Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A CRÍTICA SUFOCADA

131031princQUI
ZERO HORA 31 de outubro de 2013 | N° 17600


EDITORIAIS


O governo argentino desferiu um golpe mortal na liberdade de expressão ao enquadrar o Grupo Clarín na chamada Lei de Meios, chancelada esta semana pela Suprema Corte do país. Sob o rótulo de democratização dos meios de comunicação, a legislação desestrutura e fragiliza a independência do principal grupo do país num momento em que o governo da presidente Cristina Kirchner, em queda de popularidade, direciona investimentos publicitários para as empresas alinhadas com sua administração. A referida lei, promulgada em 2009, teve claramente um objetivo bem menos nobre do que a alegada tentativa de pulverizar o controle dos veículos e evitar monopólios. O que o governo pretendeu foi atingir especificamente o Clarín, que atua de forma independente e não se alinha aos interesses da Casa Rosada.

O constrangimento criado tem exemplos na vizinhança e segue a lógica de regimes incapazes de conviver com o questionamento da imprensa e das mais variadas formas da liberdade de expressão. Por isso a situação argentina não pode ser desvinculada de um contexto de democracias autoritárias da América Latina, como Venezuela e Equador, que também tentam sufocar seus críticos, estando ou não nos meios de comunicação. O argumento do kirchnerismo, de que a lei evita monopólios, não se sustenta. Há, sim, concorrência no setor na Argentina, e essa tem sido potencializada, ali e em todo o mundo civilizado, pelas novas mídias virtuais, que desafiam modelos consagrados, constrangem regimes antidemocratas e facilitam a produção e a transmissão de informação e entretenimento.

É evidente que o incômodo do qual o governo tenta se livrar é o da imparcialidade e da diversidade, ao mesmo tempo em que, como alertam organismos internacionais ligados ao jornalismo, contempla com fartas verbas da propaganda oficial e outros afagos os setores alinhados às suas ambições. A lei que atingiu o Clarín é a expressão do poder discricionário do Estado contra uma empresa punida por sua independência.

A decisão da Suprema Corte deve ser acatada, como todas as deliberações da Justiça, o que não significa obediência sem questionamentos. O grupo estuda a possibilidade de recorrer a cortes internacionais, como último recurso para a preservação não só de sua estrutura e da sua história, mas do direito de continuar atuando com autonomia e imparcialidade. A tentativa de silenciar parte da imprensa, antes de provocar prejuí-zos econômicos a um determinado grupo empresarial, significa uma afronta a todos os que buscam informações, em quaisquer veículos, como exercício permanente da liberdade de expressão.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

REGRAS NA REDE



ZERO HORA 28 de outubro de 2013 | N° 17597

GUILHERME MAZUI E ITAMAR MELO

“Constituição” da web volta à pauta


Polêmico projeto de lei que define direitos e deveres na internet, o marco civil impedirá que outros temas entrem em debate na Câmara se não for votado a partir de hoje, devido a pedido de urgência feito pela presidente Dilma. Entenda por que a proposta é motivo de embates entre o governo e as empresas de telecomunicações

Espécie de “Constituição” da rede, que busca regulamentar o uso da web no Brasil, o Marco Civil da Internet tramita há dois anos na Câmara dos Deputados. Engavetado pelas divergências entre governo, empresas de telecomunicações e gigantes do mundo virtual, o projeto ressurgiu com a denúncia de espionagem baseada em documentos vazados pelo ex-analista da Agência de Segurança Nacional americana (NSA, em inglês) Edward Snowden. O cenário conturbado torna imprevisível o desfecho da votação.

Com o pedido de urgência da presidente Dilma Rousseff, provável vítima da vigilância americana e, a partir de hoje o projeto do marco (PL 2126/2011) tranca a pauta da Câmara. O que não significa que será votado amanhã, na retomada das sessões. Antes de levar o texto a plenário, é preciso costurar o acordo entre os partidos, negociação que dará maior relevância à discussão da segurança dos dados dos milhões de internautas brasileiros.

Na tentativa de reforçar a segurança, Dilma defende o armazenamento no país dos dados dos brasileiros. A proposta desagrada gigantes como Google e Facebook, que teriam de investir em novos data centers. Apesar da preferência da presidente, a obrigatoriedade dos bancos de dados só será confirmada no projeto nos próximos dias, revela o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator do marco civil. Para ele, a regra não terminará com a espionagem, mas permitirá a punição dos bisbilhoteiros.

– Atualmente, quem viola a privacidade não é punido porque os dados ficam em outros países, o que tira o efeito das leis brasileiras – explica.

Outro tema que terá debates acalorados é o conceito de neutralidade da rede, sem discriminação de acesso na internet. O modelo é defendido pelo governo e por provedores de conteúdo, mas sofre resistências das empresas de telecomunicações. As teles pretendem comercializar pacotes especializados por conteúdos (e-mails, redes sociais, vídeos), na contramão da neutralidade.

– As teles reclamam que o projeto limita o modelo de negócio, mas é papel do Congresso defender o internauta. O modelo de negócio se adapta ao bem do usuário – defende Molon.

Já o líder do PMDB Eduardo Cunha (RJ) apontado como “patrono” dos interesses das teles, negocia para derrubar a neutralidade do texto:

– Não vejo problema em pacotes diferenciados. Quem só usa e-mail, por exemplo, paga menos. Por que comprar uma Ferrari quando um Fusca resolve?

Para ministro, lei traz estabilidade jurídica

Ministro das Comunicações e um dos articuladores do Marco Civil da Internet, Paulo Bernardo confia na aprovação do projeto:

– Claro, com debates acalorados e algumas votações sem consenso prévio. Com sua aprovação, teremos uma lei moderna e abrangente, se comparada com qualquer país do mundo. Também nos trará estabilidade jurídica, diminuindo os contenciosos em torno da web.

Na quinta-feira, o diretor de Políticas Públicas do Google, Marcel Leonardi, afirmou durante o evento Futurecom, no Rio de Janeiro, que exigir de empresas que operam no Brasil a instalação de data centers em solo nacional atrasaria ou impediria o lançamento de produtos da companhia no país.

– A dificuldade é grande para identificar o que é dado brasileiro. É quem se declara brasileiro? É quem passa por aqui em viagem? É um IP brasileiro? Na oferta de novos serviços e funcionalidades, o Brasil entraria no fim da lista – afirmou.


TIRE SUAS DÚVIDAS

O que é a neutralidade da rede? - É uma garantia de que os pacotes de dados serão tratados sem distinção de conteúdo, origem, destino ou serviço. A ideia é impedir que o provedor de conexão (empresa que vende acesso à internet) escolha o que o cliente pode acessar e diferencie velocidades de acesso para alguns sites, em detrimento de outros.

Os provedores de conexão de internet poderão vender pacotes de velocidade diferenciados? - Sim. A neutralidade da rede estabelece que, se o pacote adquirido for de 10 megabytes, tudo o que o usuário acessar deverá ser tratado com a mesma velocidade de 10 megabytes.

Como a privacidade dos internautas será protegida? - O provedor de conexão poderá guardar os dados de acesso – como IP, data e hora – por um ano. Ele não poderá guardar dados de aplicação (como o que a pessoa procurou ou escreveu na internet). Os chamados provedores de aplicativos, como Facebook e Google, poderão guardar apenas os dados de aplicação – ou seja, o que foi feito dentro dos seus sites, onde o usuário é identificado apenas pelo número do IP.

As comunicações dos usuários poderão ser violadas? - O marco civil determina o direito à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, assegurado direito à indenização pelo dano material ou moral em caso de violação. Também assegura direito à inviolabilidade das comunicações, salvo se houver ordem judicial em contrário. Um dos artigos proíbe ainda “bloquear, monitorar, filtrar, analisar ou fiscalizar o conteúdo dos pacotes de dados”.

Os dados pessoais do internauta serão protegidos? - Quando um usuário encerrar seu perfil em rede social, ele terá o direito de pedir a exclusão definitiva de seus dados, que não poderão ficar arquivados contra sua vontade.

O que o marco civil determina em relação à liberdade de expressão na internet? - Hoje, quando alguém se sente atingido por uma postagem, procura o provedor onde o conteúdo está hospedado e pede a retirada. Segundo os autores do projeto, o provedor em geral retira o conteúdo, por temor de ser condenado a uma indenização. Com o marco civil, o provedor só poderá ser responsabilizado civilmente por dano gerado por usuários se, após ordem judicial, não tomar as providências para retirar o conteúdo do ar. O objetivo é assegurar a liberdade de expressão e evitar a censura.

Fonte: Fonte: gabinete do deputado federal Alessandro Molon, relator do projeto


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

QUASE CEM JORNALISTAS FORAM ALVO DE AGRESSÃO EM PROTESTOS DESDE JUNHO

FOLHA.COM 23/10/2013 - 03h33

DE SÃO PAULO


Profissionais de imprensa voltaram a ser alvo nos últimos dias de agressões, cometidas por manifestantes ou por forças de segurança, durante a cobertura de protestos em São Paulo e no Rio.

A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) contabilizou 96 casos de junho até anteontem --12 deles neste mês.

O número de ocorrências chega a 98 porque o relatório da entidade não inclui as agressões aos fotógrafos Marlene Bergamo, da Folha, e Nelson Antoine. Eles foram alvo da Polícia Militar em um ato contra o leilão do pré-sal, em São Paulo, anteontem.


Marcelo Brammer - 21.out.2013/Brazil Photo Press/Folhapress

Fotógrafo Adriano Lima, ferido durante confronto em SP


No mesmo dia, no Rio, quatro jornalistas foram agredidos --dois deles por manifestantes, e dois, pela Força Nacional- no protesto contra o leilão do campo de Libra.

No sábado passado, a repórter Tatiana Farah, de "O Globo", foi ferida por dois tiros de bala de borracha disparados pela PM em manifestação contra o Instituto Royal, em São Roque (SP).

Relatório sobre a liberdade de expressão aprovado pela SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) condenou os ataques a profissionais da imprensa.

O documento, ratificado pela assembleia da entidade encerrada ontem em Denver (EUA), conta 70 casos de agressão --21 no Sete de Setembro.

23/10/2013 - 03h45

Entidade condena ataques à imprensa em protestos de rua


JOELMIR TAVARES
EM DENVER (EUA)

A SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa, na sigla em espanhol) aprovou ontem relatório sobre a liberdade de expressão no Brasil que condena os ataques a profissionais da imprensa durante as manifestações no país.

O documento foi ratificado pela assembleia anual da entidade, encerrada ontem em Denver, nos Estados Unidos.

O texto brasileiro, apresentado no domingo e elaborado pela ANJ (Associação Nacional de Jornais), aponta 70 casos de agressão, 21 deles no Sete de Setembro.

A maioria das ações violentas nesse dia (85%) partiu da polícia, principalmente pelo "uso ostensivo de spray de pimenta", conforme o boletim.

O texto cita problemas ocorridos com três profissionais da Folha, entre eles o repórter-fotográfico Fábio Braga, que foi atacado por cães da Polícia Militar em Brasília, e Leandro Machado, detido enquanto acompanhava a prisão de um manifestante em São Paulo.

Homicídios de jornalistas em decorrência de seu trabalho também foram classificados como ameaças à liberdade de imprensa no Brasil.

De acordo com a ANJ, houve duas mortes neste ano -uma em Coronel Fabriciano (MG), em abril, e outra em Ipatinga (MG), em março.

Na América Latina, 14 profissionais foram mortos no último semestre, o maior número em 20 anos. "A demora nas investigações e no julgamento dos autores é preocupante", disse Mário Gusmão, vice-presidente da ANJ.

O documento relata ainda nove casos de ameaça a jornalistas, outros nove de censura judicial, além de ataques a prédios e carros de empresas de comunicação.


+ CANAIS

MANIFESTANTES SÃO REALISTAS E PEDEM O IMPOSSÍVEL

JORNAL DO COMÉRCIO, 23/10/2013

EDITORIAL


Virou passatempo ser do contra, promover passeatas e destruir o patrimônio público e privado. Se alguém diz que a causa é “politicamente correta”, frase da moda, pronto, a invasão, o enfrentamento, até o saque estão liberados em nome da contestação. A questão é que muitos não estão protestando, mas apenas regurgitando raivas, fazendo catarse e até expondo distúrbios psíquicos contra aqueles que julgam viver na opulência. Quando há tantas desigualdades e há um culto à beleza estereotipada, à riqueza, ao não fazer nada e criado um ambiente de consumismo exacerbado, só pode dar no que está dando no Brasil desde junho e que, a rigor, começou em Porto Alegre bem antes. Claro, diz-se que “não é por causa dos 20 centavos nas tarifas de ônibus”. Então, qual é mesmo o motivo para se questionar a tudo e a todos? Na Barra da Tijuca, pessoas aplaudiam a turba das janelas dos seus luxuosos apartamentos no enfrentamento com os agentes da ordem. Por quê? Achavam que era passeata contra o governo? A classe média alta não aceita o atual modelo político-partidário vigente?

Não se pode esquecer que os governos são tais e quais os povos fazem-nos, toleram-nos ou merecem-nos. Ocorreu, bem antes, a revolução dos estudantes nas ruas de Paris, em 1968. Um dos líderes do movimento, agora com os cabelos glaciais em vez de ruivos e com 68 anos, Daniel Cohn-Bendit, o franco-alemão que empunhou, em pleno maio de 1968, a bandeira do “sejamos realistas, peçamos o impossível”, esteve no Brasil para um debate sobre ambientalismo. Mas não basta apenas estar vivo, é preciso ter qualidade de vida.

Cohn-Bendit, qualificado como “o provocador Verde”, mira as transformações que se espraiam a partir da emergência da economia brasileira na América Latina. Para ele, é no Brasil que está o foco do futuro e o comportamento da sociedade. Mantendo o viés político de 1968, Cohn-Bendit afirma que a regulação do capitalismo é urgente e passa pelo ecológico e pelo social, do que ninguém discorda.

O País está tendo um novo protagonismo na cultura, nos esportes, na área social e na área política. Então, os políticos têm que dar soluções para os problemas financeiros e econômicos do mundo. Abrir emprego aos jovens e fornecer comida aos milhões de famintos da África. Agora que as ditaduras do Norte da África e do Oriente Médio se esfarelaram, após décadas de “bons serviços” prestados ao Ocidente, é fundamental fazer um enfoque humanista ao progresso e refundar alguns postulados da economia de mercado, mas sem jamais abandoná-la. Eis que não há outro caminho plausível.

Parte da frustração demonstrada pelos manifestantes no Brasil e em países como Espanha e Inglaterra tem relação com a falta de respostas da política convencional às demandas dos jovens. Por isso a velha frase, tão decantada há 45 anos, ou seja, “sejamos realistas, peçamos o impossível” ainda é atual. Deve ser perseguida pelos jovens e pelos que se preocupam em dar rumos éticos ao que estamos vivendo, especialmente no combate à corrupção no Brasil. A confusão é sobre, exatamente, o que se deseja no Brasil. Assim, perde-se tempo para encontrar as soluções.

O DIREITO, O SENTIMENTO E A JUSTIÇA


ZERO HORA 23 de outubro de 2013 | N° 17592

ARTIGOS

Cauê Vieira*



A notícia em pauta nos meios de comunicação desde a última sexta-feira, qual seja, o resgate dos beagles do interior de um campo de testes no interior de São Paulo, avança diuturnamente com a manifestação das mais variadas opiniões, muitas antagônicas, mas algumas complementares às outras.

Ontem, neste mesmo espaço, um ilustre professor de Direito resumiu a notícia sob o viés sentimental, empático, concluindo que manifestações como aquela havida na cidade de São Roque seriam nada mais do que projeções de um desejo, confundidos, sob o ponto de vista jurídico, com direitos até então inexistentes.

Permito-me, contudo, divergir do colega articulista, não sem buscar complementar sob o ponto de vista racional o inegável caráter sentimental existente por detrás de qualquer batalha.

O Direito, por ser uma ciência social, não pode ignorar a salutar mutabilidade de conceitos da população. Se até tempos atrás era socialmente aceitável a experimentação animal, com práticas abomináveis como a vivissecção, dentre outras, a ponto de a legislação tratar do tema sob o viés permissivo, as demonstrações populares diárias nos levam à conclusão de que o senso comum mudou.

Basta conectar-se com qualquer rede social para verificar a cada vez mais crescente demanda pelo reconhecimento dos direitos animais, seja pela ação proativa dos militantes da causa, seja pela produção científica sobre o tema ou ainda mais pelo reconhecimento de tais direitos por parte do poder público, como se verifica na exitosa experiência da Secretaria Especial dos Direitos Animais de Porto Alegre, pioneira no país, e referência internacional da causa animal.

Por tudo, dissociar a ação pura e simples de resgate dos animais (sem com isso deixar de abominar qualquer ato de vandalismo) da mudança de paradigma quanto aos direitos animais é, no mínimo, equivocado. O que ocorreu no Estado de São Paulo foi somente mais um capítulo da história recente de mutabilidade de conceitos sociais em que, felizmente, a velha máxima jurídica da pena de Eduardo Couture prevaleceu: “Luta. Teu dever é lutar pelo Direito, mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a justiça, luta pela justiça”.


*ADVOGADO

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O PREÇO DA OMISSÃO












ZERO HORA 21 de outubro de 2013 | N° 17590

ARTIGOS

Paulo Brossard*



Tenho sob os olhos a notícia de dois fatos que, a despeito de sua diversidade, ambos me parecem de suma relevância. O primeiro diz respeito ao PCC, Primeiro Comando da Capital. Faz 20 anos que ele atua dentro e fora dos presídios. Deve-se o relato ora divulgado ao Ministério Público Estadual de São Paulo, cujo trabalho se estendeu por três anos e meio, a partir de escutas telefônicas e pesquisas sobre apreensões de drogas; o centro da devassa, obviamente, era São Paulo, mas se irradiou por 22 Estados e também ao Paraguai e Bolívia. O PCC atua em 90% dos presídios paulistas; o faturamento da original e bem-sucedida empresa é estimado em R$ 120 milhões anuais, o que a coloca entre as 1.150 maiores empresas do país em volume de vendas; 6 mil de seus integrantes são presos, e 1,8 mil encontram-se em liberdade; a administração cabe aos apenados, a entidade ordena assassínios, resgate de presos, atentado a autoridades e ainda dispõe de tribunais para julgar e executar a quem se torne infiel à comunidade; tudo isso se processa dentro de bens públicos como as penitenciárias.

A referência a esses dados visam apenas mostrar que, se o PCC funciona faz 20 anos, para chegar às atuais dimensões imperiais é porque durante esse longo período houve inépcia ou conivência de quem tinha o encargo de zelar pela exação dos serviços públicos, e também não falo para recriminar o passado, que não se recupera, senão para apontar os malefícios acumulados e o que a omissão pode causar em matéria de danos. O resto é de hoje e fala por si. Se a administração alude à transferência de detentos perigosos para penitenciárias de alta segurança é o bastante para o PCC opor o seu veto (!) à iniciativa oficial e, mostrando as unhas ao governo, divulga que a morte do governador do Estado de São Paulo será a sanção a ser-lhe aplicada. Em outras palavras é um “Estado” a arrostar outro Estado. De um lado, a demora nas providências públicas a revelar praticamente a impotência do Estado com toda sua imensa armadura, de outro lado o poder na sombra e na calada que sua natureza delituosa lhe permite exercer e ainda consolidar, pareceria anedota, mas a ameaça vale como a radiografia de uma realidade social e estatal.

Em tudo diferente é o fato das passeatas ditas pacíficas que terminam em vandalismo. Há quem pense que as duas fases, a educada e a selvagem, atendem a um plano; que a versão é plausível ninguém negará, mas o caso vai além. Não me parece seja casual que essas manifestações no Rio tenham como centro a Cinelândia, a alguns metros do Teatro Municipal, do Museu de Belas Artes, da Biblioteca Nacional, da Justiça Federal; quem quebra por quebrar ou quebra deliberadamente pouco faz destruir um bar ou incendiar uma biblioteca, quem queima um ônibus igualmente queima um museu, indiferente ao que vai destruir. Não faltará quem diga que isto seria impossível ou improvável, ora, neste mundo nada é impossível e por que seria improvável se atos de crescente violência se repetem cronometricamente desde o domingo da vaia! Se por idiotia, paixão, preconceito, perturbação mental ou ferocidade ideológica ou pelo que for, pode acontecer e o mundo está cheio desses desastres. De resto, quem sabe o que se passa na cabeça de um mascarado que vai às ruas para destruir e queimar bens úteis, quando não necessários? Os fatos estão aos olhos de todos, as máscaras também. Os Black Blocs têm limite conhecido? É por isso e por muito mais que é grande a minha preocupação.

Nos dois casos, um diagnóstico comum. Omissão e tolerância do Estado. É alto o preço que a sociedade paga pela covardia.

*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Quando o governo é condescendente como as ilicitudes, quando a justiça é permissiva e quando os representantes do povo se lixam para o povo, não há regime que sobreviva ou nação que fique em paz.

BOMBA-RELÓGIO

ZERO HORA 21 de outubro de 2013 | N° 17590


EDITORIAIS


Mesmo que seja bem-sucedido, supere os obstáculos político-corporativistas e alcance os preços desejados pelo governo, o leilão da área de Libra, o primeiro do pré-sal, é apenas um alento na equivocada administração da Petrobras. Por conta da estratégia suicida de subsidiar o preço dos combustíveis, o governo levou a maior empresa do país a uma situação de alto risco, com prejuízos enormes para os investidores e falta de recursos para a exploração por conta própria das reservas recém-descobertas. A companhia vem perdendo valor de mercado, teve suas ações rebaixadas por agências internacionais de risco e acaba de ser considerada uma bomba-relógio em reportagem do respeitado jornal Financial Times.

Lembra a publicação britânica que a estatal de energia do Brasil “já foi vista como capaz de se tornar uma potência global do petróleo, graças às suas vastas reservas offshore, mas os subsídios para a gasolina comprometeram suas ambições”. A véspera do ano eleitoral agrava ainda mais esse risco, pois o governo teme os prejuízos políticos e os efeitos inflacionários de um reajuste que parece cada vez mais inevitável, na medida em que a frota de veículos e o consumo de combustíveis aumentam de maneira geométrica. Diante da escalada do dólar, a situação da Petrobras torna-se a cada dia mais insustentável. Desde janeiro de 2011, segundo o jornal, a divisão de refinamento da Petrobras teve perdas de R$ 39,7 bilhões, o equivalente ao PIB de Honduras.

Apesar do aparelhamento e de operações reconhecidamente desastradas, como a compra da refinaria de Pasadena com sobrepreço estratosférico, a Petrobras continua sendo uma empresa sólida e promissora. A própria presidente da estatal, Graça Foster, reconhece que a Petrobras está saindo de uma história de percalços que precisa “ser aprendida e não repetida”. O leilão de hoje, mantido com firmeza diante das pressões corporativas e das tentativas de ressurreição de um nacionalismo anacrônico, indica que o governo está disposto a corrigir os desvios de rumo da maior empresa do país.

As riquezas do pré-sal só reverterão em benefício de todos os brasileiros se a Petrobras for administrada com eficiência, sem concessões aos interesses políticos de sindicatos, corporações e partidos que pretendem se eternizar no poder. A bomba-relógio da inoperância e da apropriação indébita precisa ser desarmada para que o país possa efetivamente usar o petróleo como combustível para o seu desenvolvimento e para o bem-estar de sua população. O reconhecimento de que a estatal não tem condições de ser a operadora única do pré-sal, representado pelo atual sistema de partilha, é um passo importante para a superação da arrogância responsável pelos recentes equívocos administrativos.

Resta esperar que o ano eleitoral e a ganância pelo poder não comprometam o desarme da bomba.

LEILÃO DE LIBRA

ZERO HORA 21 de outubro de 2013 | N° 17590

ERIK FARINA*


Teste de fôlego para o pré-sal



Sob intensos protestos e segurança reforçada, o leilão da área de Libra, com imensas jazidas de petróleo, está marcado para hoje à tarde, no Rio de Janeiro. É a primeira licitação do pré-sal no modelo de regime de partilha.

Hoje é dia de testar a real profundidade do interesse internacional pelo pré-sal, sete anos após a descoberta de jazidas gigantescas na costa do Brasil. Sob forte esquema de segurança em razão de protestos e admitindo a possibilidade de formação de um só consórcio – portanto, um lance único –, o governo recebe às 15h, no Rio, as propostas pela área de Libra.

O vencedor tende a ser conhecido rapidamente. Pouco minutos depois de aceitar as ofertas, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) poderá anunciar qual consórcio irá explorar e produzir na área, com volume estimado entre 8 bilhões a 12 bilhões de barris de petróleo que pode ser extraí- do. Mas assim como as dificuldades tecnológicas da exploração, há tensões a vencer até que a urna com as propostas seja aberta.

Uma manifestação convocada pela internet pretende marchar até o Windsor Barra Hotel, no bairro Barra da Tijuca, onde ocorrerá o leilão. Um contingente de 1,1 mil pessoas de forças de segurança – Exército, Marinha, Polícia Federal e Militar do Rio – começou a isolar os quarteirões em torno do local na madrugada de domingo. São esperados protestos em refinarias e plataformas em todo o Brasil durante o dia.

A pressão se alastra ao campo judicial. A Advocacia Geral da União (AGU) mantém prontidão para lidar com a enxurrada de ações judiciais movidas por entidades contrárias ao leilão. Até as 22h de ontem, foram derrubados 18 pedidos de liminares em 24 ações contra o leilão. Foram apresentadas em São Paulo, Rio, Distrito Federal, Pernambuco, Paraná, Rio Grande do Sul e Bahia.

Uma das principais alegações para os pedidos de suspensão é o risco de transferência do controle da produção nacional de petróleo para companhias estrangeiras. Esse é o ponto mais atacado, por exemplo, por sindicatos de funcionários da Petrobras.

– Não temos nada contra empresas internacionais que vêm nos ajudar. Esse é o modelo de capitalismo existente no mundo inteiro – afirmou o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, convocado pelo governo no sábado para defender o leilão.

Lobão assegurou que o leilão será realizado mesmo que só um consórcio apresente proposta na disputa. Acabou reforçando a tese apresentada em reportagem da edição de sábado do jornal O Globo, que sustentava a formação de apenas um grupo. Seria composto por Petrobras, com participação acima dos 30% exigidos, duas chinesas (CNPC e CNOOC), uma das duas grandes petroleiras privadas inscritas (possivelmente a francesa Total) e uma quinta empresa não identificada. Ontem, na chegada ao Windsor Hotel, Lobão voltou a admitir que poderá haver apenas um consórcio concorrente. No entanto, não descartou o surgimento de um outro.

Pressão de todos os lados

Críticas ao leilão vêm de direções opostas. Há quem considere a licitação pouco atrativa ao setor privado. Outros a veem como excessivamente privatizante. Consultores do setor de petróleo e gás avaliam que o modelo definido pelo governo para a área de Libra tem peso excessivo da Petrobras.

– O governo esperava 40 empresas disputando Libra, mas só se apresentaram 11, e possivelmente, apenas um consórcio fará proposta. É preciso repensar o modelo para os próximos leilões – afirma Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), conhecido defensor de maior presença privada no segmento no Brasil.

Mas a oposição que mais ameaça a realização do leilão vem de outro extremo, o dos adversários de qualquer tipo de participação de empresas privadas e internacionais no pré-sal. Com ações na Justiça a protestos de rua, diversos grupos, políticos e entidades sindicais tentam evitar a licitação. É para frear esse ímpeto que o governo armou uma operação de guerra, nas ruas e na Justiça.

– As condições estão postas, e são muito boas para o Brasil e a Petrobras. O que precisa é que se inicie logo a exploração de Libra, pois já passamos muito tempo debatendo o regime de partilha – diz Haroldo Lima, ex-diretor geral da ANP.


*Com agências de notícias



ZH ONLINE 20/10/2013 | 19h45

AGU diz ter derrubado 18 das 23 ações para suspender leilão de Libra. Trezentos procuradores do órgão trabalham há 15 dias para assegurar a concorrência


A Advocacia-Geral da União (AGU) informou no final da tarde deste domingo que mais quatro ações com pedido de suspensão do leilão do bloco de Libra, na Bacia de Santos, foram favoráveis ao governo. No balanço atual, 18 das 23 ações ingressadas em tribunais de todo o país tiveram decisões consideradas favoráveis pelo governo.

A AGU explica que são consideradas favoráveis 11 ações indeferidas e sete apresentadas em outros estados e remetidas à Justiça Federal no Rio de Janeiro por serem consideradas idênticas à primeira ação contra o leilão. Esse primeiro pedido de liminar foi negado e, por isso, a AGU considera que as sete ações remetidas ao Rio de Janeiro também devem ser indeferidas.

As 23 ações contra o leilão foram apresentadas em seis estados e no Distrito Federal. Foram oito no Rio de Janeiro, sete em São Paulo, duas no Rio Grande do Sul, duas no Paraná, uma na Bahia, uma em Pernambuco e duas no Distrito Federal. A AGU informou que 300 procuradores do órgão trabalham há 15 dias especificamente para garantir que o leilão ocorra, derrubando as liminares pedindo a suspensão.

A concorrência está programada para esta segunda-feira, a partir das 14h.



domingo, 20 de outubro de 2013

ADOLESCENTES: ELES QUEREM EXPERIMENTAR

ZERO HORA 20 de outubro de 2013 | N° 17589

HELOISA ARUTH STURM

Ter mais acesso à informação não significa necessariamente agir com maior consciência. Uma pesquisa feita com jovens de todo o Brasil, e que compara dados de 2013 com outros colhidos em 2006, aponta que a gurizada entre 12 e 17 anos está mais preocupada com estética, usando menos camisinha, fumando mais maconha e abusando do álcool. Além disso, a percepção para violência diminuiu, o uso de cigarro também e os adolescentes continuam satisfeitos com a própria vida.

Eles têm mais acesso à informação, mas vêm adotando mais comportamentos de risco. Uma pesquisa feita com 6 mil alunos entre 12 e 17 anos de escolas particulares em todo o país mostra que praticamente metade dos jovens prefere não usar camisinha e que o consumo de álcool e maconha entre os adolescentes é elevado. Os dados também ilustram as principais mudanças de atitude dos adolescentes na última década.

Para traçar o perfil da juventude atual, o projeto “Este Jovem Brasileiro” ouviu estudantes de 64 escolas, que preencheram anonimamente um questionário online sobre seus hábitos quando o assunto é sexo, drogas, violência, sentimentos e redes sociais. O resultado foi comparado com as informações obtidas em 2006, ano de início do projeto. As diferenças mais evidentes entre as duas edições estão nos campos da sexualidade, do consumo de drogas e do abuso de álcool.

O projeto é desenvolvido anualmente pelo Portal Educacional em parceria com o psiquiatra Jairo Bouer e com a rede Positivo Informática, e está na oitava edição. O objetivo é levar para discussão em sala de aula temas mais delicados, sobre os quais os jovens preferem não conversar com os pais.

– Nossa pesquisa não tem rigor científico, mas tem uma preocupação pedagógica muito forte. A ideia é montar um panorama nacional e oferecer informações e instrumentos para a escola tratar esses temas – afirma Andrea Maia de Santana, gerente de conteúdos dinâmicos do Portal Educacional, responsável pela pesquisa.

Sala de aula: lugar de diálogo

Algumas escolas da Rede La Salle participam do projeto e já utilizam os dados em classe. Na unidade de Caxias do Sul, os alunos da 1ª série do Ensino Médio responderam a enquete e desenvolveram atividades com Fábio Karling, professor de sociologia e ensino religioso, e Rejane Petereit, orientadora educacional.

– Para muitos, foi o primeiro contato com perguntas tão diretas, perguntas que ninguém havia feito. Os resultados serão trabalhados com quem participou da pesquisa e compartilhados com a equipe diretiva para servir de parâmetro na hora de planejar atividades que atinjam esse público. Não apenas lidamos com mentes em uma sala de aula, mas também com corpos, com seres que sentem, convivem e fazem escolhas – explica Rejane.

No Colégio La Salle Dores, em Porto Alegre, Zero Hora teve um bate-papo com quatro jovens de idades entre 14 e 17 anos para saber o que eles pensam sobre os principais tópicos e dados de comportamento apontados na pesquisa. (ver na página 5)


O QUE MUDOU EM 7 ANOS

2006

- 61% diziam sempre usar camisinha; 11% nunca usavam.
- Mais de 25% já tinham se sentido ameaçados, 21% se envolveram em brigas.
- 71% já tinham conhecido alguém pela Internet e 32% já “ficaram” com alguém que conheceram na rede.
- 46% tinham dificuldade de concentração. 31% diziam ter dificuldade na aula e 11% já haviam sido reprovados.
- 62% dos garotos e 44% das garotas se disseram satisfeitos com seu corpo.
2013
- 54% disseram sempre usar camisinha; 14% nunca usam.
- 19% já se sentiram ameaçados ou foram insultados, 17% se envolveram em brigas.
- 67% já conheceram alguém pela Internet e 29% já “ficaram” com alguém que conheceram na rede.
- 49% têm dificuldade para se concentrar. 35% dizem ter dificuldade para entender a aula e 13% já foram reprovados.
- 63% dos garotos e 40% das garotas se disseram satisfeitos com seu corpo.



QUAL É O LIMITE?



ZERO HORA 20 de outubro de 2013 | N° 17589

EDITORIAL INTERATIVO


No ano em que celebra o 25º aniversário de sua Constituição mais democrática e cidadã, o Brasil está sendo desafiado pelo próprio exercício das liberdades garantidas pela Carta. As manifestações de rua que eclodiram em junho e se repetem até hoje em várias cidades, especialmente nas capitais, expressam a indignação dos cidadãos com a corrupção, a inépcia administrativa e a má qualidade dos serviços públicos, mas também evidenciam práticas tão criminosas quanto as que pretendem combater. Ao entrar em confronto com a polícia, invadir e depredar prédios, incendiar veículos e espalhar o terror, grupos de manifestantes comprometem as causas coletivas e deixam a população em dúvida sobre a legitimidade dos protestos. Qual é, afinal, o limite para o direito de manifestação?

Entendemos que esse limite está bem expresso na Declaração Universal dos Direitos do Homem, que estabelece a sujeição do exercício das liberdades ao respeito aos direitos dos outros e à ordem pública. Isso está explícito claramente no item 2 do artigo 24: “No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática”. Ainda que seja difícil encontrar esse equilíbrio, ele deve ser procurado incessantemente, tanto pelos agentes públicos quanto pelas demais lideranças da sociedade e pelos indivíduos em geral.

Diferentemente dessa visão, algumas organizações sindicais e políticas, grupos de intelectuais e militantes de movimentos sociais apoiam implícita ou explicitamente o vandalismo por acreditar que a violência revolucionária é a única forma de alterar uma situação estabelecida. Com esse pensamento, rotulam de conservadores e coniventes com a corrupção todos os que condenam a destruição. “O que são algumas lixeiras queimadas diante do vandalismo contra os cidadãos praticado por governantes incompetentes, políticos corruptos e empresários gananciosos?” – perguntava um cartaz em recente manifestação.

O argumento é perturbador. Mas a ele se contrapõe uma realidade mais assustadora: instalações públicas incendiadas, veículos e lojas depredados, pessoas feridas, cidadãos amedrontados, policiais encurralados, trânsito interrompido e cidades inteiras transtornadas pela quebra da ordem pública. É democracia, não pode haver dúvida sobre isso. Numa ditadura tais excessos jamais seriam tolerados.

Confrontadas as duas situações, é sempre melhor optar pelo incômodo do que pelo retorno a um regime que sufocou os brasileiros durante duas décadas. Mas acreditamos que é possível evoluir para um regime de liberdades com limites claros para as deformações que ele gera.

Democracia, sim. Direito de protestar, sim. Liberdade para manifestações públicas, sim. Violência e agressões aos direitos alheios, não.

Ao entrar em confronto com a polícia, depredar prédios, incendiar veículos e espalhar o terror, grupos de manifestantes comprometem as causas coletivas e a legitimidade dos protestos.



O editorial ao lado foi publicado antecipadamente no site de Zero Hora, na quinta-feira, com links para Facebook e Twitter. Os comentários para a edição impressa foram selecionados até as 18h de sexta-feira. A questão proposta: Editorial diz que direito de manifestação não pode incluir violência e vandalismo. Você concorda?

Concordo plenamente. Os manifestantes, ao destruírem patrimônios públicos ou privados, ao obstruírem vias públicas ou ao enfrentarem a polícia, estão agindo pior do que aqueles a quem estão repudiando. “Democracia, sim. Direito de protestar, sim. Liberdade para manifestações públicas, sim. Violência e agressões aos direitos alheios, não”.

Renon Vieira – Esteio (RS)

Com certeza, se está se manifestando, lutando por uma causa, significa que quer algo melhor, segurança, trabalho, saúde... E vandalismo é regresso, não progresso. Não à violência!

Beatriz Kubasenski – Cachoeirinha (RS)

Com certeza, essas atitudes são manipuladas pelos dominantes opositores do diálogo. A polícia tem que ser mais severa com esses invasores, escravos dos burgueses “omissos”.

Eloísa Menezes Pereira

Porto Alegre (RS)

Concordo, mas vejo uma distorção nos fatos. Os policiais militares que tentam usar a força para afastar os que estão quebrando e destruindo tudo são hostilizados pela própria imprensa, que os filma e fotografa no exercício de sua função. Se os “bandidos” jogam pedras e rojões contra os policiais, os mesmos têm que revidar à altura, até para manter a sua autoridade. Infelizmente não é assim que pensa a ministra Maria do Rosário, que sempre sai em defesa dos baderneiros.

Luiz Alberto Noer – Tramandaí (RS)

Isto tudo é fruto de péssimas e deploráveis administrações públicas, políticos que andam com dinheiro em roupas íntimas, outros ganham cem vezes na loteria e daí por diante! Chega! Manifestação, sim! Baderna, não!

Marcelo Silva da Silva – Triunfo (RS)

Vandalismo é a lavagem cerebral que a RBS faz usando uma concessão pública.

Sim. E se, diante das insatisfações do dia a dia, todos decidissem depredar o banco por causa da fila de espera, queimar os hospitais em função do péssimo atendimento? Violência é infundada, independentemente das circunstâncias!

O vandalismo e a violência numa manifestação levam a mídia a retratar o lado negativo, deixando em segundo plano os anseios.

Violência e vandalismo não são manifestação, mas caso de polícia.

sábado, 19 de outubro de 2013

A LEI E A ORDEM

montedo.blogspot.com
ZERO HORA 19 de outubro de 2013 | N° 17588


EDITORIAIS


Decreto presidencial que convoca a chamada Garantia da Lei e da Ordem (GLO), conferindo ao Exército o poder de polícia de forma episódica e temporária, dá uma ideia da dimensão do leilão do pré-sal marcado para a tarde de segunda-feira num hotel da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Numa cidade já conflagrada no mínimo por uma manifestação diária, a maioria com desfecho marcado pela violência, é natural que o primeiro leilão sob o regime de partilha, envolvendo a maior descoberta de petróleo do país, com potencial para incluí-lo entre os grandes produtores mundiais, seja cercado de preocupações mínimas sob o ponto de vista da segurança.

Entre outros interesses, a começar pelos financeiros, o país fica com a sua própria imagem em jogo no momento em que é desafiado a se mostrar em condições de aproveitar os ganhos de uma riqueza que irá favorecer a todos. Além de gerar mais empregos, impulsionando a indústria brasileira de transformação, o petróleo a ser extraído da área de Libra, na bacia de Santos, irá beneficiar os brasileiros de maneira geral com recursos extras para áreas essenciais, como saúde e educação. Por isso, é compreensível que o leilão de segunda-feira provoque tantas reações por todo o país – de pichações contrárias à invasão de locais estratégicos, além da greve de petroleiros, de uma verdadeira guerra de liminares que deve perdurar até o último minuto e dos anunciados protestos marcados por radicalismo. Mas é inadmissível que, entre muitos manifestantes, o objetivo não se restrinja apenas a apontar um ou outro equívoco no processo, mas seja o de evitar que a operação se realize na prática.

A possibilidade de impasse só ocorre porque muitos protestos contra o leilão do pré-sal são liderados por sindicatos de petroleiros, que têm no comando militantes do PSOL e do PSTU. São partidos que ainda defendem o nacionalismo mais atrasado, de forma radical e inconsequente. É pertinente, portanto, que o governo se preocupe com a preservação da lei e da ordem na abertura dos envelopes com as propostas para a exploração de Libra. Nessa situação, é natural que, diante da alegação de falta de policiais por parte do Estado do Rio de Janeiro, a presidente Dilma Rousseff tenha mobilizado um efetivo de mais de mil homens das Forças Armadas, das polícias Federal, Rodoviária Federal e da Força Nacional.

O leilão de Libra é uma oportunidade que o país tem de se demonstrar capaz de enfrentar questões polêmicas como o modelo de exploração do petróleo da camada pré-sal, de forma transparente e sem ignorar manifestações contrárias. Daí a importância de que no ato marcado para essa segunda-feira prevaleça o bom senso e não se imponham os excessos entre quem se posiciona de um lado e outro nessa questão.

oglobo.globo.com

O QUE QUEREM OS BLACK BLOC?


ZERO HORA 19 de outubro de 2013 | N° 17588

ARENA PÚBLICA

JORGE BARCELLOS

Pesquisador diz que grupo usa a violência para tomar do Estado o monopólio do medo


Na edição de ZH Cultura do último dia 12, Paulo Scott apresentou sua visão dos protestos de rua e afirmou que “o Parlamento brasileiro não presta, acoberta gente que não presta, não serve para o país”. Para mim é uma crítica injusta e genérica que não encontra fundamento em dados de pesquisa, e o pior, é feita a partir da visão que toma a experiência do centro do país como referência, já que, “o Rio de Janeiro continua sendo a alma do Brasil”, como diz o autor. Ninguém duvida de que o movimento dos professores no Rio de Janeiro ou dos jovens em Porto Alegre seja autêntico, mas daí dizer que o Parlamento não serve a sociedade não é correto. Mostrei em minha tese de doutorado Educação e Poder Legislativo: a Contribuição da Câmara Municipal na Formulação de Políticas Públicas de Educação no Município de Porto Alegre (2001 – 2008) (disponível em http://bit.ly/17NjHeQ) que este diagnóstico não cabe na Câmara da Capital. Entre outros dados distribuídos em 104 tabelas de produtividade, mostrei comparativamente que, enquanto o Poder Executivo produziu no período analisado 543 proposições, o Legislativo elaborou 30.546. No campo da educação, o Executivo foi autor de 18 proposições enquanto que o Legislativo produziu 877. Analisando o perfil de agenda da produção de projetos de lei apenas, vê-se que dessas 877 proposições da Câmara Municipal, 114 correspondem a projetos de lei em 11 temas: Políticas Públicas (18), Semana Educativa (7), Eventos Educativos (6), Ação Educativa (3), Títulos e Distinções (14), Proteção Escolar (11), Adequação da Lei (3), Transporte Escolar(14), Curriculo Escolar (14), Novos Direitos (6) e Organização e Funcionamento (18).

Isto posto, a questão central do debate, em minha opinião, é outra: a crítica e o repúdio à violência, seja a de Estado seja a do movimento Black Bloc nas manifestações. Não é uma discussão nova. O “problema da violência” já estava presente nos protestos de Gênova de 2001, como parte do movimento antiglobalização e ingrediente do espetáculo midiático. Em ambos, seus participantes sabiam que “fumaça, sangue e chamas” atraem a atenção da imprensa e mais facilmente fazem circular a agenda do movimento no mercado de notícias: é lamentável que manifestantes nas ruas de Porto Alegre e Rio de Janeiro atirando pedras tenham mais força que milhares de pessoas que marcham nas ruas com seus cartazes e palavras de ordem. Houve inúmeras vítimas inocentes nestes processos de violência do Estado, como afirma Scott, mas o problema de sua visão é o simplismo exagerado de que tudo se resume a uma luta entre “bons”, os militantes, e “maus”, a polícia. É mais complicado, não há homogeneidade em nenhum dos lados, em ambos há vítimas e algozes, em maior ou menor grau, eis a questão. Os jovens conseguiram sucesso limitado em sua agenda das ruas pela sua incapacidade de superarem as próprias contradições. Não se trata mais da ideia de que as ações agressivas “destruíram a imagem do movimento”, o problema é que a superexposição do gestual de enfrentamento já faz parte do processo, não só não é mais rejeitado pelo movimento como funciona como argumento de unificação e distinção social.

A razão da persistente violência dos grupos Black Blocs, em minha opinião, está naquilo que Alain de Botton denominou de “desejo de status”: os novos rebeldes violentos das ruas aspiram à condição de “protetores dos revolucionários”, seu gosto é por certo tipo de “status” advindo do fato de que são capazes de “defender os outros”, os militantes. Quer dizer, enquanto que, para Botton, o status é distribuído na sociedade quando um grupo o adquire porque pode prejudicar outro, os Black Blocs adquiriram status exatamente pelo contrário, por sua posição em defesa dos manifestantes, daí a complacência destes com sua violência. Da mesma forma, os jovens que foram às ruas pela primeira vez sentiram o gosto do status de serem vistos como “revolucionários”. David Horowitz está certo: a razão de tudo isso é que não conseguimos viver com a ideia de que nossas vidas são insignificantes. Por isso, precisamos de uma bandeira, e que bandeira é melhor do que a “revolução”? As pautas das ruas não tinham apenas o objetivo de lutar por mudanças (que são reais, importantes, etc, etc.), elas cumpriam também o papel simbólico de dar uma experiência de sentido à existência.

Tanto os jovens de 2001 como os de hoje têm em comum o fato de defenderem e/ou aceitarem o confronto violento como um instrumento legitimo. O fato de os militantes consentirem com as ações do Black Bloc termina por levar o movimento a uma zona de risco, a do círculo vicioso da violência, na qual manifestantes pacíficos que não tinham intenção de entrar em confronto com a policia terminam por ceder à violência como reação à praticada pela policia. Diz Julia Ruiz Di Giovanni em sua obra Artes do Impossível: Protestos de Rua no Movimento Antiglobalização (Fapesp, 2013, p. 103): “Eis que a violência, ao mesmo tempo em que é atribuída ao Black Bloc, condenado em sua postura agressiva, é permanentemente mobilizada pelos não violentos”.

Outro argumento é o de que a violência é uma atitude “estética”. A questão que se omite é “estética em que sentido?” O sentido é o de uma arte que desumaniza, que abre mão de qualquer ponto de referência ética para sua definição. Diz Paul Virilio em El Procedimento Silencio (Paidós, 2001, p. 51): “Como muitos agitadores políticos, os artistas de vanguarda haviam compreendido muito cedo o que o terrorismo iria vulgarizar: nada é mais fácil para ocupar um lugar na ‘história revolucionária’ que provocar um tumulto, um atentado ao pudor, sobre pretextos artísticos” . Não é isso que também vemos nas ruas?

Para mim, os jovens buscam um lugar na História pelos motivos certos com as estratégias erradas. Tão importante quanto ir às ruas abraçando uma causa é alterar nosso comportamento cotidiano, o que passa pelo respeito às instituições políticas. Mas há algo a mais nos gestos recentes dos grupos Black Bloc: não é que estejam enfrentando a policia somente, eles estão é disputando com ela o monopólio do medo, ou seja: subjaz oculto na sua violência o desejo de tomar o lugar do Estado como gerente do medo coletivo. Xavier Crettiez caracteriza as formas de amendrontamento de Estado em As Formas da Violência (Loyola, 2008, p. 68): “o objetivo é exibir, mediante uma impressionante panóplia (capacetes, escudos, cassetetes), uma força que, em termos numéricos, só raramente se equipara ao número de manifestantes. Os jatos d’água, assim como as granadas ofensivas ou lacrimogêneas, tornam-se familiares e permitem manter a distância, sem tocar, os manifestantes mais tenazes. A organização dos ataques é pensada para afugentar, estimular a dispersão, diluir as massas manifestantes, sem degenerar-se em uma caçada”. Não é o que faz a policia quando exibe sua impressionante panóplia, amedrontar a população com o objetivo de manter a ordem? E não é o que fazem os jovens, que agora substituem paus e pedras por bolas de ferro e martelos?

Assim, antes de afastar-se dos governantes, como sugere Scott, é preciso lembrar que a cidadania também é o esforço para a melhoria das instituições políticas. Os jovens deveriam lutar para combater a cultura do “nós-contra-eles” definida por Richard Sennet, para reformar a Lei Orgânica do Parlamento a fim de auxiliar na tramitação dos projetos de lei. Na verdade, não o fazem porque não conhecem seu parlamento por dentro, exatamente a posição de Scott, não estudam o Legislativo como instituição e, por esta razão, a invasão da Câmara de Porto Alegre, foi duplamente improcedente. Primeiro, porque é uma instituição que, ao contrário do que imaginam os jovens, produz para a cidade; segundo, porque a violência contra símbolos e espaços não se justifica no Estado Democrático de Direito. A Casa do Povo é democrática por causa de sua função para a sociedade; ela não pode ser democrática no que tange a sua ocupação simplesmente porque isso impede a realização de sua função. Se mesmo assim, os jovens considerarem que seu parlamento não atende aos cidadãos, então as eleições são o momento de revisão e a vontade das ruas tem de ser respeitada, pois o voto é um ato legitimo.

POR JORGE BARCELLOS | DOUTOR EM EDUCAÇÃO PELA UFRGS



ESCLARECIMENTO: O texto de Paulo Scott publicado na página 7 do último caderno Cultura é uma versão modificada de artigo veiculado no jornal alemão Die Welt em 28 de setembro.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

QUAL É O LIMITE PARA O DIREITO DE MANIFESTAÇÃO?



Interativo Editorial diz que direito de manifestação não pode incluir violência e vandalismo. Você concorda?

ZERO HORA 17 de outubro de 20133

Zerohora.com adianta o editorial que os jornais da RBS publicarão no próximo domingo para que os leitores possam manifestar concordância ou discordância em relação aos argumentos apresentados.


No ano em que celebra o 25º aniversário de sua Constituição mais democrática e cidadã, o Brasil está sendo desafiado pelo próprio exercício das liberdades garantidas pela Carta. As manifestações de rua que eclodiram em junho e se repetem até hoje em várias cidades, especialmente nas capitais, expressam a indignação dos cidadãos com a corrupção, a inépcia administrativa e a má qualidade dos serviços públicos, mas também evidenciam práticas tão criminosas quanto as que pretendem combater. Ao entrar em confronto com a polícia, invadir e depredar prédios, incendiar veículos e espalhar o terror, grupos de manifestantes comprometem as causas coletivas e deixam a população em dúvida sobre a legitimidade dos protestos. Qual é, afinal, o limite para o direito de manifestação?

Entendemos que esse limite está bem expresso na Declaração Universal dos Direitos do Homem, que estabelece a sujeição do exercício das liberdades ao respeito aos direitos dos outros e à ordem pública. Isso está explícito claramente no item 2 do artigo 24: “No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática”. Ainda que seja difícil encontrar esse equilíbrio, ele deve ser procurado incessantemente, tanto pelos agentes públicos quanto pelas demais lideranças da sociedade e pelos indivíduos em geral.

Diferentemente dessa visão, algumas organizações sindicais e políticas, grupos de intelectuais e militantes de movimentos sociais apoiam implícita ou explicitamente o vandalismo por acreditar que a violência revolucionária é a única forma de alterar uma situação estabelecida. Com esse pensamento, rotulam de conservadores e coniventes com a corrupção todos os que condenam a destruição. “O que são algumas lixeiras queimadas diante do vandalismo contra os cidadãos praticado por governantes incompetentes, políticos corruptos e empresários gananciosos?” _ perguntava um cartaz em recente manifestação.

O argumento é perturbador. Mas a ele se contrapõe uma realidade mais assustadora: instalações públicas incendiadas, veículos e lojas depredados, pessoas feridas, cidadãos amedrontados, policiais encurralados, trânsito interrompido e cidades inteiras transtornadas pela quebra da ordem pública. É democracia, não pode haver dúvida sobre isso. Numa ditadura tais excessos jamais seriam tolerados.

Confrontadas as duas situações, é sempre melhor optar pelo incômodo do que pelo retorno a um regime que sufocou os brasileiros durante duas décadas. Mas acreditamos que é possível evoluir para um regime de liberdades com limites claros para as deformações que ele gera.

Democracia, sim. Direito de protestar, sim. Liberdade para manifestações públicas, sim. Violência e agressões aos direitos alheios, não.

Para que possamos avaliar seu comentário sobre este editorial, com vistas à publicação na edição impressa de Zero Hora, informe seu nome completo e sua cidade.

O DESPERTAR DA CENSURA



ZERO HORA 18 de outubro de 2013 | N° 17587

EDITORIAIS


A polêmica em torno das restrições à publicação de biografias não autorizadas está longe de ser recente, mas recrudesceu com a participação de artistas historicamente associados à luta contra o arbítrio, dando margem a um fenômeno preocupante: o despertar da censura em tempos de redes sociais. Nesta mesma onda de restrições, pode ser enquadrado o pedido feito pelo filho do falecido cantor Renato Russo para o PPS retirar da internet uma paródia da música Eduardo e Mônica ironizando a aliança política entre o governador Eduardo Campos e a ex-ministra Marina Silva. Todos querem proibir tudo, motivados por interesses diversos e contando com respaldo judicial em muitos casos. Por isso, é preciso que o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifeste logo sobre o tema, para barrar um novo período de proibições, de censuras e autocensuras em plena democracia.

Por sua importância para assegurar o direito à livre manifestação no país, questões como essas não dizem respeito apenas ao meio artístico. No caso específico das biografias, a exigência de autorização iria no mínimo implicar uma deformação dos fatos, impondo uma visão oficial da história e ameaçando comprometer até mesmo a divulgação de pesquisas acadêmicas. Um aspecto particularmente desconcertante é que vários integrantes do grupo Procure Saber, hoje aferrados a dois artigos do Código Civil para pleitear autorização prévia e participação do biografado nos ganhos, notabilizaram-se na luta contra limitações desse tipo, antes da redemocratização. Eles deveriam ser os primeiros a respeitar uma norma insofismável da Constituição: não há censura prévia no Brasil, e, se alguém se sentir prejudicado por obras asseguradas pela liberdade de expressão, pode buscar reparação.

Um tema dessa relevância, obviamente, não pode ser tratado apenas pelo ângulo do direito à privacidade. Na Câmara, onde há uma proposta que derruba qualquer tipo de censura, os deputados se mostram divididos. Por isso, é preciso que o STF se manifeste logo sobre Ação de Direta de Inconstitucionalidade (Adin) ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livros, dissipando de vez os temores de autores e editores sobre o que pode ou não no caso de obras intelectuais. Em recente manifestação, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, foi firme ao se pronunciar pelo fim de qualquer restrição nessa área, defendendo que cada um assuma os riscos de seus atos.

Episódios anteriores, dos quais resultaram a proibição de obras com base em pressões descabidas, dão uma ideia do que pode ocorrer quando a defesa de vetos é levada adiante num clima de emocionalismo. Cabe ao Judiciário, coerente com decisões anteriores, valer-se da polêmica para reafirmar de vez o princípio da liberdade de expressão.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

AMEAÇA INTOLERÁVEL

131016princQUAweb
ZERO HORA 16 de outubro de 2013 | N° 17585


EDITORIAIS


A anunciada retaliação de presidiários, que ameaçam espalhar violência e pavor durante a Copa como resposta a eventuais decisões da Justiça, é uma afronta não só às autoridades de segurança, mas à sociedade. Os detentos foram flagrados em escutas telefônicas feitas com autorização judicial. Pertencem ao Primeiro Comando da Capital, a maior organização criminosa do país, que há pelo menos uma década articula ações em São Paulo e outros Estados. A ameaça de promover uma Copa do Mundo do terror, caso os líderes da facção sejam transferidos para o Regime Disciplinar Diferenciado na prisão, exige resposta das autoridades com rigor proporcional ao do atrevimento criminoso.

Há muito, o PCC vem demonstrando que, apesar da prisão de seus líderes, continua ativo. A facção já aterrorizou São Paulo há 10 anos e em 2012 promoveu assassinatos em série de mais de cem policiais. Subestimar a ameaça é desconsiderar também outras advertências feitas pelos bandidos, entre as quais a de que o governador Geraldo Alckmin virou um dos seus alvos. A ousadia e a capacidade de organização do PCC fazem com que as conversas flagradas não sejam diálogos casuais captados pelas escutas. São claramente recados programados. Os criminosos usam o próprio grampo para que sejam ouvidos e coloquem em dúvida, entre a população, a competência dos governos diante das advertências.

É a hora da reação firme do Estado, ou a delinquência continuará colocando em xeque a ordem e as leis às vésperas da Copa. É um desafio que põe em questão também a força institucional do Ministério Público e da Justiça, já que o PCC voltou a ser notícia e a disparar alertas a partir das investigações de um grupo de promotores. Foi o MP que revelou ao país as táticas de um grupo cada vez mais ameaçador. O momento é de reconhecimento e fortalecimento das autoridades, para que suas iniciativas não sejam interrompidas por obstáculos da Justiça. O pedido de prisão em Regime Disciplinar Diferenciado é uma providência coerente com a situação criada pelos detentos. Condenados com tal grau de periculosidade, que chegam a apontar um governador como alvo, não podem ser tratados como presidiários comuns.

Por mais que o governo federal se esforce para garantir a segurança da Copa, como mostrou ampla reportagem de Zero Hora, não basta que o Executivo atue com determinação em defesa da normalidade no evento. Os ameaçados não são apenas os participantes da Copa, mas toda a população. Espera-se por isso que a elogiável ação do MP seja reforçada por decisões da Justiça que afastem quaisquer concessões aos bandidos.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Só num país onde os poderes são fracos, as leis são condescendentes e a justiça criminal é assistemática, morosa e inoperante que proporciona a bandidos presos tamanha insolência, ousadia e prepotência para produzir ameaças contra a soberania e o estado de direito.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

PREMIADOS MUNDIAIS DO JORNALISMO INVESTIGATIVO


Na América Latina, vencedor é jornal de El Salvador

O GLOBO
Atualizado:15/10/13 - 8h15


A organização Global Investigative Journalism Network anunciou na noite de ontem, em evento no Theatro Municipal, os vencedores do prêmio Global Shining Light, que valoriza o papel desempenhado por jornalistas investigativos em países em desenvolvimento ou em condições de vulnerabilidade. As reportagens “Shoot to Kill”, do “Sunday Times” da África do Sul, e “Azerbaijan’s President Awarded Family Stake in Gold Fields”, da Radio Free Europe, em parceria com o Czech Center for Investigative Journalism e o projeto Organized Crime and Corruption Report, foram as grandes vencedoras. Na cerimônia de entrega, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) homenageou o jornalista Marcos Sá Corrêa, pioneiro do jornalismo on-line no país e autor de reportagens históricas, como a que revelou o apoio da CIA ao golpe de 1964.

— O maior patrimônio que o jornalista pode ter é o respeito. Não só dos colegas de profissão, mas até mesmo dos alvos de suas investigações. Isso o Marcos construiu – disse Marcelo Moreira, presidente da Abraji.

Na cerimônia no Theatro Municipal também foram anunciados os vencedores de dois outros prêmios. O Daniel Pearl de Excelência em Reportagem Investigativa Internacional foi para os jornalistas Joachim Dyfvermark, Sven Bergman e Fredrik Laurin, da emissora sueca Uppdrag granskning, com a reportagem “The black boxes”. O prêmio Latino-americano de Jornalismo Investigativo ficou com a equipe do “El Faro”, de El Salvador, com a reportagem “El pacto secreto entre el gobierno y la mara salvatrucha”. A reportagem “Polícia fora da lei”, da “Gazeta do Povo”, ficou em segundo lugar.

— A cada ano as reportagens vêm mostrando mais profundidade, principalmente com o uso de novas tecnologias e investigações com o computador — disse Marcelo Beraba, da comissão julgadora latino-americana.

As reportagens brasileiras “Fábrica de dinheiro”, escrita pelos jornalistas José Ernesto e Andreza Mattais, da “Folha de S. Paulo”; e “Máfia dos concursos públicos”, de Giovanni Grizotti, da RBSTV, receberam menções honrosas no concurso latino-americano.

O evento faz parte da 8ª Conferência Global de Jornalismo Investigativo, que se encerra hoje. Desde sábado, foram realizados mais de cem painéis, debates e workshops.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA -PARABÉNS aos intrépidos jornalistas brasileiros que conquistaram para o Brasil prêmios tão significativos de nível mundial. Policiais que atuam no combate a estes nichos de bandidagem mais o povo brasileiro que sofre as consequências de seus crimes, os aplaudem de pé. É nossa hora que a imprensa mostra a sua finalidade social através de profissionais dedicados, corajosos, ousados e perseverantes na busca e coleta contínua de provas para suas matérias, enfrentando o perigo, as adversidades, a pressão política e o poder financeiro, da leis e das armas, numa linha tênue entre a vida e a morte. Nossa continência formal e duradoura.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

CANADÁ, GREENWALD E GLOBALIZAÇÃO DA ESPIONAGEM

JORNAL DO COMERCIO 14/10/2013

EDITORIAL


Primeiro os Estados Unidos disseram que continuarão a espionar a tudo e a todos, “contra o terrorismo”. Agora, o Canadá também dá de ombros e pouco comenta a divulgação de espionagem feita no Brasil. A simplória desculpa é a de que nenhuma lei canadense ou cidadão do país foi desrespeitado. Claro, nem interessava, ora. O povo estadunidense tem medo das sombras da luta contra o terrorismo, um legado desastroso do governo de George Bush. No entanto, as áreas escuras da administração de Barack Obama e a espionagem institucional promovida desde Washington assustaram o mundo. A rigor, muito mais a nós, ingênuos brasileiros.

O jornalista Glenn Greenwald sabe dessas questões com rigor e vendeu, em pílulas, o que lhe foi passado por Edward Snowden, hoje refugiado na Rússia.

Glenn Greenwald tem paixão pela profissão e mantém o seu compromisso para com ela, com uma carreira que vai muito além do caso das revelações do ex-integrante terceirizado da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) e da Agência Nacional de Segurança (NSA, também na sigla em inglês), Edward Snowden. Glenn Greenwald é o jornalista que, mês após mês, tem publicado no seu jornal, o londrino The Guardian, o conteúdo de Edward Snowden, cujo enorme dossiê lhe foi entregue em Hong Kong antes de ele se refugiar na Rússia. Snowden não o escolheu de forma aleatória, pois Greenwald é coautor de renome na investigação que abalou o sistema político americano e tornou-se um dos 50 comentaristas mais influentes nos EUA. Um advogado de profissão, em 2005 Greenwald deixou sua carreira de representante legal de alguns bancos e de grandes empresas e se lançou na defesa dos direitos civis e em investigações de alto nível. Naquele mesmo ano, um caso de espionagem pela NSA revelado pelo The New York Times impeliu-o a divulgar críticas através de seu blog, sob o nome de Patriot Act, que viria a tornar-se um livro. No ano seguinte, o ativista rigoroso publicou um livro sobre o legado trágico do governo Bush. Em 2012, nova obra-prima sobre a forma como a lei é usada para destruir a igualdade e proteger o poder nos EUA, com liberdade e justiça para alguns, e de como a lei é usada para destruir a igualdade e proteger os poderosos.

Entre um livro e outro, o explosivo Greenwald realizou uma pesquisa sobre WikiLeaks e seu autor, Julian Assange, e Bradley Manning, o soldado que entregou a Assange dados secretos. Premiado várias vezes pelo seu trabalho, Glenn Greenwald define o jornalismo militante de uma forma: “Para mim, o jornalismo é duas coisas: pesquisar fatos sobre as atividades de pessoas que estão no poder e colocar nelas os limites do povo”. Esse é o homem a quem, depois de The Washington Post se recusar a publicar, Edward Snowden entregou os documentos abismais estruturados pela NSA para espionar por meio do programa chamado Prisma, um dispositivo com empresas privadas como o Google, Facebook, Yahoo, Microsoft e outras. Glenn Greenwald se radicou no Brasil há vários anos e é correspondente do The Guardian. Então, o Brasil precisa criar mecanismos de inteligência e proteção das suas comunicações e não reclamar da espionagem dos poderosos, os quais pouco têm ligado.

2013, O ANO MAIS VIOLENTO PARA A IMPRENSA DO BRASIL

ZERO HORA 14 de outubro de 2013 | N° 17583

AMEAÇA A JORNALISTAS

Imprensa enfrenta ano mais violento


Este ano caminha para ser um dos mais violentos para os profissionais de imprensa do Brasil, por causa dos casos relacionados à cobertura jornalística das manifestações de junho. O Relatório para a Liberdade de Imprensa 2012-2013, da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), mostra que de outubro de 2012 a setembro de 2013 foram registrados 136 casos de ameaças, atentados e agressões, censura judicial e assassinatos contra jornalistas no exercício da profissão, crescimento de 172% em relação aos 50 casos verificados nos 12 meses encerrados em setembro de 2012.

O relatório 2012-2013 contabiliza cinco mortes. No anterior, foram registrados seis casos de assassinato. Mas os de hostilidade à imprensa durante os protestos que tomaram as cidades brasileiras a partir de junho, sobretudo agressões e intimidações, contribuíram para elevar as ocorrências monitoradas pela Abert.

– Infelizmente, 2013 ficará marcado como um ponto negativo, pelo aumento explosivos do ocorrências – afirma o presidente da Abert, Daniel Slaviero. – Quando um profissional é impedido de fazer seu trabalho, a maior prejudicada é a sociedade – completa.

No relatório, a Abert destaca o caráter histórico das manifestações e para a diversidade das reivindicações, mas critica a hostilidade contra a imprensa, com “agressões e intimidações à população e a jornalistas, além de atos de vandalismo contra veículos de comunicação”.

VERDADES INCÔMODAS




ZERO HORA 14 de outubro de 2013 | N° 17583

EDITORIAIS



Quase uma semana depois, continua causando repercussão o discurso proferido pelo escritor Luiz Ruffato na abertura da 65ª edição da prestigiada Feira do Livro de Frankfurt, que neste ano decidiu homenagear o Brasil. O autor mineiro aproveitou o palco da maior feira do livro do mundo para traçar um panorama sombrio da história e da realidade brasileiras, chamando a atenção para fatos como o de o país ter se estruturado sob a égide do genocídio, de a democracia racial ter sido feita na base de estupros e de conviver, ainda hoje, apesar dos avanços, com a impunidade e a intolerância. A manifestação provocou aplausos mas também desconforto por parte de um público mais habituado a discursos formais e visões idealizadas. Seria importante que, fora dos limites do evento, pudesse gerar também um debate oportuno sobre questões que dizem respeito a entraves e avanços no cotidiano dos brasileiros, decisivos para a imagem interna e externa do país.

Mesmo quando visto sob óticas como a do representante dos escritores na Alemanha, o país tem problemas históricos que ajudam a explicar muitas das mazelas que até hoje ainda não puderam ser enfrentadas. Entre essas, estão as desigualdades de renda, em parte explicadas por chagas como a colonização e a escravatura. Persistem também problemas como os relacionados às áreas da saúde pública, do acesso à educação de qualidade, à moradia digna, a saneamento básico, a transporte. E, em meio a tudo isso, há o excesso de violência, que amedronta a todos, mas particularmente aos jovens e aos negros, além da corrupção e da impunidade. Faltou o escritor se referir a outras questões, como o excesso de burocracia e de intervenção do poder público, entre tantas outras, que ainda hoje entravam o crescimento, dificultando a geração de emprego e renda nos níveis necessários.

O país precisa atacar as causas que impedem avanços e uma redução dos abismos sociais, sem deixar de reconhecer as conquistas obtidas até agora. E há muitas a serem comemoradas. O convívio com a democracia nas últimas décadas, o fortalecimento gradativo das instituições, a estabilidade econômica, as perspectivas propiciadas para a mobilidade social, os avanços legais assegurando mais direitos às crianças, às mulheres, aos homos- sexuais, entre tantos outros, são aspectos positivos dos quais os brasileiros podem se valer para contrapor aos problemas.

Entre todos os desafios, certamente nenhum deles supera os da área educacional, que estão na origem dos demais e reforçam as angústias do escritor mineiro diante de uma população acostumada a ler menos do que deveria. Só os ganhos em educação podem assegurar uma maior consciência do país que os brasileiros desejam compartilhar.

domingo, 13 de outubro de 2013

O RAPAZ DE DIREITA

ZERO HORA 13 de outubro de 2013 | N° 17582

MOISÉS MENDES*


O psicanalista Contardo Calligaris escreveu na Folha de S.Paulo um comovente artigo sobre meninos que cobram dos pais o direito de serem reconhecidos como meninas e vice-versa. Eles e elas querem trocar de nome e ter o direito de frequentar o banheiro que entendem ser o do seu sexo.

Mas não são adolescentes, são crianças. É a busca cada vez mais precoce dos lastros da construção de uma identidade. Põem pais, professores, a ciência e a ética contra a parede. São vozes que até bem pouco só sabiam pedir mimo e brinquedos. Ouvi-los é também correr o risco de ser engambelado pelas fantasias infantis.

E tudo pode ser ainda mais complexo. O próprio Calligaris acredita que há espaço para um terceiro e um quarto gêneros. Nos Estados Unidos, verifica-se um fenômeno mais surpreendente. Stephen Ira Beatty é um dos seus propagadores.

Stephen nasceu menina e até os 14 anos chamou-se Kathlyn Elizabeth Beatty. Foi quando decidiu que, na necessidade de uma definição, preferia ser menino. Só que Stephen acha que o mundo, como suspeita Calligaris, não cabe em dois gêneros. O fenômeno social que ele representa é o dos defensores do agênero, que rejeitam enquadramentos.

Stephen é filho do ator Warren Beatty e da atriz Anette Bening. Warren Beatty ganhou fama como um dos garanhões do cinema e já confessou ter transado com mais de 12 mil mulheres. Tudo o que o filho faz é inverter, pela desconstrução das caricaturas de gênero, o que o pai sempre procurou propagandear. Importa que cada um decida o que quer ser e se pretende explicitar sua escolha.

Vim com esse assunto até aqui para chegar a outra questão que envolve escolha e identidade. É o caso do estudante João Victor Gasparino, de Santa Catarina, que virou fenômeno na internet porque se negou a realizar um trabalho sobre Marx na universidade.

Gasparino também fez uma troca, era de esquerda e virou de direita. Num mundo em que muita gente enquadra facilmente o amigo, o vizinho, o colega, mas prefere omitir suas convicções ou referências políticas e ideológicas, há no gesto um ato de coragem. Militantes assumidos de direita são raridade. E temos poucos reacionários glamourosos.

Pode-se dizer que todos os grandes pensadores brasileiros do século 20 navegaram em algum momento pelas ideias de Marx. Fernando Henrique Cardoso, o mais importante intelectual brasileiro vivo, é um deles. Negar-se a estudar Marx por ser de direita equivale a aceitar que um estudante celibatário se negue a estudar Freud por se sentir ofendido pela teoria da pulsão sexual.

Isso não quer dizer que o rapaz deva gostar de estudar Marx, assim como não se gostava, na ditadura, de estudar as bobagens de Moral e Cívica e de Organização Social e Política do Brasil. Mas que se aplauda seu desprendimento, num mundo em que alguns ainda escondem a cara para não serem reconhecidos como anarquistas, fascistas ou nazistas.

E você aí, acha relevante dizer o que é? Eu confesso a Gasparino que nunca li Marx direto no Capital. Só li o Manifesto Comunista, textos sueltos e coisas de segunda mão, pelo escrito dos outros. Na juventude, no Alegrete, quando deveria estar lendo Marx, eu lia e recitava Meu Pé de Laranja Lima e O Pequeno Príncipe. Deu no que deu.


*JORNALISTA

O NOVO E O VELHO

ZERO HORA 13 de outubro de 2013 | N° 17582

ARTIGOS

Carlos Ayres Britto*


Não procede a afirmação de que a Vida se repete, a história se repete, as coisas se repetem. É impossível tal repetição! A Vida sempre cheira a talco, porque nunca deixa de ser ela mesma: um ser que se parteja a cada instante. Cair nos braços do novo é sua lei, seu destino e sua glória, simplesmente porque ela nunca deixa de ser o que é: original. E como pode o ente original plagiar o que quer que seja, inclusive a si mesmo? Pisar nas pegadas dos outros, ou nas suas próprias pegadas? Ou se é original, ou original se é, porque não há outro modo elementar de ser. O que pode ocorrer é o ser original a se comportar como se original não fosse. Forçar a sua natureza para não funcionar de acordo com ela. Que não é o caso da Vida, que somente sabe fluir ou então espocar por um modo contrário a tudo que cheire a mofo, molde, figurino, xerox, papel carbono, clone, em suma.

Sem tirar nem pôr: que é a Vida senão uma sucessão ininterrupta de instantes? E que é o instante, cada instante, senão uma imensidão de possibilidades? “Ondas de possiblidades”, para lembrar o físico quântico Werner Heisenberg a falar sobre o que se passa no incomensurável mundo da matéria subatômica? Uma onda de possibilidades atrás da outra e nenhuma igual à anterior nem à subsequente? A Vida a surfar na crista de cada qual dessas ondas, porquanto surfista e onda ao mesmo tempo? “O cabelo solto ao vento” (Caetano Veloso), as pernas andarilhas, o peito aberto, o olho a vagar sobre as coisas, contemplativamente, ignorando por completo essa tal de zona de conforto intelectual ou cognitivo? A Vida ora evoluindo de uma forma para outra, ora saltando do próprio nada para o tudo em que o virginalmente novo consiste? Fenômeno mais radical ainda, porque descontínuo ou a eclodir fora do tempo e do espaço?

É isso o que podemos ser, pois o nosso princípio ativo é também a mudança (“tudo muda, menos a mudança”, já dizia o genial filósofo grego Heráclito, que passou por este planeta azul entre os anos de 540 e 480 a.C.). Mais que isso, a nossa mais nutritiva seiva é transitar da mudança para a própria transfiguração. Do mármore bruto para a Pietá de Michelangelo. De partícula sólida para onda vibracional. Criatura e parte da vida que somos. Mas criatura que pode se tornar criadora da sua criadora. Parte que pode se tornar um todo em si, sem deixar de ser parte mesma. Microcosmo de mãos dadas com o macrocosmo, amando-se e respeitando-se por todos os dias da vida dos dois, que são vidas já prometidas à eternidade da Vida maior que os unifica.

Pois bem, o caminho para permanecermos originais, e portanto criativos todo o tempo, principia pelo coração. Coração neurônio, claro, e não simplesmente músculo cardíaco a bater do lado esquerdo do peito, pendularmente. Coração-sentimento. Coração-afeto. Coração-amor. “O olhar amoroso sobre as coisas descobre em cada uma delas um sentido que coincide com o sentido todo da Vida”, fala a poeta mineira Adélia Prado. Esse coração-sentimento, ali postado no hemisfério direito do cérebro, como a fonte de toda intuição. A raiz de toda apropriação instantânea da natureza das coisas (percepção, mais que reflexão). A chave de ignição de toda coragem para ver o novo de olhos nos olhos e a ele se entregar sem pé-atrás. A matriz de toda imaginação, enfim, que põe asas tão turbinadas no coração humano, que os dois juntos passam a fazer coisas que Deus assina embaixo como da autoria Dele!

É isso mesmo! A primazia é da nossa porção-sentimento, porque ela é que abre os poros da nossa porção-pensamento. Não o contrário. E da otimização operacional dos dois, pensamento e sentimento, numa espécie de casamento por amor, é que se pode partejar o rebento da consciência. Aí já se tem o perfazimento da tríade que mais distingue a pessoa humana dos outros animais: sentimento, pensamento e consciência, num grau de refinamento que nos torna vizinhos de porta da mais alta espiritualidade. Tríade que nos dota de uma personalidade do tipo biográfico, inatingível pelos outros espécimes biológicos. Justamente o tipo de personalidade que nos habilita a criar e incessantemente atualizar o mundo da cultura, já significante de toda dimensão nova que o homem acrescenta à natureza.

Aproximo-me do fim desta comunicação escrita. E o faço para insistir na primazia do sentimento, porque ele é o que mais nos descondiciona mentalmente. Logo, o que mais nos salva das nossas pré-compreensões, tantas vezes de costas para a essência das coisas (“o contrário da verdade não é a mentira, mas as nossas convicções”, ajuizou Nietzsche). Nessa medida, ele, sentimento, é o que mais nos predispõe para ver as coisas já despossuídos de memória. Já desacumulados de ego, de sorte a criar em nossa interioridade os espaços vagos de que o Universo precisa para nos preencher de insights, revelações, inspirações. Insights, numa perspectiva científica. Revelações, numa perspectiva mística. Inspirações, numa perspectiva artística. Todos e cada um a projetar em nós uma visão holística das coisas e de nós mesmos. Visão holística ou esférica ou quântica ou unitária da Vida, pois assim é que ela é e se deseja vista e experimentada.

Por último, acredito que não é fechando os espaços para o velho que vamos nos abrir para o novo, porque assim o velho continua a ser a referência primeira do nosso estar-na-Vida. E claro que vai resistir barbaridade para não entregar os pontos. É nos abrindo para o novo que fechamos os espaços para o velho, pois assim postado no grid de largada da nossa predisposição para ser o ser original que somos é que o novo vai se sentir tão em casa “como quem vai, manhãzinha, colher frutas no quintal” (Milton Nascimento e Fernando Brant).


*POETA E MINISTRO APOSENTADO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL