Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

segunda-feira, 30 de junho de 2014

PÁTRIA E PARTIDO


FOLHA.COM 28/06/2014 02h00


Demétrio Magnoli




Doze dias atrás, pela primeira vez na democracia, o Brasil ganhou uma "lista negra" semioficial de críticos do governo. A nota, publicada no site do PT pelo vice-presidente do partido, Alberto Cantalice, enumera nove nomes malditos –entre eles, o deste colunista– e, nesse passo, desvela a alma política de uma parcela de nossa elite dirigente. Substancialmente, o que existe ali é a pretensão autoritária de identificar a pátria ao partido.

Separemos o que é irrelevante. Ao responsabilizar os nove malditos pela recepção hostil do Itaquerão a Dilma Rousseff, o PT pratica uma inofensiva modalidade de terrorismo: tenta matar o país de tanto rir.

Isolemos o que é secundário.. A afirmação de que os nove "estimulam a maldizer os pobres e sua presença nos aeroportos, nos shoppings e nos restaurantes" não passa de uma calúnia primária destinada a aquecer militantes e pautar blogueiros palacianos.

O principal está alhures. A nota acusa os nove de "desgastar a imagem do país no exterior" –ou seja, de trair a pátria. Por ridícula que seja, tal acusação traz uma marca inconfundível. Nos EUA, o macarthismo produziu suas "listas negras" por meio de um órgão parlamentar denominado Comitê de Atividades Antiamericanas. Desde a eleição de Obama, a ultradireita americana sugere que o presidente não nasceu nos EUA e/ou é muçulmano. A "pátria" torna-se, aí como no macarthismo, um pseudônimo da elite dirigente, não uma expressão do contrato nacional entre cidadãos livres e politicamente diversos. O PT ultrapassa uma barreira política e ética ao reclamar para si a propriedade da pátria.

A "lista negra" do macarthismo tupiniquim surgiu no dia 16, mas só chegou ao noticiário político dos grandes jornais brasileiros após a divulgação do protesto da respeitada entidade internacional Repórteres Sem Fronteiras, no dia 20. O pesado silêncio de quatro dias dos jornais, rompido aqui e ali por colunas de opinião, é uma notícia tão relevante quanto a própria "lista negra". O "controle social da mídia" não começará por um decreto governamental, mas pela prática da autocensura.

O que aconteceria nos EUA se o Partido Democrata divulgasse uma "lista negra" de críticos do governo Obama, acusando-os de "desgastar a imagem do país no exterior"? O PT, como registrou a Repórteres Sem Fronteiras, é o partido governante. A "lista negra" do PT surgiu logo que Lula atribuiu à "mídia" e à "elite branca" a culpa pela hostilidade de torcedores à presidente. A nota de Cantalice não é um ato oficial de governo, mas fica perto disso. Significativamente, nenhuma voz do Planalto veio a público informar que o governo não compactua com listas de "inimigos da pátria".

"Os integrantes dessa lista estão exultantes de serem chamados assim", especulou um leitor que aprecia "listas negras" semioficiais (com a condição, suponho, de que seu nome não esteja nelas). Tudo é possível debaixo do sol, mas seria uma rematada tolice. Os nove "blacklisted" não partilham um credo político ou ideológico: aparecem juntos apenas por obra dos fabricantes de "listas negras". Além disso, os nomes são circunstanciais: listas dessa natureza mudam ao sabor das conveniências, como admitiu certa vez o próprio Joseph McCarthy.

Joseph Cantalice McCarthy vive no tempo errado ou no país errado. Décadas atrás, no Brasil da ditadura, ele teria emprego assegurado na polícia política. Hoje mesmo, pode se candidatar com sucesso a um cargo de juiz no Egito, onde três jornalistas da Al-Jazeera foram condenados à prisão por "difundir notícias falsas" e –atenção à coincidência!– "manchar a imagem do país no exterior". O problema é que, neste país e neste tempo, ele opera no almoxarifado do governo.

Tenho dois recados ao pequeno macarthista do PT: 1) Sua "lista negra" só incrimina o seu próprio partido; 2) A pátria é de todos.


demétrio magnoli
Demétrio Magnoli, doutor em geografia humana, é especialista em política internacional. Escreveu, entre outros livros, 'Gota de Sangue - História do Pensamento Racial' (ed. Contexto) e 'O Leviatã Desafiado' (ed. Record). Escreve aos sábados.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Matérias relacionadas para lembrar e lutar para que não se repita no Mundo e no Brasil.




WIKIPEDIA - Macartismo (em inglês McCarthyism) é o termo que descreve um período de intensa patrulha anticomunista, perseguição política e desrespeito aos direitos civis nos Estados Unidos que durou do fim da década de 1940 até meados da década de 1950. Foi uma época em que o medo do Comunismo e da sua influência em instituições americanas tornou-se exacerbado, juntamente ao medo de ações de espionagem promovidas pela OTAN. Originalmente, o termo foi cunhado para criticar as ações do senador americano Joseph McCarthy, tendo depois sido usado para fazer referências a vários tipos de condutas, não necessariamente ligadas às elaboradas por McCarthy.

Durante o Macartismo, muitos milhares de americanos foram acusados de ser comunistas ou filocomunistas, tornando-se objeto de investigações agressivas. A maior parte dos investigados pertencia ao serviço público (como Alger Hiss), à indústria do espetáculo ( ex.Barbara Bel Geddes), cientistas (David Bohm), educadores e sindicalistas e até militares de alta patente. As suspeitas eram freqüentemente dadas como certas mesmo com investigações baseadas em conclusões parciais e questionáveis, além da magnificação do nível de ameaça que representavam os investigados. Muitos perderam seus empregos, tiveram a carreira destruída e alguns foram até mesmo presos e levados ao suicídio.

O Macartismo realizou o que alguns denominaram "caça às bruxas" na área cultural, atingindo atores, diretores e roteiristas que, durante a guerra, manifestam-se a favor da aliança com a União Soviética e, depois, a favor de medidas para garantir a paz e evitar nova guerra. O caso mais famoso nesta área foi Charlie Chaplin.

A "caça às bruxas" perdurou até que a própria opinião pública americana ficasse indignada com as flagrantes violações dos direitos individuais, graças em grande parte à atuação corajosa do famoso e respeitadíssimo jornalista Edward R. Murrow na rede americana de televisão CBS, o que levou McCarthy ao ostracismo e à precoce decadência. Ele morreu em 1957, já totalmente desacreditado e considerado uma figura infame e uma vergonha para os americanos.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Macartismo


WIKIPEDIA - A caça às bruxas foi uma perseguição política e social que começou no século XV e atingiu seu apogeu nos séculos XVI e XVII principalmente em Portugal, na Espanha, França, Inglaterra (chamada de Normandia), na Alemanha, e na Suíça em menor escala. As antigas seitas pagãs e matriarcais , de fundo e objetivo Político, eram tidas como satânicas, de domínio popular com objeto diferente do religioso, sendo organizações diferentes do que costumam pregar a Bíblia, Alcorão e outros livros santos, tendo uma conotação de domínio político de Poder. O mais famoso manual de caça às bruxas é o Malleus Maleficarum ("Martelo das Feiticeiras"), de 1486.

No século XX a expressão "caça-às-bruxas" ganhou conotação bem ampla, sua verdadeira conotação se auto-revelou se referindo a qualquer movimento político ou popular de perseguição política - arbitrária, com o objetivo de Poder, muitas vezes calcadas no medo e no preconceito submetiam a maioria, no que hoje poderíamos chamar de Terrorismo, como ocorreu, por exemplo, durante a guerra fria, em que os EUA perseguiam toda e qualquer pessoa que julgassem ser comunista, seja por causa fundamentada e comprovada e/ou não, por medo do Terrorismo. Dessa forma, teve lugar a caça às bruxas comunista dos EUA, como também ao sul do Brasil aos chamados Nazi-comunista por Getúlio Vargas, antes da Segunda Guerra Mundial, de 1922 a 1942 quando entrou na Guerra efetivamente ao lado dos aliados, em que esses elementos sabotavam as organizações militares e governamentais de forma geral, principalmente aos Bancos, para angariarem fundos, se infiltrando nelas.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ca%C3%A7a_%C3%A0s_bruxas


sábado, 28 de junho de 2014

PROTESTO À CAPELA


O GLOBO 28/06/2014 0:00

Jorge Maranhão

Prefiro ver nesta performance cívica a insatisfação manifesta quanto às escolhas que nossos governantes têm feito sobre determinadas políticas públicas



Na cobertura da Copa da Fifa no Brasil, muito tem sido comentado sobre as vaias aos governantes. Assim como sobre a alegria da torcida com a bola que rola. Mas acredito que tão importante quanto esses dois momentos seja comentar o canto à capela do Hino Nacional Brasileiro, que persiste em transgredir o limite imposto pela Fifa de execução apenas das aberturas musicais. Porque esta significativa rebeldia é o que mais bem traduz o estado de espírito da cidadania política de hoje em dia, depois das jornadas de manifestações do ano passado. O que tem feito despertar do sono esplêndido um povo que, há mais de um século, a tudo assiste bestializado.

Aos gritos de guerra ou palavras de ordem de outras formas de manifestações, prefiro ver nesta performance cívica a insatisfação manifesta quanto às escolhas que nossos governantes têm feito sobre determinadas políticas públicas — ou mesmo a inexistência delas — sem qualquer consulta aos cidadãos. Já corre, inclusive, na internet a disputa pela origem do ato de repulsa da galera contra o limite de execução dos hinos determinado pela arrogante e toda-poderosa Fifa — ato abusivo sobre determinações legais e protocolares de qualquer nação que se preze, ainda mais quando em nossa própria casa!

Se nas jornadas de junho de 2013 já mostrávamos com veemência o desacordo quanto às escolhas de nossos governantes pela construção de 12 arenas para inglês ver — em detrimento de políticas públicas de qualidade para serviços públicos como transporte, saúde e educação —, muito mais oportuno agora este tributo cívico e absolutamente pacífico, justamente nas transmissões do megaevento para todo o planeta. Enquanto isso, alguns manifestantes do lado de fora das ditas arenas ainda persistem nas reivindicações para que o governo brasileiro recobre o brio nacional e revogue a absurda isenção tributária concedida à Fifa, coisa pra lá de um bilhão de dólares, sobre o seu monumental lucro com a operação da Copa no país, além da exigência de que se cumpra o prometido investimento social de construção de campos e praças de esporte para escolas públicas dos estados hospedeiros do evento.

Bem-vindos sejam, pois, gestos de protesto tão espontâneos quanto eficazes como estas reincidentes execuções do hino à capela. Com o ganho cívico de que são rebeldias contagiantes e elucidadoras da distinção que a galera aprendeu a fazer entre o verdadeiro patriotismo e a demagogia barata do falso orgulho nacional negociado por governantes populistas com delinquentes cartolas do futebol internacional. Além da vantagem prática de que não são manifestações que possam ser infiltradas de black blocs e reprimidas por qualquer aparato policial. Diria até mesmo que têm sido virais no poder de espalhar numa escala geométrica o amor à pátria das antigas disciplinas de moral e cívica, que nossos governantes mal intencionados revogaram dos currículos escolares públicos do país. O fato é que os jogadores de seleções de tempos atrás mal balbuciavam frente às câmaras os versos de ordem invertida e gongóricos adjetivos da norma culta. Hoje, ensinados e motivados pelo despertar da cidadania política nacional, numa verdadeira aula de civismo explícito, nossos jogadores cantam em uníssono com esta nova galera de cidadãos, cada vez mais exigentes em participar do destino das coisas públicas.

Jorge Maranhão é diretor do Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão

sexta-feira, 27 de junho de 2014

LUTA NA DEFESA DOS DIREITOS AUTORAIS É MUNDIAL


Sem que haja a devida remuneração ao autor, a tendência será a internet se transformar numa gigantesca lata de lixo

POR EDITORIAL
O GLOBO 27/06/2014 0:00




A derrota da Aereo, firma especializada na repetição de sinais de TV nos Estados Unidos, em processo julgado pela Suprema Corte em torno do respeito aos direitos autorais, é assunto de relevância planetária. Por várias razões. Uma delas é que o acesso a tecnologias digitais, como a desenvolvida pela Aereo para retransmitir canais abertos de TV para computadores, tablets e celulares de assinantes, hoje é quase universal. Algo lançado como absoluta novidade nos países desenvolvidos logo chega ao resto do mundo.

Embora a legislação brasileira proteja os radiotransmissores contra a retransmissão não autorizada — portanto, a Aereo, no país, já nasceria na ilegalidade —, a importância do veredicto está no seu próprio mérito: a defesa dos direitos autorais, fragilizados nesta Era digital.

Assim, não se trata de um tema de interesse apenas americano. No Brasil, como não deixaria de ser, pelo tamanho e diversidade do país, há sérios conflitos em curso no campo dos direitos de autores, exibidores e seus sucessores.

Na música, onde o impacto da revolução digital foi e tem sido forte, há a polêmica sobre o Creative Commons, uma espécie de ONG americana que oferece um tipo de licença para a difusão de conteúdos pela internet, a qual, no entender de músicos brasileiros, precariza o direito autoral. É fato. Mas ninguém é obrigado a adotá-la, sequer licenciar toda sua produção.

O jornalismo tem sido um dos campos de batalha nesta guerra. O principal conflito se trava com os agregadores de notícias, Google o principal deles. Durante algum tempo, o conteúdo da imprensa profissional, no mundo foi usado pelo Google sem qualquer contrapartida às empresas editoras — exemplo irretocável de atropelamento de direitos autorais.

Mas, a partir da mobilização de editores europeus, principalmente alemães, em que se destaca o grupo Axel Springer, jornais e revistas passaram a agir, também em escala mundial. Há países europeus em que governos e parlamentos tratam de aprovar leis em defesa dos direitos dos produtores de conteúdos jornalísticos, cujo custo de geração é bastante elevado. A própria União Europeia trata do assunto.

No Brasil, a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) proíbe, por notificação judicial, que o Google reproduza a íntegra dos textos dos associados. Há várias medidas de proteção tomadas no mundo inteiro.

A defesa dos direitos autorais se mantém em pauta também porque a tecnologia digital não para de evoluir. É positivo que assim seja, contanto que autores sejam respeitados.

Não é por mero capricho, mas para proteger o sistema de financiamento global de produção de qualquer conteúdo: artístico, literário, jornalístico, etc. Sem que seja preservada a devida remuneração dos autores, a internet se transformará numa gigantesca, e inesgotável, lata de lixo.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

PATRIOTISMO OU NACIONALISMO?


PALAVROEIRO, 19 MAR 2012


Na mesma linha do post publicado aqui no Palavroeiro sobre Genético e Hereditário, o post de hoje vem confrontar dois conceitos bastante similares e que causam muita confusão: Patriotismo e Nacionalismo.

O termo “patriota”, como sabemos, é comumente utilizado para se referir às pessoas que amam seu país, sentem orgulho de pertencerem a uma determinada nação, etc. E não está errado.



Já o sentido de “nacionalismo” é frequentemente confundido com o primeiro (o que, em algumas situações é um equívoco, já que nem todo patriota, necessariamente, é um nacionalista).

Patriotas, como afirmam os parênteses acima, nem sempre são Nacionalistas. Mas, sim, existem casos em que os dois conceitos se fundem:

Especialmente em épocas de crises econômica ou política, surge um patriotismo exacerbado, radical. Esse sentimento se torna um fenômeno psicossocial e, em alguns casos, se transforma em doutrinas muito bem elaboradas.

O nacionalismo, ainda, devido a toda essa exaustão, corre um risco que o patriotismo não corre: o de, devido a um excesso de “amor” à nação, acabar se tornando xenofóbico.

Em outras palavras, é muito legal amar o país a que se pertence, valorizá-lo, ter mesmo orgulho de pertencer a uma nação, mas sempre seguindo a receita do equilíbrio e tendo consciência de que todos os países do Mundo, independente do grau de desenvolvimento, têm suas próprias origens, costumes, problemas. E isso deve ser respeitado.



FONTES
http://palavroeiro.wordpress.com/2012/03/19/patriotismo-ou-nacionalismo/
http://www.nacionalismo.com.br/txt/txt00.html

NACIONALISMO SAUDÁVEL


ZERO HORA 25 de junho de 2014 | N° 17840


EDITORIAL




O patriotismo civilizado é bem diferente do nacionalismo exacerbado que gerou conflitos bélicos e ideologias totalitárias ao longo da História.

O melhor da Copa do Mundo é a constatação de que a competição esportiva reduz o nacionalismo – origem de guerras e genocídios – a uma dimensão humana aceitável, em que o compartilhamento de culturas supera eventuais preconceitos e animosidades decorrentes da origem dos povos. Na festa esportiva que o Brasil está promovendo, muitas pessoas estão se dando conta de que somos uma raça só, em busca de sentido para a nossa passagem pelo planeta. No mês do triste centenário do início da I Guerra Mundial, que envolveu 28 países e causou a morte de 17 milhões de pessoas, ganha mais importância ainda uma reflexão sobre este sentimento de nação que pode ser ilusório e danoso, mas também pode ajudar a construir um mundo melhor para todos.

As bandeiras desfraldadas pelos torcedores dos 32 países participantes da Copa, os hinos nacionais entoados antes de cada partida e a exposição permanente de cores representativas das nações evidenciam o legítimo orgulho de pertencimento a uma pátria, sem que isso caracterize desprezo ou desconsideração às demais. Este patriotismo civilizado é bem diferente do nacionalismo exacerbado que gerou conflitos bélicos e ideologias totalitárias ao longo da História.

A humanidade já sofreu demais por causa desta deformação nacionalista que valoriza demasiadamente a origem étnica e estimula a rejeição a outros povos. Raça, religião, idioma e cultura são características naturais ou adquiridas de parcelas da população, que servem para formar a identidade de grupos humanos, mas que não devem se sobrepor aos sentimentos mais nobres da nossa espécie. Se podemos compartilhar nossas diferenças, enriquecendo-nos mutuamente, por que haveríamos de utilizá-las como pretexto para guerras e disputas políticas?

Infelizmente, nem sempre tem sido assim. Duas guerras mundiais e incontáveis conflitos entre nações comprovam fartamente que o nacionalismo perverso ainda mobiliza corações e mentes, especialmente quando manipulado por lideranças políticas mal-intencionadas.

Até por isso, cabe reconhecer a convivência tranquila e o congraçamento até agora registrados entre torcedores das diversas seleções participantes do Mundial, sem que estes abram mão de suas identidades e de eventuais rivalidades esportivas.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

A INCOERÊNCIA BASEADA EM IDEOLOGIAS



Bene Barbosa*



Nesta terça-feira (17), a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei n° 12.993/2014, que altera a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 e autoriza o porte de arma de fogo por agentes penitenciários e guardas prisionais.

Diferente do Projeto de Lei discutido e aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, a presidente vetou a inclusão dos agentes portuários na legislação.

Certamente, a sanção deve ser comemorada. É sabido que as atividades dos integrantes dessas classes profissionais podem comprometer a sua integridade física fora do ambiente laboral, pois é líquido e cristalino o estado de risco perene o qual estão submetidos. No entanto, ao vetar o benefício aos agentes portuários, fica explícito certo tipo de incoerência.

É de conhecimento público que o governo atual tem um viés ideológico no que diz respeito ao porte de arma no Brasil. Ao ignorar o referendo do desarmamento realizado em 2005, quando mais de 60 milhões de brasileiros votaram contra a proibição do comércio de armas de fogo, o Poder Executivo demonstra que só escuta a população quando bem entende.

O veto, então, teria sido motivado por interesses meramente doutrinários?

Justifica a presidente que o eventual aumento de armas em circulação afronta à política nacional de combate à violência e ao Estatuto do Desarmamento.

Afronta maior não é o governo transferir para o trabalhador a culpa pelo estado de guerra civil que o Brasil vive?

O estudo recém-divulgado “Mapa da Violência” aponta que, desde 2005, não houve queda na taxa de homicídios no país. Logo, é correto deduzir que a retirada de armas legais em circulação não interfere na segurança pública, pois, obviamente, o marginal não as compra de maneira legal.

Outro contrassenso perceptível é o fato da presidente da República vetar, em oportunidades anteriores, dois projetos de leis concebidos no Congresso Nacional e que versavam sobre a mesma matéria.

Subitamente, ela mudou de opinião e decidiu enviar ao Parlamento uma proposição que trata do mesmo assunto? A atitude permite o questionamento: seria uma atitude planejada para colher frutos junto com as classes beneficiadas, em pleno ano eleitoral?

A inclusão dos agentes portuários no Projeto de Lei havia constituído importante vitória para a categoria. A exclusão deles na Lei representa, diretamente, igual derrota para eles e as respectivas famílias, que ficam desprotegidas sem o devido amparo legal.

E o cidadão “comum”? Fica como está. Refém da criminalidade e da lei que o impede de exercer a sua liberdade de escolha de, se quiser, optar em possuir e portar uma arma para sua defesa. De qualquer maneira, a inclusão de mais duas categorias profissionais mostra, mais uma vez, o quanto o chamado Estatuto do Desarmamento é absolutamente desajustado à nossa realidade e se baseia, não há dúvidas, nas ideologias retrógradas que culminaram na criação da extinta URSS em 1917, que até hoje é o maior exemplo de como o Estado pode se tornar cruel e assassino. Aceitem: não existe liberdade sem armas para defende-la!



* Bene Barbosa, presidente do Movimento Viva Brasil


Artigo enviado por 

Victor Brandão

O DESGASTE DA AUTORIDADE NO BRASIL GERA CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS



Revista Consultor Jurídico, 15 de junho de 2014, 10:18h


Por Vladimir Passos de Freitas



O mundo passa por transformações profundas e isto não é novidade para ninguém. O conceito de autoridade e hierarquia vem mudando em toda parte, não só nas atividades da administração pública como no mundo corporativo, no interior das famílias, nas religiões, nas empresas e em outros setores da sociedade. Os jovens não se submetem às regras postas pelos mais velhos, discutem-nas, opinam, apontam mudanças.

Nisto tudo não há problema algum, é uma questão de gerações que vêm e que vão, sempre com uma acomodação natural das diferenças. O novo sempre vem, cantava Ellis Regina na música Como os nossos pais. O problema é que no Brasil, nos últimos anos, as coisas estão indo longe e depressa demais.

No âmbito da administração pública a autoridade e a hierarquia são fundamentais, dão a base de todas as atividades. Hely Lopes Meirelles, em lição que se mantém atual, esclarece que “do poder hierárquico decorrem faculdades implícitas para o superior, tais como a de dar ordens e fiscalizar o seu cumprimento, a de delegar e avocar atribuições, e a de rever os atos dos inferiores” (Direito Administrativo Brasileiro, 14ª. ed., p. 101).

Exerce autoridade quem, dentro da hierarquia, tem poder de decidir. Chefes do Poder Executivo, juízes, delegados de Polícia, diretores de escolas e outras autoridades. Não há hierarquia entre magistrados de diferentes instâncias, no que toca à função de julgar, nem entre estes e os profissionais das carreiras públicas (p. ex., Defensoria) ou da advocacia.

Na vida privada exercem autoridade os pais no interior das famílias, os que detêm poder de decisão nas organizações empresariais, os que ocupam posições de mando nas sociedades religiosas (v.g., o Bispo) e até mesmo nas atividades esportivas, como o capitão de um time de futebol.

Todavia, em todas as esferas, públicas e privadas, a disciplina e a hierarquia vêm sendo diariamente postas à prova. Alunos não respeitam os professores, pais enfrentam os diretores de escolas, juízes e agentes do Ministério Público resistem a submeter-se a determinações de residir na comarca ou de pedir autorização para, delas, ausentar-se, regras mínimas de convivência em sociedade, como proibições em condomínios, são violadas sistematicamente.

Desta miscelânea de ações e omissões, originadas por sentimentos e fatores difusos, que vão da descrença nos órgãos administrativos até a mais pura e simples falta de educação, resulta uma vida em sociedade que vai se tornando cada vez mais complexa e de qualidade flagrantemente pior.

Ao início esta mudança de hábitos era confundida com uma posição de resistência política. Como tivemos uma ditadura militar de 20 anos e nela a tônica era obedecer sem discutir, a resistência vinha como uma espécie de posicionamento contra o autoritarismo. Só que a ditadura acabou em 1984 e já estamos em 2014, ou seja, passaram-se 30 anos. Há muito tempo é possível manifestar o inconformismo e provocar a ação das autoridades dentro das regras da democracia. Vivemos em um país democrático.

Contudo, a insurgência transformou-se em algo desordenado, confuso, sem direção certa, contra tudo e contra todos, levando-nos rumo ao caos. Há cerca de um ano o povo foi às ruas manifestar-se contra o aumento da passagem de ônibus. Revolta organizada, aspiração legítima. Mas ela foi se transformando, estudantes idealistas e pacíficas mães de família foram sendo substituídos por pessoas violentas, mascaradas, que passaram a destruir o patrimônio público e privado.

Todos se acham no direito de fazer Justiça pelas próprias mãos. Pessoas sem teto invadem residências desocupadas. Estudantes universitários invadem e ocupam a reitoria de universidades (USP, UFRGS, UFPR e UFPE), reivindicando o que entendem ser-lhes devido. Ninguém enfrenta tais problemas, ninguém mais quer assumir obrigações, exercer autoridade sobre nada, a omissão ganha espaço, tudo pondo em risco a própria democracia.

Qual a justificativa para a destruição das dependências da Câmara Municipal do Rio de Janeiro? O que se lucra arrebentando as instalações de um comerciante do centro de uma grande cidade? Destruição de estabelecimentos bancários? Queima de ônibus? O que justifica a agressão a pauladas de um Coronel da Polícia Militar de São Paulo, aos gritos de “pega”? O vídeo, que realmente impressiona, pode ser visto em aqui. Desta agressão, não encontrei, certamente por falha minha, nenhuma manifestação de apoio à vítima por parte de entidades de direitos humanos.

Em um segundo momento, as manifestações deixaram de ser apenas protestos contra deficiências do Estado para tornar-se também palco de reivindicações de aumento salarial. A proximidade da Copa do Mundo tornou-se o momento ideal para todas as categorias. De funções estratégicas para a mobilidade urbana, como o metrô de São Paulo, até o movimento de servidores de museus federais do Rio de Janeiro, todos deflagraram greves.

Notícias contraditórias, posições antagônicas, ocuparam espaço. A Justiça Federal do Rio de Janeiro ordenou que os aeroviários retornassem ao trabalho, evitando o caos no aeroporto do Galeão. Só que a mesma Justiça Federal paralisou suas atividades em diversos pontos do território nacional. O STJ proibiu a greve dos servidores da Receita Federal. Liminares dos TRTs e TRFs são concedidas e descumpridas. Um estagiário de Direito foi preso dia 12, sob a acusação de atirar coquetel molotov na Câmara Municipal de São Paulo. Greve de ônibus dificulta a ida ao jogo da Copa em Natal.

O noticiário de cada dia, na mídia eletrônica ou impressa, é sempre mais surpreendente do que o do dia anterior. E para culminar, na abertura da Copa do Mundo a presidente da República é alvo de xingamento grosseiro, dando ao mundo uma péssima imagem do Brasil e de seu povo.

De quem é a culpa? Certamente, todos têm uma resposta na ponta da língua. Eu prefiro não culpar ninguém, apenas fazer o registro: não será destruindo nossas instituições, desmoralizando nossas autoridades, danificando o patrimônio público e privado, menosprezando a lei, que se avançará socialmente.

Dispenso informações sobre as muitas coisas erradas deste país, como corrupção, abuso de poder, incompetência policial e injustiça social. Conheço bem nossa realidade. Acho também que precisamos de mudanças urgentes. Só que não será jogando por terra o que se construiu em décadas que as coisas irão melhorar. Pelo contrário, elas estão a piorar dia a dia.

Que tal reconhecer que as coisas vão de mal a pior e, a partir daí, procurar mudar?



Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Vice-presidente para a América Latina da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É presidente do Ibrajus.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

CONGRESSO TEM QUE DECIDIR SOBRE DEMOCRACIA DIRETA



O GLOBO 18/06/2014 0:00


EDITORIAL

Como o governo avisa que não volta atrás na criação de comissões que abrirão mais espaço para o aparelhamento, Legislativo precisa revogar o decreto presidencial

Embora o assunto tenha ficado em suspenso devido ao recesso parlamentar da Copa, o governo continua em campo na tentativa de apresentar o decreto-lei 8.243, da “democracia direta”, como simples medida burocrática, para ordenar o que já existe. As comissões, fóruns, “mesas” (jargão chavista) e similares previstos para funcionar junto a ministérios e estatais seriam mais do mesmo.

O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, em entrevista ao GLOBO, lembrou que conselhos existem desde 1930. Carvalho, segundo o qual o Planalto não recuará no decreto, representa os “movimentos sociais” no governo e foi nomeado pelo 8.243 maestro do Sistema Nacional de Participação Social, instituído pelo édito de Dilma. É fato que há conselhos há muito tempo. Eles funcionam em qualquer democracia. Mas incorre em abissal ingenuidade quem analisar o 8.243 pelas lentes do formalismo, atendo-se apenas à letra fria do texto, sem colocá-lo no contexto político e ideológico da ação do lulopetismo nos 12 anos de poder, notabilizada pelo aparelhamento do Estado.

Qualquer observador da crônica política brasileira desde janeiro de 2003 sabe que a corrente hegemônica dentro do PT tem dificuldades de convivência com o regime de democracia representativa. A instância do Legislativo, com todos seus defeitos e distorções, funciona como barreira a tentações autoritárias, entre outras. E isso incomoda.

Ainda no início do primeiro governo Lula, quando o Planalto cumpria o prometido na Carta ao Povo Brasileiro, no respeito às regras de mercado na economia, tentou-se controlar o conteúdo da produção audiovisual por meio de uma agência (Ancinav), idealizada no Ministério da Cultura. Ao mesmo tempo, ensaiou-se o Conselho Federal de Jornalismo, um ente paraestatal destinado a patrulhar jornalistas. A reação foi ruidosa e, diante da impossibilidade de o Congresso sancionar esses absurdos, os projetos foram engavetados.

Já no fim do segundo mandato de Lula, veio um ensaio geral, percebe-se hoje, para o decreto 8.243: o Plano Nacional de Defesa dos Direitos Humanos 3. À primeira vista, uma burocrática atualização do PNDH-2. Longe disso. Por meio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, do então ministro Paulo Vannuchi, houve intensa mobilização de “movimentos sociais”, para alinhar inúmeras propostas perigosas. Havia de tudo. De instrumentos para tolher a liberdade de imprensa, pelo “controle social da mídia”, sempre em nome dos “ direitos humanos”, a iniciativas para se rever a Lei de Anistia, causa de uma rusga entre militares e Planalto, contornada pelo então ministro da Defesa Nelson Jobim, com o recuo de Lula. O destino do PNDH-3, como deveria ser, foi as gavetas do Congresso. A questão volta com o 8.243. Desta vez, na surdina para ser fato consumado. Não pode. Como o governo já avisou que não volta atrás, o Congresso precisa votar o projeto de decreto legislativo que revoga a aberração.

U.B.S.S


FOLHA.COM 16/06/2014 02h00


Luiz Felipe Pondé


União Brasileira Socialista Soviética. Piada de mau gosto mesmo, também acho, mas a pena mesmo é que a discussão política entre nós seja da idade da pedra e o socialismo ainda seja levado a sério. A piada de mau gosto mesmo é que estamos à beira de um golpe de Estado invisível no Brasil.

O leitor e a leitora já estão a par do decreto do governo que institui a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social? Trata-se de decreto para aparelhar movimentos como o MST (gente que quer tomar a terra alheia), o MTST (gente que discorda da ideia de que se deve pagar pelo teto em que mora) e outros movimentos que englobam gente "sem algo" e acham que a sociedade deve dar pra eles. Esses grupos darão um golpe de Estado invisível. Tudo fruto, é claro, de setores do PT radical e os raivosos ex-PT, hoje em pequenos partidos.

Esse decreto é um golpe de Estado sem dizer que é. Lentamente, os setores mais totalitários do país, amantes de ditaduras do proletariado (ou bolivarianas) voltam à cena no Brasil. Comitês como esses tornam os poderes da República reféns de gente que passa a vida sendo profissional militante. Quando você acordar, já era, leis serão passadas sem que você possa fazer algo porque estava ocupado ganhando a vida.

Pergunte a si mesmo uma coisa: você tem tempo de ficar parando a cidade todo dia, acampando em ruas todo dia, discutindo todo dia? Provavelmente não, porque tem que trabalhar, pagar contas, levar filhos na escola, no hospital, e, acima de tudo, pagar impostos que em parte vão para as mãos desses movimentos sociais que se dizem representantes da "sociedade".

Mas a verdade é que a maioria esmagadora de nós, a "sociedade", não pode participar desses comitês porque não é profissional da revolução.

Tais movimentos que se dizem sociais, que afirmam que as ruas são deles, mentem sobre representarem a sociedade. Mesmo greves como a do metrô, capitaneada por uma filial do PSTU, não visa apenas aumentar salários. Visa instaurar a desordem para que o Brasil vire o que eles acham que o Brasil deve ser.

Afinal, de onde vem a grana que sustenta essa moçada dos movimentos sociais? A dos sindicatos, sabemos, vem dos salários que são obrigatoriamente onerados para que quem trabalha sustente os profissionais dos sindicatos. Mas, até aí, estamos na legalidade de alguma forma. Mas e os "sem-Macs" ou "sem-iPhones", vivem do quê? Quando os vemos na rua, não parecem estar passando fome e frio como dizem que estão. Essa gente é motivada e sustentada de alguma forma.

Por que não se exige entrar nas contas do MST e MTST e descobrir de onde vem a grana deles? Quem banca toda essa estrutura militante? Temo, caro leitor e cara leitora, que sejamos nós, os mesmos que eles consideram inimigos, a menos que concordemos com eles.

Uma das grandes mentiras desses movimentos sociais é dizer que combatem a "elite econômica", que, aliás, em dia de greve, fica em casa porque não precisa de fato se virar pra ir trabalhar.

Quem sofre com esses movimentos que arrebentam o cotidiano é gente que perde o emprego, perde o negócio, perde a vida se fica parada no trânsito ou na fila. É gente que, quando muito, anda de carro 1.0, não gente que anda de helicóptero.

É diarista, empregada doméstica, porteiro de prédio, professor, estudante sem grana e que tem que pagar a faculdade, não riquinhos da zona oeste paulistana que fazem sociais para infernizar a vida dos colegas.

É médico que tem três empregos, é dona de casa que cuida de filhos e trabalha fora, é trabalhador da construção civil, é gente "mortal", comum, que não pode se defender dos caras que fecham a cidade dizendo que fazem isso em nome do "povo".

Os movimentos sociais têm demonstrado seu caráter autoritário. Pensam que as ruas são o quintal de seus comitês, que aparelharão os poderes da República.

Se não bastasse isso tudo, vem aí o controle social da mídia. Dizer que será apenas para evitar monopólios é achar que somos idiotas. Veja o que aconteceu na Argentina. 




Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, 'Contra um mundo melhor' (Ed. LeYa). Escreve às segundas.




U.B.S.S E OS PROFISSIONAIS DA REVOLUÇÃO

REVISTA VEJA, 16/06/2014 às 11:02

Coluna Rodrigo Constantino





Se tem um tipo que me incomoda mais até do que os petistas é aquele dito “moderado” que ridiculariza toda preocupação com a ameaça socialista como se fosse coisa de paranoico que ainda não entendeu que a Guerra Fria acabou. Para essa turma, só tenho uma coisa a dizer: não, eu não sou um “radical” de direita preso no tempo; você é que é um alienado!

Tal reflexão veio à mente após ler a excelente coluna – para não variar – de Luiz Felipe Pondé hoje, na Ilustrada da Folha. O título já resume a essência da mensagem: U.B.S.S., ou seja, a União Brasileira Socialista Soviética que estaria em curso em nosso país, simulando como farsa a experiência trágica da U.R.S.S. Vivemos em um país onde, pasmem!, o socialismo ainda é levado a sério!

Pondé fala, claro, do Decreto 8.243, uma tentativa de golpe bolivariano do PT, que foi assinado pela presidente Dilma na véspera do começo da Copa para ver se passava despercebido. E toca em um ponto fundamental, que eu já mencionei em texto sobre as manifestações de 2013: só militantes organizados e pagos têm condições de viver pelo “social”, pois nós, reles mortais, estamos ocupados demais tentando produzir riqueza e ganhar a vida.

A turma do MST ou do MTST, que pensa que tem “direito” àquilo que os outros trabalham para construir, já pode se dar ao luxo de viver pela revolução permanente. Recebem para isso, e nem preciso dizer de onde vem o dinheiro, não é mesmo? Pondé escreve:

Esse decreto é um golpe de Estado sem dizer que é. Lentamente, os setores mais totalitários do país, amantes de ditaduras do proletariado (ou bolivarianas) voltam à cena no Brasil. Comitês como esses tornam os poderes da República reféns de gente que passa a vida sendo profissional militante. Quando você acordar, já era, leis serão passadas sem que você possa fazer algo porque estava ocupado ganhando a vida.

Pergunte a si mesmo uma coisa: você tem tempo de ficar parando a cidade todo dia, acampando em ruas todo dia, discutindo todo dia? Provavelmente não, porque tem que trabalhar, pagar contas, levar filhos na escola, no hospital, e, acima de tudo, pagar impostos que em parte vão para as mãos desses movimentos sociais que se dizem representantes da “sociedade”.

Mas a verdade é que a maioria esmagadora de nós, a “sociedade”, não pode participar desses comitês porque não é profissional da revolução.

Tais movimentos que se dizem sociais, que afirmam que as ruas são deles, mentem sobre representarem a sociedade. Mesmo greves como a do metrô, capitaneada por uma filial do PSTU, não visa apenas aumentar salários. Visa instaurar a desordem para que o Brasil vire o que eles acham que o Brasil deve ser.

O que o filósofo mostra é que, apesar de toda a retórica sobre a “elite”, quem mais sofre com esses “movimentos sociais” são os pobres, os trabalhadores, a classe média que corta um dobrado para sustentar a família a despeito de todos os obstáculos criados pelo governo.

Mas essas vítimas são vistas como massa de manobra ou seres insignificantes para aqueles autoritários que enxergam as ruas como “quintal de seus comitês”. Tudo, naturalmente, é feito em nome do “povo”. Pondé conclui, lembrando do caso de nossos vizinhos para reforçar seu alerta: “Se não bastasse isso tudo, vem aí o controle social da mídia. Dizer que será apenas para evitar monopólios é achar que somos idiotas. Veja o que aconteceu na Argentina”.

E então? Ainda acha que é paranoia da direita retrógrada essa coisa de ameaça socialista em pleno século 21?

Rodrigo Constantino

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Tenho amigos políticos, militantes e simpatizantes petistas que são contra ditaduras e qualquer espécie de totalitarismo, tendo assim todo o meu respeito e admiração. A liberdade é um bem e a democracia é a consolidação desta liberdade para a garantia de direitos exercidas pelo poder político e asseguradas pela justiça. Apesar de estar passando por uma era de transformação regida por leis mal feitas e permissivas e por poderes ainda desacreditados atuando em desarmonia e sem sistemas, nosso país não pode se deixar levar e dominar por ideias ultrapassadas e totalitárias. Conselhos são do bem quando existem para agregar e sugerir, mas se tornam nocivos e inoportunos quando manipulados por política partidária e ideologias, querendo gerenciar e se intrometer em questões técnicas.

terça-feira, 17 de junho de 2014

ESPERANÇA E JUSTIÇA

DON LOUGI CIOTTI



Enquanto há vida, há esperança. O velho ditado é muito verdadeiro, mas apenas a metade. Não basta estar vivo, ter esperança: é preciso também acreditar na justiça e comprometer-se a construí-la. Não há esperança, não há esperança de justiça. Em um mundo de injustiça cada vez mais insuportável, a esperança pode se tornar um bem ao alcance de poucos. Queremos dizer não a esta esperança "false", exclusivo, baseado no desespero dos excluídos. Mas acima de tudo, queremos incentivar a construir a verdadeira esperança, a esperança de todos. É uma tarefa que exige muito esforço. Não é suficiente indignado, preencha os quadrados, mostrar as mãos limpas, um transparente moral. A ética individuais é a base de tudo, a premissa de não perder a auto-estima. Mas para parar as esperanças do mercado de "falsos" devemos nos voltar para denunciar a injustiça em esforços para construir justiça. Quarenta e cinco anos de face-a-cara com as pessoas que eu fui ensinado que o caminho do compromisso é marcado por três palavras: responsabilidade, continuidade, compartilhando.

Responsabilidade é viver em um proprioruolo generoso dos cidadãos. Você sabe que as injustiças são baseados em cumplicidade e silêncio, mas também aproveitar os obstáculos a uma legalidade formal, a maioria escritos em códigos que consciências. Os códigos são importantes, especialmente se você fornecer o bem coletivo. Mas as consciências mais problemáticos, mais envolvidos, mais aberto à dúvida e à busca da verdade, eles não teriam permitido a nossa democracia a ficar doente.

Continuidade é transformar a indignação passeggerain sentindo estável na motivação que alimenta a ação e deixar de alimentação da ação. Quantos estão indignados ontem pediu demissão, ou pior, os cínicos de hoje? A denúncia é certamente necessário, mas capta o valor integral apenas quando é seguido de uma proposta e compromisso em levá-lo para a frente.

Sharing é saber que nós não ir sozinho danessuna parte, mas nem mesmo fingir que eles podem ir para algum lugar movimentos, grupos, associações que contam cegamente nas escolhas de seus líderes. O "nós" mudanças só se exclui a delegação. Nós não podemos curar individualismo que minou os alicerces da nossa vida juntos sem o assumir sua parcela de responsabilidade.

O individualismo tem prejudicado a política: muitos dizem que querem uma mudança, mas depois gastam mais energia em afirmar que em comprometendo-se a construí-la. A política não é um jogo de espelhos narcisista. A política surge quando a preocupação com a vida do indivíduo é substituída pela de cuidados para o bem comum.

Ética e Democracia, Constituição e da lei, de imigração e de segurança, de crise econômica e de vácuo direitos, gangues e desemprego, educação e cultura.

Estes serão os caminhos da nossa reflexão. Tentamos não cair em dois "pecados" do conhecimento. A primeira é a superficialidade, lidar com os problemas, porque eles fazem "notícia", são "tendência". O segundo é o técnico que fala obscura, para os iniciados, que - como nos foi ensinado Primo Levi - é uma das formas mais sutis de poder. Pecados que geram palavras vazias ou muito específico, portanto, incapaz de compreender e de imaginar, isto é, para oferecer esperança.

Eu escrevi, não surpreendentemente, "nós tentamos." Tal como acontece com todas as coisas e as reflexões feitas nos últimos anos, por trás deste pequeno livro é um trabalho coletivo do qual aqui e há também faixas de texto. Pelo Grupo de Abel Livre, estou em dívida com os muitos amigos e colegas que me fez esta longa marcha, na crença de que alvos grandes ou pequenos podem ser alcançados apenas em co-responsabilidade, a continuidade, a partilha. Entre esses amigos Agradeço, em particular, Fabio Anibaldi sem cuja ajuda na elaboração do texto deste livro não teria visto a luz. A minha assinatura é, então, apenas um sinal, inadequada para representar este esforço comum.




La speranza non è in vendita


Finché c'è vita c'è speranza. Il detto è molto antico ma vero solo per metà. Non basta infatti essere vivi, per sperare: bisogna anche credere nella giustizia e impegnarsi a costruirla. Non c'è speranza, senza speranza di giustizia. In un mondo d'ingiustizie sempre più intollerabili, la speranza rischia di diventare un bene alla portata di pochi. Vogliamo dire no a questa "falsa" speranza,esclusiva, fondata sulla disperazione degli esclusi. Ma soprattutto vogliamo esortare a costruire la speranza vera, la speranza di tutti. È un compito che richiede molto impegno. Non è sufficiente indignarsi, riempire le piazze, esibire mani pulite, un profilo morale trasparente. L'etica individuale è la base di tutto, la premessa per non perdere la stima di sé. Ma per fermare il mercato delle "false" speranze bisogna trasformare la denuncia dell'ingiustizia in impegno per costruire giustizia. Quarantacinque anni di faccia a faccia con le persone mi hanno insegnato che la strada dell'impegno è scandita da tre parole: corresponsabilità, continuità, condivisione.

Corresponsabilità è vivere in modo generoso il proprioruolo di cittadini. È sapere che le ingiustizie poggiano su complicità e silenzi, ma si avvantaggiano anche degli ostacoli di una legalità formale, scritta più nei codici che nelle coscienze. I codici sono importanti, soprattutto se garantiscono il bene collettivo. Ma coscienze più inquiete, più coinvolte, più aperte al dubbio e alla ricerca di verità, non avrebbero permesso alla nostra democrazia di ammalarsi.

Continuità è trasformare l'indignazione passeggerain sentimento stabile, in motivazione che nutre l'azione e si lascia nutrire dall'azione. Quanti indignati di ieri sono i rassegnati, o peggio, i cinici di oggi? La denuncia è certo necessaria, ma acquisisce pieno valore soltanto quando è seguita da una proposta e dall'impegno nel portarla avanti.

Condivisione è sapere che da soli non andiamo danessuna parte, ma nemmeno illuderci che da qualche parte possano andare i movimenti, i gruppi, le associazioni che si affidano ciecamente alle scelte dei propri leader. 

Il "noi" cambia soltanto se esclude la delega. Non possiamo guarire dall'individualismo che ha minato le basi della nostra convivenza senza assumerci ciascuno la propria parte di responsabilità.
L'individualismo ha minato la politica: in molti dicono di volere un cambiamento, salvo poi spendere più energie nell'affermare se stessi che nell'impegnarsi a costruirlo. La politica non è un gioco di specchi narcisistici. La politica nasce quando la preoccupazione per la propria vita individuale è sostituita dall'attenzione per il bene comune.

Etica e democrazia, Costituzione e legalità, immigrazione e sicurezza, crisi economica e vuoto dei diritti, mafie e disoccupazione, educazione e cultura.

Saranno questi i percorsi della nostra riflessione. Abbiamo cercato di non cadere in due "peccati" del sapere. Il primo è la superficialità, l'occuparsi dei problemi perché fanno "notizia", fanno "tendenza". Il secondo è il tecnicismo, quel parlare oscuro, per iniziati, che - come ci ha insegnato Primo Levi - è una delle forme più subdole di potere. Peccati che generano parole vuote o troppo specifiche, incapaci dunque di far capire e di far immaginare, cioè di suscitare speranza.

Ho scritto, non a caso, «abbiamo cercato». Come per tutte le cose e le riflessioni fatte in questi anni, dietro a questo piccolo libro c'è un lavoro collettivo di cui qua e là si trovano tracce anche testuali. Dal Gruppo Abele a Libera, sono debitore ai tanti amici e collaboratori che hanno compiuto insieme a me questo ormai lungo cammino, nella convinzione che obiettivi grandi o piccoli si possano raggiungere solo nella corresponsabilità, nella continuità, nella condivisione. Tra questi amici ringrazio, in particolare, Fabio Anibaldi senza il cui aiuto nella stesura del testo questo libro non avrebbe visto la luce. La mia firma è allora solo un segno, inadeguato, per rappresentare questo impegno comune.

d. Luigi Ciotti




fonte: http://www.gruppoabele.org/flex/cm/pages/ServeBLOB.php/L/IT/IDPagina/2389

GRUPO DE JURISTAS RELIGIOSOS É CRIADO PARA COMBATER O PRECONCEITO E A INTOLERÂNCIA


Grupo multirreligioso de juristas é criado para combater intolerância. Advogados irão agir conjuntamente em casos de denúncias de discriminação

POR JULIANA PRADO
O GLOBO 17/06/2014 8:03

Contra o preconceito. Durante encontro, representantes religiosos decidem pela criação de novo grupo. - Divulgação



RIO - Representantes de várias religiões decidiram criar um grupo de juristas para defender fieis das mais variadas matizes de casos de preconceito e intolerância. A decisão foi anunciada por integrantes de Igreja Católica, Umbanda, Candomblé, Budismo, Islamismo e Judaísmo. O grupo foi recebido num templo de candomblé, localizado no Bairro de Bonsucesso, na Zona Norte, nesta segunda-feira. A ideia surgiu depois que o juiz Eugênio Rosa, da Justiça Federal, afirmou, em sentença emitida a um pedido de liminar, que umbanda e candomblé não são religiões.

A polêmica ainda não se encerrou, já que está em andamento um processo em que a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa e a Associação Naconal de Mídia Afro pedem a retirada da internet de 16 videos ofensivos à umbanda e ao candomblé. Na última sexta-feira, o grupo teve uma vitória parcial, depois que o desembargador Roy Reis Friede determinou, via liminar, que o Google retire o material do ar sob pena de pagamento de multa de R$ 50 mil diários. No entanto, a decisão final sobre o mérito do processo cabe ao mesmo juiz, que já negou esse pedido no início do processo.

O interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, Ivanir dos Santos, representante do candomblé, celebrou o caráter “inédito” da criação do grupo de advogados para defender os direitos das manifestações religiosas - tenham elas o cunho que tiverem. Ele conta que a ideia surgiu de uma conversa com representantes da Igreja Católica e começou a ganhar força nas últimas semanas. O grupo também irá acompanhar o desenrolar do atual processo na Justiça Federal.

- Vamos manter a mobilização e nossa ofensiva junto ao Judiciário. Com o grupo, começaremos a monitorar outras agressões e casos de preconceito que possam surgir. Finalmente, poderemos agir de forma unida - afirma Ivanir, emendando, ainda, que a investida de se reunir juristas em torno de várias crenças é inédita “no mundo”.

A tentativa das lideranças é mais ambiciosa e terá um obstáculo pela frente: trazer para o debate sobre intolerância religiosa representantes dos evangélicos, que ainda não sinalizaram positivamente neste sentido. Alguns dos vídeos acusados de desrespeitar umbanda e candomblé - e alvos do processo judicial em curso - têm como cenário, justamente, templos neopentecostais. Ivanir dos Santos declarou que já se abriu uma porta ao diálogo com algumas lideranças, mas ainda não houve avanço em definitivo. Ele sustenta que, com a decisão liminar do desembargador, as esperanças de uma vitória final na justiça aumentam.

- Com a decisão do desembargador uma luz se acendeu. Mesmo com o processo voltando para o mesmo juiz, acreditamos que temos uma chance grande de sairmos vitoriosos. Não somos contra a liberdade de expressão, mas contra o ódio e o preconceito (que seriam expostos nos vídeos).

A LIÇÃO DE GRAMSCI QUE NÃO FOI LIDA



O ESTADO DE S.PAULO, 17 Junho 2014 | 02h 06


OLIVEIROS S. FERREIRA


Já em Roma se dizia que o pretor não julga intenções. As palavras comunicam vontades, não intenções. Mas por elas é possível discernir tanto uma vontade quanto as intenções que a acompanham.


Voltemos ao Decreto 8.243.

As palavras dizem que os conselhos de políticas públicas são "instância colegiada temática permanente... de diálogo entre a sociedade civil e o governo" (artigo 2.º). Para desempenhar essa função devem observar, "no mínimo, as seguintes diretrizes: I - presença de representantes eleitos ou indicados pela sociedade civil, preferencialmente de forma paritária em relação aos representantes governamentais, quando a natureza da representação o recomendar" (artigo 10.º). As "atribuições, competências e natureza" dos conselhos deverão ser definidas "com consulta prévia à sociedade civil" (artigo 10.º, II).

Assim, os conselhos dialogam com o governo como representantes da sociedade civil. Para que se organizem devem consultar a sociedade civil, que definirá suas atribuições, competências e natureza... Se a sociedade civil é o "cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações" (artigo 2.º, I), como consultá-la para que novos conselhos se constituam e, mais importante, para que os "já constituídos" possam funcionar?

O "cidadão", sendo "indivíduo" - n cidadãos serão um "movimento"... -, só poderá eleger como seu representante alguém de um "movimento social" ou de uma "organização". Ou elegerá outro "cidadão" que pense como ele. Aurélio nos dirá que "institucionalizado" vem de "institucionalizar": "Dar caráter de instituição". Uma instituição é uma "associação ou organização de caráter social". Como apenas os movimentos "institucionalizados" têm sua "organização", os não institucionalizados devem escolher seu representante naqueles que estão institucionalizados. Donde se segue que apenas os movimentos sociais institucionalizados deverão estar, por sua organização, representados nos novos conselhos de políticas públicas... E que os conselhos já existentes deverão buscar sua legitimidade nesses movimentos ou organizações.

E se entre as "diretrizes gerais da PNPS" estão a "valorização da educação para a cidadania ativa" (?) e a "ampliação dos mecanismos de controle social" (artigo 3.º, V e VII), vê-se, claramente expressa, a vontade que determinou a edição do D8243 - a vontade de poder.

Essa vontade vai além, com graves riscos para a unidade nacional. Se não bastasse a divisão do Brasil em "sociedade civil" e os "outros", a PNPS deverá, também, cuidar de garantir "direito à informação, à transparência e ao controle social nas ações públicas, com uso de linguagem simples e objetiva, consideradas as características e o idioma da população a que se dirige" (artigo 3.º, IV). Segue-se que, nesse processo de "informação e controle", haverá os "ilustrados" e os "simples" que desenvolverão sua própria linguagem com o auxílio da PNPS. Não necessitarão ler, escrever ou pensar em bom português.

Orwell garantia o controle do partido reduzindo o inglês a 500 palavras. O D8243 não se preocupa com isso, apenas consagra a linguagem reduzida dos "simples" para a comunicação com a sociedade civil... E brinca com as palavras portuguesas de uso corrente: democracia direta, participação social... tão ao gosto dos "ilustrados".

A importância política do D8243 não está em sua possível inconstitucionalidade a ser discutida pelo Supremo - se houver alguma instituição que a ele recorra. Está em que, pela primeira vez, os que o redigiram colocam, com grande clareza, a luta política nos seus verdadeiros termos - como sendo a disputa entre concepções do mundo.

Os que combatem Gramsci e a ele atribuem a origem de todos os nossos males deveriam lembrar-se do que ele escreveu: "As ideias e as opiniões não 'nascem' espontaneamente no cérebro de cada um; tiveram um centro de formação, de irradiação, de difusão, de persuasão, um grupo de homens ou mesmo uma individualidade singular que as elaborou e apresentou na forma política da atualidade".

Dos liberais da República de 1891, os que se opõem ao D8243 herdaram o menosprezo pela organização. A crítica jurídico-formal ao decreto não vem acompanhada de propostas de reforma das instituições políticas tendentes a adaptá-las à realidade "moderna" - reforma que clama por ser feita sob pena de o Estado ser definitivamente usurpado pelo governo. Os críticos estão exaltados, mas se contentam com recitar as belas formas do Direito Constitucional e do Direito Civil, esquecidos de que é o governo quem lhes dá vida e as transforma em realidade capaz de seduzir as massas. Estão, assim, em inferioridade estratégica - para desgraça do Estado brasileiro, para desgraça de todos nós.

Verifica-se que não há, opondo-se aos defensores do D8243, qualquer "Croce", qualquer "individualidade singular" capaz de elaborar e apresentar "na forma política da atualidade" novas ideias, ou capaz de dar novas formas, novos conteúdos, consequência prática e coerência às ideias de democracia representativa com participação popular. E a discussão em torno da constitucionalidade ou não do D8243 apenas demonstra que os autores desse decreto estão em posição de superioridade estratégica: são um "centro de formação, de irradiação, de difusão, de persuasão" que abusa dos significados mais rasteiros da democracia e mais demagógicos da participação popular na formulação das políticas públicas.

Na luta política, os organizados valem mais que os não organizados, e os mais organizados valem ainda mais que os organizados. Hoje, entre os organizados que elaboraram o D8243, há os que pretendem impor-se como mais organizados e controlar todos e quaisquer movimentos sociais.


*
PROFESSOR DA USP E DA PUC-SP. É MEMBRO DO GABINETE E OFICINA DE LIVRE PENSAMENTO ESTRATÉGICO

DESESPERO, ÓDIO E BAIXARIA


O ESTADO DE S.PAULO 17 Junho 2014 | 02h 07


OPINIÃO


No desespero diante da sólida evidência de que a incompetência de Dilma Rousseff está colocando seriamente em risco o projeto de poder do PT, Luiz Inácio Lula da Silva apela para seu recurso retórico predileto: fazer-se de vítima, acusar "eles" - seus adversários políticos - daquilo que o PT pratica, transformando-os em inimigos do povo e sobre eles jogando a responsabilidade por tudo de ruim e de errado que acontece no País. Lula decidiu de vez "partir para cima" e deixou claro que até outubro estará se atolando no ambiente em que se sente mais confortável: a baixaria.

Uma das mais admiráveis figuras do século 20, Nelson Mandela, reconciliou a África do Sul - que saía do abominável regime do apartheid - consigo mesma promovendo pacificamente o entendimento entre a minoria branca opressora e a ampla maioria negra oprimida. Lula continua fazendo exatamente o contrário: dividiu os brasileiros entre "nós" e "eles", arrogando-se a tutela sobre os desvalidos, que tem procurado seduzir, transformando-os não em cidadãos, mas em consumidores. Um truque que, como se vê hoje nas ruas, está saindo pela culatra.

Pois é exatamente o homem que subiu na vida com um punhal entre os dentes, disseminando a divisão em vez da consciência da cidadania como arma de luta contra as injustiças sociais, que agora, acuado pelo desmascaramento da enorme farsa que tem protagonizado, tem a desfaçatez de prognosticar que "a esperança vai vencer o ódio".

Apesar de alegadamente motivada pela declaração de Aécio Neves, na convenção do PSDB que lançou oficialmente sua candidatura à Presidência da República, de que "um tsunami" vai varrer o PT do poder, foram dois os sinais de alerta que levaram Lula a abrir a caixa de ferramentas: nova queda de sua pupila Dilma nas pesquisas e as vaias e agressões verbais em coro de que ela foi vítima na quinta-feira durante o jogo de estreia do Brasil na Copa do Mundo.

Quanto às pesquisas, não há muito mais a dizer do que aquilo que elas revelam: uma tendência constante de queda do prestígio e das intenções de voto na candidata do lulopetismo à reeleição. A debandada dos membros mais "pragmáticos" da "base aliada" reforça essa evidência.

As vaias e xingamentos no Itaquerão, por sua vez, refletem o que têm afirmado, abertamente, muitos líderes oposicionistas e, intramuros, lideranças do próprio PT: Dilma e, mais do que ela, o lulopetismo estão colhendo o que semearam. Nem por isso manifestações como aquelas podem ser endossadas. A grosseria não é coisa de gente civilizada. Um chefe de Estado merece respeito, no mínimo, pelo que representa.

Mas não há de ser quem sempre, deliberada e calculadamente, se esmerou em atacar e ofender adversários que agora vai assumir posição de superioridade moral para condenar quem manifesta, no calor da multidão, um sentimento espontaneamente compartilhado.

E também não vale o argumento com que Lula procurou desqualificar os manifestantes do Itaquerão, a eles se referindo como "gente bonita", ou seja, a famigerada elite. Afinal, a Copa do Mundo no Brasil, essa vitrine que está expondo o País aos olhos do mundo com efeitos duvidosos, foi apresentada à Nação sete anos atrás como uma fantástica conquista pessoal de Lula, uma dádiva generosa ao povo brasileiro. Foi para a "gente bonita" que Lula trouxe esse espetáculo - do qual agora mantém a boa distância e não porque não possa pagar os caríssimos ingressos que, como ele sempre soube, são cobrados pela Fifa.

A candidata Dilma, por sua vez, recolheu-se. Alegou uma gripe para não comparecer, ao lado do chefe, à convenção do PT que lançou, no domingo, a candidatura petista ao governo de São Paulo. Mas o recato acabou aí. Gravou um vídeo em que se refere indiretamente ao episódio do Itaquerão e dá uma magnífico exemplo do tom mistificador que passará a imprimir à campanha eleitoral: "(O Brasil) é um país em que mulheres, negros, jovens e crianças, a maioria mais pobre, passaram a ter direitos que sempre foram negados. É isso que vaiam e xingam. É isso que não suportam".

Os líderes do lulopetismo só estarão a salvo de vaias e constrangimentos se escolherem as multidões que estão sob seu próprio controle.

domingo, 15 de junho de 2014

A POLÊMICA DO DIREITO AO ESQUECIMENTO


ZERO HORA 15 de junho de 2014 | N° 17829 ARTIGO

NELSON MATTOS*



Como comentei na minha última coluna, a revolução digital causou muitas transformações no mundo. A primeira e mais profunda transformação, e que trouxe maior benefício, é como lidamos com informação. Essa transformação corre o grande risco de regredir dadas as decisões aprovadas recentemente pelos europeus. Felizes dos brasileiros, cujo governo tomou um caminho bem mais sensato!

Os sistemas de busca da internet, como Google e Microsoft Bing, colocam toda a informação do mundo ao alcance de todos. Viramos dependentes deles e queremos que toda a informação esteja disponível em todo lugar a toda hora. O Google tornou-se a “fonte de todas as informações”, e nós nos tornamos “viciados” nele. Esperamos encontrar tudo no Google. A cada mês, 100 bilhões de consultas são feitas no Google – aproximadamente uma consulta para cada habitante do mundo um dia sim e um dia não. Nossa curiosidade é tanta e tão variada, que 15% das consultas diárias no Google são novas.

Presenciei o Google sendo usado em lugares inesperados. Vi agricultores no interior da Zâmbia verificando preços dos seus produtos para negociarem melhor com o intermediário. A simples disponibilidade dessa informação aumentou a renda de tais agricultores em 30%. Vi o mesmo na Etiópia, Nigéria e Gana. Em lugares mais remotos da África, ajudei a implementar serviços para mulheres grávidas receberem informações sobre o cuidado com seus bebês, diminuindo a mortalidade infantil.

O acesso democrático à informação aumenta o poder da população. A internet está sendo usada para expor corrupção e aumentar a transparência do governo, trazendo mudanças positivas para o mundo.

Em resumo, a internet democratizou o acesso à informação, solidificando dois direitos fundamentais: a liberdade de expressão e o direito de saber. Infelizmente, essa democratização entra em conflito com dois outros direitos importantes: a privacidade individual e o direito de ser esquecido.

Permitir que indivíduos apaguem dados que os constrangem é compreen-sível. Há boas razões para que pessoas queiram remover fotos e mensagens embaraçosas publicadas por outros em mídia social. Porém, tal remoção tem que ser implementada de forma a não eliminar a liberdade de expressão ou permitir que informações importantes sejam escondidas do público.

Numa decisão surpreendente, no mês passado, a Corte superior da União Europeia decidiu que sistemas de busca e outros serviços da internet são obrigados a aceitar pedidos para remoção de links que expõem informações as quais indivíduos alegam interferir com sua privacidade mesmo que as informações sejam em si precisas e legais. A Corte não forneceu nenhuma orientação sobre quando e como tais links devem ser retirados, abrindo as portas para solicitações que violam tanto o direito de saber quanto a liberdade de expressão.

Como esperado, a nova regulamentação europeia já está sendo mal utilizada. Nos primeiros dias após a decisão, cerca de mil europeus pediram ao Google a retirada de links, sendo que metade dos solicitantes estava envolvida em processos criminais. Os pedidos incluíam um ator buscando esconder um caso com uma menor de idade, um médico tentando eliminar comentários negativos a seu respeito e um político bloqueando o site de um livro que ele via como difamatório.

Eu acredito que a decisão europeia é errônea e ilustra a falta de conhecimento da internet e sistemas de busca por parte dos juízes. Além de permitir o abuso conforme ilustrei acima, essa decisão tem ainda dois problemas fundamentais.

Primeiro, por não fornecer qualquer regulamentação de como implementá-la, a resolução está delegando muito poder para empresas da internet (algo que a Corte não tinham intenção de fazer). Empresas como Google e outras decidirão como e quando informações devem ser retiradas. Quais os critérios que irão utilizar? Como empresas diferentes usarão critérios consistentes? Levarão em consideração a pessoa que fez o pedido? Como farão para impedir que os pedidos não sejam usados para encobrir erros do passado como pedófilos, políticos corruptos e empresários sem escrúpulos? Favorecerão partidos políticos ou a cultura americana? Tendo sido vice-presidente de Engenharia do Google na Europa por vários anos, tenho certeza de que o Google vai fazer um excelente trabalho ao tomar tais decisões. No entanto, o fato de uma empresa ter todo esse poder de decisão, e não um processo judicial, é simplesmente errado!

Segundo, esta resolução irá afetar diretamente os usuários europeus. Como essas remoções são ilegais nos Estados Unidos (onde a liberdade de expressão é um direito garantido pela Constituição) e em outros países, como o Brasil, o Google removerá os links de seus resultados somente nos países europeus. Ou seja, enquanto os links dos pedidos serão retirados dos domínios europeus como google.de na Alemanha, ainda poderão ser encontrados no site google.com americano ou no site google.com.br brasileiro. Tenho certeza de que a Corte europeia não pretendia que uma pessoa pudesse ser esquecida na Europa mas não no resto do mundo. O pior é que a remoção deixará os europeus menos informados e fará com que jornalistas ou dissidentes na Europa tenham a sua voz menos ouvida. Isso levará a diferentes níveis de qualidade de resultados de busca, dependendo de onde os usuários estiverem localizados no mundo.

Acredito que essas decisões não devem ser feitas por uma empresa, mas pelo Poder Judiciário que aplicará as leis locais para decidir quais pedidos de remoção são adequados. Este é exatamente o caminho tomado pelo governo brasileiro, evitando todos os problemas acima. O Marco Civil da Internet, sancionado em abril deste ano, garante a liberdade de expressão, a proteção da privacidade e a neutralidade da rede como princípios básicos da internet. No Brasil, o conteúdo de terceiros só poderá ser retirado por ordem judicial (exceto quando esse infrinja matéria penal como racismo, violência ou pedofilia). Realmente uma decisão muito mais sensata, que atingiu um balanço entre a liberdade de expressão e de saber e o direito a privacidade individual e de ser esquecido.

Felizes os brasileiros! Só espero que o sistema judicial funcione.


*DOUTOR EM CIÊNCIAS DA COMPUTAÇÃO, GAÚCHO, RESIDENTE NO SILICON VALLEY, CALIFÓRNIA

LIDERANÇA, AUTORIDADE E PODER



REVISTA DE PSICOLOGIA. VOLUME II / NÚMERO 2 (Julho-Dezembro 2011)


LIDERANÇA E ORGANIZAÇÕES

LEADERSHIP AND ORGANIZATIONS

José Henrique de Faria1 
 Francis Kanashiro Meneghetti2

RESUMO

A liderança pode ser considerada um papel social que deve ser desempenhado tendo como suporte alguns princípios básicos. A liderança que procura seguir estes princípios desencadeia o potencial humano individual de integrante de um coletivo. Do líder dependem muitas pessoas, que depositam nele suas esperanças para melhorar suas condições de trabalho e realizar seus objetivos individuais. O líder tem como atributo a tarefa de proteção dos seus subordinados quanto às más condições de trabalho, às arbitrariedades na atribuição de tarefas e aos riscos ligados aos trabalhos, independentemente se estas situações causem impactos negativos na eficiência do trabalho. Assim, a qualidade de trabalho e, em parte, a qualidade de vida, são atribuições do líder. Neste sentido é que a liderança deve ser concebida como condição, atributo ou capacidade de um sujeito individual ou coletivo de mobilização de outros sujeitos ou indivíduos devido à sua ação diante de situações de sofrimento, indecisão ou preenchimento de desejos e necessidades por parte dos liderados.

Palavras-chave: Liderança, Autoridade, Poder, Ética, Grupos, Democracia


ABSTRACT

Leadership can be considered a social role to be played with and support some basic principles. The leadership that seeks to follow these principles unleashes the human potential of individual member of a collective. Many people depend on the leader, who put their hopes in him to improve their working conditions and achieve their individual goals. The leader has as attribute the task of protecting his subordinates about the poor working conditions, the arbitrariness in the allocation of tasks and risks related to work, regardless of whether these conditions cause negative impacts on the efficiency of work. Thus, the quality of work and, in part, the quality of life, are functions of the leader. In this sense is that leadership must be conceived as a condition attribute or ability of a subject individual or collective mobilization of other subjects or individuals due to its action in situations of suffering, indecision or filling of wants and needs on the part of subordinates.

Keywords: Leadership, Authority, Power, Ethics, Groups, Democracy


1 Professor Titular da UFPR, Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado e Doutorado). Professor Titular do Programa de Mestrado Interdisciplinar em Organizações e Desenvolvimento da FAE. Brasil. jhfaria@gmail.com

2 Professor Titular do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da Universidade Positivo. Brasil.



2. LIDERANÇA, AUTORIDADE E PODER


2.1. Liderança e Autoridade

Para Weber (1992), a relação entre a ordem e o comando (autoridade) que se estabelecem entre os indivíduos é dividida em três itens: a tradição, o carisma e a burocracia.

a. A autoridade tradicional é quando uma pessoa ou grupo social obedece a um outro porque tal obediência é proveniente do hábito herdado das gerações anteriores. A tradição é extrínseca ao líder. A autoridade tradicional não anula a presença de outras, tais como as habilidades pessoais;

b. A autoridade carismática é proveniente das características pessoais dos indivíduos. Sua base de legitimação é a devoção dos seguidores à imagem dos grandes líderes religiosos, sociais ou políticos. Portanto, a idéia de carisma está associada às qualidades pessoais e à posição organizacional ou às tradições. O carisma é, em muitos casos, a base explicativa de autoridades informais nas organizações;

c. A autoridade racional-legal ou burocrática é a principal base da autoridade no mundo contemporâneo. Apesar das modernas organizações formais (Estado, organizações públicas e privadas, etc.) procurarem tratar a liderança como um atributo de cargos específicos, que deve ser legitimamente aceita pelos indivíduos, a hierarquia em uma organização tem como um dos objetivos emprestar aos ocupantes dos cargos o direito de tomar decisões e de se fazer obedecido, dentro de uma divisão pré-estabelecida e aceita de antemão. A autoridade burocrática, desta forma, é extrínseca à figura do líder. Ela é de caráter temporário e pertence ao cargo da pessoa que ocupa. A autoridade formal legitima o uso da “força”. A necessidade de manter a ordem e estabilidade depende da delegação da autoridade burocrática.

Outras duas formas de autoridade são identificadas nos estudos organizacionais: a autoridade pelas relações pessoais e pela competência técnica. A autoridade pela relação pessoal é aquela atribuída às relações que se estabelecem entre os indivíduos. Estas relações são de caráter pessoal e estão relacionadas com os vínculos sociais – amizade, relacionamento com pessoas importantes, etc. A autoridade por competência técnica está relacionada com a influência no comportamento alheio através da superioridade do líder no plano do conhecimento. Os seguidores se deixam influenciar por acreditarem que seus líderes possuem competências e conhecimentos superiores aos seus. Uma forma não exclui as outra.

Para Kernberg (2000, p.84), que concorda com as formas acima identificadas, a liderança refere-se ao reconhecimento que os liderados creditam ao líder na execução das suas tarefas. A liderança, aliada à autoridade geral, é um importante fator para o cumprimento dos objetivos estabelecidos. No entanto, ambas necessitam de outras fontes de autoridade, tais como o conhecimento técnico do líder, suas habilidades humanas, sua personalidade. As delegações de autoridade inadequadas ou excessivas são problemas freqüentes e isto se deve, em parte, ao processo de racionalização que ocorre nas organizações. A estrutura organizacional, cada vez mais dominada pela burocratização e pela supremacia do uso da técnica, faz com que nem sempre as delegações de autoridade sejam respaldadas por aqueles que recebem o novo líder.

A perda da autoridade – no sentido restrito da palavra – reduz a clareza das tarefas a serem executadas. Isto implica não só na perda do controle do líder em relação aos seus liderados, como também na redução da credibilidade frente aos seus superiores. Esta condição provoca uma desconfiança geral na sua capacidade de manutenção e coesão dos grupos (subordinados e superiores) quanto a sua capacidade de atingir os objetivos. A autoridade, portanto, não passa, nesse sentido, de uma habilidade específica, de forma que ser um líder torna-se um objetivo como outro qualquer. Seu caráter instrumental é reforçado pelas propostas dos gerencialistas, que vêem a liderança como mais uma técnica para ser aprendida.

A tentativa de utilizar a teoria weberiana da autoridade, neste tipo de abordagem, acaba por simplificar o problema da liderança, caindo na insensatez de supor que as três formas da autoridade (tradicional, carismática e burocrática) possam condicionar todas as explicações possíveis para as abordagens conceituais da liderança. A teoria da autoridade de Weber jamais teve esta finalidade de ser uma teoria da liderança e só consegue ser utilizada como tal por preencher as três dimensões básicas das relações sociais: a dimensão pessoal (representada pela autoridade carismática), a relação social (representada pela autoridade tradicional) e a relação estrutural (representada pela relação racional-legal ou burocrática). Estas dimensões enquadram praticamente todas as possibilidades que podem ocorrer nas relações sociais. Portanto, elas não devem ser confundidas com as reais “forças” que guiam as ações da liderança, mas como bases das relações de poder (Faria, 2001). Os conceitos de liderança analisados neste trabalho, como pode ser percebido, foram constantemente associados aos estudos da autoridade, o que tem gerado certa confusão entre os termos.

2.2. LIDERANÇA E PODER

A liderança, assim como o poder, só pode ser percebida nas suas manifestações. Entretanto, o conceito de liderança não deve ser confundido com o conceito de poder. Ambos se relacionam7 por partirem da mesma fonte, a legitimidade no âmbito coletivo, mas não possuem conotações semelhantes. Sendo a autoridade uma das bases do poder, reduzir o conceito de liderança a uma manifestação da autoridade é tentar compreender as expressões maiores que envolvem as relações sociais para além do visível.

É oportuno verificar um exemplo do uso inapropriado do conceito de poder e sua utilização como sinônimo de autoridade. Verifica-se de que forma ambos (o poder e a autoridade) são utilizados para associá-los a um conceito de liderança:

Liderança eficaz se apóia na maneira como um gerente usa o “poder” para influenciar o comportamento de outras pessoas. Poder é a habilidade para conseguir que outra pessoa faça alguma coisa que você quer que seja feita. É a habilidade para fazer com que as coisas aconteçam da maneira com que você quer (Schermerhorn Jr, 1999:224).

Liderança é a maneira como se usa o poder e poder é o exercício da autoridade. Esta forma de conceituação segue o clássico modelo de definir A como B e B como C, de maneira que, ao final, A, B e C por serem uma única coisa, não são coisa nenhuma. No caso específico desse exemplo, observa-se que o conceito não permite levar em consideração aspectos importantes do problema da legitimidade natural do líder. Apesar de o gerente possuir uma autoridade racional-legal, ele pode não ser visto diretamente como um indivíduo legítimo para o cargo. Algumas ações de natureza coletiva, por parte de seus liderados, podem ser praticadas para tentar retirá-lo do posto que ocupa. Desta forma, apesar dele ser reconhecido como a liderança formal, não se configura necessariamente como o líder efetivo para o grupo: esta posição hierárquica que ocupa faz com que tenha certa influência sobre os demais indivíduos, mas isto por si só não o credencia a ganhar credibilidade no âmbito daquela coletividade.

Assim, o conceito de liderança deve partir de uma definição conceitual mais específica e menos reducionista. Para tal, é necessário antes reforçar o conceito de poder, levando-se em conta as formas inapropriadas da utilização do seu termo. O conceito a ser utilizado deve-se ao fato de que sua sustentação encontra-se em uma reflexão que procura distinguir o uso do termo poder com suas formas de manifestação. Assim, o poder pode ser definido como8:

(...) a capacidade que tem uma classe social (ou uma fração ou segmento), uma categoria social ou um grupo (social ou politicamente organizado) de definir e realizar seus interesses objetivos específicos9, mesmo contra a resistência ao exercício desta capacidade e independentemente do nível estrutural em que tal capacidade esteja principalmente fundamentada. O exercício do poder adquire continuidade e efetividade política quando do acesso do grupo ou da classe social ao comando das principais organizações, das estruturas institucionais ou políticas da sociedade, inclusive aquelas criadas como resultado de um processo de transformação, de maneira a por em prática ou a viabilizar tal exercício (Faria, 2001).

O primeiro ponto importante a salientar é que o poder se manifesta em classes sociais, categorias sociais e grupos socialmente e politicamente organizados. Isto quer dizer que o poder não se manifesta somente em ambientes legalmente formalizados. O segundo ponto é que as classes sociais, as categorias sociais ou os grupos política e socialmente organizados buscam as realizações de objetivos específicos. É importante observar que apesar dos indivíduos procurarem atingir os objetivos específicos comuns, não se deve esquecer que cada membro vincula-se a um grupo para realizar seus objetivos individuais. Isto acontece devido às diferenças pessoais de cada integrante. Aqueles que conseguem colaborar de forma diferenciada para que a classe social, categoria social ou grupo social atinjam os objetivos coletivos serão destacados pelos demais integrantes: é exatamente aqui que aparece a liderança.

Por fim, o poder é uma capacidade coletiva e, como tal, deve der adquirida, desenvolvida e mantida. Os indivíduos inserem-se em suas relações a partir de funções que desempenham no âmbito coletivo, de forma orgânica ou não, podendo influir, coordenar, liderar, representar, organizar e conferir legitimidade. O poder e suas manifestações estão imbricados dentro de um processo histórico e dialético, sobre a influência constante das mudanças sociais. Os indivíduos possuem papel importante dentro dessa relação de mudança histórica, atuando como personagens centrais e desempenhando as funções essenciais de coordenação e modificação da realidade social. Desta forma, os indivíduos que compõem a coletividade devem estar cientes do contexto histórico e do caráter dinâmico das mudanças sociais que ocorrem, procurando desempenhar os papéis coletivos que lhes são legitimamente conferidos pelos demais membros. Assim, se o conceito de liderança levar em conta os fatores apontados acima, com o intuito de não amalgamar capacidade coletiva com atributos individuais, é possível fazer avançar uma proposição.

Desta forma, liderança pode ser entendida como uma manifestação de natureza tanto psicológica quanto social e política que ocorre (a) no interior de uma classe social (numa fração ou segmento), categoria social ou grupos formais ou informais (social e politicamente organizados), (b) entre classes (frações ou segmentos) categorias ou grupos sociais, (c) no interior de organizações e (d) entre organizações. A liderança é um atributo individual e/ou coletivo que deve levar em consideração o caráter histórico e dialético das mudanças internas e externas (relações vinculares entre os integrantes, dinâmica do âmbito coletivo ou organizacional, mudanças das normais sociais, influência do contexto ambiental etc.) que influenciam na aceitação e legitimidade da figura do líder, seja este uma pessoa, um grupo ou uma organização10.A liderança apresenta-se como manifestação natural, decorrente de delegação de autoridade ou adquirida mediante atributos reconhecidos por outros como portadores de uma representação real ou simbólica, com o objetivo de atingir objetivos imaginários e concretos (de natureza econômica, jurídica, política, ideológica e social), sejam eles de ordens individuais ou coletivas. A liderança difere da autoridade e do simples carisma porque pressupõe a prática democrática, emancipatória e esclarecedora, voltada sempre aos interesses de uma ética coletiva11.

Deste modo, o papel do líder requer não só capacidades próprias como também coletivas. Uma liderança não ocorre sem a legitimação dos integrantes que compõem a coletividade que a confere. Deste modo, a liderança pode ser transitória e requer, do líder, um constante investimento em sua manutenção.

7“Dito de outra forma, existe uma relação efetiva entre poder e liderança, influência, autoridade, coerção, Estado, processo decisório, estratégias etc., porém, a cada termo pertence um conceito distinto, na medida em que se referem a realidades concretas também distintas” (Faria, 2001:03).

8O conceito apresentado aqui pode ser encontrado de forma mais desenvolvido em Faria, José Henrique de. Economia Política do Poder. 6ª. Reimpressão. Curitiba: Juruá, 2010. 3 Volumes. Volume 1.


9“Os interesses objetivos específicos são aqueles de natureza econômica, jurídico, política, ideológica e social definidos pelas classes ou grupos sociais como sendo indicativos de suaprópria condição. Neste sentido, o poder não é uma condição individual e tampouco um atributo coletivo. Trata-se de uma capacidade coletiva e, como tal, deve der adquirida, desenvolvida e mantida, sendo que os indivíduos inserem-se em suas relações a partir de funções que desempenham no âmbito coletivo, de forma orgânica ou não, podendo influir, coordenar, liderar, representar, organizar e conferir legitimidade” (Faria, 2000, p. 15).


10Pode-se, assim, falar de um grupo político que exerce uma liderança em uma agremiação política, tanto quanto se pode falar de uma empresa ou organização líder ou de uma nação líder em um determinado continente.


11A personalidade autoritária tem sido confundida, na literatura, como liderança forte. É preciso separar a tirania de liderança.





3. LIDERANÇA E GRUPOS

Do ponto de vista das relações pessoais, não há liderança sem um grupo que a legitime. A figura do líder deve ser compartilhada e aceita pelos integrantes de um grupo. Sua aceitação é fundamental para o sucesso das atividades que desempenha ou nas decisões que venha a tomar para realizar os objetivos desejados. Entretanto, é importante observar que sempre existem os que questionam a legitimidade do líder e as decisões tomadas por ele, seja por que desejam ocupar seu lugar (apresentando-se como alternativa mais apropriada), seja porque não suportam vê-lo ocupando o lugar (são freqüentes as tentativas de desestabilizar o líder, de desqualificá-lo), seja porque percebem, antes dos demais membros, as conseqüências inadequadas da sua ação. Assim, o líder necessita estar atento para que estas situações não venham a obstaculizar as realizações dos objetivos propostos ou a provocar a instabilidade dentro do grupo. No primeiro caso, trata-se de uma disputa que, se democrática, pode melhorar o padrão de desempenho do grupo; no segundo, trata-se de um problema que se desenvolve nos bastidores e que pode vir a deteriorar a unidade do grupo; no terceiro caso, trata-se de capacidades que necessitam ser apropriadas pelo grupo.

O líder precisa estar consciente de que o seu papel está vinculado ao de um administrador de conflitos. Ele precisa constantemente reavaliar o seu papel no contexto em que se encontra, redimensionando e aprimorando sua capacidade de relacionamento com os integrantes do grupo, vislumbrando os aspectos relacionais, simbólicos e psicossociais. Entretanto, é importante verificar que o grupo é uma manifestação psicossocial espontânea; portanto, não é passível de ter sua dinâmica completamente controlável (Pagés, 1976).

Para administrar os conflitos, o líder não pode esquecer que os seus interesses, seus problemas pessoais, seus sentimentos ambivalentes, suas virtudes e defeitos influenciam nas suas tomadas de decisão. Portanto, o líder deve possuir um senso de autocrítica aguçado, bem como sensibilidade para aceitar e reavaliar as críticas que se dirigem a ele. Os líderes, sendo pessoas, são passíveis de cometer erros. É natural, desta forma, que algumas de suas decisões e atitudes possam frustrar os integrantes do grupo; estes algumas vezes têm em seu imaginário a figura idealizada do líder, uma pessoa dotada de capacidade quase divina de sempre tomar decisões corretas. Os líderes que se deixam levar por essa idolatria, que corresponde a uma projeção do ego ideal, podem causar complexos problemas para o grupo e para si mesmos.

Segundo Davel, Machado e Grave (2000, p.05) a “força de convicções e suas ressonâncias no imaginário grupal e na identificação social dos indivíduos é o que constitui a força do líder e funda o exercício legítimo de sua influência”. A figura do líder é antes imaginada no seu estado ideal na cabeça de cada membro do grupo. A capacidade do líder em atender às expectativas imaginárias dos liderados é determinante para a sua aceitação dentro da coletividade. Grande parte da manifestação de apoio e, conseqüentemente, de legitimidade, ocorre devido a isso. Estas expectativas podem ser:

a. Os interesses e objetivos particulares que os indivíduos pretendam alcançar através do grupo;

b. O reconhecimento pessoal, através da valorização das suas capacidades, por parte do grupo ou da organização em que estão inseridos;

c. As recompensas sociais e materiais como forma de reconhecimento pelos esforços despendidos em nome do grupo;

d. O reconhecimento como integrantes legítimos do grupo e a valorização e atendimento de seus desejos através dos objetivos coletivos.

Quando, porém, um líder não consegue atender as expectativas dos seus liderados, sua liderança passa a ser questionada. O líder, portanto, precisa estar política e psicologicamente preparado para desempenhar o seu papel, pois os integrantes do grupo depositam em sua figura as esperanças de realização dos seus desejos individuais através das ações coletivas. O líder, não sendo capaz de satisfazer às expectativas, anteriormente imaginadas pelos seus liderados, acaba experimentando um descrédito e passa a ser depreciado pelos integrantes do grupo. Logo de imediato o grupo passa consciente ou inconscientemente a procurar um novo “candidato ao posto”, que possa ser capaz de satisfazer os objetivos individuais e coletivos (Kernerg, 2000, p.16).

Esta busca por um novo líder é um processo doloroso não só para o líder como também para os integrantes do grupo. Todas as esperanças que cada um depositou no atual líder acabam de ser frustradas. O grupo depara-se com a angústia de ter de aceitar um novo líder, que nem sempre é imediatamente reconhecido como legítimo. O sentimento de orfandade também toma conta de parte do grupo, que elegeu o Pai da Horda, assassinou-o e necessita colocar, em seu lugar, um novo Pai que possa guiá-lo (Enriquez, 1984).

A maneira como este novo líder estabelecerá as relações vinculares com cada indivíduo do grupo é ainda, muitas vezes, uma incógnita para cada integrante, que deverá procurar uma melhor maneira de se relacionar com ele, buscando estabelecer ações de cooperação para evitar conflitos indesejáveis. As relações de empatia e afinidades são determinantes para o início de um relacionamento do líder com cada indivíduo do grupo e com a coletividade. A maneira como se manifestarão os sentimentos ambivalentes e, principalmente, a maneira como o novo líder lidará com estes, procurando manter a coesão e a harmonia dentro do grupo, serão determinantes para a sua aceitação e para a legitimação da sua função. Entretanto, passado o período de euforia inicial, pelos mesmos motivos que o líder anterior deixou de ser reconhecido, o novo líder começará a lidar com as formas nem sempre explícitas de rearticulação do grupo em torno de sua inviabilização: aqui será decisiva sua capacidade de tratar com os conflitos e com os sentimentos (da empatia à inveja) para que permaneça em sua posição.

Assim sendo, a escolha de um novo líder é um processo que envolve incertezas quanto ao futuro dos relacionamentos e da realização dos objetivos individuais e coletivos. As relações vinculares se estabelecem aos poucos e ocorrem de forma diferenciada para cada integrante. Enquanto para alguns integrantes o novo líder representa seus anseios, para outros esse processo ocorre de forma insatisfatória, seja porque possuíam grande afinidade com o líder anterior e, agora, possuem resistências ao novo líder, seja porque desejariam estar no lugar do novo líder, seja porque o líder que escolheriam não seria o que assumiu esse papel. Esta situação coloca uma questão essencial no relacionamento entre líderes e liderados: as relações de poder na dinâmica dos grupos. “A liderança envolve uma distribuição desigual de poder entre os líderes e os membros do grupo. Os membros dos grupos não são desprovidos de poder; podem moldar e moldam de vários modos as atividades grupais” (Stoner e Freeman, 2000, p.344). Entretanto, a escolha do líder significa igualmente a predominância de uma parcela do grupo sobre outra(s), ou seja, uma distribuição assimétrica de poder entre os membros do grupo. O líder, por sua vez, sabe que, embora represente uma parcela do grupo, passa a ser líder de todo o grupo e, assim, precisa dar conta dessas diferenças e administrá-las, exercício esse que exige dele extrema habilidade e competência e que constituir-se-á no diferencial entre sua legitimidade (aceitação) e seu fracasso (substituição). É importante ressaltar que o líder só exerce esse papel porque seus seguidores o legitimam na função. Em uma situação em que parte importante do grupo ou mesmo em que todos os integrantes do grupo passam a boicotar ou prejudicar as realizações dos objetivos determinados pelo líder, ocorre uma perda substancial e muitas vezes definitiva de credibilidade do líder. Mesmo que este líder seja aceito perante as autoridades ou por seus superiores, na medida em que o seu trabalho não seja adequadamente realizado e prejudique a realização dos objetivos, ele poderá ser deslocado para outra função ou grupo, pois o que prevalece são os objetivos gerais da organização12.

O líder deve estar atento a como as relações de poder são exercidas no grupo, seja formalmente, através da autoridade delegada, por exemplo, seja informalmente, através dos mecanismos de influência que legitimam, por meio da empatia ou confiança, certas frações do grupo. O surgimento de outras e novas lideranças é um processo natural dos grupos e deve ser encarado pelo líder como uma manifestação psicossociológica necessária para a manutenção da coesão do grupo. O aparecimento destas lideranças deve-se:

a. À não aceitação por unanimidade do líder;

b. Às relações de vínculos pessoais (empatia, identificação) que se estabelecem de formas diferentes entre os indivíduos de um mesmo grupo;

c. Ao fato dos objetivos individuais não serem realizados na totalidade perante os objetivos do grupo;

d. Ao desejo de alguns membros do grupo de ocupar o lugar do líder;

e. À presença de sentimentos obstrutivos13 dentro dos grupos.

Para o líder poder conviver com estes acontecimentos dentro dos grupos, é necessário, segundo Zimerman (1997b, p.41-7) observar os “atributos desejáveis para um coordenador de grupos”. Estes atributos têm como função favorecer uma melhor compreensão, por parte dos líderes, da dinâmica dos grupos, no que se refere a uma melhora contínua dos relacionamentos estabelecidos e nas realizações dos objetivos individuais e coletivos.

a. Gostar e acreditar em grupos: estar preparado para o trabalho em grupo, acreditar na potencialidade do grupo para atingir os objetivos almejados. Um líder de personalidade autoritária, neste caso, terá sérias dificuldades em desenvolver um bom trabalho, mesmo que goste de trabalhos em grupo;

b. Coerência: os líderes devem sempre estar atentos para os “excessos” que podem ocorrer dentro dos grupos ou com ele próprio. Estes excessos podem ser de natureza narcísica, ou decorrentes de imprudência ou negligência. É evidente que a incoerência é uma prerrogativa dos indivíduos; no entanto, a atenção deve estar voltada para as incoerências sistemáticas que possam estar ocorrendo;

c. Amor às verdades: além de ser um dever ético, tal afirmação é necessária para que virtudes como sinceridade, solidariedade, cooperação, criatividade etc., sejam as práticas corriqueiras dentro do grupo. Sendo assim, a adoção da verdade funciona como um catalisador para a boa convivência;

d. Senso de ética: ética aqui se refere ao respeito do líder em relação à liberdade dos membros do grupo. Os espaços democráticos devem se constituir em práticas constantes, defendidas pelos integrantes dos grupos;

e. Respeito: respeitar as divergências de opiniões e procurar a busca do consenso possível para melhor realizar os objetivos traçados. O respeito está relacionado, ainda, com a tolerância em relação aos limites pessoais de cada indivíduo;

f. Paciência: “paciência deve ser entendida como uma atividade ativa, como um tempo de espera necessário para que uma determinada pessoa do grupo reduza a sua possível ansiedade paranóide inicial, adquira uma confiança basal nos outros, permita-se dar uns passos rumo a um terreno desconhecido, e assim por diante”;

g. Função de pensar: o líder deve estar atento para perceber se os liderados sabem “pensar” as idéias, os sentimentos e as posições que são verbalizados. Para desempenhar esta função, o líder deve estar preparado para pensar as questões que envolvem o cotidiano do grupo;

h. Comunicação: dar a devida importância, seja na forma ou no conteúdo, para o processo de comunicação no grupo. A linguagem do líder determina o sentido e as significações das palavras, gerando as estruturas na mente dos liderados. O líder deve estar atento para a questão da interpretação e compreensão das suas mensagens. É importante ressaltar o estilo da comunicação e seus impactos frente aos indivíduos do grupo;

i. Modelo de identificação: é a capacidade que o líder tem de perceber a forma como seus liderados o concebem. Nesta perspectiva, o líder pode ser visto de diversas formas, tanto em relação às suas capacidades técnicas, como às suas características pessoais. A correta interpretação da forma como seus liderados as percebem, ajuda no processo de melhoria das relações estabelecidas.

Kernberg (2000, p.89) chama a atenção para outro assunto importante: os perigos que a personalidade narcisista14 do líder pode trazer. A necessidade excessiva de ser admirado e, conseqüentemente, idolatrado pelos seus seguidores, pode levá-lo a tomar atitudes de natureza egoístas, voltados apenas para as realizações dos seus desejos e objetivos. Evidentemente que o narcisismo ao qual o autor se refere aqui é o de natureza patológica.

Assim, o líder deve ser um indivíduo capaz de trabalhar em grupo. Sua aceitação, no entanto, vem através da maneira como ele se integra com os indivíduos e a postura que adota frente a posturas coletivas. Trabalhar em grupo requer estar preparado para a prática democrática, em defesa da ética coletiva.


12 No âmbito da organização capitalista, o lucro é a medida da eficiência e dos resultados. As organizações sem fins lucrativos ou filantrópicas, têm também suas medidas de resultado, sua eficiência e eficácia, presumidas pela efetividade dos resultados. Quando estas vêem ameaçadas sua existência ou seus resultados, podem adotar ações que preservem sua manutenção ou seus objetivos, inclusive promovendo troca de líderes em funções que estejam pondo em risco suas metas.


13 Os líderes devem sempre estar atentos para sentimentos obstrutivos que permeiam os sistemas sociais, os grupos ou instituições (ZIMERMAN, 1997a, p.71). Estes sentimentos, que podem ser a inveja, a hipocrisia, arrogância, rancor, sentimento de vingança etc., se não identificados e “controlados”, podem causar sérios riscos para a dinâmica do grupo, afetando, desta forma, o cumprimento das tarefas e os relacionamentos estabelecidos.


14 “Convém enfatizar que estou empregando o conceito de personalidade narcisista no sentido estrito, referindo-me a pessoas cujas relações interpessoais caracterizam-se por uma excessiva referência a si próprias e egocentrismo, cuja grandiosidade e superestimativa de si próprias ocorre em conjunto com sentimentos de inferioridade e que dependem excessivamente da admiração externa, são emocionalmente superficiais, intensamente invejosas e afrontosas e exploradas em seus relacionamentos com os demais” (KERNBERG, 1970, 1974).


4. LIDERANÇA E ORGANIZAÇÕES

Para compreender o desenvolvimento da teoria da liderança nos estudos organizacionais é necessário, antes, identificar os elementos que compõem as organizações. As organizações modernas têm como características centrais o uso de sistemas de recursos para realizar objetivos ou conjunto de objetivos (Maximiano, 2000:91). Esta conceituação é o que representa, na atualidade, a melhor definição para justificar o porquê das organizações existirem.

Elucidando ainda mais as características das organizações modernas, é importante salientar que elas estão inseridas em um sistema econômico capitalista, que ditam e regulam as relações econômicas da atual sociedade. As teorias da liderança nos estudos organizacionais, dentro desta lógica econômica, surgiram como instrumentos para que os objetivos, ou o seu conjunto, fossem atingidos. Não se exclui, para este estudo, todas as outras fontes que proporcionaram o surgimento de teorias que se propunham a dar explicações à liderança. Os elementos que caracterizam as organizações modernas tiveram fortes influências para as formulações conceituais da liderança, sendo assim necessário abordar alguns desses elementos e seus entrelaçamentos.

Os objetivos que as organizações procuram atingir são aqueles vinculados à manutenção da sua sobrevivência. Para que uma organização tipicamente capitalista sobreviva é necessário que realize o valor excedente obtido no processo de produção de suas mercadorias, permitindo assim que obtenha lucro, devendo estar preparada, desta maneira, para a competição nos mercados. Para atingir este objetivo nuclear, as organizações capitalistas procuram desenvolver um conjunto de processos capazes de viabilizar suas ações operacionais e suas estratégias competitivas. Neste sentido, os indivíduos que a compõem são vistos como instrumentos para atingir os objetivos, como meio da organização e não um fim. O líder passa a ser o “administrador” desses instrumentos e, ele mesmo, acaba por tornar-se um instrumento da organização. Desta forma, o líder deve ser capaz de discernir quando está instrumentalizando seus liderados e quando acaba por se tornar um mero instrumento. Questões como a qualidade do trabalho, os interesses individuais de cada integrante, por exemplo, devem ser preocupações constantes dos líderes. Eles têm, portanto, que desempenhar o papel de evitar que a organização exerça a dominação irrestrita e sem questionamento sobre os indivíduos, ao mesmo tempo em que reconhecem que estão ali a serviço da organização. Esta situação paradoxal, quanto mais claramente percebida pelo líder, mas estressante se torna para ele15.

Um segundo elemento das organizações modernas são os recursos a serem utilizados pela organização. A tendência de classificar os indivíduos como “recursos humanos”, acabou por gerar uma série de conseqüências. Os recursos, da maneira como a administração se propõe a conceituar, são considerados elementos quantificáveis. Se os indivíduos passam a ser entendidos como recursos, ele torna-se um ser reificado, ou seja, ele é comparado a outras fontes de recursos (matéria-prima, máquinas, instalações etc.) da organização. Os líderes surgem, em grande parte, para gerenciar esses recursos humanos e, para isso, devem possuir qualidades pessoais para orientar as tarefas e pessoas na direção das realizações dos objetivos. Os indivíduos deveriam ser a própria razão da existência da organização. Tal é o discurso que se pronuncia nas organizações e na literatura. No entanto, as ações indicam que outra é a realidade (Faria, 2001b).

O terceiro elemento é a divisão do trabalho. Marx afirma que a divisão do trabalho é, em si mesmo, a forma que aliena o homem. Quando se divide o trabalho cria-se a condição favorável para a especialização das tarefas. Em contrapartida, perde-se o conhecimento do ofício. Com a tendência à especialização e em decorrência da complexidade com que as mercadorias são produzidas, é inevitável que as organizações não dividam o processo de trabalho, seja qual for a forma que adotem para fazê-lo. Assim, os líderes surgem também como forma de intensificar o grau de especialização das tarefas e como instrumento integrador dos elementos que compõem a divisão do trabalho. A figura do líder, nestas circunstâncias, passa a ser de um coordenador dos processos de interdependência e convergência das tarefas especializadas. A liderança, neste caso, assume um papel específico, que é o de permitir que as qualidades pessoais (do líder) sirvam de veículo para melhorar as qualidades materiais (da produção e dos produtos). Esta é uma nova exigência da reestruturação produtiva promovida pelas inovações das tecnologias físicas de base microeletrônica e de sua correspondente necessidade de inovação das tecnologias de gestão (Faria, 1997).

As teorias recentes sobre liderança, como se pode perceber, têm como objetivo central enfatizar características pessoais, atitudinais e simbólicas para demonstrar como o líder consegue atender os objetivos das organizações modernas. É preciso chamar a atenção para o fato de que a liderança, enquanto manifestação psicossociológica, não pode ser reduzida a elementos previsíveis e totalmente mensuráveis16. Esta constatação certamente provoca algum grau de frustração nas organizações, porque torna intangível a capacidade de se elaborar uma “cartilha” sobre “como criar, formar ou desenvolver um líder”.



15 Alguns profissionais dizem, de si mesmos, que são uma espécie de “algodão entre cristais”, pois pretendem evitar conflitos e apaziguar as diferenças. Ledo engano. Sua função é a de servir à reprodução da lógica da organização e, portanto, seu papel de conciliação é o de convencer o empregado a aceitar as determinações do empregador. Fazer isto de maneira que o empregado acredite que os interesses da organização são os mesmos que os seus, que os projetos são semelhantes, esta é de fato a capacidade que se exige desses profissionais.


16 Adequadas técnicas de pesquisa podem mensurar, até mesmo com alguma precisão, certos componentes subjetivos das relações. Mas, mesmo assim, não se pode afirmar que estas sejam as melhores e mais efetivas formas de analisar este tipo de fenômeno. As tendências das metodologias de pesquisa a “matematizar” as relações concretas e a estabelecer, como problema, relações ou nexos causais entre variáveis ainda decorre da forte influência do positivismo e das concepções cartesianas presentes nas ciências humanas e sociais.


5. LIDERANÇA: UMA PROPOSIÇÃO CONCEITUAL



O conceito de liderança apresenta, nas ciências sociais, características diversas, cada qual contendo suas fragilidades, conforme argumentado anteriormente. Em vista disto, convém apresentar uma proposta de definição17.

Liderança é a condição, atributo ou capacidade de um sujeito individual ou coletivo (pessoa, grupo ou organização) de mobilização de outros sujeitos ou indivíduos (massas), devido à hipnotização ou ao convencimento decorrente da expectativa de transposição de uma situação de sofrimento ou de indecisão em uma de realização, ou ao preenchimento dos desejos e necessidades por parte dos liderados. Trata-se da presença, nos sujeitos, da realização ou do ideal do ego, colocado por projeção em outro sujeito ou instituição. As necessidades de um grupo social e a constituição do caráter do líder constituem uma relação típica de liderança. Assim, a liderança exercida por um sujeito (individual ou coletivo) em uma relação social, política ou individual, desenvolve-se em contextos de interações, refletindo em si mesma e em suas ações os limites situacionais, manifestando tanto as motivações e as atitudes peculiares dos líderes e seus recursos, como as expectativas e aspirações dos liderados.

Desta forma, a liderança é relativa à situação e ao contexto tanto quanto aos atributos do líder legitimados pelos liderados, pois líderes e liderados desempenham papeis ativos na relação, de forma que os líderes podem tanto comandar como interpretar e representar. A liderança, portanto, refere-se a esta capacidade ou ao atributo de um sujeito (individual ou coletivo), de conduzir, de forma determinante, ações de outros sujeitos, de maneira ativa e legítima, podendo ser entendida como uma manifestação de natureza tanto psicológica quanto social e política que ocorre (i) no interior de uma classe social (numa fração ou segmento), categoria social ou grupos formais ou informais (social e politicamente organizados), (ii) entre classes (frações ou segmentos) categorias ou grupos sociais, (iii) no interior de organizações e (iv) entre organizações.

A liderança é um atributo individual e/ou coletivo que deve levar em consideração o caráter histórico e dialético das mudanças internas e externas (relações vinculares entre os integrantes, dinâmica do âmbito coletivo ou organizacional, mudanças das normas sociais, influência do contexto ambiental etc.) que influenciam na aceitação e legitimidade da figura do líder, seja este uma pessoa, um grupo ou uma organização18.

A liderança apresenta-se como manifestação funcional, decorrente de delegação de autoridade, ou adquirida, mediante atributos reconhecidos por outros como portadores de uma representação real ou simbólica, com o objetivo de atingir objetivos imaginários e concretos (de natureza econômica, jurídica, política, ideológica e social), sejam eles de ordens individuais ou coletivas. A liderança difere da autoridade e da tirania porque pressupõe a prática voltada aos interesses coletivos ou que os representa, mesmo que estes possam ser justamente condenados por outras éticas. Deste modo, o papel do líder requer não só capacidades próprias como também coletivas19. Uma liderança não ocorre sem a legitimação dos integrantes que compõem a coletividade que a confere, o que implica em que a constituição do líder não deve pressupor ausência de responsabilidade dos liderados em quaisquer circunstâncias, mesmo que o líder conduza os liderados a atos condenáveis20.

Deste modo, a liderança pode ser transitória e requer, do líder, um constante investimento em sua manutenção. Do ponto de vista das relações pessoais, não há liderança sem um grupo que a legitime. A figura do líder deve ser compartilhada e aceita pelos integrantes de um grupo. Sua aceitação é fundamental para o sucesso das atividades que desempenha ou para as decisões que venha a tomar com o objetivo de realizar as metas desejadas. Entretanto, é importante observar que sempre existem os que questionam a legitimidade do líder e as decisões tomadas por ele, seja porque (i) desejam ocupar seu lugar (apresentando-se como alternativa mais apropriada), (ii) porque não suportam vê-lo ocupando o lugar (são freqüentes as tentativas de desestabilizar o líder, de desqualificá-lo), ou (iii) porque percebem, antes dos demais membros, as conseqüências inadequadas da sua ação. O líder geralmente está atento para que estas situações não venham a obstaculizar as realizações dos objetivos propostos ou provocar instabilidade dentro do grupo. No entanto, é preciso observar que no primeiro caso, trata-se de uma disputa que, se democrática, pode melhorar o padrão de desempenho do grupo; no segundo, trata-se de um problema que se desenvolve nos bastidores e que pode vir a deteriorar a unidade do grupo; no terceiro caso, trata-se de capacidades que necessitam ser apropriadas pelo grupo.

O líder precisa estar consciente de que o seu papel está vinculado ao de um administrador de conflitos. O líder precisa constantemente reavaliar o seu papel no contexto em que se encontra, redimensionando e aprimorando sua capacidade de relacionamento com os integrantes do grupo, vislumbrando os aspectos relacionais, simbólicos e psicossociais. Entretanto, é importante verificar que o grupo é uma manifestação psicossocial espontânea e, portanto, não é passível de ter sua dinâmica completamente controlável (Pagès, 1976).

Para administrar os conflitos, o líder não pode esquecer que os seus interesses, seus problemas pessoais, seus sentimentos ambivalentes, suas virtudes e defeitos influenciam nas suas tomadas de decisão. Deste modo, o líder deve possuir um senso de autocrítica aguçado, bem como sensibilidade para aceitar e reavaliar as críticas que se dirigem a ele. Os líderes, sendo pessoas, são passíveis de cometer erros. É natural, desta forma, que algumas de suas decisões e atitudes possam frustrar os integrantes do grupo; estes algumas vezes têm em seu imaginário a figura idealizada do líder, uma pessoa dotada de capacidade quase divina de sempre tomar decisões corretas. Os líderes que se deixam levar por essa idolatria, que corresponde a uma projeção do ego ideal, podem causar complexos problemas para o grupo e para si mesmos.




17Esta proposta foi retirada de FARIA, José Henrique de. Economia Política do Poder. 6ª. Reimpressão. Curitiba: Juruá, 2010. # volumes. Volume 1.


18 Pode-se, assim, falar de um grupo político que exerce uma liderança em uma agremiação política, tanto quanto se pode falar de uma empresa ou organização líder ou de uma nação líder em um determinado continente.


19 A personalidade autoritária tem sido confundida, na literatura, como liderança forte. É preciso separar a tirania de liderança.


20 Refere-se, aqui, entre outros casos, à responsabilidade de todos os que legitimaram e reproduziram o fascismo e o nazismo, inclusive no que se refere ao extermínio de seis milhões de judeus nos campos de concentração. É cômodo atribuir tal ação apenas aos líderes, cujas responsabilidades e corretas condenações acabam tendo um efeito de expiação coletiva, como se o sujeito que forma tal coletivo pudesse isentar-se de responsabilidade.



6. LIDERANÇA, ÉTICA E DEMOCRACIA: POR UMA CONCLUSÃO


A liderança pode ser considerada um papel social que deve ser desempenhado tendo como suporte alguns princípios básicos. A liderança que procura seguir estes princípios desencadeia o potencial humano individual de integrante (Covery, 2001, p.11). Do líder dependem muitas pessoas, que depositam nele suas esperanças para melhorar suas condições de trabalho e realizar seus objetivos individuais. Kernerg (2000, p.125) define como atributo do líder a tarefa de proteção dos seus subordinados quanto às más condições de trabalho, às arbitrariedades na atribuição de tarefas e aos riscos ligados aos trabalhos, independentemente se estas situações causem impactos negativos na eficiência do trabalho. Assim, a qualidade de trabalho e, em parte, a qualidade de vida, são atribuições do líder.

Contudo, esta não é a prática da maioria das organizações. Faria (2000a, p.5-8), em uma pesquisa realizada com gestores, verificou que a prática nem sempre corresponde ao um discurso. Apesar de 74,1% dos pesquisados afirmarem que as pessoas que costumam cometer injustiças não possuem condições de exercer postos de liderança, para a maioria dos entrevistados “são os valores que a organização considera como importantes que condicionarão a atitude ética de seus membros em última instância. Produtividade, racionalidade e estratégia competitiva são os determinantes deste ‘código moral’ que guia a ética nas organizações globalizadas”. As organizações é que ditam o que devem ser consideradas atitudes éticas a serem seguidas pelos líderes.

Esta disparidade de interesses, em que normalmente prevalecem os das organizações, acaba por causar prejuízos para a maioria dos indivíduos, mas esta não é realmente a preocupação dos gestores. As condições de trabalho, as arbitrariedades das tarefas e os riscos no trabalho são constantemente subordinados à lógica do cálculo de eficiência material, em que os interesses das organizações prevalecem sobre a qualidade de trabalho dos indivíduos. A qualidade somente é levada em conta se os defeitos ou sua ausência diminuírem a produtividade do trabalho e não se causarem danos às pessoas. Portanto, nas organizações existem dois conceitos de qualidade: a qualidade instrumental, que segue padrões, é avaliada e certificada, e a qualidade psicossociológica, que somente é levada em conta se seus efeitos interferirem negativamente na qualidade instrumental. A pessoa e considerada por sua contribuição ou colaboração aos objetivos da organização e não por seus desejos ou sentimentos. Nesse sentido, convém não se iludir: mudar a denominação de administração de recursos humanos para o de gestão de pessoas, pode ser apenas uma alteração de verniz.

É importante ressaltar que a responsabilidade por esta situação não é somente dos indivíduos que ocupam os postos de comando. A própria estrutura econômica capitalista21 favorece aos indivíduos que ocupam cargos de comando que não estejam atentos às questões que provocam a precarização do trabalho e diminuem a qualidade de vida ou que a desconsiderem, seja porque entendem ser esta uma situação natural e própria da realidade do trabalho, seja porque negam as evidências para poder conviver com a culpa de reproduzir ou de favorecer a reprodução das situações de sofrimento, seja porque não pretendem arriscar perder o lugar que ocupam na organização. Em síntese, há um conjunto de fatores que imprime atitudes defensivas ou alienadas.

O líder precisa estar atento a todas estas condições que o modelo sócio-econômico impõem e às normas daí decorrentes, sempre observando que sua obediência depende da maneira como ele mesmo a encara. O líder deve ser capaz de se posicionar como aquele que receberá a norma, isto porque “quando o respeito da norma tiver se expandido com respeito a outrem e ao si mesmo como um outro” (Ricoeur, 1999, p.211) ela passará a ser coerente com o interesse de todos.

Princípios são temas que estão relacionados como atributos que o líder deve preservar, independentemente dos interesses em jogo. O respeito ao outro e aos seus objetivos devem ser preservados e o líder deve ser o integrador e mediador de todos esses interesses sem esquecer que sua prática pressupõe uma atitude voltada para uma ética coletiva - sem que os interesses econômicos prevaleçam sobre os interesses humanos -, voltada para a prática democrática do diálogo e respeito à opinião de todos. Desta forma, é fundamental distinguir o líder do chefe, do administrador, do gestor, do coordenador, ainda que o mesmo possa vir a exercer tais funções, pois um líder pode vir a ser um gestor, mas um gestor, por si só, não é necessariamente um líder.

Finalmente, é preciso destacar que se a liderança pretende responder às condições de emancipação, de autonomia e de construção de uma história, a mesma não pode estar separada da ética e da democracia, pois “a questão ética tornou-se inseparável da democrática, na medida em que a democracia afirma os princípios da igualdade, da justiça, da liberdade e da felicidade como direitos universais, criados pelos agentes sociais, assim como o princípio do direito às diferenças, universalmente reconhecidas como legítimas por todos” (Chauí, 1994).

21A estrutura econômica capitalista faz com que “a ética será aquela que, ao mesmo tempo, proporcione lucro cada vez maior sem, contudo, ferir a imagem moral da empresa no mercado. É a lógica da dominação econômica em prática, ditando as condutas éticas frente a uma imagem a ser preservada. O recente processo de globalização só veio intensificar a postura competitiva” (Faria e Meneghetti, 2001a, p. 04).


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Recebido em dezembro de 2010.
Aprovado em setembro de 2011.

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