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quarta-feira, 12 de junho de 2013

SOPRADORES DE APITO

O GLOBO, 12/06/2013

Helena Celestino

Os ‘whistleblowers’ fazem parte da melhor tradição política americana e dependendo do olhar, são considerados criminosos ou heróis

Eles não são dedos-duros, a pior raça de gente em qualquer história política ou policial. Em geral, são movidos pelo ideal de fazer do mundo um lugar melhor. Arriscam-se a ter a vida destruída pelos serviços secretos e despertam sentimentos extremados. Dependendo do olhar, são considerados criminosos ou heróis. Os sopradores de apito, uma tradução literal de como são chamados em inglês (whistleblowers) fazem parte da melhor tradição política americana, e o mais novo membro dessa tribo acaba de desafinar o coro dos contentes com os discursos bonitos do presidente Barack Obama.

“Não quero viver num mundo em que se grava tudo o que digo e faço”, disse Edward Snowden, o jovem colaborador da Agência de Segurança Nacional que revelou o monstruoso programa americano de espionagem da vida privada. Ele recebeu as boas-vindas ao clube dos sopradores de apito de Daniel Ellsberg, que, em 1971, vazou os Papéis do Pentágono, tirando xerox (a impressora da época) de sete mil documentos ultrassecretos , uma bomba que acabou com o apoio dos americanos à Guerra do Vietnã.

“Para mim, não houve na História um vazamento mais importante do que o material passado por Snowden sobre a Agência de Segurança Nacional e isto inclui a divulgação dos papéis do Pentágono, que eu promovi”, escreveu ele num artigo também do “Guardian”.

Os dois são uma espécie de irmãos espirituais e representam duas gerações de whistleblowers. Mais de 40 anos separam a decisão de um e outro de denunciar malfeitos do governo, optando por não compactuar com segredos guardados em nome da segurança nacional. Apoiaram presidentes com ideais que compartilhavam e sentiram-se traídos ao descobrirem os segredos guardados pelos mesmos líderes ao virarem governo. Isso foi verdade com Nixon, Bush e agora com Obama. Todos tiveram de lidar com vazamentos e nenhum deles foi compreensivo com os whistleblowers.

Foi um aposentado da mesma Agência de Segurança Nacional o primeiro a revelar a existência do programa de intromissão na vida privada dos cidadãos sem permissão judicial. Era ainda o governo Bush, e William Binney, inconformado com mais esta quebra das regras democráticas, passou a informação ao “New York Times”. Manteve-se na sombra, mas dois anos depois, quando estava debaixo do chuveiro, foi cercado por uma dúzia de agentes armados. Não chegou a ser processado por falta de provas, mas perdeu a licença de trabalho, e a sua empresa de segurança faliu logo depois.

Foi também a frustração com os caminhos escolhidos pelos EUA que levou o jovem militar Bradley Manning a entregar centenas de milhares de documentos diplomáticos secretos para o WikiLeaks de Julian Assange. Ele estava no Iraque e tentou avisar ao chefe sobre a prisão de um cidadão inocente, levado para a cadeia só por criticar o primeiro-ministro da época. Ao contrário das suas expectativas, o superior de Manning estava preocupado em botar atrás das grades mais iraquianos, independentemente dos motivos. “Estava envolvido em algo que eu era completamente contra”, contou ele.

Vazou os documentos, com a certeza de que provocaria debates sobre os descaminhos das relações internacionais e, consequentemente, mudanças no mundo... Por conta disso pode ser condenado à prisão perpétua no julgamento que começou na semana passada e comeu o pão que o diabo amassou na prisão - encarcerado desde 2010, esteve numa solitária durante cinco meses e era acordado três vezes por noite para dar depoimentos. Enquanto enfrentava maus-tratos, os soldados acusados por ele de matar inocentes estão em liberdade - uma das mais chocantes informações vazadas por Manning foi um vídeo em que militares, a bordo de um helicóptero, mataram e feriram “por engano” dois funcionários da Reuters e outros civis.

Assange, esquecido há quase um ano na Embaixada do Equador em Londres, voltou às páginas de jornais com artigos na linha “eu não disse? “

“A chamada comunidade de Inteligência virou os Estados Stasi Unidos”, escreve Ellsberg, o decano dos sopradores de apito, comparando o programa da Agência de Segurança Nacional com a polícia secreta da Alemanha Oriental, que espionava a todos em busca de dissidentes do regime comunista.

Nixon e Obama são muito diferentes e viveram em tempos históricos impossíveis de serem comparados. Mas uma coisa os une: a obsessão com vazamentos. O presidente derrubado por Watergate no início de tudo estava à procura da ficha psiquiátrica de Ellsberg, e Obama abriu mais processos contra whistleblowers que qualquer outro presidente. O soft power de Obama não parece resistir a um segundo mandato e, muito menos, a imagem dos EUA como país das liberdades. Angela Merkel já disse que vai cobrar do presidente respeito à privacidade dos cidadãos na visita que fará a Alemanha na próxima semana.

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