Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

METAMÍDIA

O GLOBO 30/07/13

Francisco Bosco

A dicotomia entre as redes sociais e a mídia tradicional

No último domingo, a “Folha de S.Paulo” publicou um editorial intitulado “Mitos das redes sociais”, em que reconhece a utilidade das redes sociais “como ferramenta profissional e recreativa” e critica seus “aspectos mais controversos”. Vou fazer aqui com a “Folha” o que as redes sociais têm feito com a mídia tradicional; e, fazendo-o, pretendo demonstrar, em ato, os equívocos de compreensão desse editorial.

Começo observando o ligeiro descompasso entre o texto e a realidade, ao enfatizar a utilidade recreativa das redes sociais num momento em que milhares de pessoas vão protestar nas ruas — no Rio de Janeiro já há mais de 40 dias, sem descanso — mobilizadas justamente pelas redes. Essa mobilização faz parte do que o editorial considera os “aspectos mais controversos da rede”. Passemos a eles.

“À primeira vista um enorme fórum de livre debate, as redes são formadas por células que mais reiteram as próprias certezas e hábitos do que os submetem a discussão. Esta, quando ocorre, adquire tons de estéril guerrilha verbal”, afirma a “Folha”. Muitos livros sobre as redes já notaram essa tendência a que cada usuário forme uma rede pessoal que espelhe suas posições ideológicas (as tais “células” do editorial). Essa tendência me parece verdadeira, mas o fundamental aqui é que essa crítica se volta também contra a mídia tradicional, com a mesma pertinência — e isso nunca foi tão explicitado, nunca se tornou tão evidente quanto agora, precisamente pela produção crítica que circula nas redes.

A grande mídia tradicional abre espaço para o contraditório — a presente coluna comprova-o —, mas sua visão dominante tende a construir a realidade para seus leitores segundo os mesmos princípios acima criticados. Nesse momento histórico dos protestos, não tem sido possível sustentar uma suposta naturalização da produção da realidade (a realidade, não custa ser didático aqui, é sempre uma produção). Os ideários políticos que orientam a interpretação da realidade foram escancarados. E para isso muito têm contribuído as redes sociais. Vou dar um exemplo, servindo-me do próprio GLOBO. O Papa Francisco, em seu discurso no Teatro Municipal, disse a seguinte frase: “Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo”. No dia seguinte, a manchete da capa do GLOBO era: “Papa prega diálogo contra protestos violentos”. Ora, o Papa criticou, ao mesmo tempo, o Estado surdo e a resposta violenta das ruas. Ao optar por suprimir a crítica do Papa ao Estado (no caso, a carapuça serve como uma luva ao Governador Sérgio Cabral), o jornal praticou precisamente uma “reiteração das próprias certezas”.

São críticas como essa que circulam nas redes sociais, convidando-nos a compreendê-la como uma espécie de metamídia: uma imensa e constitutivamente descentrada mídia que submete a mídia tradicional a leituras críticas. Daí que o editorial da “Folha” esteja equivocado ou agindo de má-fé ao afirmar que “as redes são uma ampla câmara de ressonância da própria mídia”, e que “80% do conteúdo informativo tramitado pelo Twitter, por exemplo, relativo às jornadas de junho passado, era produzido pelo jornalismo profissional, da imprensa e da TV”. Em primeiro lugar, as redes são antes uma ampla câmara de dissonância da mídia tradicional. Depois, a expressão “conteúdo informativo” me parece, salvo engano, capciosa. Ela parece considerar informativo apenas o que é link, descartando da conta todos os demais posts críticos. É uma espécie de petição de princípio: só considera informação o que ela mesma produz, e então conclui que ela produz a maior parte da informação. Eis aí, uma vez mais, a tal reiteração das certezas e hábitos que o editorial projeta (em sentido psicanalítico mesmo) nas redes sociais.

Ninguém — nem sujeitos, nem instituições — interpreta a realidade, a cada momento, a partir de uma tábula rasa. Todos a interpretam a partir de um sistema complexo a envolver tendências (ou convicções) ideológicas, imaginárias, afetivas etc. Nesse sentido, a metamídia das redes produz ao menos um efeito contraideológico. Por outro lado, é dever de todo sujeito e de toda instituição públicos pôr à prova essas certezas ou hábitos medindo-os contra os fatos, procurando comparar os argumentos de maneira mais justa, mantendo o espírito livre de sectarismos, mobilizando, em suma, todos os recursos possíveis para que se atinja uma compreensão mais precisa da realidade. O compromisso do jornalismo é com a verdade, e não com a tentativa de adaptar os fatos a uma visão prévia da realidade. Isso vale tanto para a mídia tradicional quanto para as novas mídias, como a NINJA.

BANALIZAÇÃO DO BEM



A maior novidade do discurso inovador do Papa é que a reforma moral proposta por ele deve passar pelo diálogo e o encontro, não pelo confronto

ARTIGO - ZUENIR VENTURA
O GLOBO
Publicado:31/07/13 - 0h00


Nesses tempos sombrios de violência, guerra, miséria e fome, em suma, da chamada banalização do Mal, é sintomático que o Papa Francisco tenha conseguido um extraordinário sucesso pregando justamente o contrário, algo como a banalização do Bem. A sua foi a primeira voz autorizada de alcance planetário a se levantar contra a razão cínica em voga, propondo em seu lugar um círculo virtuoso, uma espécie de revolução ética contra a cultura do provisório, da exclusão e do descartável. Quem sabe ele não estará pondo fim a um ciclo de produção do mal como energia incontrolável? O filósofo francês Jean Baudrillard, estudioso do tema e cético quanto à sua erradicação, achava inevitável o funcionamento das sociedades sobre a base da “disfunção, do acidente, do catastrófico, do irracional”. Na sua opinião, “dizer que tudo isso pode ser exorcizado, erradicado, significa insistir numa perspectiva religiosa da salvação”. Pois durante a semana que passou entre nós, foi nessa perspectiva que o Papa insistiu, distribuindo esperança e atualizando antigos valores e virtudes como a solidariedade e a tolerância, esquecidos ou “fora de moda”. Ele pode até ser criticado pelo que calou (aborto, preservativo, célula-tronco), mas não pelo que falou de outros temas tabus: “Se uma pessoa é gay, quem sou eu para julgá-la?” “A mulher na Igreja é mais importante que os bispos e os padres.” A maior novidade de seu discurso inovador é que a reforma moral proposta por ele deve passar pelo diálogo e o encontro, não pelo confronto. Pela compreensão, não pela animosidade. Nunca pela intransigência e o radicalismo. Essa talvez seja a melhor contribuição para a paz do evangelho segundo Francisco.

***

Ao facilitarem o trabalho dos garis ajudando a recolher o lixo depois dos eventos, os peregrinos deram uma lição de educação para os foliões sugismundos e mijões, que no carnaval espalham detritos nas ruas e urinam nas calçadas, canteiros e até através das grades dos edifícios. Mais um legado de civilidade deixado pelos alegres fieis da JMJ.

***

Por falar em onda do bem: o Hospital do Cérebro Paulo Niemeyer, que está sendo inaugurado, impressiona não só porque é um dos mais bem instalados e equipados do mundo, mas também por ser uma obra “padrão Papa”, ou seja, é excelente e não se destina aos privilegiados, e sim aos necessitados do SUS. E pensar que, com o que foi gasto com muitos dos estádios que vão virar elefantes brancos depois da Copa, algumas dezenas desses hospitais podiam ser construídas pelo Brasil afora.

Zuenir Ventura é jornalista

terça-feira, 30 de julho de 2013

LIÇÕES DO PAPA FRANCISCO

ZERO HORA 29 de julho de 2013 | N° 17506

JORNADA NO BRASIL


O programa Fantástico da Rede Globo exibiu ontem à noite uma entrevista exclusiva com o Papa.

O repórter Gerson Camarotti, da GloboNews, foi recebido na quinta-feira por Francisco, na residência Assunção, no Morro do Sumaré, onde o Pontífice ficou hospedado durante sua passagem pelo Rio de Janeiro. Confira os principais pontos da conversa:

Indisciplinado com a Segurança

“Eu não sinto medo. Sei que ninguém morre de véspera. Quando acontecer, o que Deus permitir, será. Eu não poderia vir ver este povo, que tem um coração tão grande, detrás de uma caixa de vidro. As duas seguranças (do Vaticano e do Brasil) trabalharam muito bem. Mas ambas sabem que sou um indisciplinado nesse aspecto.”

Por mais simplicidade

“Nosso povo exige a pobreza de nossos sacerdotes. O povo sente seu coração magoado quando nós, as pessoas consagradas, estamos apegadas a dinheiro. Realmente não é um bom exemplo que um sacerdote tenha um carro de último tipo, de marca. É necessário que o padre tenha um carro, mas tem de ser um carro modesto. O carro que estou usando aqui é muito parecido com o que eu uso em Roma. Simples, do tipo que qualquer um pode ter. Penso que temos que dar testemunho de uma certa simplicidade – eu diria, inclusive, de pobreza.”

A moradia do Papa no vaticano

“Quanto à decisão de viver em Santa Marta, não foi tanto por razões de simplicidade. Porque o apartamento papal é grande, mas não é luxuoso. Mas a minha decisão de ficar em Santa Marta tem a ver com o meu modo de ser. Não consigo viver só, não posso viver fechado. Preciso de contato com as pessoas, então, fiquei em Santa Marta ‘por razões psiquiátricas’. Para não ter de estar sofrendo essa solidão que não me faz bem. É para estar com as pessoas. Santa Marta é uma casa de hóspedes em que vivem uns 40 bispos e sacerdotes que trabalham na Santa Sé. Tem uns 130 cômodos, mais ou menos. Sacerdotes, bispos, cardeais e leigos que se hospedam em Roma ficam lá. Eu como no refeitório com todos. E a gente sempre encontra gente diferente, e isso me faz bem.”

Perda de fiéis pela igreja

“Não saberia explicar esse fenômeno. Vou levantar uma hipótese. Para mim é fundamental a proximidade da Igreja. Porque a Igreja é mãe, e nem você nem eu conhecemos uma mãe por correspondência. A mãe... dá carinho, toca, beija, ama. Quando a Igreja, ocupada com mil coisas, se descuida dessa proximidade, se descuida disso e só se comunica com documentos, é como uma mãe que se comunica com seu filho por carta. Não sei se foi isso o que aconteceu no Brasil. Não sei, mas sei que em alguns lugares da Argentina que conheço isso aconteceu.”

Globalização da indiferença

“Hoje em dia há crianças que não têm o que comer no mundo. Crianças que morrem de fome, de desnutrição. Há doentes que não têm acesso a tratamento. Há homens e mulheres que são mendigos de rua e morrem de frio no inverno. Há crianças que não têm educação. Nada disso é notícia. Mas quando as bolsas de algumas capitais caem três ou quatro pontos, isso é tratado como uma grande catástrofe mundial. Esse é o drama do humanismo desumano que estamos vivendo. Por isso, é preciso recuperar crianças e jovens, e não cair numa globalização da indiferença.”

Corrupção no Vaticano

“Agora mesmo temos um escândalo de transferência de 10 ou 20 milhões de dólares de um monsenhor. Belo favor faz esse senhor à Igreja, não é? Mas é preciso reconhecer que ele agiu mal, e a Igreja tem de dar a ele a punição que merece, pois agiu mal. No momento do conclave, antes temos o que chamamos congregações gerais – uma semana de reuniões dos cardeais. Naquela ocasião, falamos claramente dos problemas. Falamos de tudo. Porque estávamos sozinhos, e para saber qual era a realidade e traçar o perfil do novo Papa. E dali saíram problemas sérios, derivados em parte de tudo o que vocês conhecem: do Vatileaks e assim por diante. Havia problemas de escândalos. Mas também havia os santos. Esses homens que deram sua vida para trabalhar pela Igreja de maneira silenciosa no Conselho Apostólico.”

Protestos dos jovens

“Com toda a franqueza lhe digo: não sei bem por que os jovens estão protestando. Esse é o primeiro ponto. Segundo ponto: um jovem que não protesta não me agrada. Porque o jovem tem a ilusão da utopia, e a utopia não é sempre ruim. A utopia é respirar e olhar adiante. O jovem é mais espontâneo, não tem tanta experiência de vida, é verdade. Mas às vezes a experiência nos freia. E ele tem mais energia para defender suas ideias. O jovem é essencialmente um inconformista. E isso é muito lindo! É preciso ouvir os jovens, dar-lhes lugares para se expressar, e cuidar para que não sejam manipulados.”

Idolatria ao dinheiro


“Esse mundo atual em que vivemos tinha caído na feroz idolatria do dinheiro. E há uma política mundial muito impregnada pelo protagonismo do dinheiro. Quem manda, hoje, é o dinheiro, e isso significa uma política mundial economicista, sem qualquer controle ético. Um economicismo autossuficiente que vai arrumando os grupos sociais de acordo com essa conveniência.”

Descarte de jovens e idosos

“Quando reina esse mundo da feroz idolatria do dinheiro, se concentra muito no centro, e as pontas da sociedade, os extremos, são mal atendidos, não são cuidados e são descartados. Vimos muito claramente como se descartam os idosos. Não servem, não produzem. Os jovens também não produzem muito. É uma ponta em vias de ser descartada. O alto percentual de desemprego entre os jovens na Europa é alarmante. Para sustentar esse modelo político mundial, estamos descartando os extremos: os que são promessa para o futuro e os idosos, que precisam transferir sabedoria para os jovens. Descartando os dois, o mundo desaba.”

Diferentes religiões

“Creio que é preciso estimular uma cultura do encontro em todo o mundo. Acho que é importante que todos trabalhemos pelos outros, podar o egoísmo. Um trabalho pelos outros segundo os valores de sua fé. Cada religião tem suas crenças. Se há uma criança que tem fome, que não tem educação, o que deve nos mobilizar é que deixe de ter fome e que tenha educação. Se essa educação virá dos católicos, dos protestantes, dos ortodoxos ou dos judeus, não importa. O que me importa é que o eduquem e que saciem a sua fome. Temos de chegar a um acordo quanto a isso. Hoje a urgência é de tal ordem que não podemos brigar entre nós à custa do sofrimento alheio. Sobretudo, hoje em dia, urge a proximidade.”

domingo, 21 de julho de 2013

MANIFESTOON


Uma inteligente apresentação do Manifesto Comunista com a ajuda dos cartoons da Hannah-Barbera, UPA, Warner Brothers e Disney, entre outras produtoras, demonstrando a influência dos desenhos animados sobre nós desde o berço; como os desenhos animados apresentam uma visão de mundo pela ótica materialista representando a dialética (tese-antítese-síntese) EMPREGADO X PATRÃO, como se ela houvesse existido em todas as sociedades ("dos flintstones aos jetsons", dos romanos aos medievais...).

Em 1996, Jesse Drew lançou esse ótimo curta-metragem de animação Manifestoon, que sintetiza, com fidelidade e humor, as principais idéias propagadas pelos judeus Karl Marx e Friedrich Engels.
A trechos do Manifesto Comunista, Jesse Drew associou imagens de célebres desenhos animados americanos, sobretudo os hollywoodianos. O curta 'é uma homenagem à latente subversão dos desenhos animados', escreve o autor. 'No cartoon clássico, força bruta e artilharia pesada nunca puderam com o humor - e a justiça sempre se saiu bem. Para mim, foi um processo natural relacionar o conceito de subversão da minha própria infância com uma versão subversiva mais consagrada e articulada (o Manifesto Comunista).''


MANIFESTO COMUNISTA

Manifesto do Partido Comunista: um dos mais significativos documentos programáticos do comunismo fundado em bases científicas, que contém uma exposição coerente das bases da grande doutrina de Marx e Engels. "Esta obra expõe, com uma clareza e um vigor geniais, a nova concepção do mundo, o materialismo consequente aplicado também ao domínio da vida social, a dialéctica como a doutrina mais vasta e mais profunda do desenvolvimento, a teoria da luta de classes e do papel revolucionário histórico universal do proletariado, criador de uma sociedade nova, a sociedade comunista." (Lénine)

O Manifesto do Partido Comunista armou o proletariado com a demonstração científica da inevitabilidade do derrube do capitalismo e da vitória da revolução proletária, definiu as tarefas e objectivos do movimento proletário revolucionário. O Manifesto do Partido Comunista foi elaborado por Marx e Engels como programa da Liga dos Comunistas por decisão do seu II Congresso realizado em Londres entre 29 de Novembro e 8 de Dezembro de 1847. Representava o triunfo dos defensores da nova linha proletária no quadro das discussões havidas no interior do movimento. No âmbito deste debate Engels havia elaborado já um projecto de Princípios Básicos do Comunismo segundo a forma de "catecismo" ao tempo utilizada com frequência em documentos de diferentes organizações operárias e progressistas. No entanto, Marx e Engels rapidamente chegaram à conclusão de que a forma de "manifesto" seria a mais adequada à nova fase e aos objectivos da luta. Ainda em Londres e depois em Bruxelas, Marx e Engels trabalharam juntos na redacção do texto. Tendo Engels partido para Paris em finais de Dezembro, a versão definitiva foi elaborada por Marx fundamentalmente durante o mês de Janeiro de 1848 e remetida finalmente para Londres, onde viria a ser publicada pela primeira vez em fins de Fevereiro do mesmo ano.

COMO DESESTABILIZAR UMA NAÇÃO


Como desestabilizar uma nação - Chicken Little 1943. Dublado em Português.

Chicken Little é um filme de 1943 curta criado por Wlat Disney durante a segunda guerra mundial.



quinta-feira, 18 de julho de 2013

EVO, O TRAVESSO

O Estado de S.Paulo 18 de julho de 2013 | 2h 56

OPINIÃO

A diplomacia companheira trata a Bolívia como aquele irmão menor que, por mais inconveniente que seja, deve sempre ser perdoado por suas traquinagens. Resultado: Evo Morales, o menino travesso, sente-se cada vez mais à vontade para afrontar o Brasil. Em sua última pirraça, o governo boliviano mandou seus agentes vistoriarem três aviões da Força Aérea Brasileira que estavam no aeroporto de La Paz - uma das aeronaves estava a serviço do ministro da Defesa, Celso Amorim, em viagem oficial.

Todos os casos ocorreram em 2011 - dois em outubro e um em novembro - e só agora vieram a público. Em nenhum desses episódios os agentes bolivianos pediram autorização a representantes do governo brasileiro. Simplesmente invadiram os aviões, em busca sabe-se lá de quê - os agentes eram da divisão antinarcóticos, mas há suspeitas de que as autoridades bolivianas estivessem à procura do senador Roger Pinto Molina, opositor que há mais de um ano está refugiado na Embaixada do Brasil em La Paz.

Tais atos de violência teriam tido uma resposta à altura se o país ofendido fosse governado por dirigentes cientes de suas atribuições primárias. Mas o Brasil sob o lulopetismo é um país prisioneiro da fantasia ideológica bolivariana, que manda fechar os olhos para o comportamento irresponsável, autoritário e errático de governantes como Evo Morales e o venezuelano Nicolás Maduro, para ficar somente nos personagens latino-americanos que mais amiúde frequentam o noticiário por seus atentados contra a democracia e as boas relações internacionais.

A diplomacia nacional limitou-se a advertir a Bolívia, em dezembro de 2011, de que poderia adotar o "princípio da reciprocidade" caso houvesse nova vistoria em aviões brasileiros. Foram necessárias nada menos que três violações de soberania - porque é disso que se trata - para que o Brasil governado por Dilma Rousseff afinal se abalasse a reagir.

Quando o fez, porém, usou o mesmo tom complacente adotado nas crises anteriores, nas quais Evo Morales, de peito estufado, bradou que suas decisões, mesmo as flagrantemente ilegais, só diziam respeito à Bolívia.

Os exemplos dessa assimetria se multiplicam. Em 2006, pouco tempo depois de ter assistido à ocupação militar boliviana de uma instalação da Petrobrás, e ainda ouvir Evo acusar a empresa de "atividades ilegais", sendo esta apenas uma entre tantas bravatas antibrasileiras na ocasião, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em vez de reagir com firmeza à humilhação pública, pediu orações à Bolívia, "um país muito pobre, que precisa de ajuda".

A genuflexão do Brasil não comoveu Evo. Ao contrário: estimulou-o a acreditar que teria sempre o respaldo do "irmão mais velho". No caso do senador Molina, o presidente Evo Morales negou permissão para que o opositor saia do país e ainda acusou o embaixador brasileiro, Marcel Biato, de trabalhar para a oposição boliviana.

Em vez de reagir, o governo brasileiro trocou de embaixador, segundo informa o jornal Valor. Além disso, o mesmo Evo que não pede permissão de ninguém para inspecionar aviões oficiais brasileiros foi objeto de ruidosa solidariedade do Mercosul por ter tido seu avião oficial retido na Europa, por suspeita de que estivesse transportando Edward Snowden, procurado nos Estados Unidos após vazar informações confidenciais.

A imagem altiva da diplomacia lulopetista - aquela que vive a dizer que seus diplomatas não se submetem a revistas nos aeroportos dos Estados Unidos - não condiz com a humilhação de ver cães farejadores bolivianos fuçando num avião oficial do governo brasileiro.

Agora que a imprensa revelou o caso, Amorim disse que foi um procedimento "lamentável", mas o entrevero estava sendo mantido em sigilo certamente para não expor em público mais um exemplo do mau comportamento do presidente boliviano, aquele que é um dos símbolos da chamada "revolução bolivariana".

quarta-feira, 17 de julho de 2013

A BANALIZAÇÃO DA ESPIONAGEM

ZERO HORA 17 de julho de 2013 | N° 17494

Pio Giovani Dresch*

O mundo assistiu estupefato às revelações de um ex-agente da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos, sobre a espionagem que seu país praticou em larga escala em todo mundo, afetando governos, cidadãos e empresas. Tão intensa era a atividade, que muito provavelmente eu, que aqui escrevo, e você, que me lê, tivemos telefonemas ou mensagens eletrônicas monitoradas. O livro que lemos, a música que ouvimos e o que comemos em nossa última refeição, além, evidentemente, de nossa opinião sobre os mais diversos assuntos, tudo isso pode estar anotado em algum arquivo. O grande irmão está nos observando.

E a invasão da nossa privacidade, confirmação das previsões do estado panóptico, é apenas um dos lados da espionagem, que atinge igualmente segredos industriais e políticas de Estado.

O cinismo visto em alguns dos desdobramentos da revelação é de um trágico surrealismo. O autor das denúncias, Edward Snowden, não obtém asilo em nenhuma nação do mundo, e está retido desde 23 de junho em um aeroporto da Rússia, sob a ameaça de ser submetido nos Estados Unidos a uma corte marcial, que poderá condená-lo à prisão perpétua. Na tentativa de tirar-lhe qualquer alternativa, vários países europeus, eles próprios vítimas da espionagem, numa estranha combinação de vassalagem para com a potência maior e arrogância colonial em relação a um país do Terceiro Mundo, negaram sobrevoo ao avião que conduzia o presidente boliviano, porque suspeitavam albergasse clandestinamente o acusado.

Agem todos os países, mesmo os que esboçaram tímidos pedidos de explicação à águia americana, como se o denunciante devesse ser transformado num pária e a grave violação às suas soberanias e aos mais comezinhos princípios de privacidade, consagrados justamente na nação americana, fossem não mais que pequenos deslizes diplomáticos, a serem resolvidos por um pedido de esclarecimento.

Por outro lado, parece que os próprios cidadãos do mundo permanecem entorpecidos com a notícia da escandalosa prática. Talvez a nova cultura, bem expressa nas redes sociais, de exposição ao extremo da vida privada, tenha levado a uma banalização do voyeurismo, mesmo o estatal, e disso resultem não mais que chistes sobre o conhecimento que Obama tem da vida de cada um de nós. De certo modo, agimos como se não nos tivessem dito mais do que já sabíamos; afinal, se nossa vida já está de tal modo exposta, pouco altera saber que o grande irmão tem nosso nome e sobrenome.

Quanto a mim, que identifico no episódio uma criminosa violação de soberania nacional e do princípio de respeito à privacidade, e que não vejo a mobilização que gostaria de ver por parte dos Estados nacionais e dos organismos internacionais, sonho que as próximas manifestações de rua no Brasil, e também manifestações nos demais países, tenham como bandeira o fim da espionagem por parte do poder imperial.

*PRESIDENTE DA AJURIS

segunda-feira, 15 de julho de 2013

DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA?

ZERO HORA 15 de julho de 2013 | N° 17492

EDITORIAIS


Embora não seja uma demanda do país, mas sim de grupos minoritários movidos por ideologias fundamentadas no radicalismo, a chamada democratização da mídia tem aparecido secundariamente na pauta das manifestações que mobilizaram os brasileiros nas últimas semanas. Por conta de palavras de ordem plantadas por pseudolideranças avessas ao pluralismo de ideias e opiniões, alguns profissionais e veículos de comunicação, mais especialmente aqueles que tem liderança de mercado, têm sido inclusive hostilizados por manifestantes mais exaltados. Já se registraram em diferentes regiões do país casos de jornalistas agredidos, veículos incendiados e instalações vandalizadas atos que certamente não recomendam o modelo de democratização desejado pelos defensores da campanha.

Ainda assim, julgamos importante aproveitar o momento para uma reflexão sobre o tema, que pode ser dividido em pelo menos três aspectos interligados: liberdade de expressão, democratização e regulação. A liberdade de expressão está garantida pela Constituição Federal e é exatamente para preservá-la que o jornalismo responsável tenta desmascarar o autoritarismo embutido no badalado “controle social da mídia”. Só quem não aceita conviver com críticas é que pode pretender a tutela sobre os meios de comunicação e da imprensa, que já são submetidos diariamente ao mais eficiente dos controles, a escolha livre do público.

As teses da falta de democratização e do “monopólio dos meios” também têm sido confrontadas todos os dias pela isenta análise da realidade da comunicação no país, assim como pelo surgimento de novos veículos e pela extraordinária expansão da internet e, por consequência, das mídias online. Além disso, a tecnologia empoderou os indivíduos de tal forma que a telefonia fixa e móvel, a internet, a televisão por assinatura (por cabo, satélite ou micro-ondas) e as redes sociais passaram a produzir e distribuir conteúdos de entretenimento e informativos que competem com a mídia tradicional e tornam a informação ainda mais democrática.

Falta pluralismo e diversidade para a mídia brasileira? No nosso país existem 521 concessões de televisão, sendo 317 comerciais e 204 públicas e educativas. Das 9,6 mil emissoras de rádio existentes, 4,6 mil são operadas por empresas privadas e 4,9 mil por entidades comunitárias e educativas. Na área de mídia impressa, o leitor brasileiro conta com 4,8 mil jornais e 1,8 mil revistas. Somam-se a isso milhares de sites, blogs e portais acessados permanentemente por grande parte do público através da internet. Nesse ambiente, é uma fantasia absurda acusar quem quer que seja de monopolista. Vivemos, felizmente, num país que possui um parque de comunicação amplo e com diversidade, no qual os indivíduos decidem livremente o que querem ler, ouvir ou assistir.

Nesse contexto, garantida uma plataforma de distribuição compatível com o tamanho e as peculiaridades do Brasil, não faz qualquer sentido interferir no processo de livre produção de conteúdos.

Porém, sob o falso pretexto de que os meios de comunicação do país são dominados por poucas empresas proprietárias que não refletiriam a pluralidade e a diversidade da sociedade, determinados fóruns e segmentos de partidos políticos pressionam o governo e o Congresso pela aprovação de uma lei com potencial para impor sérias restrições à liberdade de informação. A regulação na área da distribuição é necessária. Não há problema algum em se discutir a legislação das comunicações no que diz respeito à utilização do espectro de meios, com as suas várias possibilidades de acesso ao público. Esta legislação precisa mesmo ser constantemente atualizada para acompanhar a evolução da sociedade e os avanços tecnológicos. Só não se pode ignorar que este já é um setor altamente regulado tanto por leis específicas da área de comunicação, com centenas de normas técnicas controladas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), quanto por códigos normativos como o Estatuto da Criança e do Adolescente ou a Lei da Classificação Indicativa para a programação de tevê. O próprio Judiciário, com base na legislação vigente e quando demandado, tem sido o guardião deste marco regulatório. Há, certamente, pontos a avançar. Um deles é o direito de resposta, que poderia ser regulado no que se refere à retificação de erros, embora, nesse sentido, muitas empresas de comunicação responsáveis já contemplem em seus códigos de ética princípios de autorregulamentação que têm por objetivo exatamente a proteção do público.

A democracia é sempre uma obra inacabada. Até por isso tem que ser protegida da ação de pessoas comprometidas com ideologias autoritárias, que se fingem de vanguardistas para sufocar a liberdade de expressão e constranger e ameaçar a mídia independente.

domingo, 14 de julho de 2013

NO ESPAÇO, BRASIL FICA A MERCÊ DO ESPIÃO


País investiu R$ 1,5 bilhão para ter próprios foguetes e satélites, mas nenhuma missão chegou ao fim

ROBERTO MALTCHIK
O GLOBO
Atualizado:13/07/13 - 22h03

Três décadas de atraso VLS-1, no Centro de Lançamento de Alcântara. Missão começou em 1979, porém ainda não houve lançamento bem sucedido Divulgação Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE)/DCTA Divulgação/IAE/DCTA


RIO - O Brasil não apenas tem ferramentas insuficientes para conter ações de espionagem operadas por satélites como está muito longe de conhecer os meios pelos quais informações estratégicas são capturadas pelos Estados Unidos ou por qualquer outra nação. Todas as missões de tecnologia de ponta “made in Brazil” para captar do espaço dados e imagens na Terra estão pelo caminho ou convivem com atrasos simbólicos de um programa que se notabiliza pela falta de planejamento de longo prazo.

Levantamento inédito feito pelo GLOBO permite afirmar que as cinco principais operações lançadas na última década para construir satélites ou foguetes — única fórmula para o teste completo de uma nova tecnologia no setor aeroespacial — já receberam R$ 1,5 bilhão. Porém, nenhuma missão foi concluída até hoje, o que torna o país incapaz de fabricar equipamentos que, ao menos, identificariam a localização do espião.

Como resultado, além da obsolescência de componentes e desperdício de tempo e dinheiro, o país é refém de quem o espiona para monitorar o que ocorre em território nacional. Pior: depende da boa vontade — ou não — de outros países para dar seguimento aos principais projetos neste setor, cuja marca é o rigor técnico e o controle de falhas.

Defeito difícil de justificar

Foi exatamente a falta de competência técnica que levou o Brasil a comprar dos americanos uma espécie de transformador que regula a energia de um satélite que deveria ter sido lançado no ano passado. Trata-se do satélite Cbers 3, o quarto de uma família de cinco equipamentos produzidos em cooperação com a China para o registro de dados e imagens da Terra.

Ocorre que este “transformador de energia” apresentou sérios defeitos. O lançamento está atrasado em pelo menos um ano. E fonte graduada do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) afirma: a compra do equipamento talvez “não tenha sido a melhor escolha” e “é difícil encontrar justificativa” para a quantidade de defeitos identificada nesse componente vital.

Curiosamente, o Brasil lançou há pouco menos de dez anos um projeto chamado de Plataforma Multimissão (PMM), cujo objetivo é exatamente o desenvolvimento do componente de suprimento de energia. Mas a missão da PMM ainda repousa em solo, dentro do Inpe.

O nó tecnológico se repete em sistemas ainda mais sensíveis, como a correção do rumo de uma câmera de vídeo a bordo de um satélite, que depende de um dispositivo para controle de atitude e órbita. Este mecanismo permite que o “dono do satélite” mude a rota de sua abordagem. Um sistema como esse, por exemplo, fez com que, na Guerra das Malvinas, os americanos mudassem o curso de um satélite e suspendessem o serviço de dados meteorológicos para o Brasil durante alguns dias. Só este ano o Brasil testará seu componente.

O ministro da Ciência e Tecnologia admite, sem rodeios, que o Brasil enfrentou graves dificuldades — seja por pressão externa ou por desorganização interna — para fazer engrenar o programa. E afirma que o país demorou muito a compreender que cabe à iniciativa privada, induzida pelo Estado, tocar os projetos que incorporam novas tecnologias.

— A marca do Programa Espacial Brasileiro é o atraso, não só na área de lançadores (foguetes) como de satélites. O Cbers está atrasado. Outros projetos estão atrasados. A minha opinião é que nós não temos um sistema eficaz de operacionalizar esse processo. Trata-se de repartições públicas de administração direta. O input de recursos é falho. Você não entrega os recursos na hora em que são necessários — afirmou ao GLOBO o ministro da Ciência e Tecnologia, Marco Antônio Raupp.

Oportunidade única perdida

Enquanto o Brasil patinou, China, Índia e Coreia do Sul fizeram seu dever de casa e usaram o que os técnicos chamam de “janela de oportunidade”, criada com o fim da Guerra Fria, para se aproximar minimamente dos grandes detentores de tecnologia espacial: EUA, Rússia, França e Japão.

Como ilustração, não há exemplo melhor do que o antigo projeto do Veículo Lançador de Satélites (VLS), cuja marca é um incêndio sem explicação determinada que matou 21 especialistas no Centro de Lançamento de Alcântara, há dez anos.

O projeto foi aprovado em 1979, como parte de um ambicioso plano para que o Brasil ingressasse no seleto grupo de países que dominam a tecnologia de uso do espaço para fins pacíficos. O VLS daria ao Brasil o conhecimento necessário para posicionar equipamentos no espaço, a chamada tecnologia de controle de órbita. Sem isso, não há voo espacial para pôr satélites em funcionamento.

Porém, passados 34 anos, o Brasil já aplicou cerca de R$ 350 milhões no VLS e ainda não domina essa tecnologia. O orçamento claudicou e equipamentos deixaram de ser comprados ou ficaram obsoletos a ponto de perder a garantia operacional. O projeto passou a respirar por aparelhos.

— Considerando-se a pressão do mercado externo e a busca por resultados efetivos, é cada vez mais difícil a manutenção do projeto com recursos esparsos, os quais causam constantes atrasos e até retrocesso no desenvolvimento do veículo — admitiu o gerente do VLS-1 no Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), coronel Alberto Walter da Silva Melo Júnior.

O cronograma indica que o VLS será acionado entre 2015 e 2016. Para tanto, será preciso planejamento contínuo. Caso contrário, o atraso continuará sendo a única certeza constante.

PORTA ABERTA À ESPIONAGEM

Todos os caminhos levam... à NSA Foto: Reuters

Comunicações de Brasil e região dependem dos EUA, o que põe até dados militares em risco

De um orçamento previsto de R$ 90 milhões, o Brasil investiu R$ 11,3 milhões até agora em defesa cibernética neste ano
Decisões sobre segurança em comunicações envolvem 35 departamentos de 15 ministérios e 300 órgãos municipais, estaduais e federais
JOSÉ CASADO 
O GLOBO
Atualizado:13/07/13 - 22h03

O Ministro das Comunicações Paulo Bernardo durante sua exposição na Comissão do Senado Ailton de Freitas / Agência O Globo


RIO - O Brasil e outros 31 países da América Latina mantêm abertas suas redes públicas e privadas de comunicação. Essas nações têm em comum, além da retórica governamental, a ausência de políticas efetivas de proteção da infraestrutura de telecomunicações e do tráfego de dados nas redes de internet.

As revelações do GLOBO na semana passada sobre atividades de espionagem da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) no Brasil e na América Latina aumentaram a percepção da vulnerabilidade. No caso brasileiro, até motivaram as Forças Armadas a uma análise de “dados militares ou dados de interesse militar que podem ter sido atingidos e obtidos” — segundo o Ministério da Defesa. Os resultados não são conhecidos. Sabe-se também que o sistema de comunicações diplomáticas está sob revisão.

O histórico de leniência dos governos da região na segurança dos fluxos domésticos de dados resultou em situações paradoxais. O Brasil, por exemplo, na última década se tornou um dos cinco maiores consumidores mundiais em serviços de telecomunicações, equipamentos, sistemas operacionais e aplicativos de computação. Mas, pessoas, empresas e instituições continuaram expostas a todo tipo de espionagem.

Pontos de troca de tráfego

Os documentos da NSA, aos quais O GLOBO teve acesso, foram copiados por Edward Snowden, ex-colaborador da agência. Eles mostram o Brasil como um dos países mais espionados, durante a última década, ao lado de China, Rússia, Índia, Paquistão e Irã. Provam, também, que até 2002 funcionou em Brasília uma das 16 estações de espionagem nas quais agentes da NSA trabalharam com equipes da CIA (Agência Central de Inteligência). Não se sabe se as atividades em Brasília continuaram.

O embaixador dos EUA em Brasília, Thomas Shannon, confirmou ao ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, no entanto, o prosseguimento da “coleta de metadados” (números discados, troncos e ramais telefônicos usados, duração, data hora, localização, endereços eletrônicos de remetentes e de destinatários de mensagens, assim como sites visitados).

O embaixador ressalvou, segundo o ministro, que isso acontece “fora do território brasileiro”. Por essa versão oficial da diplomacia americana, a filtragem de dados estaria ocorrendo nos chamados Pontos de Troca de Tráfego. Ou seja, nas conexões de redes de dados nacionais com as supervias da internet, que facilitam a interligação entre usuários nos cinco continentes, de forma direta e em frações de segundos.

Aluguel caro, pouco gasto interno

Todas as redes da América Latina têm troncos-chave de conexão global operados por empresas instaladas em território americano. O Brasil paga cerca de US$ 650 milhões por ano pelo acesso de suas redes a essas supervias, a partir dos conectores nos EUA. O fluxo doméstico de dados ocorre por quatro delas, em cabos submarinos que passam pelo litoral do Rio, em Santos e em Fortaleza. Daí seguem para os Pontos de Troca de Tráfego instalados nos Estados Unidos, onde são feitas as conexões entre o Brasil e o resto do mundo.

O contínuo armazenamento de registros de comunicação (metadados), agora confirmado pelo embaixador dos EUA, é apenas um dos meios utilizados pela NSA na busca por informações privilegiadas. O acesso ao conteúdo das comunicações (por texto, voz e imagem) ocorre a partir de equipamentos e programas desenvolvidos pela agência em parceria com a indústria instalada nos Estados Unidos, e sob patrocínio da legislação de segurança nacional. Pela documentação da NSA, no Brasil e na América Latina foram aplicados vários sistemas de espionagem, entre o ano de 2002 e o último mês de março — não é possível afirmar se as operações prosseguem.

Em tese, poderiam ser consideradas mais protegidas áreas públicas e privadas onde as comunicações são codificadas. No Brasil, isso ocorre basicamente nos segmentos militar, diplomático, financeiro e energético (Petrobras e ANP). Na prática, a insegurança prevalece. É certo, por exemplo, que as representações diplomáticas do Brasil em Washington e na ONU (Nova York) estiveram no “alvo” da NSA — indica documentação da agência de setembro de 2010. Não foi possível confirmar se aconteceu.

São múltiplas as evidências das fragilidades brasileiras:

* No orçamento federal do ano passado, estavam reservados R$ 111 milhões para investimento em Defesa Cibernética, mas só foram usados R$ 34,4 milhões. Neste ano, foram R$ 90 milhões, mas até a última terça-feira (9/7) os gastos somavam R$ 11,3 milhões — informa a ONG Contas Abertas;

* Desde 1968, portanto há 45 anos, o país guarda planos para construção de um satélite de comunicações — atualmente aluga oito, todos de empresas estrangeiras. Decidiu-se para o próximo mês o início do processo de compra de um, ao custo de R$ 700 milhões;

* Dependente das redes, de equipamentos e software externos para manter seu fluxo de dados, o país sequer dispõe de padrões locais de segurança;

* Prevalece a burocracia. Pelas contas do chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general José Elito Carvalho Siqueira, as decisões sobre segurança em comunicações envolvem 35 departamentos de 15 ministérios e mais 300 organismos federais, estaduais e municipais.

Os EUA avançam na direção oposta: a lei protege a espionagem de estrangeiros, e políticas oficiais induzem a alianças entre a NSA e empresas privadas.

As parcerias corporativas da NSA foram intensificadas no governo George W. Bush. Há um acordo básico de segurança de rede (“Network Security Agreement”) entre a agência e empresas como AT&T, QWest, EDS, H-P, Motorola, Cisco, Qualcomm, Oracle, IBM, Intel, Verizon e Microsoft, entre outras.

Em 2004, organizações civis protestaram na Justiça. Bush mudou a lei e blindou empresas. Seu sucessor, Barack Obama, expandiu o raio de ação da NSA: ela fez alianças com Yahoo, Google, Facebook, Paltalk, YouTube, Skype, AOL. A Apple aderiu em outubro do ano passado.

Essas 20 empresas foram procuradas nos EUA. Dezesseis não responderam. A Motorola e a Qwest preferiram não comentar. A Cisco alegou que não fornece a “nenhuma agência do governo acesso às nossas redes e cumpre com as leis e regulamentos dos países em que opera”. Exemplificou com o software-espião “Prism” da NSA: “Não é um programa Cisco e redes Cisco não participam do programa. Além disso, a Cisco não monitora comunicações de cidadãos privados ou organizações governamentais na China, no Brasil ou em qualquer lugar.”

A Google afirmou que seu acordo com a NSA é público há quase quatro anos: “Qualquer um pode baixá-lo no site da Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês). Abrange o cabo submarino “Unity” que corre entre o Japão e os Estados Unidos. Como sempre dissemos, não permitimos equipamentos do governo em propriedades do Google para coleta de dados.”

Esse tipo de cooperação semeia ambiguidade nas relações empresas-consumidores. O Google diz aos usuários privilegiar “segurança e privacidade”, mas o governo da Suécia proibiu o uso de seus aplicativos em ambientes de trabalho. A Microsoft, que fatura US$ 3 bilhões por ano em vendas ao governo brasileiro, é lacônica nos “termos de uso” dos seus softwares: “Sua privacidade é nossa prioridade”.

Colaborou Flávia Barbosa, de Washington

sábado, 13 de julho de 2013

O FASCISMO DO POLITICAMENTE CORRETO





De que adianta manter as crianças numa redoma, se o mundo está cheio de lobos maus?

WALCYR CARRASCO

REVISTA ÉPOCA, 12/07/2013 21h10


Vivo numa democracia. Como escritor, é difícil ter certeza disso. Acho que todo artista em algum momento teve a mesma sensação. Pessoas comuns também. A proibição em torno do que deve ser ou não falado é de lascar. As crianças são usadas como pretexto para proibições que nada têm de democráticas. Existe o veto claro, por meio de leis batalhadas pelas ONGs que se dizem bem-intencionadas. Mas também o realizado por grupos, professores e até pais de alunos que, eventualmente, criam situações constrangedoras para os mestres. Houve um caso, há anos, em que uma professora adotou, num colégio, um livro em que dois adolescentes tinham uma relação sexual – a primeira e mais romântica de suas vidas. Um pai exaltado reclamou. A saída encontrada pela direção foi arrancar a página da cena em que se realizava o ato, de todos os livros já comprados. Mas Shakeaspeare não mostra, em seu inesquecível Romeu e Julieta, dois adolescentes passando uma noite juntos? Escrevo livros infantojuvenis. Nunca me aventurei a falar de sexo por um simples motivo: a maioria dos pré-adolescentes sabe bem mais do que eu poderia escrever!
Professores cedem à pressão. Escolhem livros que não ofereçam riscos de reclamação. Da mesma maneira, o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe colocar as crianças em situações constrangedoras. Aqui no Brasil, seria impossível filmar O exorcista, já que a menina possuída pelo demônio vive situações de violência. Outro dia, estive num debate em que, como sempre, a televisão foi duramente atacada.

– Como vocês podem mostrar situações de violência? E as crianças?

Resolvi falar das histórias de fadas:

– Joãozinho e Maria são abandonados pelos pais numa floresta. Atraídos pela bruxa má, Maria se torna escrava doméstica e Joãozinho é preso em cárcere privado, para engordar. Será, então, devorado pela bruxa. Engana a canibal e mostra um ossinho de frango no lugar do dedo, para fingir que continua magro. Finalmente, ela resolve assá-lo. Com a ajuda de Maria, Joãozinho empurra a bruxa para dentro do forno. Apoderam-se de suas riquezas e voltam para os pais, que os recebem felizes.

Quando terminei, houve um silêncio. Ninguém pensara nesse e noutros contos de fadas, muito mais fortes que qualquer novela de televisão. Concluí:

– Mas o conto é instrutivo. Ajuda a criança a lidar, simbolicamente, com sentimentos de rejeição familiares. A saber que há um mundo difícil a enfrentar lá fora. Do ponto de vista do inconsciente, é rico em possibilidades.

As ONGs e os defensores do politicamente correto se apoiam em questões que julgam ser objetivas. Dividem o mundo entre bom e mau. Confundem o que é complexo com o nocivo. Mesmo a Cinderela, tão querida do público infantil, não pode passar por uma interesseira, que se casa baseada no status do príncipe? Hummm... mas a questão é que esse é um conto de formação, que novamente lida com a rejeição e a existência de qualidades intrínsecas ao ser humano, aquelas que sobressaem mesmo quando negadas. O inconsciente não funciona como uma receita de bolo, em que determinados ingredientes levam aos mesmos resultados. É um sistema complexo e simbólico. Vivenciar a realidade por meio da ficção é uma preparação para a vida adulta e para este mundo, que não anda nada fácil.

As restrições já deixaram o campo da teoria. Além de livros inscritos num “índex educacional”, há escolas que aboliram o Dia das Mães e dos Pais. Argumentam que, com as novas famílias, divórcios, recomposições, deve ser comemorado o Dia da Família. Não é errado de um ponto de vista teórico. Poderia ser incorporado no calendário, assim como o Natal – que, para mim, sempre foi o dia da família, mas enfim... Defendo o Dia das Mães e dos Pais. É uma maneira de festejar um vínculo emocional, de reforçar os laços de amor, de dizer novamente: “Eu te amo”.

Estruturar o mundo por meio do politicamente correto é criar proibições que afetam as obras artísticas. Mais que isso, as relações com as crianças. De que adianta criá-las numa redoma, se o mundo lá fora está cheio de lobos maus e um dia será preciso enfrentar alguns deles?

Antes eu achava que o “politicamente correto”era apenas uma grande bobagem. É mais sério: tornou-se um exercício de controle, travestido de boas intenções. Sob a capa de democrático, revive anseio por um mundo autoritário e, por que não dizer, fascista.

POR QUE É TÃO FÁCIL ESPIONAR O BRASIL

REVISTA ISTO É N° Edição: 2278 | 13.Jul.13 - 09:52


A ausência de um sistema eficiente de defesa cibernética torna o País vulnerável à espionagem internacional, coloca em risco áreas estratégicas e fere o direito à privacidade de governos, indivíduos e empresas

Claudio Dantas Sequeira e Paulo Moreira Leite



ALVO
Da esq. para a dir., os ministros Celso Amorim (Defesa), José Elito (Segurança
Institucional) e Paulo Bernardo (Comunicações) deixam reunião que, na
terça-feira 9, discutiu como o Brasil deve reagir às denúncias de espionagem

A maturidade do sistema de defesa cibernética de um país pode ser avaliada por meio de um índice chamado CMMI, referência do setor de tecnologia. Segundo um estudo recente realizado por especialistas na área de segurança, o Brasil recebeu nota “1 menos”, em uma escala que vai de 1 a 6. Significa, portanto, que o País está perto da nota mínima, mas ainda não atende todos os requisitos para merecê-la. Entre as nações em desenvolvimento, a Índia aparece com índice 2,5 e os Estados Unidos, numa posição próxima de 5. Numa comparação simples, é como se nosso Brasil fosse um recém-nascido incapaz de resistir a uma gripe – muito menos a uma pneumonia. Com exceção de grandes empresas e bancos, os poderes públicos e os indivíduos que residem no País vivem à mercê da espionagem alheia. Em novo capítulo de suas denúncias contra a Agência de Segurança Nacional (NSA) americana, Edward Snowden, um antigo técnico da CIA que prestava serviços de consultor ao serviço secreto americano, acusou o governo dos Estados Unidos de monitorar bilhões de ligações telefônicas, mensagens e atividades de brasileiros em redes sociais. A denúncia apontou ainda para a existência de uma base de espionagem em Brasília, coração político do País.

Embora não tenham sido divulgados detalhes, como nome de pessoas espionadas, números de telefones ou o conteúdo de e-mails, a ação invasiva dos Estados Unidos não é uma novidade, o que não significa que deva ser tolerada. Em conversas fechadas, a presidenta Dilma Rousseff refere-se ao caso como “bisbilhotice”. Mas a cobrança por explicações tem razão de ser. Os países admitem que nações amigas enviam agentes de informação a seus territórios. A maioria desembarca no estrangeiro sem esconder a própria condição, definida no jargão diplomático como “agentes de segurança”. Com o passar do tempo, muitos são identificados pelo governo anfitrião e mantêm uma postura de colaboração em função de objetivos comuns aos governos dos dois países. A operação denunciada por Snowden, porém, não tinha essa natureza. O ex-técnico da CIA apontou para uma atividade ilegal – a possibilidade de acesso a informações reservadas, prática que não é reconhecida por tratados internacionais nem prevista em eventuais acordos paralelos entre Brasil e Estados Unidos. O debate reside aqui. Em depoimento no Senado, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, disse que o governo brasileiro “está convencido” de que as agências de informação tiveram acesso ao conteúdo das mensagens monitoradas. Numa postura considerada insatisfatória pelo governo brasileiro, os diplomatas de Washington, ao menos até agora, sustentam que as mensagens foram monitoradas – mas sem acesso ao conteúdo.


BIG BROTHER
Em Paris, manifestantes carregam cartazes contra o governo
americano, acusado de espionagem pelo ex-agente Snowden

O aspecto político não esconde o abismo tecnológico que separa os dois países, diferença que deixa o governo americano numa imensa vantagem para conhecer os segredos de parceiros em todo o planeta. Na vanguarda do conhecimento tecnológico mundial, seja pelo vigor único de suas pesquisas, seja pelo volume dos recursos que foram capazes de mobilizar, os Estados Unidos construíram a internet – essa maravilhosa rede que conecta bilhões de cidadãos e empresas de todo planeta – como uma “colônia americana”, conforme definição crua do jornal “The New York Times”. A ausência de um sistema eficiente de defesa no Brasil e em outros países é a contrapartida de uma história tímida no campo das pesquisas autônomas e da produção própria.

Conforme vários especialistas ouvidos por ISTOÉ, a ação de espionagem é apenas a ponta de um iceberg. Em caso de conflito grave, a ausência de uma proteção digital eficiente coloca em risco, por exemplo, o funcionamento de hidrelétricas, linhas de transmissão, plataformas petrolíferas, oleodutos, aeroportos e metrôs, como experimentaram países que enfrentaram confrontos internacionais em posição desvantajosa, como ocorreu recentemente com o Irã e seu programa nuclear. No governo Fernando Henrique Cardoso, quando duas multinacionais disputavam a concorrência para os radares do sistema Sivam, da Amazônia, vários segredos do governo brasileiro foram interceptados. Nada garante que, de lá para cá, a situação geral tenha se modificado, como admitiu o ministro da Defesa, Celso Amorim, em depoimento ao Senado. “A situação em que a gente se encontra hoje é de vulnerabilidade”, admitiu o ministro, assegurando que, na falta de proteção tecnológica eficiente, procura resguardar-se de forma singela: evita escrever e-mails importantes em seu computador. No depoimento, Amorim recordou os contratos “por trás da porta” de empresas americanas com o governo de seu país. Mantendo uma relação de grande proximidade, que torna difícil enxergar onde termina a instituição privada e onde começa o Estado, esses acordos permitem o acesso indevido a informações privadas. Os documentos liberados por Snowden sugerem um caso de colaboração estreitíssima entre a Microsoft e a NSA. Conforme a denúncia, a Microsoft auxiliava a agência a quebrar o sistema criptográfico que protegia seus usuários.



Uma semana antes das revelações de Snowden, autoridades do Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência) se reuniram em Brasília, preocupados com a entrada de empresas estrangeiras na área de segurança e inteligência dos aeroportos brasileiros. Presente ao encontro, um coronel alertou para a entrega do aeroporto internacional de Brasília ao consórcio Inframérica, liderado por um grupo argentino. “Eles terão acesso ao controle do espaço aéreo brasileiro. É uma temeridade”, disse. De acordo com os documentos vazados por Snowden, a base de operações da NSA no Brasil teve acesso ao tráfego de dados dos satélites da Embratel, de propriedade do mexicano Carlos Slim, e ainda dos cabos submarinos de fibra óptica, nas mãos da Global Crossing, do grupo Level 3, multinacional com sede no Colorado, nos Estados Unidos. Facebook, Skype, Microsoft e Google também são frequentemente acusados de abrir dados privados de seus usuários para a NSA, atividade que todas negam.

“É prática corrente nos Estados Unidos o governo implantar um representante ou mesmo uma célula da NSA nas empresas que são concessionárias de serviços estratégicos como a telefonia”, diz o analista de segurança nacional Salvador Raza. Autor do estudo sobre maturidade da segurança cibernética no Brasil, ele integrou o grupo de especialistas que desenhou o atual modelo de defesa digital dos Estados Unidos. “Não há como grampear telefones e e-mails, saber de seu conteúdo, sem autorização das empresas de telefonia”, garante Raza. Em sua opinião, uma das primeiras medidas para mitigar essa fragilidade estrutural é criar um órgão específico de segurança digital. A administração pública federal possui 320 redes de computadores, incluída aí a de uso restrito da Presidência da República. A segurança dessas redes é feita por um pequeno departamento do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). O Exército também possui um núcleo de defesa cibernética, criado há apenas dois anos e cuja atividade ainda é incipiente.

Na semana passada, o embaixador americano Thomas Shannon foi recebido por Antonio Patriota, ministro das Relações Exteriores. Na audiência, Shannon confirmou a fama de diplomata bem-humorado. Referindo-se à sua saída do posto em Brasília, lembrou que sua passagem ficará marcada por episódios ligados a informações confidenciais. “Cheguei no caso do WikiLeaks e vou embora com as denúncias de espionagem”, disse Shannon, que não ofereceu nenhum esclarecimento que pudesse aliviar o mal-estar entre os dois países. O episódio pode se transformar num trunfo para a diplomacia brasileira. Ao lado da Índia, o Brasil tem se mobilizado, em organismos internacionais, para a produção de acordos capazes de criar regras destinadas a equilibrar duas forças antagônicas – a liberdade que todos apreciam na internet com o controle sobre atividades criminosas, como a espionagem, que pode ser cometida através da rede.



Antes da denúncia de Snowden, o governo americano recusava toda tentativa de interferência na internet, com a alegação de que tinha condições de manter a situação sob controle, sem sacrificar a liberdade dos usuários. Agora, esse argumento perdeu força. Até porque a denúncia não se limita ao Brasil. Revelações de espionagem americana se tornaram assunto quente na campanha eleitoral alemã, deixando o governo de Angela Merkel na desconfortável posição de oferecer explicações. O chanceler Antonio Patriota anunciou que pretende recorrer à ONU, a fim de buscar uma definição sobre normas de comportamento para os países quanto à privacidade das comunicações.

Os antecedentes mostram que não se trata de uma iniciativa simples. Aprovada em 2005 pelos países da União Europeia, a Convenção de Budapeste prevê o chamado “acesso transfronteiriço”, pelo qual um Estado membro pode acessar diretamente informações em servidores localizados em outro país, sem autorização prévia. É uma ideia que até faz sentido num continente que se vê como uma realidade supranacional e possui uma moeda própria. Mas teria difícil aplicação em outras partes do mundo, onde as nações travam uma competição encarniçada pelo conforto de suas populações.

Foto: ANDRE COELHO/Agência O Globo
Foto: KENZO TRIBOUILLARD/afp


segunda-feira, 8 de julho de 2013

JORNALISTA É CONDENADO POR SUPOSTO TEXTO CONTRA JUIZ


O ESTADO DE S.PAULO, 08 de julho de 2013 | 15h 49

ANTÔNIO CARLOS GARCIA - Agência Estado



O jornalista sergipano Cristian Góes foi condenado, em primeira instância, a sete meses e 16 dias de detenção, revertido a prestação de serviço a entidades assistenciais, pela juíza Brígida Declerc, do Juizado Especial Criminal em Aracaju, numa ação movida pelo desembargador e vice-presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe, Edson Ulisses de Melo. O magistrado se sentiu ofendido num texto publicado pelo jornalista, intitulado "Eu, o coronel em mim", publicado em seu blog em maio do ano passado. Apesar do texto não ter o nome de ninguém, o desembargador entendeu que a crítica se refere a ele e ao governador de Sergipe, Marcelo Déda. Edson Ulisses é cunhado do govenador Déda.

O desembargador, que não foi localizado para se pronunciar sobre a sentença, disse em audiência que "todo mundo sabe que ele escreveu contra o governador e contra mim. Não tem nomes e nem precisa, mas todo mundo sabe que o texto ataca Déda e a mim". A possível ofensa sofrida pelo desembargador ocorre quando o jornalista cita a expressão "jagunço das leis". Por isso, ele pediu a prisão do jornalista.

O advogado do jornalista, Antônio Rodrigues, disse que como foi uma decisão em primeira instância, ele irá recorrer. "Em razão de ser uma sentença absurda, não acreditamos que ela prospere, mas se for o caso, vamos ao STF em razão da decisão ferir gravemente a Constituição Federal. E, quem sabe, podemos ir ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e as cortes internacionais de Direitos Humanos", afirmou o advogado.

Além da ação criminal, o desembargador Edson Ulisses entrou com ação cível por danos morais contra o jornalista e pediu que o juiz estabeleça um valor para indenização.

EUA ESPIONARAM MILHÕES DE E-MAILS E LIGAÇÕES DE BRASILEIROS

País aparece como alvo na vigilância de dados e é o mais monitorado na América Latina

GLENN GREENWALD, ROBERTO KAZ E JOSÉ CASADO
O GLOBO
Atualizado:6/07/13 - 15h25

O ex-técnico da CIA Edward Snowden, que denunciou um gigantesco esquema de espionagem liderado pela Agência Nacional de Segurança dos EUA HANDOUT / REUTERS/9-6-2013


RIO - Na última década, pessoas residentes ou em trânsito no Brasil, assim como empresas instaladas no país, se tornaram alvos de espionagem da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (National Security Agency - NSA, na sigla em inglês). Não há números precisos, mas em janeiro passado o Brasil ficou pouco atrás dos Estados Unidos, que teve 2,3 bilhões de telefonemas e mensagens espionados.

É o que demonstram documentos aos quais O GLOBO teve acesso. Eles foram coletados por Edward Joseph Snowden, técnico em redes de computação que nos últimos quatro anos trabalhou em programas da NSA entre cerca de 54 mil funcionários de empresas privadas subcontratadas - como a Booz Allen Hamilton e a Dell Corporation.

No mês passado, esse americano da Carolina do Norte decidiu delatar as operações de vigilância de comunicações realizadas pela NSA dentro e fora dos Estados Unidos. Snowden se tornou responsável por um dos maiores vazamentos de segredos da História americana, que abalou a credibilidade do governo Barack Obama.

Os documentos da NSA são eloquentes. O Brasil, com extensas redes públicas e privadas digitalizadas, operadas por grandes companhias de telecomunicações e de internet, aparece destacado em mapas da agência americana como alvo prioritário no tráfego de telefonia e dados (origem e destino), ao lado de nações como China, Rússia, Irã e Paquistão. É incerto o número de pessoas e empresas espionadas no Brasil. Mas há evidências de que o volume de dados capturados pelo sistema de filtragem nas redes locais de telefonia e internet é constante e em grande escala.

Criada há 61 anos, na Guerra Fria, a NSA tem como tarefa espionar comunicações de outros países, decifrando códigos governamentais. Dedica-se, também, a desenvolver sistemas de criptografia para o governo.

A agência passou por transformações na era George W. Bush, sobretudo depois dos ataques terroristas em Nova York e Washington, em setembro de 2001. Tornou-se líder em tecnologia de Inteligência aplicada em radares e satélites para coleta de dados em sistemas de telecomunicações, na internet pública e em redes digitais privadas.

O governo Obama optou por reforçá-la. Multiplicou-lhe o orçamento, que é secreto como os de outras 14 agências americanas de espionagem. Juntas, elas gastaram US$ 75 bilhões no ano passado, estima a Federação dos Cientistas Americanos, organização não governamental especializada em assuntos de segurança.

Outro programa amplia ação

A NSA tem 35,2 mil funcionários, segundo documentos. Eles informam também que a agência mantém “parcerias estratégicas” para “apoiar missões” com mais de 80 das “maiores corporações globais” (nos setores de telecomunicações, provedores de internet, infraestrutura de redes, equipamentos, sistemas operacionais e aplicativos, entre outros).

Para facilitar sua ação global, a agência mantém parcerias com as maiores empresas de internet americanas. No último 6 de junho, o jornal “The Guardian” informou que o software Prism permite à NSA acesso aos e-mails, conversas online e chamadas de voz de clientes de empresas como Facebook, Google, Microsoft e YouTube.

No entanto, esse programa não permite o acesso da agência a todo o universo de comunicações. Grandes volumes de tráfego de telefonemas e de dados na internet ocorrem fora do alcance da NSA e seus parceiros no uso do Prism. Para ampliar seu raio de ação, e construir o sistema de espionagem global que deseja, a agência desenvolveu outro programas com parceiros corporativos capazes de lhe fornecer acesso às comunicações internacionais.

Um deles é o Fairview, que viabilizou a coleta de dados em redes de comunicação no mundo todo. É usado pela NSA, segundo a descrição em documento a que O GLOBO teve acesso, numa parceria com uma grande empresa de telefonia dos EUA. Ela, por sua vez, mantém relações de negócios com outros serviços de telecomunicações, no Brasil e no mundo. Como resultado das suas relações com empresas não americanas, essa operadora dos EUA tem acesso às redes de comunicações locais, incluindo as brasileiras.

Ou seja, através de uma aliança corporativa, a NSA acaba tendo acesso aos sistemas de comunicação fora das fronteiras americanas. O documento descreve o sistema da seguinte forma: “Os parceiros operam nos EUA, mas não têm acesso a informações que transitam nas redes de uma nação, e, por relacionamentos corporativos, fornecem acesso exclusivo às outras [empresas de telecomunicações e provedores de serviços de internet].”

Companhias de telecomunicações no Brasil têm esta parceria que dá acesso à empresa americana. O que não fica claro é qual a empresa americana que tem sido usada pela NSA como uma espécie de “ponte”. Também não está claro se as empresas brasileiras estão cientes de como a sua parceria com a empresa dos EUA vem sendo utilizada.

Certo mesmo é que a NSA usa o programa Fairview para acessar diretamente o sistema brasileiro de telecomunicações. E é este acesso que lhe permite recolher registros detalhados de telefonemas e e-mails de milhões de pessoas, empresas e instituições.

Para espionar comunicações de um residente ou uma empresa instalada nos Estados Unidos, a NSA precisa de autorização judicial emitida por um tribunal especial (a Corte de Vigilância de Inteligência Estrangeira), composto de 11 juízes que se reúnem em segredo. Foi nessa instância, por exemplo, que a agência obteve autorização para acesso durante 90 dias aos registros telefônicos de quase 100 milhões de usuários da Verizon, a maior operadora de telefonia do país. Houve uma extensão do pedido a todas as operadoras americanas - com renovação permanente.

Fora das fronteiras americanas, o jogo é diferente. Vigiar pessoas, empresas e instituições estrangeiras é missão da NSA, definida em ordem presidencial (número 12333) há três décadas.

Na prática, as fronteiras políticas e jurídicas acabam relativizadas pelos sistemas de coleta, processamento, armazenamento e distribuição das informações. São os mesmos aplicados tanto nos EUA quanto no resto do mundo.

Todo tipo de informação armazenada

Desde 2008, por exemplo, o governo monitora com autorização judicial hábitos de navegação na internet dentro do território americano. Para tanto, exibiu com êxito um argumento no tribunal especial: o estudo da rotina online de “alvos” domésticos proporcionaria vigilância privilegiada sobre a prática online cotidiana de estrangeiros. Assim, uma pessoa ou empresa “de interesse” residente no Brasil pode ter todas as suas ligações telefônicas e correspondências eletrônicas - enviadas ou recebidas - sob vigilância constante. A agência armazena todo tipo de registros (número discado, tronco e ramal usados, duração, data hora, local, endereço do remetente e do destinatário, bem como endereços de IP - assim como sites visitados). E faz o mesmo com quem estiver na outra ponta da linha, ou em outra tela de computador.

Começa aí a vigilância progressiva pela rede de relacionamento de cada interlocutor telefônico ou destinatário da correspondência eletrônica (e-mail, fax, SMS, vídeos, podcasts etc.). A interferência é sempre imperceptível: “Servimos em silêncio” - explica a inscrição numa placa de mármore exposta na sede da NSA em Washington.

Espionagem nesse nível, e em escala global, era apenas uma suspeita até o mês passado, quando começaram a ser divulgados os milhares de documentos internos da agência coletados por Snowden dentro da NSA. Desde então, convive-se com a reafirmação de algumas certezas. Uma delas é a do fim da era da privacidade, em qualquer tempo e em qualquer lugar. Principalmente em países como o Brasil, onde o “grampo” já foi até política de Estado, na ditadura militar.

VIGILÂNCIA DOS EUA USA BRASIL COMO PONTE

G1 - 07/07/2013 22h33

Vigilância dos EUA ao Brasil é 'ponte' para outros países, diz jornalista. Espionagem teria sido usada para acessar sistemas mais protegidos. Informação foi dada por Glen Greenwald em entrevista ao 'Fantástico'.

Do G1, em São Paulo




A espionagem dos Estados Unidos de e-mails e chamadas telefônicas de brasileiros pode ter sido uma alternativa encontrada pelos programas de monitoramento norte-americanos para conseguir ter acesso aos sistemas de países mais protegidos, como a China e o Irã. A informação foi dada pelo jornalista americano Glen Greenwald em entrevista ao Fantástico deste domingo (7). Assista ao lado.

Glen Greenwald vem revelando detalhes dos programas de vigilância americanos. Ele esteve em contato com o ex-agente da CIA e ex-colaborador da Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês), Edward Snowden.


O jornal “O Globo” revelou neste sábado (6) que o Brasil não só é um dos alvos da espionagem cibernética norte-americana, como é o país latino-americano mais monitorado. No continente, o país só fica atrás dos Estados Unidos, que tiveram 2,3 bilhões de mensagens e ligações monitoradas.

Segundo Greenwald, o interesse pode estar no tráfego de dados na internet que passa pelo Brasil, já que toda a rede está interligada.

“Não temos acesso ao sistema da China, mas temos acesso ao sistema do Brasil. Então estamos coletando o trânsito do Brasil não porque queremos saber o que um brasileiro está falando para outro brasileiro, mas porque queremos saber que alguém na China está falando com alguém na Irã, por exemplo”, descreve o jornalista.

A NSA mantém parcerias com as maiores empresas de internet americanas. No último 6 de junho, o jornal britânico “The Guardian” informou que o software Prism permite à NSA acesso a e-mails, chats online e chamadas de voz dos usuários dos serviços da Apple, Facebook,Google, Microsoft, YouTube, Skype, AOL, Yahoo! e PalTalk.

Porém, segundo “O Globo”, somente o Prism não dá à NSA acesso a todo o tráfego de informações e grandes volumes de telefonemas e dados na web não ocorrem nas ferramentas monitoradas pela NSA. Por isso, a agência desenvolveu outros programas com parceiros corporativos que possam fornecer acesso às comunicações internacionais.

Uma dessas iniciativas é o Fairview, que permite a coleta de dados em redes de comunicação no mundo todo, numa parceria com uma grande empresa de telefonia dos EUA.

Essa empresa, por sua vez, mantém relações de negócios com outros serviços de telecomunicações, no Brasil e em outros países. Como resultado das suas relações com empresas não americanas, essa operadora dos EUA tem acesso às redes de comunicações locais, incluindo as brasileiras.

Neste domingo, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, afirmou que irá discutir o “aperfeiçoamento de regras multilaterais sobre segurança das telecomunicações” no âmbito da União Internacional das Telecomunicações (UIT), entidade da ONU.

Já a Polícia Federal e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) investigarão se empresas sediadas no Brasil deixaram que a NSA tivesse acesso às suas redes de comunicação locais.


Jornais destacam sistema de espionagem dos EUA no Brasil. ‘The Guardian’, ‘Washington Post’ e ‘El País’ foram alguns dos que comentaram denúncia feito por O GLOBO

O GLOBO
Atualizado:8/07/13 - 14h21



RIO — Horas depois de o GLOBO revelar, com base em documentos secretos copiados pelo ex-técnico da CIA Edward Snowden, que os EUA espionaram milhões de telefonemas e e-mails de cidadãos brasileiros, vários jornais estamparam em seus sites a denúncia, publicada com exclusividade neste domingo. O britânico Glenn Greenwald, um dos autores da reportagem e jornalista do “The Guardian”, escreveu em seu blog que o Brasil vem sendo espionado massivamente pela Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês).

O também britânico “Daily Mail” destacou a denúncia no domingo, sob o título: “Snowden diz que NSA espiona maioria dos países ocidentais e Brasil também reclama de vigilância por agências de espionagem dos EUA”.

O jornal americano “Washington Post” também comentou a reação do governo brasileiro: “Brasil demonstra preocupação e pede que os Estados Unidos esclareçam relatórios de espionagem da NSA”. Na mesma linha, o “USA Today” destacou que o Brasil mostra-se preocupado com denúncias de monitoramento da NSA. Neste domingo, o Ministério das Relações Exteriores pediu explicações ao embaixador dos EUA Thomas Shannon e acionou a embaixada em Washington para fazer o mesmo diretamente ao governo americano.

O jornal “Público”, de Portugal, anunciou que cidadãos brasileiros foram espiados “em grande escala” pelos EUA. A reportagem destaca que o Brasil é um dos alvos preferenciais da agência americana, ao lado de países como China, Rússia, Paquistão ou Irã. No espanhol “El País”, uma reportagem da noite deste domingo mostrou que o Brasil também está na mira de espionagem revelado por Snowden. Em seu site, o jornal diz que O GLOBO, junto com o “The Guardian”, revelaram que os Estados Unidos interceptaram milhões de chamadas, e-mails e dados de empresas brasileiras.

Na América Latina, o venezuelano “El Nacional” afirmou que os EUA interceptaram ligações e correios eletrônicos no Brasil. O “Clarín”, da Argentina, destacou que entre os documentos revelados por O GLOBO está um mapa que indica que o Brasil está sendo espionado da mesma maneira que França e Austrália, o que mostra que o volume de conexões interceptadas pelos sistemas de espionagem americano é intermediário.

sábado, 6 de julho de 2013

O INIMIGO É TUDO, INCLUSIVE A IDEOLOGIA


REVISTA ISTO É N° Edição: 2277 | 06.Jul.13 - 20:29

ENTREVISTA

Luis Fernando Verissimo


Escritor gaúcho diz que as manifestações populares são positivas porque "estão pedindo tudo que a gente quer", mas teme pelos nostálgicos da ditadura

por Mariana Queiroz Barboza



TECNOLOGIA
Embora seja adepto do e-mail, o escritor diz que marcharia contra o telefone celular

As incertezas sobre o cenário político pós–manifestações populares não chegam a tirar o sono do escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo, mas o têm angustiado. “A desmoralização da política e dos políticos deve preocupar a todos, porque a falência da política é a falência da democracia”, afirma. Um dos maiores cronistas do Brasil e criador de notáveis personagens, como Dora Avante e o Analista de Bagé, ele mantém há cinco décadas um olhar crítico sobre o País e, aos 76 anos, seu senso de humor permanece intacto. Verissimo afirma que, se fosse às passeatas, não deixaria de reivindicar “carona da FAB para todo mundo” e que carregaria um cartaz com a inscrição “Pra que lado fica a Bastilha?” Depois de ter passado 24 dias internado num hospital com infecção generalizada, no fim do ano passado, e outros três com dores no peito, em março, Verissimo divide com Lucia, sua mulher há mais de 30 anos, a rotina de escrever semanalmente para três jornais. Em outubro, deve chegar às livrarias “Os Últimos Quartetos de Beethoven”, pela editora Objetiva, com dez contos, alguns inéditos. Na quinta-feira 4, o escritor conversou por e–mail com a ISTOÉ.


"Se eu fosse a uma passeata, levaria o seguinte
cartaz: ‘Pra que lado fica a Bastilha?’”


“Infelizmente aquele ímpeto anticorrupção do início
do governo (de Dilma Rousseff) não se sustentou"

Fotos: Ernesto Carriço/Ag. O Dia; João Castellano/ag. istoé; Marcos Alves/Ag. O Globo


ISTOÉ - O que o sr. pensa sobre a onda de manifestações que se espalhou pelo Brasil?


LUIS FERNANDO VERISSIMO - No fundo, o que se vê nas ruas é uma crítica, nem sempre consciente, ao capitalismo brasileiro. Estão pedindo o fim do lucro desmedido com serviços públicos como o transporte, o fim do poder corruptor do dinheiro, mais saúde e educação subsidiadas pelo Estado. Eu nunca tinha visto tantos socialistas juntos. Será curioso ver como essa massa vai votar.
ISTOÉ - O que ficará de junho de 2013 para a história?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Ainda não se sabe se foi só um espasmo ou se o movimento terá consequências permanentes. Muitas das reivindicações são irrealistas. Aquele cartaz que pedia a volta da tomada para dois pinos não era sério, mas dava uma boa ideia disso.

ISTOÉ - Esse tipo de movimento, que nasce da internet sem uma cara, um líder, é positivo?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Essas manifestações espontâneas são positivas na medida em que, afinal, estão pedindo tudo que a gente quer. São perigosas porque substituem a política e podem ser manejadas, inclusive pelos nostálgicos da ditadura.

ISTOÉ - Durante muito tempo, a ditadura militar foi o inimigo a ser combatido. Quem é o inimigo dos jovens de agora?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Pois é, o inimigo é um sistema que não funciona, o que é muito vago. Se você quiser ser específico, pode dizer que a rua está fazendo a crítica ao capitalismo brasileiro que o PT fazia quando era oposição, antes de se deixar cooptar. Mas isso é um diagnóstico ideológico e o movimento parece ser contra tudo. O inimigo é tudo, inclusive a ideologia.
ISTOÉ - A colocação de uma agenda conservadora (como o fim dos partidos, a redução da maioridade penal e a volta da ditadura militar) por parte dos manifestantes é algo que o preocupa? O que explica esse tipo de “reivindicação”?

LUIS FERNANDO VERISSIMO -


A desmoralização da política e dos políticos deve preocupar a todos, porque a falência da política é a falência da democracia. A conclusão de que o que não está funcionando é a própria democracia é perigosa. O que falta é mais democracia. Mais liberdade, igualdade e fraternidade, o trio maravilha.

ISTOÉ - Os protestos no Brasil se assemelham a algo que o sr. já viu?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - A analogia óbvia é com o Maio de 68, na França, que também era contra um tudo indefinido. Tem gente que diz que o que houve em Paris, naquela primavera, foi só uma queima de hormônios. Já o Cohn–Bendit disse que 68 foi o preâmbulo de 81, quando a esquerda chegou ao poder na França. Resta ver qual será o 81 do nosso 68.

ISTOÉ -Se o sr. pudesse fazer cinco cartazes para levar a uma passeata, quais pautas escolheria? O que estaria escrito neles?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - “Vergonha!”, “Pra que lado fica a Bastilha?”, “Carona da FAB para todo mundo”, “E o mensalão do PSDB?” e “Pela volta da tomada pra dois pinos”.
ISTOÉ - O sr. consegue imaginar algum de seus personagens nessas manifestações?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - A Dora Avante e seu grupo de pressão, as Socialaites Socialistas, marchariam contra a falsificação de má qualidade das bolsas Vuitton no Brasil.

ISTOÉ - Dada a reação do Congresso aos gritos da rua, o sr. acredita que políticos assustados produzam melhor?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - O diabo é que as manifestações acabam um dia e o medo também. Mas não se deve supervalorizar o poder persuasório de manifestações. Amanhã um milhão de evangélicos marcham contra gays ou contra o diabo e eu espero que a consequência política disso seja zero.

ISTOÉ - Como o sr. avalia o governo de Dilma Rousseff? Gosta dela?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Infelizmente aquele ímpeto anticorrupção do início do seu governo não se sustentou. Mas, falando do PT no poder em geral, qualquer governo que consegue distribuir renda e diminuir a pobreza tem no mínimo a minha simpatia.

ISTOÉ - Como é sua relação com a internet e a tecnologia?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Uso o computador como uma máquina de escrever com memória, uso bastante o Google, que fornece erudição instantânea, e não poderia mais viver sem o e-mail. Mas não frequento muito a internet. E participaria de qualquer passeata contra o telefone celular.

ISTOÉ - Dos textos atribuídos ao sr. que circulam na internet, há algum que o incomode mais ou que tenha captado sua atenção tanto positiva quanto negativamente?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Nenhum incomoda porque não há o que fazer para impedi-los. Alguns são bons, e neste caso eu aceito os elogios, inclusive para não desiludir as pessoas. Teve um, chamado “Quase”, que correu o mundo e foi até publicado num livro em francês. Uma sr.a me disse que não gostava do que eu escrevia, até ler o “Quase”. Agradeci, emocionado. Outro texto, sobre uma diarreia no aeroporto, também fez muito sucesso.

ISTOÉ - Depois da atuação do Brasil na Copa das Confederações, o sr. está confiante na Seleção Brasileira para o Mundial do ano que vem? O sr. gosta do Felipão?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - O Felipão não é um tático, é um motivador, e o melhor que se pode dizer desta seleção é que está bem motivada, com quatro ou cinco talentos que se destacam. Acho que não faremos feio.

ISTOÉ - E o que pensa do Brasil enquanto sede do evento?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Quem gosta de futebol, como eu, fica numa situação difícil. Claro que o Brasil não podia gastar o que está gastando para sediar a Copa, mas, ao mesmo tempo, a perspectiva de ter bom futebol internacional em casa é animadora. O que fazer com os estádios que ficarão ociosos depois da Copa? Não tenho a menor ideia. Podem ficar como monumentos à insânia.

ISTO É O sr. ainda vê televisão? Há algo que lhe agrade na tevê aberta?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Vejo filmes, futebol e o “Jornal Nacional”. 

ISTOÉ - E na internet? O sr. costuma ver vídeos no YouTube?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - A melhor novidade da tevê brasileira está na internet: é o “Porta dos Fundos”. Não vejo YouTube, não tenho Facebook e todos os Twitters com meu nome são falsos.

ISTOÉ - Quais autores o sr. costuma acompanhar?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Dos brasileiros, o Milton Hatoum; dos estrangeiros, o John le Carré e o Roberto Calasso, além da releitura de favoritos mortos.

ISTOÉ - Além das crônicas para os jornais, o sr. está trabalhando em algum livro novo?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Deve sair em outubro, pela Objetiva, um livro de contos, alguns inéditos, outros já publicados na imprensa. São dez contos, entre longos e curtos, e o título é “Os Últimos Quartetos de Beethoven”.

ISTOÉ - Que tipo de situação ainda o inspira?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Para quem escreve com regularidade, qualquer assunto é assunto. Eu sempre digo que a minha musa inspiradora é o prazo de entrega. E a crônica, sendo um gênero indefinido, comporta essa variedade de assuntos e de estilos.

ISTOÉ - Já se acostumou ao novo acordo ortográfico ou comete alguns erros comuns, como acentuar ideia ou colocar trema?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Meu computador cuida disso para mim. Ele acompanhou a reforma ortográfica, sabe tudo a respeito e não me deixa errar. Eu só não entendi ainda por que “três” continua de chapeuzinho.

ISTOÉ - O livro “Cinquenta Tons de Cinza” foi o maior fenômeno literário do ano passado. O que o sr. pensa dessa literatura feminina quase pornográfica?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Se entendi bem, o sexo nesse livro é sadomasoquista. Como diria o Freud, o que essas mulheres estão querendo? Não pretendo descobrir.

ISTOÉ - Fora as inúmeras homenagens que recebe, o sr. tem vida social noturna?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Um programa perfeito é ir ao cinema, sessão das seis, depois ir jantar num bom restaurante. Nada de muito excitante.

ISTOÉ - O que a velhice lhe trouxe de positivo e de negativo?

LUIS FERNANDO VERISSIMO -
 De negativo, a proximidade da morte, a consciência da nossa finitude e do absurdo da existência. De positivo, o lugar reservado para idosos nos estacionamentos.

ISTOÉ - Sua timidez ainda o coloca em situações embaraçosas?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Já me resignei à timidez e sei que agora não vou mudar, mas melhorei muito com a idade. Já faço até palestra. Mas com o Isordil à mão.

ISTOÉ - Sobre o período em que o sr. esteve internado num hospital no ano passado, o que ficou daquele susto?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Tive alucinações durante o período em que fiquei na UTI, o que só me levou a admirar ainda mais o funcionamento e o poder do nosso cérebro, uma coisa ao mesmo tempo fascinante e assustadora.

ISTOÉ - Atualmente, qual é sua maior preocupação? Há algo que lhe tire o sono?

LUIS FERNANDO VERISSIMO - Essa coisa meio incerta no ar, essa indefinição sobre o que está por trás da revolta e o rumo que ela vai tomar... Não vou dizer que me tira o sono, tenho dormido bem. A preocupação começa ao acordar.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

A ALTERNATIVA

ZERO HORA 01 de julho de 2013 | N° 17478

L.F. VERISSIMO



Envelhecer é chato, mas consolemo-nos: a alternativa é pior. Ninguém que eu conheça morreu e voltou para contar como é estar morto, mas o consenso geral é de que existir é muito melhor do que não existir. Há dúvidas, claro. Muitos acreditam que com a morte se vai desta vida para outra melhor, inclusive mais barata, além de eterna. Só descobriremos quando chegarmos lá. Enquanto isto, vamos envelhecendo com a dignidade possível, sem nenhuma vontade de experimentar a alternativa.

Mas há casos em que a alternativa para as coisas como estão é conhecida. Já passamos pela alternativa e sabemos muito bem como ela é. Por exemplo: a alternativa de um país sem políticos, ou com políticos cerceados por um poder mais alto e armado. Tivemos 20 anos dessa alternativa, e quem tem saudade dela precisa ser constantemente lembrado de como foi. Não havia corrupção? Havia, sim, não havia era investigação para valer. Havia prepotência, havia censura à imprensa, havia a presidência passando de general para general sem consulta popular, repressão criminosa à divergência, uma política econômica subserviente e um “milagre” econômico enganador. Quem viveu naquele tempo lembra que as ordens do dia nos quartéis eram lidas e divulgadas como éditos papais para orientar os fiéis sobre o “pensamento militar”, que decidia nossas vidas.

Ao contrário da morte, de uma ditadura se volta, preferencialmente com uma lição aprendida. E se para garantir que a alternativa não se repita é preciso cuidar para não desmoralizar demais a política e os políticos, que seja. Melhor uma democracia imperfeita do que uma ordem falsa mas incontestável. Da próxima vez que desesperar dos nossos políticos, portanto, e que alguma notícia de Brasília enojá-lo, ou você concluir que o país estaria melhor sem esses dirigentes e representantes que só representam seus interesses, e seus bolsos, respire fundo e pense na alternativa.

Sequer pensar que a alternativa seria preferível – como tem gente pensando – equivale a um suicídio cívico. Para mudar isso aí, prefira a vida – e o voto.