Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

AS LIBERDADES E O PROJETO DE LEI DO TERRORISMO



ZERO HORA 22 de fevereiro de 2014 | N° 17712

EDSON PASSETTI



Difícil mesmo é a democracia proporcionar novos espaços de liberdade, a nossa grande tarefa. Restritas à representação dos políticos profissionais e ao formalismo jurídico-político, as liberdades correm perigo. Quando a capacidade de apreensão de contestações surpreendentes ou renovadas de certos movimentos sociais pelos partidos políticos entra em estágio de compressão, os políticos profissionais buscam respostas imediatas na criação de leis que definem como conduta criminosa certas atitudes admiráveis. Este é o limite do formalismo jurídico-político e a ameaça diante da novidade.

A democracia representativa se renovou com a captura dos variados modos de participação dos cidadãos proporcionados pela disseminação de direitos. Diante da falaciosa interpretação corrente sobre uma crise na representação, é preciso recolocar a questão. A democracia representativa sabe como absorver os movimentos sociais e o quadro atual dos políticos profissionais mostra, em sua grande maioria, que eles procedem de movimentos sociais absorvidos pelos partidos políticos e que com eles negociam.

A novidade que impulsiona o projeto de lei 499/2013 é dramática. Expõe a insatisfação de muitos com a Copa do Mundo e as Olimpíadas a serem sediadas no Brasil; escancara a deficiência do transporte público privatizado; desnuda as práticas letais ou semiletais da polícia, intrínsecas à organização formal da violência pelo Estado; reabre a discussão sobre as condições autoritárias de pacificações de áreas de segurança; situa as relações com o tráfico de drogas e armas; força as mídias a noticiar as mortes e desaparecimentos inexplicáveis nas periferias, a expansão das milícias, a situação das prisões abarrotadas de miseráveis... Enfim, chega a hora em que parte da população atinge o patamar do insuportável, e sai às ruas. A resposta dos governos, suas polícias e adeptos é aplacar o intolerável como suposta garantia de segurança à democracia.

Situações mais ou menos conhecidas e análogas nos fazem recordar das Leis de Nuremberg de 1935 e seus desdobramentos atingindo judeus, ciganos, negros, loucos, numa avassaladora política de segurança, cuja utopia demarcava quem devia viver e quem devia morrer até a solução final. Nazismo e fascismo não são práticas exclusivas do Estado. Estes regimes políticos com suas leis materializaram aspirações da grande população cidadã que exigia segurança. As condutas fascistas permanecem vivas, habitam e ameaçam o cotidiano democrático. São vitoriosas cada vez que a democracia representativa delas se serve ao se mostrar amedrontada diante do novo e se recusar a compreender suas linguagens. A dissimulação fascista está nos movimentos atuais de contestação radical, geralmente escudada em defesa da pátria e habilmente inteirada na simulação do diálogo pluralista.

A configuração atual das forças é de fácil mapeamento. Com base nos impedimentos ao direito à segurança policial da população, ao seu livre trânsito congestionado da casa para o trabalho e vice-versa, nos depoimentos simplórios de obedientes trabalhadores pelas redes de comunicação, desejando garantir seu emprego e retornar à sua moradia para comer sua requentada refeição, somada à conservadora classe média, à burguesia sempre assustada, mas poderosa, com seus executivos e burocratas, aos policiais geralmente recrutados nos estratos inferiores e que dispõe seu corpo para garantir a propriedade que não é sua, avulta a exigência formal de segurança que deve identificar o inimigo atual da nossa sociedade.

Desenha-se o momento para sanear o novo perigo à degradação com a lei antiterror substituindo a lei de segurança vigente (7.170 de 1983, que revogou a lei 6.620 de 1978 e decretos e leis anteriores relativos à segurança nacional durante a ditadura civil-militar), desde a abertura democrática no governo do general Figueiredo. O discurso jurídico-político, segundo as forças histórico-políticas em cena, explicita a configuração legal do terror de Estado como medida de segurança.

O inimigo agora se chama black bloc. Não é uma organização; é uma tática. A moçada que sai de rosto coberto e roupas pretas não teme a polícia, dá passagem às demais forças nos protestos, expõe com suas atitudes os limites da representação política e das negociações, a privacidade histórica de monumentos, atinge fachadas de bancos, embaralha condutas, desperta consciências entre moradores de rua, congestiona os provedores eletrônicos... Não desconhece que entre eles há infiltrados da polícia, raquíticos fascistas, oportunistas, gente fantasiada, tolinhos e sabe que as forças da ordem aguardam o momento para criminalizá-los. A morte involuntária de um cinegrafista foi o estopim.

Os democratas devem estar atentos para bloqueio imediato a este sagaz projeto de lei. O democrata e o libertário condizentes com as invenções de liberdades devem exigir a abolição da lei de segurança em vigor e rechaçar a boçal proposta que se baseia no que supostamente provoca ou infunde pânico. Em pânico, estão os juramentados democratas da ordem.

POR EDSON PASSETTI PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE POLÍTICA E COORDENADOR DO NU-SOL (NÚCLEO DE SOCIABILIDADE LIBERTÁRIA) DO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS DA PUCSP

Nenhum comentário: