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domingo, 23 de março de 2014

TODOS DIZEM QUE FORAM TORTURADOS

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - QUE A DEMOCRACIA SE CONSOLIDE NA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE LIVRE, JUSTA, SOLIDÁRIA E EM PAZ. DITADURA JAMAIS!!!!...DE NENHUM TIPO, UTÓPICA OU FALACIOSA!!!

ZERO HORA 23 de março de 2014 | N° 17741


CLEIDI PEREIRA



COM A PALAVRA, CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA


Um muro transparente, de vidro, guarda a residência de um dos mais famosos agentes da ditadura. Gaúcho radicado em Brasília, o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra foi o primeiro militar a ser reconhecido pela Justiça como torturador.

Nos três anos e quatro meses (entre 1970 e 1974) em que comandou o Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), em São Paulo, 502 pessoas teriam sido torturadas no local, e 50, mortas. Ustra insiste, há décadas, em negar todas as acusações, apesar dos inúmeros relatos de ex-presos e de ex-agentes do órgão.

A tese de defesa do coronel nascido em Santa Maria – que no fim da década de 1970 também atuou no Centro de Inteligência do Exército, em Brasília, e comandou o 16º Grupo de Artilharia de Campanha Autopropulsado, em São Leopoldo – começou a ser escrita há 29 anos pelo punho de sua mulher, Maria Joseíta.

Em outubro de 1985, dois meses após a então deputada Bete Mendes reconhecer Ustra como seu torturador – fato que levou o nome do militar (na ocasião adido militar no Uruguai) às primeiras páginas de jornais de todo o país –, Joseíta escreveu uma carta às filhas, Renata e Patrícia, o que seria a introdução de um álbum dedicado às herdeiras do casal. No lugar de fotos da família, recortes de jornais, documentos e anotações, para que, no futuro, as filhas não se envergonhassem de carregar o sobrenome do militar. Dali veio a inspiração para o primeiro livro de Ustra, Rompendo o Silêncio, lançado em 1987, que reproduz e amplia os argumentos citados no manuscrito da mulher.

Apesar da saúde mais debilitada que a do companheiro, aos 76 anos, Joseíta – uma paraibana elegante, de fala pausada e postura altiva – continua sendo o alicerce e a bússola de Ustra. Avesso a entrevistas, o coronel abriu uma exceção ao receber Zero Hora em sua casa no Lago Norte, em uma quinta-feira ensolarada de fevereiro. Em duas horas e meia de conversa, Joseíta fez 17 interferências, e o militar também recorreu à memória da mulher seis vezes.

Ustra admite, pela primeira vez publicamente, que “excessos” podem ter sido cometidos. Ele ainda assume que usava o codinome de Doutor Tibiriçá e que também participava dos interrogatórios de militantes de esquerda presos pelo regime.

O militar demonstra convicção ao afirmar ter cumprido sua missão de “impedir que o comunismo fosse introduzido no país”.

O senhor responde a processos por tortura, sequestro e ocultação de cadáver e foi o primeiro militar reconhecido pela Justiça como torturador. Nos três anos em que comandou o DOI-Codi em São Paulo, dezenas de pessoas foram mortas pelo órgão. O senhor tem dormido bem à noite?

Sempre dormi. Graças a Deus, tenho dormido muito bem à noite. Nunca tive problema de consciência porque não fiz nada de errado.

O senhor participou ou tinha conhecimento da realização de sessões de tortura no DOI-Codi?

Não participei e não tinha conhecimento de sessões de tortura. Excessos pode ter havido de ambos os lados. Não vou dizer para você que não houve. Pode ter havido excesso de um lado, o cara perder a paciência... Isso pode ter havido. Mas é explorado pela esquerda que quer nos desmoralizar com esse problema de tortura. Mario Lago (ator e comunista) já dizia: “Quando saírem da prisão, vocês sempre digam que foram torturados”.

Que excessos seriam esses?

Excessos... Não me lembro, assim, de excessos que podem ter cometido.

Excessos durante interrogatórios?

Se cometeu, às vezes, no ato da prisão. O cara reagia, brigava, havia luta corporal. Você sabe, terrorista não é brincadeira. Não é fácil, entendeu? Mas todos dizem que foram torturados. Uma das poucas que disse em juízo que não foi torturada foi a Bete Mendes. No depoimento, chorou e disse que estava arrependida. E assinou o documento com dois advogados de defesa presentes.

Por que tantos anos depois, quando vocês se reencontraram no Uruguai (em 1985, Ustra era adido militar e Bete, deputada federal), ela o acusou de tê-la torturado?

É aí que quero saber. Por que ela mudou? Quando elas (grupo de estudantes) foram presas, eram umas crianças. Ela não, era maior de idade.

Não pode ter se sentido coagida?

Mas coagida na frente do juiz, com pessoas assistindo, com dois advogados ao lado? Todos os presos chegavam lá e diziam: “Fui torturado horrivelmente”. E ela se arrependeu. Ela esteve presa 20 e poucos dias, era a líder do grupo que doutrinava. Eram meninos do secundário, 17, 18 anos. Fui ao general e pedi para entrar em contato com o juizado de menores. Foi lá a dona Zuleika Sucupira, que dava assistência, e declarou: “Eles aqui estão sendo muito mais bem tratados do que nós poderíamos tratá-los”. Depois, saíram de lá e nenhum disse que foi torturado. Um pai até escreveu carta agradecendo pelo tratamento.

Mas o que justifica a existência de inúmeros relatos de ex-presos e até de ex-agentes do DOI-Codi – como o ex-sargento Marival Chaves e o ex-escrivão Manoel Aurélio Lopes – que indicam que a tortura era uma prática comum no destacamento?

Esse escrivão diz que serviu no DOI de 1972 a 1978. (Ustra apanha um jornal e lê) “Admitiu que houve torturas sistemáticas de presos políticos.” Estou olhando a fotografia dele. Não me lembro de jeito nenhum. De uma coisa tenho certeza: pelo nome, da equipe de interrogatório ele não era. Uma coisa que a gente levava a sério era a compartimentação, quem era do interrogatório, era do interrogatório. Ele disse que viu por uma porta, com certeza, não teria entrado lá. Agora, esse sargento Marival serviu comigo uns dois meses. Não posso falar por que ele está fazendo isso, não tenho provas. Me consta que ele foi comprado, que ele recebeu grana para fazer isso. Ele disse na Comissão da Verdade que eu era senhor da vida e da morte. Ora, eu era senhor da vida e da morte de quem, meu senhor?

O senhor escreveu no seu último livro que “vidas humanas dependiam das suas decisões”.

Sim, claro. Quando mandava meus subordinados para a missão – e existiam várias em que eu ia –, muitas vezes, levava o capelão militar para nos abençoar antes de sair. E nós partíamos para cumprir o nosso dever.

Qual era esse dever?

O dever? Era impedir que a luta armada vencesse e introduzisse o comunismo no Brasil, conforme eles estavam programados para fazer.

No seu livro A Verdade Sufocada, o senhor afirma que, quando um militante era preso, se iniciava uma “batalha contra o tempo”. Quais eram as técnicas e instrumentos utilizados para obter informações?

Primeiro, a gente usava o interrogatório contínuo. Muitas vezes, a pessoa ficava uma noite sem dormir. Tínhamos de interrogar. A gente ficava se revezando para ver se vencia pelo cansaço. A gente tinha que fazer o... Mas era difícil. A gente procurava... Isso era muito raro acontecer, porque quando a gente prendia, normalmente tinha a ficha deles todinha, porque a gente seguia, sabia onde morava. Nosso objetivo quando prendia era combater a organização. Tinha que saber qual era o nome dele, e ele não dizia o nome. (Ustra simula um diálogo) ‘Qual é o seu nome?’ ‘João.’ ‘Não, seu nome não é João.’ ‘É João, sim.’ ‘Onde é que você mora?.’ ‘Não sei.’

Isso irritava vocês?

Irritava, claro. Mas esse negócio que dizem, de botar em cima de latinha, de não sei o quê, esse negócio não existia.

Soro da verdade, pau-de-arara, cadeira do dragão…

(Interrompe a pergunta) Não. Soro da verdade, não. Nunca dei soro da verdade. Isso não dei, não.

Essas palavras não fazem sentido para o senhor?

Não fazem sentido para mim. Não fazem. Com toda a sinceridade, não fazem, entendeu?

O senhor concorda com a máxima de que os fins justificam os meios?

Não, não concordo.

O senhor é autor de dois livros (Rompendo o Silêncio e A Verdade Sufocada). Quais foram os motivos que levaram um militar a se aventurar como escritor?

Não me aventurei como escritor, porque não sou escritor. O primeiro livro escrevi porque um dia cheguei em casa e deparei com um álbum que Joseíta estava fazendo para nossas filhas, depois que a Bete Mendes fez aquele escândalo, aquela farsa toda. Saiu em tudo que é jornal. Zero Hora deu: “Coronel torturador some da embaixada”. Jornal Nacional também. Quando vi que ela estava escrevendo para nossas filhas, dizendo que não era bem assim, que eu era vítima de uma injustiça, resolvi escrever o livro, mesmo estando na ativa. Foi para rebater a Bete Mendes, desfiz ponto por ponto todas as mentiras dela. E ela calou. Não entendi até hoje por que montaram essa coisa.

O senhor acha que foi por causa desse episódio que virou uma espécie de símbolo do regime?

Não sei por que sou o bode expiatório. Acho que isso foi um dos fatores. Mostrou para o povo: “Ó, esse cara é torturador”. O outro livro escrevi porque quando houve a contrarrevolução (golpe de 1964), depois que acabou tudo, houve a Lei da Anistia. Os militares se recolheram, e era proibido falar nisso. Silêncio total sobre o passado, respeito à lei. Como eu estava na reserva, podia falar.

Como foi o convite para chefiar o DOI-Codi de São Paulo?

O presidente Médici baixou uma diretriz de segurança interna determinando que o Exército assumisse o combate ao terrorismo. Um dia, o general Canavarro me chamou e disse: “Major, o senhor foi designado para comandar o DOI-Codi do 2º Exército. Estamos numa guerra. Vá, assuma e comande com dignidade”. Encarei como uma missão. Cheguei em casa e disse para a Joseíta: “Nossa vida agora mudou. Vamos ter de ficar com cinco homens comendo e dormindo aqui em casa para nossa segurança”. Foi uma missão de sacrifício, escapei de dois sequestros e ameaças de morte.

Suas filhas nunca o questionaram sobre sua atuação no DOI-Codi?

Não. Sempre foram muito solidárias ao pai.

Seu pai, Célio, e seu tio Lupes, quando eram soldados, fizeram parte da Coluna Prestes. Lupes morreu durante a marcha. Mais tarde, a adesão de Prestes ao comunismo revoltou seu pai, que achava que a morte do seu tio tinha sido em vão. Como esses episódios influenciaram suas escolhas de seguir a carreira militar e lutar contra o comunismo?

A Coluna Prestes fazia parte do movimento tenentista. Eles queriam mais avanços. Eram jovens idealistas, não comunistas. Meu pai contava essa história. Quando viu que tinham lutado atrás de um homem que virou comunista, ficou revoltado. Ele falava do comunismo, falava que tinham matado militares que estavam dormindo. Isso me incentivou ao civismo e a entender que o comunismo não era uma coisa boa. Fui lutar contra o comunismo pelas circunstâncias da minha vida profissional. Cheguei em São Paulo quando os terroristas já tinham assaltado mais de 300 bancos e carros pagadores, matado mais de 66 pessoas e mandado mais de 300 para Cuba fazer curso de guerrilha.

Nenhuma editora de projeção aceitou publicar seu último livro, A Verdade Sufocada, lançado em 2006. Depois, apenas uma livraria se dispôs a vendê-lo. Por que a sua verdade parece não convencer?

Não convencer a população? Acho que é o patrulhamento ideológico que não deixa meu livro ser publicado. Por que os jornais não dizem que eu lancei um livro? É a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça.

Mas a sua versão também não convenceu a Justiça, que o reconheceu como torturador.

Pois é. Foi no processo da Maria Amélia Teles (militante do PC do B). Quando ela foi presa com o marido, também me informaram que havia duas crianças no local. Disse, então, para levarem as crianças para o DOI. Na sala de interrogatório, informei que as crianças não poderiam ficar lá e que iria mandá-las para o juizado de menores. Ela começou a chorar, e uma tenente ficou com dó e disse que levaria as crianças para a casa dela, se eles autorizassem. Um parente do casal, da Polícia Civil de Minas, ficou de buscar as crianças em dois dias. Com pena da dona Maria Amélia Teles, pedi para a tenente trazer as crianças para ficar com os pais uma duas horas por dia, até os tios chegarem, para elas não ficarem tristes. No processo, Maria Amélia disse que eu levava as crianças para ver a mãe torturada. Fui condenado por causa disso, minha filha. Agora, ela disse, também, que eu torturava as crianças, mas o juiz me absolveu dessa parte. Dou resposta para isso tudo. Nunca ocultei cadáver, nunca torturei criança, nunca bati em nada. Se ela estava machucada, não a machuquei. E ninguém machucou. Minha filha, olha para mim, para minha casa, para minha mulher. Vou ter cara de pegar uma criança de quatro, cinco anos e (Ustra altera a voz): “Olha aqui a tua mãe toda machucada, fala aqui com a tua filha”. Eu iria fazer isso? Um animal faria isso. Não faço isso.

O senhor já processou alguém por calúnia?

Não posso processar, porque a pessoa vai pegar cinco ou seis testemunhas, ex-terroristas. Combinam tudo e aí vão dizer para o juiz que me viram torturando. E eu vou fazer o quê? Vai ser a minha palavra contra a deles.

Por que essas pessoas se uniriam contra o senhor?

(Risos) Ora, minha filha, a ideologia comunista. É revanchismo, raiva de terem perdido a guerra e não terem implantado o comunismo aqui. E também por dinheiro.

Dinheiro de quem?

O nosso, das indenizações.

Se o objetivo dos militares com o golpe era o de apenas zelar pela democracia, como vocês afirmam, por que o regime durou 21 anos?

Acho que se estendeu por 21 anos por causa do terrorismo. Minha opinião é que o regime deveria ter terminado no governo Médici. Se perdurou por mais tempo, única, pura e exclusivamente foi por causa do terrorismo. Não se podia passar o governo para os civis com o terrorismo naquele auge e com estatutos de organizações que queriam claramente implantar o comunismo. Desaprovei essa continuação, mas quem sou eu? Isso aconteceu na América Latina toda. O Brasil estabeleceu um modelo de combate ao terrorismo. Quantos mortos nós tivemos? Não chegou a 500 mortos de ambos os lados – 119 do nosso e quase 400 deles. Isso no início, porque depois apareceu morto de tudo quanto é lado. Todo mundo quer ser indenizado. Tínhamos mais de 40 organizações terroristas, de todos os calibres. Você acha que o terrorista brasileiro é menos capaz, menos corajoso, menos doutrinado ideologicamente, menos valente do que o argentino ou uruguaio? Não. São todos iguais. Como que na Argentina, para combater o terrorismo, foram 30 mil mortes? No Uruguai, pequenininho, foram 5 mil mortes; Peru, 30 mil; Chile, quase 30 mil. Colômbia, que quis manter a democracia, está até hoje lá, território dividido, mais de 45 mil mortos. Se fôssemos combater igual aos outros, eram 150 mil, no mínimo. Pense bem. Foi menos de 500 porque nós, militares das Forças Armadas, combatemos de uma maneira diferente, de maneira profissional.

O senhor nega que tenham ocorrido mortes no DOI. Por que, então, um relatório do próprio Exército, com estatísticas do órgão, aponta 50 mortos até setembro de 1975?

Porque houve 50 mortos.

Mortos de que forma?

Em combate, fazendo cobertura de pontos. Quando prendíamos um terrorista, sabíamos que ele não sabia o nome do outro. Eles se comunicavam através de pontos, que eram locais de encontro. Tinha o ponto de polícia, para onde eles iam se eram presos. Tinha o ponto frio, inventavam um ponto que não era o de encontro para ganhar tempo. Quando as organizações desconfiavam que eles estavam presos, tentavam resgatar o companheiro. E aí aconteciam tiroteios. Como terrorista sempre usava duas armas, quando encontrava o companheiro preso (que era levado ao ponto na tentativa de prender mais integrantes), eles decidiam reagir. Outras vezes, tentavam se suicidar, se jogando embaixo de carros. Quando morria uma pessoa, você não podia chamar a perícia e isolar a área, porque eles andavam com cobertura, vinham e metralhavam a gente. Então, acabou o tiroteio, tinha morto? Levava para o DOI. Estava doente, ferido? Levava para o hospital. No DOI, o corpo ficava ali num lugar deitado, guardado. Eram pequenas as nossas instalações. E esse Marival Chaves dizia que eu botava os corpos em exposição. Onde é que eu ia botar? Deixava no pátio esperando chegar o rabecão. A gente entrava em ligação com o Dops, que providenciava tudo. Levavam os corpos, IML, autópsia, sepultamento. Tudo feito pela polícia. Isso que dizem que eram os militares que iam lá para enterrar os corpos é mentira deslavada. Nossa missão acabava quando o rabecão levava o morto embora.

Se vocês temiam um contra-ataque, porque não deixavam os corpos no local do tiroteio...

(Ustra interrompe a fala) Para eles recolherem os terroristas?

Não havia um procedimento legal, de perícia na área?

Não dava tempo. Minha filha, aquilo era uma guerra. Qualquer país que luta contra o terrorismo não faz isso, nem os Estados Unidos. Não dá para fazer porque eles vêm em cima.

Mas a Convenção de Genebra...

(Ustra interrompe a fala) Ah, bom! A Convenção de Genebra... Eles não estavam na Convenção de Genebra.

A Convenção de Genebra prevê que mortos durante conflitos sejam identificados e suas famílias, informadas. As autoridades da época não violaram essa regra ao permitir que militantes fossem enterrados com nomes falsos?

Não. Não violamos regra nenhuma. Vou explicar por quê. Estou sendo processado por ocultação de cadáver de Torigoe (estudante de medicina Hirohaki Torigoe). Esse rapaz morreu em um tiroteio portando documento falso (com o nome de Mashiro Nakamura). No meu livro, está lá o nome da rua, a hora, tudo direitinho. Não sabia onde morava a família do Torigoe, mas botamos no jornal. Se a família fosse informada ou se os companheiros dele informassem a família, a família iria saber que ele tinha morrido. A gente achava que era o Torigoe pelas fotografias. Mas como enterrá-lo como Torigoe se ele estava com uma identidade verdadeira, tirada em um registro de identificação, através de uma certidão falsa? Tem até um caso de um militante que entrou na Justiça para voltar a usar o nome verdadeiro, e a Justiça negou. Ele só conseguiu depois, com aquela comissão que dá as indenizações. Imagina nós, durante o combate, com o corpo ali insepulto. A gente enterrava com aquele nome. O inquérito que ia para a Justiça dizia “tudo indica que se trata de Hirohaki Torigoe”. O José Dirceu viveu com nome falso não sei quantos anos lá no Paraná, teve filhos, fez negócio, fez isso e aquilo. Se ele tivesse morrido lá, iria ser enterrado com que nome? De José Dirceu ou com o que ele usava?

Como o senhor se sentiria se não conseguisse enterrar um filho?

Me sentiria como qualquer ser humano sente. Mas, infelizmente, era guerra. Quando se está na guerra e tem de enterrar um soldado, como fica?

Quem foi o melhor presidente?

Para mim, o Médici. O Brasil teve um desenvolvimento fabuloso. PIB em torno de 10%, o Brasil sendo rasgado por estradas, as telecomunicações, a televisão, as grandes hidrelétricas. E uma coisa importante: todos os nossos governantes morreram pobres. Mario Andreazza, ministro dos Transportes do Médici, o homem que rasgou o Brasil de estradas, construiu a ponte Rio-Niterói, gaúcho, quando morreu queria ser enterrado no Rio Grande, e os colegas de turma tiveram de se cotizar para pagar o transporte do corpo dele, porque a família não tinha dinheiro. Agora, você vê hoje como está a corrupção desse pessoal que mexe com transporte, a roubalheira que existe.

Como avalia os trabalhos da Comissão da Verdade?

Não vai dar certo isso aí, porque eles não estão cumprindo o que foi proposto. Eles querem a revanche, querem a vingança, querem doutrinar a opinião pública com fatos alarmantes contra nós para anular a Lei da Anistia. O grande objetivo deles é nos botar na cadeia, acabar com a Anistia.

No DOI, o senhor teve contato com o empresário Henning Boilesen, que teria financiado o regime e participado de sessões de tortura?

Conheci o Boilesen socialmente, em um jantar. Durante o meu comando, uma vez, no Natal, ele foi lá levar um lampião a gás que estavam lançando. Ele estava distribuindo aquele presente para vários órgãos. Eu o recebi na minha sala e o levei até o portão para me despedir dele. Dizem que ele financiava o DOI, a mim ele nunca financiou. Dizem que ele visitava o DOI, só se foi em outro comando, não no meu. Nunca recebi um tostão do Boilesen.

O senhor teve envolvimento com o sequestro dos uruguaios Lílian Celiberti e Universindo Díaz, na capital gaúcha em 1978, quando o senhor comandava o 16º Grupo de Artilharia de Campanha, em São Leopoldo?

Soube disso pelo jornal. Quando isso aconteceu, já tinha deixado o Serviço de Informações, e lá, quando a gente sai, sai. Depois vai fazer outra coisa e não toma mais conhecimento. O Jair Krischke (presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos) me acusa de ter participado disso. Tenho sentido vontade de processá-lo e vou exigir danos morais. Como é que eu ia participar do sequestro? Iria deixar o comando do GAC? Por coincidência, depois fui para o Uruguai, mas porque era perto de Santa Maria e poderia visitar meus pais de carro.

O fato de o senhor ser amigo do então chefe do Dops gaúcho, Pedro Seelig, e do coronel Átila Rohrsetzer, ex-diretor da Divisão Central de Informações (e que teria comandado a operação de sequestro) não passou de coincidência?

Não tem nada a ver. Nunca soube do sequestro.

Como são os encontros anuais dos ex-integrantes do DOI-Codi?

Nos reunimos uma vez por ano, em um determinado lugar, como uma churrascaria. Três quartos dos ex-integrantes já morreram, mas vão os filhos, muitas vezes. Alguns estão bem velhinhos, esclerosados. A última vez que fui, em novembro, tinha uns 150. A gente conversa sobre o dia a dia, ninguém mais tem condição de conspirar. Eles fazem questão da minha presença.

Como se sentiu ao ver no poder pessoas que estiveram do lado oposto durante a ditadura?

Ah, com satisfação. Nosso trabalho não foi em vão. Porque nós lutamos para que isso acontecesse, para que o povo elegesse, dentro da democracia, aqueles que queriam no governo. As organizações queriam implantar o comunismo pela luta armada, o que não era possível. Mas, depois, eles optaram por via democrática, se candidataram, organizaram partidos, estão no poder. Me sinto realizado. Infelizmente, eles não estão produzindo a democracia que gostaríamos de ter. Estamos vivendo essa ditadura democrática.

Como o senhor avalia os governos Lula e Dilma?

O governo Lula teve uma sorte muito grande, de pegar uma época boa economicamente, pegou os rescaldos do Plano Real. Ele tem muito jogo de cintura, fez um governo bom. O Lula nunca foi comunista, nunca foi terrorista. A Dilma, não. Ela tem uma formação ideológica, foi de organização terrorista, já pensa diferente. A situação econômica não está boa. Esse negócio dos movimentos sociais dela está passando dos limites. O governo deu dinheiro para o MST. A marcha deles em Brasília custou R$ 1 milhão ou R$ 2 milhões. Aquele bando de gente chegou, fizeram o que fizeram, quiseram invadir o STF. Nessa tentativa de invasão, teve 32 feridos, dos quais 30 policiais. E, no dia seguinte, a dona Dilma não recebe os militares, e recebe os sem-terra com todas as honras e pompas. Está havendo uma troca de valores.

O senhor é um monstro, como diz a esquerda, ou um herói nacional, como pregam seus colegas?

Sou apresentado como um monstro, apesar de eu achar que não sou um monstro. Mas não sei por que fizeram esse estereótipo da minha pessoa. Não sei se foi raiva ou vingança. Tiveram vários DOIs no Brasil. Herzog (jornalista Vladimir Herozg, morto em 1975, em São Paulo) não é comigo, Fiel Filho (metalúrgico, morto em 1976, em São Paulo) também não. Mas me sinto um homem realizado dentro da minha profissão, me sinto um homem tranquilo. Realmente, foi difícil a fase que vivi. Foram momentos muito tensos e difíceis, mas achei que era necessário fazer aquilo que fiz para que você tenha o que tem hoje. Eu ajudei a fazer isso.

No documentário Verdade 12.528, o ex-ministro Franklin Martins faz a seguinte análise: “Por que o Ustra esconde o Tibiriçá, o seu nome de guerra como torturador? Por que ele não fala dos seus crimes? Porque ele é incapaz de defender o que ele fez à luz dos valores mais profundos da sociedade humana”. O raciocínio do ex-ministro está correto?

(Risos) Acho um absurdo o que ele está falando. Primeira coisa: eu nunca me escondi com nome de Doutor Tibiriçá. Sabe qual foi a história do Doutor Tibiriçá? Uma vez eu estava lá interrogando um preso que tinha acabado de chegar e eu não queria que ele soubesse quem era eu. E aí chegou um coitado de um, de um... Ele era da antiga guarda não sei do que, que foi juntada com a polícia militar. Era um capitão de idade, sem maldade, que chegou dizendo: “Major Ustra, major Ustra, eu queria saber...”. Depois, eu cheguei para ele e disse assim: “Fulano, pelo amor de Deus, não me chama de major Ustra na hora que estou falando lá, me chama de Tibiriçá”. Falei assim. Não estava me escondendo com o nome de Tibiriçá, porque todos os ofícios eram assinados como major Ustra. É um absurdo eu querer me esconder com o nome de Tibiriçá. Primeira mentira. A outra: mas que crimes eu cometi? Franklin Martins não é o terrorista que sequestrou o embaixador americano? Quem é este terrorista para dizer que eu cometi crime? Ele que tem de assumir que era terrorista e cometeu crimes. Sequestro é crime – hoje, hediondo. Justifico todas as acusações contra mim, mas ele não pode justificar e dizer que não cometeu crime.

O senhor se arrepende de alguma coisa que fez em toda a sua vida?

Honestamente, não. Não me arrependo. Não tenho nada de que me arrepender. O dia em que morrer, vou tranquilo na presença de Deus, muito tranquilo. Tranquilo mesmo.

“Se cometeu (excessos), às vezes, no ato da prisão. O cara reagia, brigava, havia luta corporal. Você sabe, terrorista não é brincadeira. Não é fácil, entendeu? ”

“Organizações queriam implantar o comunismo pela luta armada, o que não era possível. Mas, depois, optaram pela via democrática. Me sinto realizado. ”

“O Lula nunca foi comunista, nunca foi terrorista. A Dilma, não. Ela tem uma formação ideológica, foi de organização terrorista, já pensa diferente.”

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