leitura que Gohn faz dos mesmos. A noção contemporânea de movimentos sociais não é pluralista, pois exclui grupos que procuram influenciar os governos de forma desalinhada da agenda socialista. Assim, para todos os efeitos, as associações de empresários, os grupos pró-vida, as associações religiosas cristãs não progressistas, as organizações que lutam contra o desarmamento civil, entre outras, não são considerados “movimentos sociais”. Nada que cause espécie, haja vista que a atual conceituação de movimento social é um upgrade do conceito de classes marxista[4]. Se em Marx existia uma classe opressora e outra oprimida, para a new left existem - dentro do vasto portfólio dos maniqueísmos que produzem - de um lado as forças “antidemocráticas”, “antipopulares” e “fascistas” e de outro os “movimentos sociais”.

Os coletivos, por sua vez, seguem a mesma lógica. Em verdade, pode-se afirmar que são desdobramentos ou nósdentro da rede dos movimentos sociais. Não existem “coletivos” fora da esfera de influência das esquerdas.

Os movimentos sociais e os coletivos, portanto, são aqueles que as forças de esquerda classificam como tal.

Embora o decreto coloque o cidadão dentro do conceito de “sociedade civil”, a “participação” se dará por meio dos movimentos sociais e coletivos.

Lembra Paulo Bonavides que “o homem do Estado moderno é homem apenas acessoriamente político”[5]. Esse homem não é como o homem dos tempos da democracia ateniense, que podia, na medida em que lastreado por uma economia escravocrata, dedicar-se quase que integralmente às discussões políticas realizadas na Ágora. Nas sociedades modernas, os homens são em sua grande maioria indivíduos que lutam ou para transcender a linha das necessidades básicas da vida ou para garantir um mínimo de bem-estar para suas famílias. Destarte, a política divide espaço com inúmeras atribuições e reflexões do cotidiano, vindo a ser para muitos o último lugar na escala de prioridades.

Diga-se também que a participação requer tempo e são poucas as pessoas que realmente dele dispõem.

Os regimes totalitários caracterizam-se, dentre outras coisas, pela pretensão de colocar a política no centro da vida das pessoas. Não se quer dizer com isso que os totalitarismos estão abertos a uma espécie de controle “social”, “popular” ou “cidadão”, e nem se está aqui sugerindo que tais regimes são “participativos”; longe disso. Os Estados totalitários requerem uma aparência de cidadania total. Norberto Bobbio, ao analisar a democracia direta grega e o modelo rousseauniano de democracia, observou que “o cidadão total e o estado total são as duas faces da mesma moeda”, tendo em comum o princípio de que “tudo é política”, o que implica “a redução de todos os interesses humanos aos interesses da pólis, a politização integral do homem, a resolução do homem no cidadão, a completa eliminação da esfera privada na esfera pública [...]”.[6]

As pessoas comuns, que veem na política um assunto secundário, que empreendem, que trabalham, que estudam e que, por essas razões, às vezes não têm tempo ou disposição para sequer participar de uma reunião de condomínio, serão alijadas do suposto processo participativo sugerido pelo decreto em comento. Na verdade, não é para elas que o decreto se volta. O decreto alcança um público específico: os cidadãos totais, os cidadãos compedigree devidamente certificado pelo partido hegemônico ou por alguma força de esquerda. O decreto destina-se, enfim, a pessoas e organizações propositadamente preparadas para lhe dar efetividade e “legitimidade”. Quem participará, portanto, são os movimentos sociais, os coletivos e os grupos dotados de uma organização capaz de mobilizar e capacitar interessados para uma atuação concreta e decisiva nas mais diversas esferas do governo federal.

2. Construindo uma identificação artificial entre sociedade civil, movimentos sociais, coletivos e ONGs

O Decreto nº 8.243 acabará por criar uma identificação artificial entre a sociedade civil e os movimentos sociais, os coletivos e as ONGs. Destarte, quando movimentos sociais e coletivos, institucionalizados ou não, participarem na formulação, na execução, no monitoramento e na avaliação de programas e políticas públicas do governo federal entender-se-á que foi a sociedade civil que participou.

A sociedade civil - ou simplesmente a sociedade - é “a esfera das relações entre indivíduos, entre grupos, entre classes sociais, que se desenvolvem à margem das relações de poder que caracterizam as instituições estatais”[7]̄[8]. O conceito de sociedade civil não é o mesmo de movimento social ou de coletivo. Movimentos sociais e coletivos fazem parte da sociedade civil, mas não a representam em sua totalidade e complexidade.

As democracias contemporâneas convivem com novas realidades que desafiam governos e estrategistas políticos. Identificam-se nas sociedades, além dos habituais poderes mais ou menos institucionalizados, uma sociedade de organizações – privadas, governamentais e não governamentais. As organizações, lembra Richard Hall, “são um componente predominante na sociedade contemporânea”[9]. Charles Perrow, em seu artigo A society of organizations chegou a dizer que as organizações “absorveram a sociedade”[10]. De certa forma, as organizações dão voz aos diversos segmentos da sociedade, mas pode ser perigoso enfatizar isso, pois se acaba por favorecer as perspectivas que têm por escopo forjar uma equivalência entre alguns movimentos ou grupos com a totalidade da sociedade.

Convém destacar que a proliferação de organizações não governamentais não é necessariamente fruto de expressões espontâneas da sociedade. Nessa proliferação há também a presença de uma estratégia política de ideólogos de esquerda que se volta para a conquista ou reconquista da hegemonia socialista. Nesse sentido é interessante lembrar que Jürgen Habermas, verificando que após o colapso da União Soviética os socialistas ficaram, por assim dizer, “órfãos”, recomendou ao movimento socialista – que no Estado soviético tinha uma feição estatal - que se distribuísse e se canalizasse em organizações sociais[11].

Pode-se dizer que Habermas pega carona no pensamento de Antonio Gramsci. Gramsci propunha um Estado integral ou ampliado, no qual a distinção entre Estado e sociedade civil tornar-se-ia imperceptível. O Estado ampliado é aquele que não se limita às suas próprias instituições e órgãos, pois nele “a sociedade civil, por intermédio das organizações privadas de hegemonia (a expressão será trabalhada logo adiante), indica a ‘direção’ política e cultural, e passa a executar certas funções públicas que antes pertenciam exclusivamente à esfera estatal”[12].

Gramsci cunhou a expressão aparelhos privados de hegemonia para designar as instituições da sociedade civil voltadas a estabelecer uma visão de mundo hegemônica sobre as outras visões mediante a ocupação de espaços[13]. Apesar de o conceito de aparelho privado de hegemonia poder, em princípio, ser aplicado a organizações que representam diferentes correntes ideológicas, seu uso está umbilicalmente atrelado aos discursos e projetos socialistas orientados para a conquista da hegemonia.

Quando Gramsci fala em aparelhos privados ele está, em princípio, pensando especificamente em cooptar o empresariado, os proprietários, enfim, a "classe dominante", com vistas a atrelar a sociedade civil ao Estado. Com o tempo, aparelhos de outras configurações, ou seja, não necessariamente "privados" no sentido preciso do termo, foram sendo inseridos na dinâmica da luta pela hegemonia. O termo "privado" aproximou-se cada vez mais da ideia de não-estatal. Dizer "privado" não quer mais necessariamente dizer "empresarial" ou algo relacionado com a classe que Gramsci considerava dominante. O crescimento vertiginoso das ONGs e o fortalecimento dos movimentos sociais trouxeram novos subsídios para uma teorização estratégica sobre os aparelhos de hegemonia.

Gramsci trabalha estrategicamente com o conceito genérico de “sociedade civil” (ou “sociedade civil organizada”), camuflando por meio dele a orientação para ação (que pode ou não se restringir ao campo do discurso) direcionada a movimentos específicos comprometidos com a imposição da hegemonia socialista.

Os movimentos sociais, os coletivos e as ONGs são aparelhos privados de hegemonia a serviço da ampliação do Estado; da “identidade-distinção” entre a “sociedade civil” e a sociedade política (Estado)[14].

3. A corrosão da democracia representativa e o enfraquecimento do Congresso

O Decreto nº 8.243 tende, reitere-se, a forjar uma identificação entre a sociedade civil e os movimentos sociais, coletivos e ONGs. O corolário dessa identificação artificial será a ressignificação das noções de representação política e de legitimidade democrática. Quando os movimentos sociais, os coletivos e as ONGs participarem das decisões do governo federal, propalar-se-á a ficção de que quem está participando é a própria sociedade civil. E mais: sugerir-se-á que a sociedade fora representada.

O Decreto nº 8.243 prepara o terreno para o fim da legitimação democrática delineada na Constituição de 1988, a qual só se dá pelas vias eleitorais que definem os representantes e pelas vias plebiscitária e referendária (acessórias e sujeitas a uma série de limitações constitucionais) nas quais toda a população de um município, de um Estado-membro ou de toda a nação, é chamada a se manifestar sobre algum assunto. A representação e a legitimidade democrática serão divididas entre os movimentos sociais, os coletivos, as ONGs e o Congresso.

4. Mantendo o protagonismo a qualquer custo

No caso de o PT ser derrotado nas urnas, o Decreto nº 8.243/2014 garantirá ao partido a permanência nas estruturas do Estado por meio das organizações e movimentos a ele atrelados.

É preciso compreender que o Decreto nº 8.243/2014 é fruto de uma longa trajetória de consolidação da hegemonia socialista.

Durante todo o tempo em que esteve no comando do Estado, o PT empenhou-se em ampliá-lo, criando e fortalecendo seus aparelhos de conquista da hegemonia: os movimentos sociais, os coletivos e as ONGs.

As forças políticas que conduzem o Estado ampliado procuram justificá-lo e legitimá-lo por meio do expediente retórico que sugere que quem na verdade se amplia é a sociedade. Diz-se então que é a sociedade ampliada(movimentos sociais, coletivos e ONGs) que controla o Estado e não o contrário[15].

Se o PT fracassar nas eleições, o partido não mais conduzirá o Estado ampliado, mas subsistirá, no governo de qualquer partido, por meio da sociedade ampliada que o partido mesmo criou.

O Decreto nº 8.243/2014 rateia preventivamente a condução do governo federal entre o PT e qualquer outro grupo político que venha a assumir o poder. Não obstante, o decreto permitirá ao PT obstar e prejudicar a atuação de outro partido que eventualmente assuma o governo federal. 
 

ESCRITO POR SAULO DE TARSO MANRIQUEZ | 06 JUNHO 2014
Em Mídia sem Máscara.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

SONHO DE VIVER EM SOCIEDADE SOCIALISTA

Do G1 RS 04/08/2014 07h28

Candidato do PCB nutre sonho de 'viver em sociedade socialista' no RS. Humberto Carvalho pede 'igualdade social' e traça metas de campanha. G1 publica os perfis dos oito candidatos ao governo do Rio Grande do Sul.

Caetanno Freitas


Humberto Carvalho é o candidato do PCB ao governo do estado (Foto: Vinicius Guerreiro/G1)

Mais de 11 mil quilômetros separam Porto Alegre de Jerusalém em linha reta. O voo dura cerca de 20 horas. Distância que não impede diferentes reações ao redor do mundo sobre o conflito entre israelenses e palestinos. Longe da guerra, um lenço da Palestina cai sobre os ombros do candidato ao governo do Rio Grande do Sul Humberto Carvalho (PCB). “Não é marketing, viu? Estou usando porque lamento a limpeza étnica que Israel está promovendo”, diz. Do outro lado do Atlântico, Carvalho também enxerga conflitos e propõe uma revolução socialista pela convivência ética e equilibrada entre os gaúchos.



(Desde segunda (28) até a outra segunda (4), oG1 publica os perfis dos oito candidatos ao governo do Rio Grande do Sul. A ordem de publicação foi definida a partir das intenções de voto da pesquisa Ibope divulgada no dia 19 de julho. No caso em que houve empate, foi usada a ordem alfabética.)

Os sons dos talheres e das xícaras em operação se destacavam quase formando uma melodia no ambiente escolhido por Humberto Carvalho para conceder a entrevista ao G1. O aroma do café e das torradas sendo preparadas pela manhã na pequena mas charmosa cafeteria aguçaram a fome do candidato, que pediu um tradicional “farroupilha” (pão francês com presunto e queijo) e um expresso para a atendente. O pedido chegou rápido, mas foi esquecido ao lado da mesa quando o assunto virou capitalismo, política e planos de governo para 2015.

“Meu maior sonho é viver em uma sociedade socialista. Seria um mundo mais justo, com direitos iguais de estudo e trabalho pra o povo, sem privilégios. Para que isso aconteça é necessário uma revolução. Não digo uma revolução armada, veja bem, mas uma mudança de conceitos e estrutura”, salienta. “Um governo comunista teria a vantagem de igualdade social. Acho que vamos conseguir isto num futuro não tão distante. Não há outra saída”, avalia.

Imagens mostram momentos marcantes da história do candidato Humberto Carvalho (PCB). Acima, a infância ao lado da irmã Marli e colando grau em Ciências Jurídicas e Sociais. Logo abaixo, quando foi orador da turma na formatura do ginásio e um registro do encontro internacional de partidos comunistas em Beirute, Líbano. A última foto mostra a festa de casamento com Carmen ao lado dos pais e padrinhos.

Humberto Carvalho tem 71 anos, é casado com Carmem Regina há 45 e tem três filhos. Atualmente, é procurador de Justiça aposentado e trabalha como advogado. Nasceu em Porto Alegre, mas viveu a infância e parte da adolescência em Santana do Livramento, município da Fronteira Oeste do estado. Foi presidente do grêmio estudantil durante o ginásio e voltou para a capital com 15 anos. “Tive uma infância normal e feliz. Sou de uma família de classe média, mas meus pais sempre me possibilitaram os estudos. Fui criado num ambiente de muito amor familiar, o que tanto transmiti aos meus filhos”, relata.

Humberto Carvalho é o candidato do PCB ao
governo do estado (Foto: Vinicius Guerreiro/G1)

O candidato do PCB tenta o governo do estado pela segunda vez. Na primeira, em 2010, teve 0,03% dos votos válidos computados pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RS). Também já foi candidato a vice-prefeito de Porto Alegre na chapa de Vera Guasso (PSTU) em 2008. “Não tenho ambições eleitorais, sinceramente. É difícil falar isso publicamente. A verdade é que não sou político profissional. Tenho ambições políticas muito grandes, isso sim”, observa.

Em seis anos, desde que iniciou suas tentativas eleitorais, Humberto Carvalho mais que triplicou o valor de seu patrimônio declarado à Justiça Eleitoral. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o candidato do PCB ao Piratini tem bens avaliados em mais de R$ 1,2 milhões. O crescimento financeiro, justifica o comunista, é resultado de sua dedicação pessoal.

“Tudo o que tenho é fruto do trabalho. Nunca explorei ninguém. É pensando na minha família, nos meus filhos. Quero dar a eles a segurança necessária num sistema capitalista. É preciso sobreviver nele para denunciar. Temos de acabar com isso de que comunista gosta de pobreza. Ao contrário, adoramos a riqueza, desde que seja melhor distribuída”, diz.

Assista ao vídeo selfie gravado pelo próprio candidato, a pedido do G1:



Na entrevista, o G1 pediu que Humberto Carvalho respondesse três perguntas feitas a todos os candidatos. Confira as respostas abaixo.

- Na sua opinião, qual é o principal problema do Rio Grande do Sul?
Acho que se destacam, entre os vários problemas, a segurança, a falta de infraestrutura, a questão do saneamento básico e até a taxa de mortalidade infantil que, se comparada a Cuba, é uma desgraça. Há um destaque também na questão da dívida pública, que foi muito mal negociada. Está ocorrendo uma renegociação, mas de uma forma totalmente errada. Me pergunto onde está o governo, a bancada dos partidos tradicionais, onde estão nossos senadores? Desconfio que há anatocismo nesse contrato. É uma cobrança de juros sobre juros. Além da auditoria, temos de ir aos tribunais pedir a recomposição da dívida.

- E a maior virtude do estado?
A capacidade de trabalho das nossas pessoas. Graças a isto, o PIB do estado no ano passado aumentou em relação ao do ano anterior. E foi maior que o crescimento do PIB no país. (O candidato teve tempo livre, assim como os demais postulantes do Piratini, mas optou por uma resposta curta e objetiva).

- Como o senhor vai mudar a vida dos gaúchos nos próximos quatro anos?
Temos dois eixos na campanha. O primeiro é o que chamamos de poder popular. É o povo participando das deciões, da criação da democracia participativa. Temos mecanismos constitucionais que não são utilizados como deveriam, como os referendos e os plebiscitos. Na economia popular, o outro eixo, queremos que cheguem aos gaúchos os produtos mais baratos, que não existam atravessadores que encarecem os produtos. Queremos feiras regionais de abastecimento e nos afastarmos dos empréstimos estrangeiros.


fonte: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/eleicoes/2014/noticia/2014/08/candidato-do-pcb-nutre-sonho-de-viver-em-sociedade-socialista-no-rs.html