Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

sábado, 5 de abril de 2014

NUNCA MAIS!

REVISTA ISTO É N° Edição: 2315 | 04.Abr.14

As fotos que ilustram esta página mostram um momento da história que o Brasil não deve esquecer para nunca mais repetir. O Golpe de 64 foi iniciado por uma mentira – a de que se pretendia defender a democracia ameaçada pelo comunismo – para terminar numa tragédia de 21 anos, que trouxe a tortura, a censura e a perseguição aos adversários políticos. Ao retirar do povo o direito de escolher seus governantes, o regime militar tentou se apossar do destino de uma nação alegre, diversificada e tolerante. Produzido por forças políticas que foram buscar, nos quartéis e até em países estrangeiros, um apoio que não eram capazes de obter nas urnas, o regime militar encerrou-se em ambiente de merecido repúdio nacional. Em duas décadas, não resolveu nenhum problema antigo e deixou uma herança de problemas novos que os brasileiros, sob o mais prolongado regime de liberdade de sua história, têm toda capacidade de resolver.


A cena das libélulas sobre duas baionetas deixou Costa e Silva
tão enfurecido que ele prendeu o fotógrafo por 24 horas no Palácio do Catete


Na virada do dia 1º para o dia 2 de abril de 1964, o fotógrafo
Evandro Teixeira foi o único civil a entrar no Forte de Copacabana.
Aquela era a primeira noite que o País vivia sob o regime militar


A histórica passeata dos 100 mil, em 26 de junho de 1968, reuniu
estudantes, intelectuais, artistas e civis na Cinelândia, centro do Rio de Janeiro,
numa das maiores manifestações populares organizadas contra a ditadura militar.
A imagem tornou-se um símbolo do movimento popular que lutou por mais liberdade

Fotos Evandro Teixeira



A voz das vítimas

Como foi a vida no exílio daqueles que foram beneficiados, em 1979, com a Lei da Anistia, e o que eles pensam sobre a revisão da norma

Josie Jeronimo (josie@istoe.com.br)


O Congresso viveu dias intensos no mês de agosto de 1979. Parlamentares do MDB tentavam reagir aos termos do projeto do governo que estabelecia anistia a crimes políticos cometidos durante o regime militar. A lei precisava de aperfeiçoamentos, mas a oposição chegou à conclusão de que o mais importante seria aprovar uma “anistia possível” para acabar logo com a agonia de mais de quatro mil brasileiros que tiveram a vida interrompida por uma década, fugindo da perseguição do regime. “Capenga”, como resumiram deputados do MDB, a Lei da Anistia preservava os algozes de cidadãos torturados e de famílias que tiveram a vida destruída pela repressão. Mesmo assim, foi amplamente comemorada por aqueles que passaram longos anos buscando refúgio em países desconhecidos, usando documentos falsos e controlando crises de pânico a cada vez que eram abordados por policiais estrangeiros.

O ex-ministro Franklin Martins narra essa sensação de insegurança que tomava conta dos exilados. Ele conta que em 1976 elaborou detalhado plano de cruzar três continentes para chegar o mais próximo do Brasil e se encontrar com companheiros de militância. A lei de 1979 resgatou vidas espalhadas pelo mundo, mas, para Franklin, passado o momento da “anistia possível”, o Brasil precisa avançar. “Não é possível achar que a Anistia representou um acordo da nação, porque uma das partes não podia negociar, estava silenciada na prisão, no exílio.”

No fim da década de 1960, Franklin e Vladimir Palmeira eram as duas principais lideranças estudantis do País. Mas Palmeira tem visão diferente da de Franklin, em relação à revisão da Lei da Anistia. Ele afirma que mais importante do que punir os torturadores do passado é promover uma aproximação das Forças Armadas com a sociedade. “A cultura da tortura ainda está embutida, é preciso inibir isso.” O jornalista Fernando Gabeira, preso e exilado por participar do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, também é contrário a revisões. “Punir gente com 80 anos pode dar a eles uma aura de vítima, que eles não precisam ter.” Ainda na militância da esquerda, Cid Benjamin e Milton Temer afirmam que o texto da lei ainda dá margens para dúvidas, quando o assunto é a anistia a torturadores.





Fotos: Leo Martins/Agência O Globo; Roberto Castro/Agência Istoé


Por que o Brasil deve rever a Lei da Anistia

Em meio às manifestações pelos 50 anos do Golpe de 64, cresce no País um movimento para que agentes de Estado, civis ou militares que cometeram crimes durante a ditadura possam ser punidos. Saiba por que a revisão da norma de 1979 é necessária



No dia 1º de abril, parlamentares ergueram cartazes na Câmara com
fotos de desaparecidos políticos e militantes perseguidos, torturados
e mortos durante a ditadura. No mesmo dia, a presidenta
Dilma se emocionou ao relembrar a volta dos exilados

Na terça-feira 1º, a presidenta Dilma Rousseff convocou investidores e ministros para a cerimônia de assinatura de contrato da concessão do Aeroporto do Galeão à iniciativa privada. Mas aquele momento de rotina para qualquer governo produziu uma emoção que os brasileiros não devem esquecer tão cedo. “Minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro... dentro de mais um minuto estaremos no Galeão”, disse a presidenta, cantarolando o “Samba do Avião,” para acrescentar, em seguida, com voz embargada e olhos marejados: “É uma síntese perfeita do que é a saudade do Brasil, a lembrança do Brasil e, melhor de tudo, voltar ao Brasil chegando ao Galeão.” Obra-prima de Antônio Carlos Jobim, composta em 1962, o “Samba do Avião” transformou-se, nos anos seguintes, na avaliação de Dilma, na esperança íntima de milhares de exilados do regime militar que só puderam retornar ao País depois que, em 1979, o Congresso aprovou a Lei da Anistia. Dilma costuma sentir emoções fortes em situações que lembram os 21 anos da ditadura, o que é particularmente compreensível para quem ingressou numa organização armada e, mais tarde, enfrentou a prisão e a tortura em dependências militares, “recebendo choques elétricos em tudo quanto é lugar.”


Registrada dois dias antes da cerimônia no Galeão, a passagem de 50 anos do golpe de 64 foi marcada por uma situação nova, porém. Num movimento capilar, um contingente numeroso de brasileiros tem se mobilizado pela vontade de conhecer a fundo os segredos da ditadura, em particular aquele crime que se tornou sua marca repugnante e vergonhosa – a tortura. Opondo-se à determinação da lei de 1979, confirmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2010, que tem impedido o julgamento de oficiais e delegados acusados de tortura e execução de adversários políticos, cidadãos e cidadãs querem levar os torturadores e demais responsáveis ao banco dos réus. Na última semana, a discussão sobre a revisão da lei, de 1979, esquentou nos meios políticos e acadêmicos. A organização da sociedade civil Anistia Internacional Brasil lançou na terça-feira 1º, mesmo dia do emocionado depoimento de Dilma, uma campanha para que agentes de Estado, civis ou militares que cometeram crimes durante a ditadura militar possam ser punidos. A iniciativa ganhou o apoio da OAB (leia entrevista ao lado). A população também se mostra a favor. Segundo o DataFolha, hoje 48% dos brasileiros são favoráveis ao julgamento de torturadores e 37% são contra. Em 2010, a situação era invertida: 45% eram contra o julgamento de torturadores e 40% eram a favor.


Na semana passada, enquanto os candidatos melhores colocados nas pesquisas eleitorais se mantiveram em silêncio sobre o que fazer com a Lei da Anistia, Dilma Rousseff disse que reverenciava “os que lutaram pela democracia, enfrentando a truculência ilegal do Estado”, mas também afirmou: “Reconheço e valorizo os pactos políticos que nos levaram à redemocratização.” Pelo menos uma parte do PT não concorda mais com isso. Na mesma semana, o senador Humberto Costa (PT-PE), que é líder do partido, fez um discurso a favor da revisão. Nos próximos dias, quando um projeto de revisão apresentado pelo senador pelo Amapá Randolfe Rodrigues, candidato a presidente pelo PSOL, entrar em debate na Comissão de Direitos Humanos, outros integrantes da base do governo irão se colocar a favor. A petista Ana Rita (PT-ES), que é presidente da Comissão, também já disse que é favorável. Em 2011, quando Luiza Erundina (PSB-SP) apresentou um projeto semelhante na Câmara dos Deputados, a proposta foi enterrada na Comissão de Constituição e Justiça e não saiu do lugar. Hoje, o ambiente político é outro.


ESCRACHOS
Um grupo fez na tarde do dia 31, em Brasília, uma manifestação em frente à casa
do coronel reformado Carlos Brilhante Ustra, condenado por envolvimento em
crimes de tortura durante a ditadura. No dia seguinte, um outro escracho
expôs o ex-militar e delegado acusado de homicídios Aparecido Calandra

Em 1979, um combativo parlamentar de oposição, Alencar Furtado, do Paraná, foi à tribuna dizer que o projeto aprovado “anistia com antecedência os torturadores e marginaliza os torturados.” O que se modificou, em 25 anos, foi a visão sobre o que se fez naquele tempo. Se antes a Lei da Anistia era vista como uma ponte para a transição da ditadura à democracia, duas décadas e meia depois é enxergada como um obstáculo para a consolidação de um regime de direitos e liberdades fundamentais, num país onde a Constituição afirma que a tortura é um crime “imprescritível”. Por trás dessa mudança, encontra-se a Comissão Nacional da Verdade, criada por decreto presidencial em 2012. Organismo de caráter oficial, com acesso assegurado a todo documento público e poder de convocar toda autoridade que possa lhe prestar esclarecimentos, em menos de dois anos realizou 450 audiências pelo País. Abriu um debate que ajudou muitos brasileiros a tomar contato com uma realidade que desconheciam – e outros tinham pavor de encarar. A atividade da Comissão Nacional fermentou o nascimento, sem que ninguém tivesse planejado, de outros 75 comitês, em 21 Estados, dando origem a uma estrutura descentralizada pelo funcionamento, mas unida pela ideia de que é preciso saber mais sobre o passado político do Brasil.




Algumas revelações obtidas pelo Comitê da Verdade têm caráter particularmente chocante, contribuindo para que o País de fato se pergunte como deve reagir a elas. Um exemplo: divulgado pela tevê e pela internet, o depoimento de Paulo Malhães, coronel da reserva do Exército que na década de 1970 participou de sessões tortura e de macabras operações para o ocultamento de cadáveres, causou choque e indignação. “Quebrava os dentes. As mãos (eu cortava) daqui para a cima,” disse, entre risos de escárnio. Quando lhe perguntaram quantas mortes havia ocorrido no período, o coronel respondeu: “Tantas quanto foram necessárias.” Se a Lei da Anistia for revista, torturadores conhecidos como Malhães e até militantes de esquerda alvos de processo ainda em vigor poderão ser punidos.



Autor do projeto que, em 2001, criou reparações em dinheiro para os perseguidos pela ditadura e suas famílias, Fernando Henrique Cardoso declarou-se, na última semana, assustado com o “cinismo” e cobrou uma mudança de postura por parte das Forças Armadas. “E não vejo agora por que não as próprias Forças Armadas dizerem: ‘Erramos. Mas foi uma minoria.’ Por que essa maioria de hoje não diz: ‘Não temos nada com isso?”’ Nos últimos dias, vieram sinais positivos dos três comandantes militares, sempre uma interrogação nesta história. Atendendo a uma solicitação da Comissão da Verdade, eles concordaram em iniciar uma investigação em sete locais, em quatro Estados brasileiros, onde ficou registrado um maior número de casos de tortura e morte. O pedido envolve o DOI-Codi paulista, onde o jornalista Vladimir Herzog foi morto sob tortura, e também a 1ª Companhia da Polícia do Exército, no Rio de Janeiro, onde o empresário Rubens Paiva foi visto pela última vez. O objetivo é esclarecer como era a rotina e o funcionamento desses locais. Para Pedro Dallari, advogado da Comissão, o fato de o próprio Estado já ter pago indenização a vítimas de tortura que ficaram detidas nesses locais não permite dúvidas sobre que se passava ali. “O que precisamos agora é apurar o desvio de função, o delito administrativo.” E que uma revisão da Lei da Anistia possa punir quem os cometeu.

“TORTURA NÃO SE ANISTIA”

Michel Alecrim

Presidida pelo advogado Wadih Damous, da OAB-RJ, a Comissão da Verdade do Rio de Janeiro obteve a confissão do coronel Paulo Malhães, da reserva, de participação na tortura, morte e ocultação de cadáveres durante a ditadura. Damous acredita que as revelações podem levar a uma mobilização pela revisão da Lei da Anistia.



ISTOÉ – Pesquisa recente mostra que a maior parte dos brasileiros apoia a punição dos crimes da ditadura militar. A que o sr. atribui essa mudança?

Wadih Damous – A pesquisa captou uma mudança no sentimento da população. Atribuo isso ao trabalho das comissões da verdade. Além disso, este ano, como se completam 50 anos do golpe, as pessoas estão se informando melhor e ficam indignadas com o fato de esse pessoal estar solto.

ISTOÉ – Muita gente só está tomando conhecimento das atrocidades agora?

Damous – Muitos jovens começam a se identificar com os rapazes e moças torturados e mortos. Veem que foi uma violência desmedida e inaceitável.

ISTOÉ – O sr. defende a revisão da Lei da Anistia ou acredita ser possível encontrar uma interpretação do texto que possa levar à punição desses criminosos?

Damous – Acredito que a Lei da Anistia, como foi redigida, não anistia os torturadores. Foi um malabarismo de interpretação o que o Supremo Tribunal Federal fez em 2009. O ministro Eros Grau dizer que movimentos sociais foram às ruas clamar por anistia ampla, geral e irrestrita para beneficiar todo mundo foi uma distorção. Mas pode haver um novo julgamento e há um dado promissor que é o novo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, antecipar seu entendimento coincidente com o nosso, de que a lei não beneficia torturador.

ISTOÉ – Mas, em sua opinião, o que seria melhor, uma nova interpretação do Supremo ou a alteração do texto da lei?

Damous – O Congresso pode fazer isso antes. Há um ano, não via qualquer possibilidade de o projeto da (Luiza) Erundina (PSB-SP) passar. Ele exclui da anistia agentes públicos civis e militares. Hoje, sou um otimista moderado. Penso que tem de deixar a lei mais clara e não desafiar novas interpretações. Toda anistia tem o conceito de perdoar crimes políticos. Agora, tortura, estupro, desaparecimento forçado, não dá para dizer que isso é crime político. O que esses agentes fizeram são crimes contra os direitos humanos, imprescritíveis. Tortura não se anistia. É crime de lesa-humanidade.



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