Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

terça-feira, 28 de maio de 2013

UMA REFERÊNCIA DE LIBERDADE

ZERO HORA 28 de maio de 2013 | N° 17446

EDITORIAIS


Ultrapassa os limites do ambiente da comunicação e da imprensa o acervo deixado pelo empresário Roberto Civita. Mais do que um grupo editorial, o presidente do Conselho de Administração da Editora Abril construiu no Brasil um conceito de jornalismo crítico e independente, expressado pelas múltiplas publicações que ajudou a criar e a gerir. Com a sua morte, o país herda também sua referência na luta permanente pela liberdade de expressão e pela defesa intransigente da democracia. Civita construiu, inicialmente ao lado do pai e depois como sucessor, no comando da empresa, histórias de sucesso no mercado de revistas, com publicações marcadas pelo pioneirismo, que inovaram, atenderam demandas de públicos amplos e tiveram o mérito de interpretar a realidade brasileira.

Durante sua gestão, os veículos da Abril reafirmaram a missão de vigiar o comportamento de ocupantes de cargos públicos, consolidando assim uma das características da editora desde sua criação. Foi com essa determinação que o grupo cumpriu papel importante na moralização das instituições, com contribuições decisivas à identificação e ao esclarecimento de desmandos. Sob o comando de Roberto Civita, as publicações da Abril ofereceram, no exercício do jornalismo investigativo, subsídios importantes para que a população tomasse conhecimento de fatos como os que determinaram a queda de Fernando Collor de Mello da Presidência, em 1992, e o afastamento e posterior julgamento de políticos envolvidos com o mensalão, a partir de 2005.

Civita foi um empreendedor, cujas iniciativas serviram de modelo a outras empresas, por saber conciliar publicações dedicadas ao jornalismo e ao entretenimento, sempre com a prevalência da qualidade e da liberdade editorial. O criador de Veja também nos deixa como patrimônio a preocupação com a educação, presente na linha editorial das revistas e em sua conduta como cidadão.


2º Fórum Democracia & Liberdade.


segunda-feira, 27 de maio de 2013

INQUIETA AUMENTO DOS CASOS DE INTOLERÂNCIA


O país tem de reagir com rigor contra perseguições a segmentos religiosos, agressões homofóbicas e outras demonstrações de intransigência na sociedade


EDITORIAL
O GLOBO
Atualizado:26/05/13 - 0h00


Casos de intolerância — religiosa, sexual, racial etc. — têm sido registrados no Brasil com perigosa constância. Eles conformam um inquietante alerta ao país: o fenômeno contém claros indícios de que se pode estar chocando um ovo da serpente sob a curva ascendente em que se contabilizam esses deploráveis episódios. Por conta da intransigência, um número cada vez maior de agressões verbais — por si, deploráveis — a dessemelhantes dá lugar a ataques físicos, inclusive com mortes.

Não se alcançaram por aqui, ainda, níveis de perseguição comparáveis aos de países em que determinados grupos sociais, movidos por xenofobia, ódio racial ou homofobia, chegam ao ponto de se organizarem para promover violentas demonstrações de repúdio a imigrantes, homossexuais, adeptos de credos religiosos e outros segmentos. Mas os casos registrados em todo o território brasileiro já chegam a um ponto em que se impõem ações de punição exemplar, para evitar um descontrole de consequências trágicas.

No Rio, adeptos de religiões de matriz africana (umbanda, candomblé) têm sido vítimas constantes dessas manifestações de incivilidade. Relatório do Centro de Promoção da Liberdade Religiosa e Direitos Humanos (Ceplir) concluiu que, desde janeiro, o candomblé foi o segmento religioso mais vulnerável à perseguição, em boa parte movida por seguidores de outros credos. O fenômeno é corroborado no Mapeamento das Casas de Religiões de Matriz Africana do Estado do Rio, feito pelo Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente, da PUC-Rio: segundo o documento, uma pesquisa com 847 centros de umbanda e candomblé concluiu que metade deles relatou episódios de intolerância religiosa. São agressões que chegam a pôr em risco a integridade dos fiéis — como em 2009, quando um homem quebrou com uma marreta o altar e peças de adoração de um centro em Caxias, ou em 2008, quando jovens invadiram e depredaram um templo no Catete.

São manifestações de irracionalidade tanto mais condenáveis numa cidade em que a visita do Papa Francisco a transformará, por alguns dias, em capital mundial da fé e da tolerância. E, de maneira geral, porque atentam contra direitos individuais, como a liberdade de escolha consagrada na Constituição. No mesmo caso, se incluem as perseguições homofóbicas, com censuráveis aumentos de registros. Em São Paulo, chocaram o país imagens de jovens agredindo um grupo de homossexuais na rua; em São Gonçalo, a homofobia estava na raiz do atropelamento intencional (com morte) de um rapaz.

Os exemplos se sucedem. Causam apreensão, mas esse tipo de resposta não basta. O país tem o dever de reagir, moralmente e com o emprego de leis rigorosas, contra a intolerância de qualquer tipo. A cria do ovo não pode vingar.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

AGRESSÃO AO PACTO FEDERATIVO


ZERO HORA 24 de maio de 2013 | N° 17442. ARTIGOS

Marcelo Bertoluci*


O engessamento dos Estados, diante das enormes e impagáveis dívidas com a União, mobilizou, no dia 15 de maio, na sede do Conselho Federal da OAB, em Brasília, mais de 120 entidades da sociedade civil organizada. A força do ato ficou demonstrada na participação de representantes da advocacia, da magistratura, do Ministério Público, dos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo e associações de classes.

Mais uma vez, ficou evidenciado que esse não é um problema do Rio Grande do Sul, mas, sim, da maioria dos Estados da República Federativa do Brasil. Aliás, o nome oficial da nação não vem fazendo jus ao que acontece na realidade. Existe, há tempos, uma verdadeira agressão ao pacto federativo, uma vez que a transferência de receitas entre as 27 unidades da federação e os mais de 5 mil municípios não é igualitária e, muito menos, proporcional. Segundo o orçamento da União executado em 2012, apenas 10,21% das despesas totais foram repartidas entre os entes federados.

A dívida gaúcha foi refinanciada em 1998, a partir do empréstimo de R$ 10 bilhões ao Estado. Nesse período, o passivo foi sendo quitado, mas ainda assim aumentou de forma incontrolável, tanto que, em 2011, mesmo com R$ 15 bilhões em pagamentos, o saldo devedor já ultrapassava os R$ 40 bilhões. O principal motivo para esse crescimento assustador foram os indexadores adotados pela União, baseados em índices de correção monetária completamente fora da realidade do cenário financeiro atual e que retiram aproximadamente 13% do orçamento dos Estados. Nossa preocupação resultou no ajuizamento, pela OAB/RS, em novembro de 2012, da Ação Civil Originária nº 2.059, no STF, para a renegociação da dívida contraída pelo RS junto à União.

E o que o cidadão tem a ver com esse problema? Saúde, educação, segurança, acesso pleno à Justiça e pagamento de precatórios são apenas alguns dos direitos fundamentais da sociedade e que não são cumpridos na sua integralidade devido a essa dívida.

Por consequência, o maior prejudicado continua sendo o cidadão brasileiro, que, individualmente em 2013, já pagou quase R$ 2,7 mil em tributos, totalizando nacionalmente mais de R$ 514 bilhões, segundo o “impostômetro” de São Paulo. Por sua vez, o retorno desses impostos segue sendo o pior entre 30 países, conforme o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário.

Buscando modificar essa absurda realidade, aprovamos no ato da dívida pública, em Brasília, o Manifesto pela Revisão da Dívida dos Estados e Municípios, que propõe recalcular os passivos do Estado com a União, levando em consideração três fatores fundamentais: retroativamente à data da assinatura dos contratos dos valores devidos à União, limitados ao IPCA e sem a cobrança de juros; aplicar sobre os passivos remanescentes o IPCA e sem os juros; e limitar a 6% o comprometimento da receita líquida real para o pagamento das prestações futuras.

*PRESIDENTE DA OAB/RS

quinta-feira, 23 de maio de 2013

FALAS IRRESPONSÁVEIS

O Estado de S.Paulo 23 de maio de 2013 | 2h 07

OPINIÃO


O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, endossou o que a grande maioria dos brasileiros acha do Congresso Nacional e dos partidos políticos. O Congresso, disse ele segunda-feira em palestra na faculdade onde leciona, em Brasília, é ineficiente e inteiramente dominado pelo Poder Executivo. Isso porque os partidos são de mentirinha, desprovidos de consistência doutrinária e querem o poder pelo poder. No mesmo dia, uma ministra de Estado, Maria do Rosário, titular da Secretaria dos Direitos Humanos, escrevendo no Twitter, culpou a oposição pelos boatos sobre a extinção do Bolsa-Família que no fim da semana levaram centenas de milhares de pessoas em pânico aos postos de pagamento da Caixa Econômica Federal em 13 Estados, em meio a tumultos e depredações.

A fala do ministro e a mensagem da ministra, em que pesem as óbvias diferenças entre eles na ordem das coisas - sem esquecer que o primeiro enunciou um punhado de prováveis verdades, enquanto a segunda fez uma acusação sem provas -, se caracterizam, ambas, pela irresponsabilidade. O caso de Barbosa é o mais grave. O presidente da mais alta instância do Judiciário simplesmente não pode dizer em público o que pensa das demais instituições em que se estriba o Estado Democrático de Direito e a ordem republicana do País. Pouco importa se a sua avaliação tem fundamento. Seria um escândalo se, por exemplo, o presidente do Congresso saísse a criticar o sistema de decisões do STF e a integridade de seus componentes. Jamais o presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos, a qual serviu de paradigma para a congênere brasileira, se permitiria a incontinência de verberar as mazelas do Capitólio e dos políticos que nele têm assento.

O comportamento de Barbosa contém ainda duas agravantes. Em primeiro lugar, devido à sua conduta no julgamento do mensalão, ele conquistou entre a opinião pública prestígio decerto sem precedentes entre os seus pares, a ponto de ser falado como o presidente da República ideal para o Brasil. O eco de seus pronunciamentos, naturalmente, é proporcional ao apreço de que desfruta. Em consequência, a esta altura não serão poucos os que, além de verem respaldado o seu desdém pelos políticos, devem estar aplaudindo a franqueza do ministro, sem se dar conta da transgressão institucional que cometeu. A segunda agravante é o efeito "gasolina no fogo" das palavras de Barbosa. Congresso e STF, como se sabe, andaram-se estranhando mais do que de costume nas últimas semanas.

Horas depois de a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovar o vingativo projeto de um deputado petista para usurpar poderes que a Constituição confere ao Supremo, como cláusula pétrea, o ministro Gilmar Mendes acolheu o pedido de um senador para sustar a tramitação de uma proposta que dificulta, na prática, a criação de novos partidos. As tensões diminuíram com a decisão do presidente da Câmara de enterrar o projeto provocador e a promessa de Gilmar Mendes de submeter em breve a sua liminar ao plenário do STF. Agora, as observações de Barbosa deram azo a que o vice-presidente da Câmara, o petista André Vargas, o atacasse com alegações toscas. O titular da Casa, Henrique Alves, por sua vez, considerou a manifestação do ministro desrespeitosa e prejudicial à harmonia entre os Poderes.

Barbosa retrucou que falara como acadêmico, sem emitir juízos de valor. Teria sido apenas um "exercício intelectual". Membros do STF não vestem ou tiram a toga quando lhes aprouver. Ela está como que colada à sua pele. Obriga-os a calar sobre política quando esta não transborda para o âmbito de suas funções. E, se a referência a partido "de mentirinha" não é um juízo de valor, o que mais poderá ser? Guardadas as proporções, a defesa de Barbosa se equiparou à da ministra Maria do Rosário. Depois de enquadrada por ordem da presidente Dilma Rousseff por ter atribuído os boatos sobre o fim do Bolsa-Família a uma "central de notícias da oposição", ela voltou ao Twitter para se retratar: "Não tenho nenhuma indicação formal da origem dos boatos". O que teria feito, acrescentou pateticamente, foi expressar uma "singela opinião".

quarta-feira, 22 de maio de 2013

TRANSGRESSÕES E INFRAÇÕES

JORNAL DO COMERCIO 22/05/2013

Fábio Medina Osório


A Ética e o Direito não pressupõem que todos os atos dos gestores públicos estejam juridicamente perfeitos, ou que os gestores sejam imunes aos erros profissionais ou pessoais. Licitações erradas, tomadas de decisões equivocadas, riscos assumidos com avaliação distorcida de cenários, há um conjunto de situações que caracterizam o que podemos designar como erro juridicamente tolerável dos administradores públicos. Costumo traçar o paralelo com outras profissões: advogados, juízes, membros do Ministério Público, quantas ilegalidades cometem no exercício das suas funções? Basta lembrar que, uma ação penal, julgada improcedente ou trancada por habeas corpus, pressupõe o reconhecimento de um abuso de poder por parte do autor da ação, uma ilegalidade manifesta. Nem por isso, todavia, haverá perspectiva de responsabilidade pessoal da autoridade signatária da peça acusatória reputada abusiva. E o mesmo se diz das sentenças reformadas nos Tribunais ou dos mandados de segurança julgados procedentes contra atos jurisdicionais. Daí a indagação: por qual motivo, somente em relação aos gestores públicos, principalmente prefeitos e secretários, é normal que se cobre um rigor nas decisões públicas que não é cobrado de agente público algum?

O campo das transgressões existe e, de certo modo, é inevitável em um mundo de leis abertas e expostas a múltiplas interpretações. Separar o joio do trigo, eis o desafio. Mostrar o que é intolerável, o que é improbidade ou crime, e o que constitui um risco inerente às funções parece-me um tema fundamental para debate nas instituições fiscalizadoras, sob pena de consagrarmos crescentes distorções. Um acúmulo ilegal de cargos públicos constitui improbidade ou uma mera irregularidade? A percepção de vencimentos ilegais (sem amparo na Lei ou exorbitantes do teto) configura um ilícito maior ou menor? Instauração abusiva e dolosa de uma investigação ou processo contra alguém, para prejudicá-lo, faz parte de que rol de ilícitos? Importante sim, abandonarmos uma certa hipocrisia institucional em determinados debates, resgatando maior autenticidade nas discussões. Do lado das instituições encarregadas de implementar o poder punitivo estatal, o importante é a profissionalização dos trabalhos, do foco e das metas. De nada adianta um processo revestido de espetacularização se o resultado for pífio.

Advogado

QUEM DEVE TER MAIS PODER DE DECISÃO?


ZERO HORA 22 de maio de 2013 | N° 17440

ARTIGOS
Luis Roque Klering*



Ciclicamente, no Brasil e em outros países, discute-se a validade da teoria da separação dos poderes, adotada em muitas das modernas Constituições internacionais, e que foi proposta por Charles-Louis de Secondat, proeminente político, filósofo e escritor francês, mais conhecido como Barão de Montesquieu (1689-1755), em sua obra O Espírito das Leis, em 1748.

A doutrina da separação dos poderes influenciou diretamente os arranjos institucionais dos países do mundo ocidental contemporâneo, sendo adotada como pedra angular ou mesmo como dogma do processo de construção dos Estados de direito. A teoria tem como pressuposto central limitar e equilibrar o exercício do poder de governos, relativamente às suas funções centrais de legislar, executar e fiscalizar. Por isso, preconiza-se que os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário deveriam ser independentes e harmônicos entre si.

Historicamente, a rigidez dessa estrutura de separação dos poderes foi amenizada pela introdução de mecanismos de “checks and balances”, ou “pesos e contrapesos”, em que um poder controla direta ou indiretamente outros, seja pela indicação e aprovação de integrantes dos outros poderes, seja pela fiscalização ou validação dos atos de um poder sobre outro, e outros mecanismos.

Em tal contexto e forma de atuação, é normal vir a pergunta: quem tem mais poder de decisão, ou tem a última palavra? Porque, afinal, na tradição ocidental, consagrou-se a moldura de organizações contendo uma estrutura clássica, representada por uma pirâmide, baseada na doutrina fayolista dos princípios do comando linear descendente; da especialização das funções e separação dos poderes; da centralização e hierarquia do poder, dentre outros. Nesse modelo, fechado em si mesmo, as decisões em cada nível são tomadas por chefes soberanos (somente um juiz, um presidente, um monarca, um papa etc.), do topo até a base, em que não há lugar para questionamentos das ordens internas por controles ou feedbacks externos.

Todavia, novos modelos de estruturação e administração, mais adequados e desenvolvidos, vêm se apresentando no novo contexto contemporâneo, como é o caso da administração com enfoque sistêmico, em que as diversas partes componentes atuam de forma integrada (ao invés de separada) e sinérgica entre si; em múltiplos níveis coordenados por metacritérios definidos por conselhos ao invés de juízes, em direção aos legisladores, executivos e controladores; e onde preponderam propriedades como da adaptabilidade e sustentabilidade às condições do ambiente (da sociedade), da multidisciplinaridade e multinivelabilidade, da autonomia relativa (e não absoluta) das partes, do autocontrole (com capacidade de feedback), da subsidiariedade das partes (especialmente dos níveis mais amplos ou gerais em relação aos menores ou mais específicos), dentre outras. O funcionamento de universidades, de empresas modernas (com seus conselhos de administração), do SUS e de outros casos dá mostras dessa possibilidade.

Aplicado ao modelo de organização do Estado brasileiro (à federação do Brasil), tal arranjo significaria atribuir a um Conselho (tal como o da República) o poder máximo de deliberação, bem como de representação e personalização da nação, cabendo aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como a seus órgãos auxiliares, as funções como legisladores, executores e controladores, no papel de operadores das diretrizes e decisões emanadas em nível superior colegiado.

*PROFESSOR DE ADMINISTRAÇÃO DA UFRGS

segunda-feira, 20 de maio de 2013

OS TRÊS PODERES


JORNAL DO COMERCIO 20/05/2013


Aldo B. Campagnola



O sistema presidencialista que a Constituinte de 1891 legou ao Brasil continua causando estragos na política nacional. O presidencialismo, importado dos EUA, nunca favoreceu a política na América Latina, berço do caudilhismo, antes pelo contrário, quando demonstra a incapacidade da harmonia entre o Legislativo, Executivo e Judiciário, pelo simples fato de o Executivo encampar a chefia de Estado, portanto hipertrofiado.

No Brasil, gerou a Revolução de 1930, o Estado Novo, cópia do fascismo, o parlamentarismo de ocasião de Tancredo Neves, em 1961, que não permitia a dissolução do Parlamento, derrubado por Jango em janeiro de 1963; a ditadura militar de 1964 a 1985 e a atual Constituição de 1988, que consagrou o presidencialismo, adotou a medida provisória da constituição italiana de 1948, que é parlamentarista, criando o sistema presidencial mais poderoso do mundo, que permite que o Executivo governe por decreto, por certo tempo.

O clímax da situação tivemos agora, quando o Legislativo, inspirado por seus parlamentares réus no mensalão, da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Deputados, tentou colar uma emenda permitindo ao Legislativo julgar decisão do STF. Até quando? E a teórica harmonia entre os Três Poderes?

Conselheiro do Ibem/RS


VIA FACEBOOK - Alberto Afonso Landa Camargo -  Há um erro crasso ao afirmar que o republicanismo brasileiro foi importado dos EUA. Dos EUA o Brasil importou apenas a designação, pois são sistemas absolutamente diferentes. O republicanismo brasileiro é centralizador, enquanto que o republicanismo dos EUA não o é. O republicanismo brasileiro é o modelo de Thomas Hobbes, que, por sua vez, adotou grande parte dos de Machiavelli. O articulista precisa rever estes conceitos...

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Disse bem o Afonso. As diferenças são gritantes e causam disparidades e distorções enormes que praticamente tornam frágil a República Federativa, inibem a democracia e prejudicam a aplicação dos fundamentos, dos princípios e dos objetivos consignados na carta magna.  A União centraliza a maior parte dos impostos, as cortes supremas centralizam a justiça e o Congresso é ausente, omisso e está amarrado ao Executivo que usa cargos e verbas para manipular interesses e imobilizar a oposição. Não há harmonia entre poderes que se julgam separados do Estado e a forma assistemática de justiça estimula as divergências, o corporativismo, o descaso e a impunidade.



sexta-feira, 17 de maio de 2013

COMO APAZIGUAR UM TIGRE

O ESTADO DE S.PAULO 17 de maio de 2013 | 2h 04


João Mellão Neto *


O meu filho do meio, o Ricardo, anda indignado. Todos os dias ele abre os jornais, inteira-se dos novos e cabeludos escândalos que surgem em nossa República e constata que acabam por não dar em nada. Como gosta de política, recentemente dei-lhe um livro sobre o Carlos Lacerda. Um homem que por vezes acertava, por vezes errava, mas nunca se omitia. Era o terror das autoridades de plantão, que tremiam de medo à simples menção de seu nome.

Direta ou indiretamente, Lacerda foi o responsável pela queda de três presidentes da República: Getúlio, Jânio e Jango - e o primeiro acabou por se suicidar. Alguns resistiram às suas demolidoras investidas, porém à custa de grande parte de seu prestígio pessoal. Foi o caso de Juscelino, que o processou (e perdeu) na Câmara dos Deputados, e de Castelo Branco, que nunca conseguiu atraí-lo para o seu lado. Na política nacional, a década de 1950 e parte da de 1960 foram marcadas pela sua mordacidade, quer no Parlamento, quer no seu jornal, A Tribuna da Imprensa, quer nas emissoras de televisão, que sempre lhe deram espaço porque suas revelações eram realmente bombásticas.

Muitos de seus apartes na tribuna da Câmara, de tão arrasadores, acabaram por fazer parte do folclore político nacional. Nos anais da Casa consta que certa vez uma deputada o desafiou: "Senhor Lacerda, não perderei o meu tempo com Vossa Excelência porque todos aqui sabem que o senhor é o purgante da política brasileira".

"Eu sou o purgante e a senhora é o efeito dele."

Em outra ocasião, o líder do governo foi escalado para defender a política econômica então em curso. "Senhores deputados", iniciou o discurso, "de acordo com as leis do mercado, de autoria de Adam Smith...".

"Senhor líder, pode me conceder um aparte?"

"Por favor, nobre deputado Lacerda."

"Eu peço vênia a Vossa Excelência para uma pequena correção. Como deve ser de seu conhecimento, as leis do mercado não são de autoria de Adam Smith, como se diz, mas sim do grande matemático Thomas Windows, que o precedeu."

"Vossa Excelência está coberto de razão. Segundo as leis do mercado, de autoria de Thomas Windows..."

"Vossa Excelência me concede outro aparte?"

"Pois não..."

"O senhor líder do governo acaba de demonstrar, de maneira cabal, que realmente não entende nada do assunto que pretende abordar. As leis do mercado são mesmo do escocês Adam Smith, enquanto windows não passam de janelas em inglês."

Lacerda era tido como o homem mais inteligente e culto da política brasileira. Como ele mesmo admitia, havia se preparado a vida inteira para, um dia, vir a exercer a Presidência da República. Os fados do destino, porém, falaram mais alto e ele terminou os seus dias cassado e esquecido.

É difícil fazer uma leitura fria sobre sua trajetória de vida. O fato é que ele arrumou inimigos demais. Brigou com os getulistas e, mais tarde, com os generais. Mas o que se pode dizer a seu favor é que nem antes nem depois de sua passagem pela política brasileira alguém exerceu a oposição com tamanha maestria.

O inconformismo de meu filho tem razão de ser. E eu ainda acrescento mais: não é que oposição no Brasil, hoje em dia, seja frouxa ou inapetente. Ela simplesmente não existe. Recordo-me de, na época do "mensalão", ter redigido um artigo contundente com o título Que falta que nos faz um Lacerda. Pois bem, todas as condições estavam postas, naquela época, para se apresentar, com êxito, o impeachment do então presidente Lula, haja vista que Collor fora apeado do poder por muito menos. Lula estava acuado e aceitaria qualquer solução minimamente honrosa.

Mas na "leal oposição a Sua Majestade" só havia cavalheiros. Não existia ninguém que se dispusesse, então, a acabar com aquela agonia, cravando de vez a estaca de madeira no vampiro. Surgiu até uma tese misericordiosa: deixá-lo sangrando para depois vencê-lo nas urnas. Pois bem, passados os momentos críticos, Lula restabeleceu-se e venceu com facilidade as duas eleições seguintes, com ele e com Dilma Rousseff. E hoje eles dominam politicamente o Brasil. Quem não está ao lado deles gostaria, no seu íntimo, de estar. Ninguém ousa criticá-los, nem sequer apontar seus erros.

Ora, é de todo improvável que estejamos sendo governados por uma legião de anjos, ou mesmo que não esteja ocorrendo nada de errado ou condenável no Brasil. Isso contraria a própria natureza dos fatos. O mais provável, isso sim, é que não haja ninguém nos meios políticos que se proponha a enfrentar os nossos governantes. A não ser, como acabamos de ver no caso do "mensalão", a imprensa e a magistratura. E, mesmo assim, após enorme pressão da camada esclarecida da opinião pública.

Cabe o registro de que não foi toda a imprensa nem a unanimidade da magistratura que assim agiu. Houve, nas duas instituições, quem torcesse por um desfecho diverso e muito mais ameno. E cabe lembrar que o julgamento em questão ainda não se encerrou - há quem acredite que jamais se encerrará.

O argumento que tem mobilizado vários segmentos das esquerdas é o de que juízes togados - que passaram a maior parte de sua vida em gabinetes - carecem de legitimidade para julgar autênticos "revolucionários", como José Dirceu e José Genoino, que teriam supostamente arriscado a vida em nome de uma nobre causa. Embora seja notório e sabido que os fatos não se deram bem assim, são esses os "heróis" de que nossa esquerda dispõe.

No mais, parece que os parlamentares brasileiros - não sem amargura - já assimilaram a antiga lição: no jogo bruto do poder, não há como apaziguar um tigre. A não ser, talvez, deixando-se devorar.


* É JORNALISTA, FOI DEPUTADO, SECRETÁRIO E MINISTRO DE ESTADO. 

POR UM BRASIL SEM HOMOFOBIA

JORNAL DO COMERCIO              17/05/2013

Maria Celeste


O tema da livre orientação sexual e da identidade de gênero tem espaço de discussão e expressão em muitas das nossas instâncias, muito disto fruto de uma mudança que ancora-se na atualização cultural. Afinal somos uma coletividade complexa, mas que prescindi da mesma necessidade de aceitação e respeito por nossas escolhas e modo de ser. Nos últimos cinco anos, 1341 pessoas foram assassinadas, por conta do preconceito sexual, assim a proposição do PLC 122/2006 que trata da criminalização do preconceito e discriminação por motivo de identidade de gênero, orientação sexual, idade e deficiência, já vem tarde. Encontra-se na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, sob relatoria do senador Paulo Paim.

No Rio Grande do Sul, a Secretaria Estadual da Justiça e dos Direitos Humanos e a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) instalaram o Comitê Estadual de Enfrentamento à Homofobia. Ele soma-se aos quatro já existentes no Brasil, nos Estados do Piauí, Acre, Alagoas e São Paulo. E integra o Sistema Nacional, articulando ações e promovendo políticas públicas de cidadania destinadas ao público LGBT (Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais). São políticas transversais, integrantes do programa federal “Brasil sem Homofobia”, e que apontam o ainda elevado número de violência homofóbica no País: em 2011 foram constatadas 6.809 violações de direitos humanos contra LGBTs. No Estado houve crescimento de 241,38% das denúncias de violência contra LGBTs feitas pelo Disque 100, de 2011 para 2012. Em 2011, foram 58 denúncias e em 2012, 198 denúncias. Os dados, seja no Brasil todo ou em nosso estado, são alarmantes, e necessitam da nossa intervenção imediata.

É fundamental que possamos dar evidência a estes temas e avançar, a criminalização da homofobia e do preconceito é necessária e urgente. Precisamos de um novo caminho, onde as relações sejam permeadas de respeito, sinal de uma sociedade verdadeiramente democrática.

Secretária adjunta da Justiça e Direitos Humanos

DIREITOS DA DIVERSIDADE

ZERO HORA 17 de maio de 2013 | N° 17435

EDITORIAIS


As consequências reais, com impacto legal na vida das pessoas, superam em muito os significados simbólicos da mais recente decisão do Conselho Nacional de Justiça sobre uniões homoafetivas. Determinou o CNJ, a partir de deliberação do Supremo Tribunal Federal de maio de 2011, que os cartórios não podem se opor à celebração do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Num primeiro momento, a decisão pode ser vista como a reafirmação do direito dos gays de cumprirem o ritual da formalização de uniões, como fazem os heterossexuais. É também disso que trata o ato do CNJ, mas o significado da medida é bem mais amplo. O que está assegurado é mais do que o direito a uma cerimônia. Confirmam-se assim os avanços legais que eliminam a insegurança jurídica a que os casais se submetiam, mesmo depois do reconhecimento dos vínculos homoafetivos pelo Supremo.

Não deixa de ser surpreendente que, dois anos depois da decisão da Corte, ainda surjam questionamentos em torno da eficácia do que foi aprovado pela unanimidade dos 10 ministros presentes à sessão. Compreende-se que, por motivos diversos, parte da sociedade ainda se sinta constrangida por conviver com uniões homoafetivas. Há, no mesmo contexto, a reação dos que expressam, como opinião pessoal, contrariedade às conquistas dos gays, por preconceitos sustentados por referências culturais ou religiosas. São pontos de vista que devem ser respeitados, desde que não ultrapassem os limites da discordância. O que o Conselho de Justiça fez, como enfatizou o ministro Joaquim Barbosa, foi advertir para qualquer ação discriminatória que caracterize intolerância ou restrição a direitos já assegurados.

Gays desejam casar-se para compartilhar afetividade, adotar filhos com segurança, regularizar patrimônios, ter acesso a planos de saúde, pensões e outros benefícios previdenciários. Mas o que almejam de fato é o reconhecimento de que constituem núcleos familiares, numa sociedade que precisa aprender a respeitar a diversidade e todas as manifestações das diferenças. Os atos do Supremo e, agora, do Conselho de Justiça ainda se prestam, no entendimento de parlamentares e mesmo de juristas, a questionamentos legais, já que o Congresso ainda deveria se manifestar a respeito do amplo direito ao casamento.

A controvérsia só não pode estimular retrocessos ou comportamentos homofóbicos que ainda se expressam de forma violenta. O casamento entre pessoas do mesmo sexo já foi aprovado por 14 países. Representa um avanço histórico, na mesma medida de outras conquistas civis consagradas por vontade da sociedade e ratificadas pelos legisladores e pelo Judiciário. O respeito às novas configurações da família contemporânea depende das manifestações afirmativas da Justiça, mas essa é também a missão de pais e educadores. Como destacou o CNJ, num recado que deve ser propagado pelas novas gerações, preconceito e intolerância são palavras e atos que não cabem na Constituição brasileira.

QUE PAÍS É ESTE?


ZERO HORA 17 de maio de 2013 | N° 17435

ARTIGOS

 Themis Groisman Lopes*



É a pergunta mais ouvida no momento atual. Ela vem de todos os lugares e das mais diversas fontes. A mídia em seu papel, trazendo manchetes sobre a situação constrangedora que vive o Brasil. São bolsões de corrupção em vários recantos. Pessoas que se locupletam através do suborno, da propina, do mau uso das verbas públicas, em proveito próprio. É a insegurança que nos rodeia. É um serial killer de motoristas de táxi. São os assassinatos com requintes de crueldade. Notória é a falta de assistência à saúde, com pessoas morrendo em filas do SUS. Professores que apanham de alunos. É o desrespeito no trânsito ocasionando mortes de inocentes. São os desmatamentos com a consequente destruição da natureza.

Parece haver um componente sadomasoquista nos comentários sobre o momento que vivenciamos. Será que pertencemos a uma nação tão doente, que impede que se encontre uma solução eficaz para melhorá-la? E a grande maioria de pessoas de bem, que procuram viver dentro de valores éticos e morais inatacáveis? Por que a minoria vilã da sociedade é tão comentada com um especial sabor?

Se nos deixarmos envolver pela onda de pessimismo corrente, em nada estaremos contribuindo. Não podemos esquecer as inúmeras ONGs envolvidas em salvar a natureza. Organizações de proteção aos animais. Voluntários que dedicam seu tempo para levar um pouco de satisfação às crianças cancerosas. A Fundação Thiago Gonzaga fazendo um trabalho hercúleo nas campanhas a favor da preservação da vida, evitando os acidentes de trânsito. Na Santa Casa, cadeirantes percorrem os quartos dos pacientes estimulando a doação de sangue junto aos familiares. A televisão nos mostra pessoas de bem que tiram os meninos da rua, levando-os para atividades como bandas, empresas, esportes; conseguindo valorizar quem já não acreditava mais na vida. Inúmeros são os grupos de assistência aos drogados que atuam na tentativa de livrá-los do vício. Programas para a terceira idade que buscam melhorar o envelhecer, que é uma fase da vida que pode ser muito bem vivida, sem deteriorar. A maioria dos políticos e magistrados sérios e éticos, que procuram colocar ordem na casa, em nome de uma maior transparência. Poderíamos preen- cher várias páginas falando a respeito de outras associações que lutam em nosso país para ajudar os necessitados, não dando esmolas, mas através de estímulo e valorização do ser humano.

Quem sabe, deixamos aos órgãos competentes a solução e a punição necessárias nos problemas éticos e criminais, nos voltando para o que de bom existe em nossa sociedade. Se olharmos por um prisma real, mas mais otimista, talvez possamos vislumbrar um presente e um futuro confortáveis e benéficos para todos.

Contamos com a parte sadia, que é a grande maioria dos brasileiros, para resolver a minoria doente. Pensando e agindo dentro de uma nova perspectiva, poderemos ter uma resposta bem diferente quando nos perguntarem: que país é este?

Este é o nosso país, formado por uma sociedade de pessoas de bem, que amam a sua terra e têm orgulho de serem brasileiros.

*PSIQUIATRA


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Será que entendi bem?!? Está realmente sugerindo que "deixamos aos órgãos competentes a solução e a punição necessárias nos problemas éticos e criminais, nos voltando para o que de bom existe em nossa sociedade."?  Será que devemos esquecer que são as perguntas que movem o mundo, que são os contestadores que alavancam as soluções, que são os de coragem e persistência que atacam as injustiças e que são os rebeldes que mudam uma nação perdida?

Para "olharmos por um prisma real" é necessário conhecer a si mesmo, o ambiente onde estamos inseridos, as ameaças e oportunidades que estamos sujeito e que políticas estão regendo favorecendo e dificultando a nossa qualidade de vida, da nossa família, da nossa comunidade, do nosso município, do nosso Estado e da nossa amada pátria. Depois de tudo isto poderemos sim "vislumbrar um presente e um futuro confortáveis e benéficos para todos" se atacarmos o negativo e aumentar o que é positivo e saudável para todos. O otimismo deve estar sempre presente já que é o estímulo de luta pró-ativa rumo às solução de interesse público para o bem-estar de todos, sem capitular para o desânimo, estresse, alienação ou imobilização.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

COMISSÃO DA VERDADE QUE TIRAR NOMES DA DITADURA DAS RUAS


Em São Paulo, operação tenta tirar nomes da ditadura das ruas. Comissões da Verdade também no Rio e Paraná querem acabar com homenagens a repressores

TATIANA FARAH 
O GLOBO
Atualizado:16/05/13 - 8h23


Rua Sérgio Fleury pode mudar de nome por proposta do PCdoB O Globo / Eliária Andrade


SÃO PAULO - Rua Dr. Sérgio Fleury, Elevado Costa e Silva, Avenida Presidente Castelo Branco. Comissões da Verdade em São Paulo, Rio e Paraná querem refazer o mapa das cidades, tirando os nomes de agentes da ditadura e colaboradores do regime militar (1964-1985) de vias, praças e prédios públicos. Em São Paulo, o prefeito Fernando Haddad já promulgou uma lei que permite a troca de nomes dos logradouros que prestem homenagem a “autoridade que tenha cometido crime de lesa-humanidade ou graves violações de direitos humanos”.

O primeiro nome da lista é o do ex-delegado chefe do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) Sérgio Paranhos Fleury. Foi sob seu comando que o Dops tornou-se um dos piores centros de tortura e morte da ditadura. Já tramita na Câmara dos Vereadores a proposta do PCdoB de trocar o nome de Fleury por um de seus torturados, Frei Tito, que se matou, aos 28 anos de idade, depois de 40 dias sob tortura.

Na capital paulista, há pelo menos 12 ruas, praças, avenidas e viadutos que levam nomes de autoridades do regime militar. A Comissão da Verdade da Câmara entrega à prefeitura, ainda esta semana, um pedido para que seja feito um mapeamento da cidade, com o cruzamento dos nomes ligados ao regime militar.

A Comissão estadual da Verdade, assim como a Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, quer que Haddad, por decreto, retire esses nomes de escolas e áreas públicas, como viadutos e praças.

O presidente da Comissão da Verdade do Rio, o advogado Wadih Damous, também quer um levantamento desses logradouros e pede alterações na legislação para que as mudanças sejam feitas:

— É descabido que, numa democracia, agentes da repressão e ditadores sejam homenageados — disse ele, lembrando que no Rio há a Ponte Costa e Silva (Rio-Niterói) e a escola Garrastazu Médici.

No Paraná, Norton Nohama, da Comissão Estadual da Verdade e do Fórum Paranaense de Resgate da Memória, Verdade de Justiça, afirmou que é preciso “fazer uma limpeza” desses nomes, mas sempre com a preocupação de que a sociedade compreenda o motivo dessas modificações.

Para a Secretaria de Direitos Humanos de São Paulo, é importante que as mudanças tenham participação da sociedade e não sejam impostas pelo poder público. Nos três estados, as Comissões da Verdade admitem que a troca de nomes das ruas pode causar problemas para os moradores.

Pequena, sem saída e tranquila, a Rua Dr. Sérgio Fleury, na Vila Leopoldina, é desconhecida da maioria dos moradores de São Paulo. Tem apenas 31 casas e um portão eletrônico que a torna quase uma rua particular.

— Fomos pegos de surpresa por essa notícia. Sou, particularmente, a favor da troca do nome. Desde que moro aqui, algumas vezes me perguntaram se o nome da rua era “daquele delegado da ditadura”. Mas o importante é que os moradores concordem, em maioria, com a mudança — diz a síndica da Dr. Sérgio Fleury, Andreia Riskala.

A síndica aponta alguns problemas, como a taxa de R$ 60 que deve ser paga pelo morador ao cartório para registrar a mudança de logradouro. Outro problema é a burocracia dos trâmites da transferência de nome para os serviços como luz, água e correios. Vereadores ouvidos pelo GLOBO informaram que podem criar, na própria lei que modifica o nome da rua, mecanismos que diminuam esse ônus para os moradores.

— Esse homem foi muito mau. Por que colocar o nome dele na rua? Todos têm de aceitar a mudança porque estamos no século XXI. É uma coisa de consciência — defendeu na quarta-feira a empresária Virgínia de Souza, que mora na Dr. Sérgio Fleury há mais de 20 anos.

CENTRO DE TORTURA E TORTURADORES SERÃO REVELADOS


Comissão da Verdade vai revelar centros de tortura e nomes de torturadores. Trabalhos de grupo criado pela presidente Dilma completa 1 ano nesta quinta-feira

EVANDRO ÉBOLI 
O GLOBO
Atualizado:16/05/13 - 8h22


O coordenador da comissão nacional da verdade, Paulo Sérgio Pinheiro, durante entrevista após reunião da Comissão Nacional da Verdade com comitês estaduais da verdade, memória e justiça Givaldo Barbosa/25-02-2013


BRASÍLIA - Balanço que a Comissão Nacional da Verdade divulga na próxima semana vai indicar os centros de tortura clandestinos utilizados pelos comandos dos órgãos de repressão durante a ditadura. Nessa relação constam casas e até propriedades rurais usadas para reprimir os opositores do regime militar. São locais até agora desconhecidos onde os perseguidos políticos eram torturados e até mortos antes de serem entregues às unidades do regime, como o DOI-Codi. A comissão identificou também diversos nomes de militares e agentes da repressão que atuavam nesses locais.

— É um levantamento dos centros de tortura e um grande organograma no qual os espaços antes desconhecidos começam a ser preenchidos com nomes, cargos e instituições — disse Paulo Sérgio Pinheiro, que está deixando a coordenação da comissão.

A Comissão da Verdade completa nesta quinta-feira um ano de existência. A presidente Dilma Rousseff, atendendo a pedidos de entidades e também da própria comissão, vai estender o trabalho por mais seis ou sete meses. Originalmente, o prazo de funcionamento é de dois anos, e se encerraria em maio de 2014. Pinheiro estava no grupo que se reuniu com Dilma na terça-feira e defendeu a ampliação do tempo de trabalho.

— Temos uma lista de 1.500 nomes de torturadores e agentes, de uma listagem básica. Temos que descobrir se estão vivos, o RG (identidade), o último endereço. Já levantamos 250 nomes e entrevistamos 61. E é uma entrevista que tem que ser bem preparada, para não fazermos papel de tontos. O sonho de toda comissão é ter mais tempo de trabalho — disse Pinheiro.

O balanço da semana que vem apresentará vários documentos inéditos produzidos pelos órgãos de repressão e os nomes dessas 61 pessoas já entrevistadas pela comissão, e que estiveram envolvidas ou conhecem as práticas de tortura, de desaparecimentos e ocultação de cadáveres.

Revisão do ensino de história

Ao todo, a Comissão da Verdade já contabiliza 15 audiências públicas com familiares de mortos e desaparecidos, e depoimentos de 220 sobreviventes e testemunhas. Cerca de 16 milhões de páginas estão sendo digitalizadas.

A Comissão da Verdade também recomendará, no seu relatório final, que se faça uma “revisão drástica” do ensino de História nas academias militares. O grupo quer mudar a forma como o golpe de 1964 é ensinado e visto por essas instituições.

— É preciso uma revisão drástica do ensino de História nas academias militares, onde mentiras e mitos sobre 64 são repassados. Como a de que o golpe foi uma revolução contra o comunismo. Isso é história da carochinha. Esse golpe de 64 foi sendo preparado desde Juscelino Kubitschek. Esse desejo de imposição de ditadura em nome da segurança nacional é velho. Foi o terrorismo de Estado, que implementou uma ditadura. O ensino militar tem que ser compatibilizado com a democracia que estamos tendo — disse Pinheiro.

Esse argumento foi utilizado semana passada pelo coronel reformado Carlos Brilhante Ustra. Em seu depoimento público na Comissão da Verdade, Ustra disse que o golpe ocorreu para evitar a uma “ditadura do comunismo”. O coronel disse ainda que , se não fossem os militares, o Brasil hoje seria um grande “Cubão” (uma referência à Cuba) e que ele teria ido para o “paredón”.

Os centros de tortura vêm sendo investigados pela comissão, que já visitou a Casa da Morte, em Petrópolis. No local, militantes de esquerda teriam sido mantidos presos, foram torturados e mortos. Por lá passou o ex-deputado federal Rubens Paiva. Também em seu depoimento na comissão, Ustra garantiu que esses centros nunca existiram.

— Só porque um sujeito lá no interior de São Paulo tinha uma fazenda batizada com o nome de 31 de Março desconfiaram dele. Foram lá, vasculharam tudo e não encontraram nada. É tudo mentira — disse Ustra, na semana passada.

Comissão e militares mantêm diálogo

Outro ponto que constará no documento são as boas relações da Comissão da Verdade com o Ministério da Defesa e os três comandos militares. Pelo menos uma vez, conselheiros reuniram-se com os comandantes de Marinha, Exército e Aeronáutica, no Ministério da Defesa. O encontro foi mediado pelo ministro da Defesa, Celso Amorim.

— Ultrapassamos a fase do queimou ou não queimou documento. Neste primeiro ano ficou estabelecido que essa prática é ilegal. E, pela primeira vez em 40 anos, estamos dialogando com os três comandos. Foi repassada documentação. Esses militares que estão aí não têm nada a ver com os crimes praticados (na repressão). Os crimes dos que os antecederam, nós estamos pesquisando. E tem aqueles que estiveram envolvidos, caso do Ustra. Há um diálogo com as Forças Armadas de hoje. É um diálogo discreto, não dá para bater bumbo. Mas é um avanço — disse Pinheiro.

Segundo ele, o relatório final da comissão será contundente e vai reconstituir a veracidade dos crimes negados por seus autores diretos e mandantes:

— Depois do relatório, se fará verdade sobre os crimes da ditadura, e se estará mais perto do que nunca para que a impunidade dos mandantes e autores desses crimes não mais prevaleça.

Na semana passada, a audiência para interrogar o Ustra acabou em bate-boca. O militar se negou a participar de acareação com o vereador Gilberto Natalini, ex-militante de esquerda que declarou ter sido vítima de tortura. Ustra chamou Natalini de terrorista. O vereador reagiu chamando Ustra de torturador.


CASA PRÓPRIA CONTINUA O SONHO, MAS ESTÁ CARA

JORNAL DO COMERCIO 16/05/2013

EDITORIAL


Quem passou dos 50 anos sabe bem a história do Banco Nacional de Habitação, o famoso, então, BNH. Criado em 1964, o BNH era um banco de segunda linha, ou seja, não operava diretamente com o público. Sua função era realizar operações de crédito e gerir o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), por intermédio de bancos privados ou públicos e por agentes promotores, como as companhias habitacionais e as companhias de água e esgoto. O BNH foi a principal instituição federal de desenvolvimento urbano da história brasileira, sendo extinto, por decreto presidencial, em 1986. De lá até a criação do Minha Casa, Minha Vida e da vocação habitacional da Caixa Econômica Federal (CEF), entre outros bancos, oficiais e privados, pouco foi feito no setor. Aqui em Porto Alegre, bem antes do INSS, tivemos a construção da então vila do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários (IAPI). Outra iniciativa em Porto Alegre foi a construção de um conjunto do Instituto de Previdência do Estado (IPE), na avenida Ipiranga, esquina com a rua Portuguesa. Mas financiamento, só para quem passava no exame de saúde. Coube ao BNH vincular uma obviedade para dar o recurso ao mutuário, um seguro de vida, o qual vigora até hoje nos contratos.

No entanto, a carência de imóveis ou da “casa própria” continua varando as décadas. A prefeitura da Capital, na década de 1970, construiu a Vila Nova Restinga. Mas era longe e o então diretor-geral do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), Artur Zanella, praticamente buscava pretendentes para oferecer-lhes casinhas vendidas a preços módicos e prontas para morar. Muitos se mudavam para a Restinga e, depois, abandonavam o imóvel. Claro, em um outro contexto social e econômi co. A Restinga hoje tem tudo, é um bairro da cidade. Porém, atualmente os apartamentos são pequenos e caros, embora haja muito financiamento disponível. Para acelerar, a Caixa criou os seus “feirões”, que estão passando por diversas capitais. A média de tamanho é de 60 m2, com dois dormitórios e uma vaga na garagem. Imóveis com essas características serão os mais ofertados pelo Feirão da Caixa, entre os dias 17 e 19, no Maxi Shopping Jundiaí, em São Paulo.

Considerados econômicos e com valores a partir de R$ 100 mil, são empreendimentos que atendem à parcela da população que ainda não realizou o sonho da “casa própria” - público que deve ser maioria entre as 12 mil pessoas esperadas para o evento. Uma construtora oferecerá 250 unidades, imóveis de R$ 170 a R$ 190 mil, apartamentos de dois dormitórios com 61 ou 64 m2. Ao todo, serão mais de 950 unidades, considerando também imóveis para atender às classes sociais mais altas. De alto padrão, unidades a partir de R$ 300 mil. Mas, até no entusiasmante programa Minha Casa, Minha Vida, as 500 unidades ofertadas estão na faixa dos R$ 190 mil. Convenhamos, não é valor para muitos interessados, embora sejam os mais buscados na promoção da CEF, e com as vendas aquecidas. A expectativa dos organizadores da Caixa é movimentar em torno de R$ 200 milhões, na 9ª edição do “feirão”, com 3,5 mil imóveis novos e usados.

NÃO HÁ CIDADE SEM CIDADANIA


ZERO HORA 13 de maio de 2013


Reagem os que percebem o destino nefasto
de uma cidade que não consegue construir paz
e sustentabilidade


SOFIA CAVEDON*

Porto Alegre está em mutação, atingida pelas obras vinculadas à Copa do Mundo, pelos grandes investimentos em mobilidade urbana e saneamento. Sua paisagem, ambiência, morfologia e costumes estão sendo alterados e atingem direitos humanos, áreas de proteção ambiental e de proteção cultural. Nossa gente, aos milhares, está sendo deslocada de seu espaço para dar lugar a ruas, aeroporto, obras estruturais. Não há tempo _ dizem _ para diálogo, para mediações, para alterações de projetos. Árvores, morros, parques, áreas de lazer estão dando lugar à voracidade da construção civil e a imperiosidade de garantir o fluxo de automóveis.
A cidadania mobilizada não apenas resiste, também conquistou vários instrumentos que poderiam fazer a mediação entre o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida: a Lei do Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança, a do inventário dos bens culturais, a que prevê arte nas edificações, são exemplos disto. No entanto, ficam engavetados, postergados, sem eficácia pela opção política do gestor local de não implantá-los!
A insatisfação com a falta de respostas e de diálogo real, a impotência diante das "imperiosidades do progresso" e a falta de mediação do Estado com os direitos e demandas da cidadania provocam movimentos urbanos de reação. Organizados nos Comitês Populares da Copa, nos Movimentos Ambientalistas, nos Fóruns de Reforma Urbana e nos emblemáticos Movimentos em Defesa da Alegria Pública em Porto Alegre e da redução da passagem conformam uma aliança desde os bairros populares à classe média crítica.
Os processos de licenciamento estão no meio deste conflito. É através deles que se deveriam garantir as alterações de projetos para preservar direitos e o equilíbrio ambiental, além das medidas compensatórias e mitigadoras. No entanto, estes têm sido feitos de maneira aligeirada, sem as instâncias de participação popular, surpreendendo e impactando a vizinhança. Exemplo disto é o acampamento de juventude e ações na Justiça que interromperam obra no coração da cidade que derrubaria mais de uma centena de árvores! A crise do licenciamento, que virou caso de polícia, encontra este contexto na Capital.
Reagem os que percebem o destino nefasto de uma cidade que não consegue construir paz e sustentabilidade, fruição e fluidez, se continuar sendo um grande negócio a serviço da acumulação de riquezas e privilégios.

*Vereadora do PT na Capital



SOBRE ARTIGOS ZH - O texto “Não há cidade sem cidadania” (vereadora Sofia Cavedon, em ZH do dia 13, página 13) vem de encontro até mesmo às ações do governador, que é do mesmo partido da autora, o PT, e viajou mundo afora para criar oportunidades de negócios para o nosso Estado, porque entende que não há cidade e nem Estado sem desenvolvimento e que bandeiras surradas e retrógadas só servem para angariar simpatia dos desinformados ou da massificada gente que vive a sonhar que um mundo melhor é possível sem ações urgentes e que não podem esperar por vontades espelhadas em plenárias, fóruns e demais mecanismos de ilusão popular. Cidadania não é mera expressão integrante de catecismos ideológicos para subsidiar discursos. Ela decorre de ações concretas de autoridades em prol do bem comum e não de patrulhamentos e divulgações ilusórias a que só damos curso quando somos oposição. 

Nelson Pafiadache da Rocha, Advogado – Porto Alegre



quarta-feira, 15 de maio de 2013

DIREITOS CIVIS SÃO ATINGIDOS NA LUTA CONTRA O TERROR


EUA no precário equilíbrio entre a necessidade de manter garantias individuais sem deixar de ser eficaz no combate ao extremismo

EDITORIAL

O GLOBO
Atualizado:15/05/13 - 0h00


Não tem sido uma semana fácil para o presidente Barack Obama. Seu governo deve explicações convincentes sobre a decisão do Departamento de Justiça de grampear telefones da agência de notícias AP e de seus jornalistas, durante dois meses do ano passado, e sobre as denúncias de que o IRS (a Receita Federal americana) estaria, de forma discriminatória, apertando o cerco a grupos conservadores. Estão em jogo os direitos e as garantias individuais e a liberdade de expressão garantidos na Constituição e que fazem da democracia americana exemplo e inspiração para o resto do mundo.

No primeiro caso, trata-se ainda dos efeitos da guerra ao terror declarada pelo presidente George W. Bush após os atentados de 11 de Setembro. O choque do primeiro grande ataque sofrido pelos EUA em seu território levou o governo a propor, e o Congresso a aprovar, medidas de exceção sem precedentes, como a Lei Patriota, que permite a invasão de residências, espionagem dos cidadãos, interrogatórios e torturas de suspeitos de espionagem ou terrorismo, sem direito a defesa ou julgamento. O monitoramento dos telefones da AP, agência de notícias mantida pelos principais jornais americanos, estaria ligado a reportagens sobre uma operação da CIA no Iêmen que frustrou planos da rede al-Qaeda para detonar uma bomba num avião no aniversário de um ano da morte de Osama bin Laden, ocorrida em 2 de maio de 2011.

Outra iniciativa à margem da lei foi a decisão do governo Bush de transformar parte da base naval de Guantánamo, em Cuba, numa prisão para suspeitos e acusados de terrorismo contra os EUA. Foram criados procedimentos de exceção para julgamento dos prisioneiros, mas o fato é que há 166 pessoas detidas, sem acusação formal ou perspectiva de julgamento, das quais uma centena entrou em greve de fome. O presidente Obama ganhou simpatia na campanha ao primeiro mandato ao prometer que fecharia a prisão. Nada aconteceum, e ele reiterou a promessa recentemente, no início do segundo. Mas republicanos se opõem a que os detidos sejam transferidos para prisões americanas, e terceiros países se recusam a aceitá-los. Uma fórmula precisa ser encontrada.

As instituições americanas resistiram, na década de 70 do século XX, a desafios como o dos Papéis do Pentágono, documentos secretos sobre o envolvimento americano no Vietnã cuja publicação, pelo “New York Times” e “Washington Post”, foi garantida pela Suprema Corte; e o escândalo Watergate, que resultou, pela 1ª vez, no impeachment de um presidente, Nixon.

Pode parecer contraditório lutar contra o terrorismo e, ao mesmo tempo, manter os direitos e garantias inscritos na Constituição. Mas esta é, de fato, a luta a ser travada. Embora o terror seja impermeável a qualquer regra ou convenção, a democracia não pode prescindir de suas instituições, primordialmente das liberdades civis. Ela não pode ser sacrificada sob qualquer pretexto.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Na luta contra o terror, os EUA lança mão da supremacia do interesse público onde o direito particular se submete em benefício do bem-estar da coletividade. É claro que a sociedade não pode permitir o exagero do Estado. Aliás, no berço da democracia moderna, a supremacia do interesse pública é que determina a força da autoridade e o rigor da lei aplicada no País.  Serve de exemplo para um Brasil benevolente e caótico.

BUROCRACIA DEMAIS É RUIM PARA OS NEGÓCIOS


JORNAL DO COMERCIO 15/05/2013

EDITORIAL


O Brasil precisa gerar pelo menos um milhão de postos de trabalho anualmente. No entanto, o empreendedorismo é sufocado no País pela burocracia que atrapalha, enerva, breca e atrasa a abertura de empresas, começando pelas micro. Ter o negócio próprio continua sendo o sonho da maioria dos brasileiros. “Não ter patrão” é frase recorrente entre empregados, esquecendo-se que tudo na vida tem lá os seus problemas e vantagens, ser patrão ou empregado também, dependendo do lado que se está. Assim, é importante saber que o Brasil registrou, há alguns anos, a mais alta taxa de empreendedorismo entre os 20 países com as maiores economias do mundo, de acordo com a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), divulgada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

O País também aparece na frente entre as nações emergentes do grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China. Os 60 países que participaram do levantamento foram divididos em três moldes. O Brasil ficou no quarto lugar no grupo da eficiência - que reúne as economias norteadas para a eficiência e a produção industrial em escala -, atrás de Peru, Equador e Colômbia.

É interessante como se chama alguns negócios de “empresa familiar”. Até duas ou três décadas e mesmo atualmente, praticamente não havia negócio que não tivesse origem em uma família. Um patriarca visionário, muita luta, dificuldades, superação e, finalmente, lá estava uma grande empresa liderando um nicho de mercado. No Rio Grande do Sul somos símbolo desse modelo, com grupos tendo por origem não apenas a Capital, mas, e principalmente, o Interior do Estado. É bom saber que a iniciativa continua no DNA dos brasileiros em geral, com vontade de trabalhar e crescer.

A presidente Dilma Rousseff destacou a expressividade do segmento das microempresas no Brasil. Afinal, são 7,4 milhões de micro e pequenas empresas, com microempreendedores incluídos, representando 99% das empresas formalizadas no País e gerando 11 milhões de empregos.

No entanto, temos a boa burocracia, que é a regulamentação correta que o Estado tem de fazer, mas há a péssima burocracia, a burocracia que, ao invés de dar suporte ou ajudar a desenvolver, entrava. Essa é uma questão que está no cerne da expansão da pequena e micro empresa. Sabemos, todos nós, que isso ocorre há décadas. É fundamental, então, desburocratizar o Brasil.

Pesquisa mostra também que 22,2% dos empreendedores brasileiros têm entre 25 e 34 anos de idade. Os homens voltaram a superar as mulheres, respondendo por 51% do total. Além disso, 17,5% têm mais de 11 anos de estudo. De cada três empreendedores, 2,1 abriram o negócio porque vislumbraram uma oportunidade, enquanto um foi por necessidade. Essa taxa está em linha com a média mundial, que é de 2,2 por 1. A principal razão apontada pelos entrevistados para empreender foi independência profissional, 43%, seguida de aumento da renda pessoal, 35%. O estudo considera a atividade empreendedora formal e informal. O risível é que criam órgãos fiscalizadores, incluindo no Rio Grande do Sul, e nunca houve tanta corrupção sendo descoberta no País e nos pagos...

domingo, 12 de maio de 2013

GOLPE À VISTA


Sérgio Alves de Oliveira


SEM DÚVIDA os políticos e militares protagonistas do contragolpe ,ou golpe ,de 64 - que se mobilizaram em função de ideologias divergentes - devem estar surpreendidos com os modernos meios inventados para dar um golpe. Não é mais necessário o uso da força, das armas, dos militares. Usam a lei. E se a lei não permite,eles fazem outra que passa a permitir o que eles desejam. Nem a constituição é obstáculo. Se o objeto desse desejo é inconstitucional,”eles” o convertem em dispositivo constitucional. Usam e abusam a tal ponto das emendas constitucionais,que a Constituição de 1988 - na origem já uma colcha de retalhos “cidadã” - ficou com essa situação agravada ,a tal ponto de virar um amontoado de retalhos desconexos. Quando interessa ao Governo, ou aos parlamentares federais dominantes,como num passe de mágica, eles se autoproclamam “poder constituinte derivado”,emendando e remendando a Carta Maior como bem entenderem. É a sofisticação do golpe. Por tais motivos a Constituição do Brasil é uma das mais extensas e embaralhadas do mundo. Os países que poderiam ser tomados como referência em seriedade e estabilidade constitucional, possuem as suas “cartas” há dezenas ou centenas de anos. E com poucos artigos. Todos respeitados.

Por aqui a “inflação” constitucional se encarrega de colocar matérias que seriam da alçada da legislação inferior,leis ordinárias,decretos e até atos administrativos ordinatórios (portarias,resoluções,etc.),em mandamentos constitucionais. Qualquer “besteira”eles enfiam na constituição.

O Brasil tem uma enorme coleção delas. Após o desligamento de Portugal,por aqui foram escritas diversas constituições,a primeira em 1824,depois 1891,1934 (37) ,1946,1967 (69),e a última em 1988,vigente. Hoje está na moda falar em “cláusula pétrea”,ou seja,aquela cláusula que não poderá ser alterada mediante emenda constitucional. Mas quase ninguém lembra que essas anteriores constituições também eram em si mesmas “constituições pétreas”,ou seja,muito mais que simples cláusulas pétreas . Nenhuma delas poderia ser substituída por outra. No entanto foram. E em quantidade para não se colocar defeito. Portanto cada nova constituição não passou de um golpe. Golpe na anterior.E que tipo de golpe ? O JURÍDICO,evidentemente.

Mas há duas maneiras de golpear uma constituição. Uma,que é a mais usada ,é substituí-la por uma nova. Outra é alterá-la nas cláusulas pétreas. Nesse último caso, o CONTRAGOLPE,como reação ao dito golpe,poderá ser preventivo, anterior ( “a priori”),ou repressivo, posterior (“a posteriori”) à brutal investida .

Chegamos, finalmente, à indecente proposta de emenda à constituição-PEC 33/2011. É uma flagrante tentativa de golpe .Um golpe jurídico. Sofisticado. Agride o art.2º da CF. É cláusula pétrea constitucional a separação dos poderes,com harmonia e independência. Ora,no momento em que essa PEC altera radicalmente o equilíbrio entre os poderes,retirando os mais importantes do Judiciário (STF),preconizados na Constituição “original”,está sendo ferida automaticamente a separação,a harmonia e a independência do poderes. Está sendo ferida cláusula pétrea. Com essa aprovação ,os poderes ficariam totalmente desequilibrados.

Somado a essa “monstruosidade”jurídica,os parlamentares ,subjugados vergonhosamente pelo Planalto, pretendem com esse malicioso instrumento alterar o “quorum” do STF para deliberação sobre a inconstitucionalidade das leis ; fazer com que o efeito vinculante das Súmulas do Supremo seja submetido à aprovação do Congresso ; e mais,também deve ser submetido ao Congresso as decisões do Supremo sobre a INCONSTITUCIONALIDADE das emendas constitucionais-EC. Em assim sendo,acabariam os Três Poderes. Ficaria só a DITADURA do Poder Executivo,com duas frentes de apoio : o Legislativo e o Judiciário. E estes ”disfarçados” para aparentar que existiriam ainda os Três Poderes. Na classificação aristotélica,esse poder único entraria na categoria de “tirania”,que é a forma IMPURA,corrompida, da monarquia.

Se vivo fosse,o popular cantor e compositor gaúcho,TEIXEIRINHA ,talvez tivesse se inspirado nessa última proposição da PEC - aquela pela qual se houver divergência entre o Supremo e o Congresso, na declaração de inconstitucionalidade de lei,a proposta seria submetida à Consulta Popular,que daria o veredicto final - para o fim de compor a sua imortal música “Coração de Luto”,popularmente conhecida como “Churrasquinho de Mãe . A letra começa com “ O MAIOR GOLPE DO MUNDO...” Talvez o compositor substituísse o golpe da perda da sua mãe,quando era criança,que o enlutou pelo resto da vida,por essa escancarada tentativa de vigarice da PEC. Essa sim mereceria dita afirmação: “o maior golpe do mundo”. Tal tentativa tem dupla face : (1) o Congresso não tem habilitação ,nem envergadura intelectual, para decidir sobre constitucionalidade ou inconstitucionalidade de qualquer coisa. Está se apropriando indevidamente de poderes e conhecimentos próprios ao Judiciário. É um “juiz”,que não é juiz,julgando. (2) Pior ainda é se houver divergência entre esses dois poderes. A matéria vai para CONSULTA POPULAR,quando se sabe que o povo , como tal,também não é habilitado nessas questões. Ora, quem tem contato com o povo e capacidade para direcioná-lo e manipulá-lo para qualquer lado não é o juiz,e sim o político. Essa proposta é insensata e golpista. Esse atentado também se manifesta no fato de não se praticar nenhuma democracia no Brasil . O que existe é a OCLOCRACIA,trocando em miúdos,uma democracia degenerada,que mais serve para alimentar lacaios,aventureiros ,corruptos e enganadores da massa ingênua,ignara. É lógico que ao colocar nas mãos desse povo uma decisão exclusivamente de caráter jurisdicional,prevalecerá sempre a vontade dos políticos em detrimento de conclusões jurídicas próprias à magistratura.

É manifesta,portanto,a tentativa de golpe. E como se aborta um golpe ? Lógico que mediante a antecipação de outro golpe (defensivo ) para evitá-lo. E se assim for,esse golpe “preventivo”transforma-se em CONTRAGOLPE. A legitimidade do contragolpe tem o mesmo fundamento da “legítima defesa” ,na esfera criminal.

Tudo leva a crer que o alto comando dessa ameaça golpista está na própria Presidência da República. Ela tem a seus pés um Congresso inteiramente submisso,claro que em troca de mil favores e “acomodações”. Mas há outro perigo no terceiro poder,o Judiciário. Ocorre que a sua cúpula é de livre escolha da Presidência da República,num errôneo mecanismo que destrói totalmente a construção de Montesquieu - cujos restos mortais a essa altura devem estar se contorcendo na tumba - qual seja,a existência,com independência,equilíbrio e harmonia, dos Três Poderes.

Urge que a efetivação de um eventual CONTRAGOLPE exclua da sua participação os integrantes dos Poderes que já estão “perdidos”,mais precisamente,o Legislativo e o Executivo. As sociedades civil e militar poderiam fazer uma aliança. O Poder Judiciário,por que na sua base e maioria ainda mantém os escrúpulos que deve ter um juiz,e que ao mesmo tempo seria a principal vítima desse golpe institucional. E o Poder Militar,porque a honestidade nesse meio é a regra. Tanto isso é verdade que o patrimônio somado deixado pelos cinco ex-presidentes militares não chega talvez a 1/10 da fortuna acumulada por um só “ex-civil”: O Sr.Lula da Silva. E a origem dela não é certamente dos salários. Se assim ocorresse,o litígio ficaria “interessante”. Dois Poderes de um lado (Executivo e Legislativo) e dois do outro (Judiciário e Militar). “Empate”técnico,portanto. Cada um desses dois grupos reuniria pessoas e entidades com valores afins. Eu não tenho dúvida que a parcela decente da sociedade se engajaria mais para o lado das fileiras dos juízes e militares,”contra”os políticos em geral. 



Sérgio Alves de Oliveira , Sociólogo ,Advogado,  Membro Fundador do GESUL-Grupo de Estudos Sul Livre

terça-feira, 7 de maio de 2013

O BÊ-A-BÁ DOS VENCEDORES

ZERO HORA 07 de maio de 2013 | N° 17425 ARTIGOS

 Paulo Vellinho*



Sempre entendi que Deus nos deu dois olhos para observar, dois ouvidos para escutar e uma boca para perguntar, e assim procedi em todos os países que visitei, perdedores e vencedores, e com esses construí meus sonhos de um Brasil desenvolvido, com classe média majoritária, no qual os cidadãos teriam plena saúde física e mental, eliminando assim os vergonhosos desníveis socioeconômicos e até mentais existentes no Brasil.

É obvio que o país dos meus sonhos prescindiria das bolsas assistencialistas que hoje dão aos dependentes apenas o direito de comer e os tornam reféns dos governos que insistem em fazer justiça e bondade com o dinheiro público; como retribuição aos “seus benfeitores”, sentem-se comprometidos em retribuir-lhes o recebido, com o voto nas eleições, votos estes que vão perpetuar no poder os políticos demagogos e populistas.

Enquanto nos países vencedores exige-se dos políticos gestão de excelência, no Brasil temos que nos conformar com uma gestão sem a mesma qualificação.

Quanto à fórmula mágica, “o bê-á-bá dos vencedores”, nada tem de sobrenatural, mas apenas um planejamento de longo prazo visando construir uma sociedade sadia.

Em 1963, fui ao Japão e lá busquei entender o “milagre japonês”, o qual nada mais foi do que focar na qualidade do homem os objetivos da nação. Isto aconteceu no final do século 19. Procuravam abrir o Japão para o mundo deparando com obstáculos físicos intransponíveis, como maremotos, terremotos, vulcões ativos, 80% do seu território montanhoso vulcânico, um subsolo paupérrimo, sem petróleo etc., e a única esperança de alcançar os objetivos foi o firme propósito de investir na qualidade do homem japonês: saneamento básico, nutrição da gestante e da criança, fatores sem os quais não existem condições de ter-se uma sociedade cidadã.

Complementando esta arquitetura, coube eleger a educação como prioridade, reforçando os ensinos Fundamental, Médio e Superior, remunerando decentemente os professores, com salários estabelecidos na razão inversa do nível educacional, ou seja, pagavam e pagam mais para aqueles que constroem o alicerce do conhecimento: o Ensino Fundamental.

Duas gerações foram necessárias para criar uma nova sociedade na qual a principal riqueza era e ainda é o homem japonês.

Pergunto: 1) Os nossos governantes que integram os poderes constitucionais não entenderam ou não quiseram entender como se constrói uma nova sociedade, apesar de viajarem por quase todo o mundo, principalmente os países vencedores?

2) Manter a sociedade escravizada e dependente pelos maus dirigentes políticos e até de algumas igrejas não será uma lamentável estratégia de perpetuação no poder?

Repudio essa hipótese, pois, se real, significaria sujeitar a maioria da sociedade ao estado permanente de pobreza e de miséria.

O Instituto Kinder de Crianças Especiais abriga 300 crianças com deficiências cerebrais (600 na fila de espera), e o preocupante é que 98% de suas famílias não têm nenhum recurso para custear o tratamento.

Meditemos sobre esta realidade.

Questionemos os porquês.

*EMPRESÁRIO

domingo, 5 de maio de 2013

A PEC 33, SEUS LIMITES E POSSIBILIDADES


quinta-feira, 2 de maio de 2013


Miguel Gualano de Godoy
Vera Karam de Chueiri 


A Proposta de Emenda Constitucional 33 altera a quantidade mínima de votos de membros de tribunais para a declaração de inconstitucionalidade de leis; condiciona o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal à aprovação pelo Poder Legislativo e submete ao Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição. Também estabelece que caso o Congresso Nacional se manifeste contrariamente à decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal, a controvérsia seja submetida à consulta popular.

Como encarar essa proposta de emenda à Constituição? Ela é reação vingativa do Poder Legislativo contra o Poder Judiciário ou mera disputa de poder entre os juízes e legisladores para definir quem tem a última palavra sobre o significado da Constituição? A PEC 33 pode abrir novas possibilidades na forma como se encara a separação entre os poderes e a forma de cada um exercer suas competências e funções? Este breve artigo busca mostrar alguns elementos na construção dessas respostas.

A PEC 33 pode representar a primeira possibilidade de se estabelecer uma reflexão muito mais profunda e também mais profícua sobre a separação entre os poderes e como deve se dar a interação entre eles, especialmente quando essa relação envolve o significado, conteúdo e alcance dos direitos e deveres previstos pela Constituição de 1988.

O modelo de separação entre os poderes adotado pela Constituição de 1988 é um modelo que especifica as funções dos órgãos de Estado (executiva, legislativa e jurisdicional) e, no âmbito de cada órgão, em atenção à estrutura federativa (união, estados-membros e municípios), estabelece uma repartição de competências. O Poder Legislativo tem a função primordial de legislar e fiscalizar o Poder Executivo. Este, por sua vez, possui a função de governar e administrar o Estado, através da fixação de diretrizes políticas, isto é, da elaboração e execução de políticas públicas (em geral, criadas por lei). Ao Poder Judiciário, ao seu turno, cabe a aplicação do direito e, ao Supremo Tribunal Federal, em especial e principalmente, a defesa da Constituição. Não obstante, as funções de governar, administrar, legislar e aplicar o direito sejam especializadas e, assim, se definam a partir de um modelo de separação, elas são interdependentes e devem estar comprometidas com algo mais substancial do que a mera eficiência institucional, isto, é a democracia. Vale aqui a pergunta: o poder se divide em benefício de quem e do que?

Nesse sentido, ao se afirmar que ao Supremo Tribunal Federal (STF) cabe a defesa da Constituição e daí se concluir que só ele, e apenas ele, pode definir qual é o significado da Constituição tem-se uma compreensão limitada, desprovida de justificação, conteúdo e legitimidade. Se é certo que o constituinte definiu no art. 102 da Constituição da República que ao STF cabe a guarda da Constituição, o significado dessa norma não é dado como a leitura mais apressada ou mais ingênua quer fazer crer. Ao contrário, o conteúdo e alcance dessa norma deve ser construído, definido pelo intérprete. Desta forma, o STF ao interpretar esse seu dever previsto pela Constituição estabeleceu que ele, como guardião da Constituição, é quem detém a última palavra sobre a interpretação da Constituição. Vale aqui uma segunda pergunta: Por que razão é o STF o intérprete privilegiado da Constituição e sua palavra, terminal, em relação ao que quer dizer a Constituição?

Há, assim, uma supremacia do órgão judicial (o STF) em relação à interpretação da Constituição. Contudo, do ponto de vista democrático e deliberativo sobram motivos para não naturalizar essa atividade como absoluta e exclusiva do STF, bem como, para criticá-la. Isto, pois, ela parte da correta separação funcional para chegar na equivocada conclusão substancial de que o sentido da constituição se encerra naquilo que unicamente um colegiado de ministros – de maneira não necessariamente deliberativa – diz que é. Essa postura da supremacia judicial não fomenta uma ação conjunta, coordenada e colaborativa entre os poderes na definição do que é a Constituição e dela resulta uma disputa (e não um diálogo) entre os poderes sobre quem então deve ter a última palavra. Assim, ao invés dos poderes buscarem de forma dialógica e colaborativa a melhor resposta sobre o significado da Constituição, eles passam a disputá-la, não importando se a resposta será boa ou ruim; se protegerá ou não nossos direitos fundamentais .

É nesse contexto de disputa sobre quem deve ter a última palavra, sobre o significado da Constituição que surge, pois, a PEC 33. Ainda que não seja esta a melhor forma de relação entre o legislativo e o judiciário, pois pressupõe um vencedor e um perdedor (da disputa) sobre o sentido da Constituição, ela deve ser considerada em seus termos. O que não é digno de consideração é o uso da PEC 33 como raivosa reação do Congresso Nacional às atuações do STF ou como mera resposta revanchista que busca mitigar o papel do STF na interpretação da Constituição e, neste caso, ela se apresenta como uma proposta não apenas injustificada, mas também demagógica.

Portanto, o que queremos sublinhar e defender nesta brevíssima análise é a possibilidade da PEC 33 ser compreendida como uma tentativa de se estabelecer um verdadeiro diálogo institucional entre os poderes, bem como, de devolver ao povo a decisão final sobre o significado da Constituição quando não houver entendimento entre o judiciário e o legislativo sobre uma determinada controvérsia constitucional. Ao contrário das leituras precipitadas e levianas que mencionamos no início, as quais endeusam o judiciário e demonizam o legislativo (ou vice-e-versa), entendemos que um tal arranjo pode servir para melhorar não só as relações entre os poderes, mas também no interior dos próprios poderes e, sobretudo, responder a pergunta que fizemos inicialmente sobre quem e o que deve se beneficiar com a separação de poderes, isto é, o povo e, consequentemente, a concretização de seus direitos fundamentais.

Isso porque a PEC 33 reafirma para o STF a soberania popular, para que ele, igualmente, reflita sobre sua própria forma de existir e atuar e, assim, reveja os mecanismos de participação popular direta lá existentes, bem como as possibilidade de controle popular sobre ele. Se esse é o sentido da PEC, o mesmo vale para o Congresso Nacional, o qual se acomoda nas eleições como se estas fossem suficientes para realizar o compromisso democrático deliberativo.

Como se sabe, hoje o povo não conta com nenhum incentivo participativo e ainda possui parcos e dificílimos instrumentos de participação e controle populares no âmbito do legislativo e, sobretudo, do judiciário.

A PEC 33 prevê que a participação popular se dê por consulta popular, a qual, em geral, é realizada por meio de plebiscito. No entanto, é preciso ressalvar que o plebiscito a ser realizado deve oportunizar um debate coletivo, nacional, entre os cidadãos, para que a resposta a ser dada pelo povo seja fruto de uma discussão, deliberação, ampla, pública, robusta e não a mera constatação de posições individuais. O último plebiscito que o país enfrentou em 2005 sobre o desarmamento revelou justamente o contrário do que um regime democrático e deliberativo sustenta, isto é, a ausência de um debate público robusto entre os cidadãos brasileiros em torno das questões que lhes afetam, de forma que todos efetivamente façam parte do processo decisório.

Dessa forma, a PEC 33 pode representar muito mais do que uma mera reação vingativa do Poder Legislativo contra o Poder Judiciário. Ela pode inaugurar esse debate ausente sobre como se deve encarar a separação entre os poderes no Brasil, sobre as formas de atuação e interação dos poderes no exercício de suas funções e competências, especialmente sobre a interpretação e significado da Constituição. A PEC 33, pode, portanto, ser a primeira possibilidade de se repensar que arranjo institucional é desejável e factível, bem como inaugurar a criação de incentivos e instrumentos à participação direta do povo, à intervenção do povo nos assuntos que mais lhe dizem respeito. A PEC 33 poder ser a porta de entrada para uma rediscussão sobre as formas de existência e atuação das nossas instituições democráticas – especialmente o Congresso Nacional, o Poder Judiciário e a interação entre eles. O plebiscito proposto, se feito após um prévio, robusto e deliberativo debate público, pode ser uma boa ferramenta para apresentação de opiniões, pontos de vista, transformação de preferências e, assim, aferir a vontade do povo. Mais, a PEC 33 pode abrir inúmeros caminhos, alternativas, possibilidades e desenhos institucionais ainda não apresentados ou pensados.

A forma como os poderes e a sociedade brasileira irão lidar com a PEC 33 – como mera disputa por poder entre o Legislativo e o Judiciário ou como possibilidade de se repensar a forma de atuação e interação entre os poderes – será reveladora do compromisso que ambos tem (ou não) com o seu conteúdo, isto é, com a realização de um constitucionalismo e de uma democracia genuínos.



Miguel Gualano de Godoy é Bacharel, Mestre e Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Paraná (UFPR); Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e Pesquisador do Núcleo de Pesquisa Constitucionalismo e Democracia (UFPR).

Vera Karam de Chueiri é Professora de Direito Constitucional (graduação, mestrado e doutorado) e Vice-diretora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). É Coordenadora do Núcleo de Pesquisa Constitucionalismo e Democracia (UFPR).


TRUCULÊNCIAS INSTITUCIONAIS


ZERO HORA 05 de maio de 2013 | N° 17423

ARTIGOS

Percival Puggina*



Entramos numa fase institucional marcada pela truculência. Começam a tramitar leis e emendas à Constituição que não visam ao bem do país. São propostas que só se viabilizam por expressarem ressentimentos, desejos de vingança e projetos de poder. A Proposta de Emenda à Constituição nº 33 (PEC 33), por exemplo, aponta um problema real, mas atira belicosamente nas asas do Supremo, que no entender dos seus subscritores alça voos de intolerável autonomia (leia-se julgamento do mensalão). O velho revanchismo rabugento volta e meia esquece o Lexotan e sai virando mesas e cadeiras.

Outra PEC, a de número 37, pretende mudar a Constituição para atribuir exclusivamente às instituições policiais as tarefas de “apuração das infrações penais”. Dessa exclusividade decorre, principalmente, que o Ministério Público não poderá mais promover investigações criminais. A proposta vai somando apoios graças à contrariedade de muitos parlamentares com o protagonismo alcançado pelo MP em ações que alcançam figuras poderosas da República. Pergunto: num país em que já se estabeleceu, com lucros e dividendos, a soberania da alta criminalidade, nítido poder paralelo, vencedor de todos os confrontos com a desguarnecida sociedade, a quem interessa reduzir ainda mais a capacidade de investigação criminal?

Outra recente evidência desse modo brutamontes de legislar, a toque de caixa, para a conveniência política do momento, é fornecida pelo PL 4.470/2012. Esse projeto impede os deputados que adiram a um novo partido de carregar para ele as frações de tempo de tevê e de recursos do fundo partidário que lhes corresponda. Como a criação do PSD convinha ao governo, o partido nasceu em berço de ouro. Como o partido de Marina Silva não interessa, tratam de abortá-lo. Que tal? Eram contra o Golbery, mas aprenderam muito com ele! Transformado em lei, esse projeto atropela e quebra as pernas da ex-senadora que transitava em busca de espaço para a corrida presidencial de 2014. O pesadelo atual de Dilma Rousseff, que vê surgir Eduardo Campos dentro de seu quadrado, é ter também Marina Silva colhendo votos na seara do norte e nordeste do país.

O Brasil esgotou as possibilidades de tomar jeito com o atual formato de suas instituições. Quem sabe juntar “b” com “a” para fazer “ba” percebe isso. Império da Lei, entre nós, poderia ser nome de escola de samba. Nosso modelo não estimula condutas civilizadas. O governo legisla (e como! e quanto!). Os congressistas se convertem em distribuidores de verbas. Não é sem motivo, então, que se expande o ativismo judiciário, ou que a política se vai judicializando. Os partidos se assemelham a agências de emprego e vão ficando todos iguais. O Estado padece de hipertrofia e ineficiência. A administração pública e o próprio Estado são permanentemente aparelhados pelo governo em decorrência da fusão, em uma só pessoa, de três funções que obviamente são distintas entre si. Os freios e contrapesos sugeridos pela ciência política para contenção dos poderes de Estado se converteram em um sistema de preço e sobrepreço. As relações internacionais não são pilotadas pelo interesse da nação, mas pelas afeições ideológicas do partido dirigente. Consagrou-se a prática de perder a eleição e aderir ao vencedor. A oposição mirra. Uma usina de escândalos opera em regime de 24 por 24 horas nos vários níveis do governo e da administração.

Infelizmente, nossa vida institucional continuará assim como a vemos, de mal a pior, enquanto permanecermos condenando os fatos e concedendo alvará de soltura às causas.

*ESCRITOR

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O problema brasileiro tem origem na constituição dita "cidadã" que é um retalho de dispositivos impróprios para uma carta magna, detalhista, assistemática e voltada ao direito particular e privilégios dos governantes. É justamente esta teia constitucional que vem produzindo as distorções, as divergências, os conflitos institucionais, as discrepâncias, as discriminações, a soberba, a prepotência e a desarmonia na República Federativa do Brasil. Os tais freios e contrapesos só valem para o povo, já que os governantes gozam de privilégios, justiça própria, indenizações, luxo, altos salários e farras com o dinheiro público sem a necessidade de dar contrapartidas ao povo pagador de impostos abusivos. 

Os partidos não mostram real compromisso com a nação e potencializam esforços para agregar cargos,  centralizar recursos e ganhar mais espaço no cenário político eleitoral. O Estado no todo (os três poderes) padece de hipertrofia e ineficiência, sem que haja vontade para reduzir o peso e o custo da máquina estatal, agilizar a justiça, criar leis que atendam os anseios do povo e investir na vida, na saúde e na educação do seu povo.

sábado, 4 de maio de 2013

FALSA DEMOCRACIA

04 de maio de 2013 | 2h 06

O Estado de S.Paulo

OPINIÃO


Governos autoritários nunca traem sua natureza. O verniz democrático e de respeito ao Estado de Direito, quando existe, dura apenas o tempo necessário para a completa instalação de um regime de permanente exceção. As leis são criadas, alteradas e interpretadas de acordo não com as demandas legítimas dos cidadãos, mas segundo as conveniências dos autocratas, cujo único objetivo é manter-se no poder e impedir que ele seja contestado. É precisamente o caso da Bolívia de Evo Morales, cujo Judiciário recentemente decidiu que o presidente pode concorrer a uma nova reeleição, mesmo que a Constituição diga expressamente que não.

Eleito pela primeira vez em 2005, Morales foi reeleito em 2009, já sob uma nova Constituição - que prevê o direito a apenas uma reeleição. Na avaliação do Tribunal Constitucional, porém, o que aconteceu antes da promulgação da Constituição simplesmente não vale, porque o país foi "refundado". Logo, de acordo com essa narrativa mitológica, corroborada pela mais alta instância constitucional da Bolívia, Morales elegeu-se apenas uma vez e, portanto, está apto a tentar um novo mandato.

Não que Morales estivesse muito preocupado com o desfecho do caso, porque o Tribunal Constitucional é formado por magistrados que lhe são submissos, graças ao pitoresco sistema pelo qual foram escolhidos. A atual Constituição estabeleceu que todos os magistrados das principais instâncias judiciais do país têm de ser eleitos pelo voto direto dos cidadãos. A aparência democrática esconde o fato óbvio de que juiz não é político e não pode, por definição, estar à mercê das forças que viabilizaram sua eleição. Ademais, a escolha de um magistrado deve respeitar méritos técnicos, algo que o eleitor médio não tem condições de avaliar. Por fim, mas não menos importante, os candidatos são selecionados pelo Congresso - que é dominado pela tropa de choque de Morales. Logo, o sistema foi criado para, em nome da democracia, facilitar o controle do Judiciário por Morales.

Na eleição judicial de 2011, a primeira da história, os votos nulos e em branco somaram 60%, mostrando o ceticismo do eleitor boliviano sobre o modelo. Apesar do fiasco, os candidatos eleitos foram confirmados, e foram esses os juízes que aceitaram o papel de avalistas da violação escancarada da Constituição que eles juraram respeitar.

A própria Constituição, aliás, foi elaborada e aprovada sob uma atmosfera que nada lembra a de uma verdadeira democracia. A "refundação" da Bolívia se deu com uma Assembleia Constituinte que se trancou num quartel do Exército e que só contou com parlamentares governistas. Diante de protestos da oposição, que Morales tratou logo de qualificar como "conspiração golpista", os constituintes aprovaram um texto que muitos deles nem sequer haviam lido. Não havia necessidade, pois o texto constitucional, ao que parece, depende muito menos de sua letra e espírito e muito mais das conveniências do governo para ser seguido e respeitado.

Se eleito em 2014, Morales governará até 2020, totalizando 15 anos de governo. E não seria exagero imaginar que, até lá, ele encontrará meios de extrair da Constituição as justificativas necessárias para esticar mais um pouco sua temporada no poder, bem ao estilo de seu mentor, o falecido Hugo Chávez. Pois a "democracia" bolivariana é movida a casuísmos, intimidação e estado de permanente mobilização contra o "inimigo da pátria", geralmente os Estados Unidos e seus "lacaios", algo que serve para justificar toda sorte de arbitrariedades contra a oposição e as instituições.

Seguindo esse roteiro, Morales acaba de expulsar da Bolívia a Usaid, agência americana de ajuda internacional, acusando-a de conspirar contra seu governo por exercer "interferência política em sindicatos de camponeses e outras organizações sociais" que são focos de insatisfação. Na narrativa de Morales, se há oposição na Bolívia, ela só pode ser resultado de um complô americano, e não de legítimo descontentamento popular.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

O NOVO TRABALHO

ZERO HORA 02 de maio de 2013 | N° 17420


Denise Fincato*



O mundo do trabalho vive tempos de grandes mudanças. Está difícil para o sistema capitalista compreender a transposição de seu paradigma e a chegada inevitável a novos platôs de relacionamento laboral. Nem todos caminham juntos, como é hábito entre os humanos. Mas, desde a Revolução Francesa, fala-se em reger as relações sociais a partir dos acordes da igualdade, liberdade e fraternidade. As três notas deveriam operar de forma harmônica, mas nem sempre se dança a mesma melodia, mesmo em países desenvolvidos, sociais e democráticos.

Durante séculos, a humanidade lutou pelo trabalho livre, e o resultado é que hoje, para a maioria das nações, a escravidão é um capítulo de sua história. Lutou-se também por igualdade nas condições de trabalho. Em diversos setores, a igualdade é o princípio que se reflete na prática. Mas sobre o princípio da fraternidade pouco se falou. Nas relações de trabalho, então, nada se fala. Talvez, como alguns apontam, porque se o entenda pressuposto dos demais princípios. Talvez, como outros pon- tuam, porque este acorde tenha ficado esquecido, alijado das sinfonias de reivindicações excessivamente pragmáticas e imediatistas.

A fraternidade não supõe amar o outro. Antes disso, supõe ver o outro. As relações humanas fugazes e líquidas, a globalização e a crescente “tecnologização” do labor tornam as relações de trabalho mais mecânicas, distantes e frias. Ver o outro realmente é difícil, quanto mais neste cenário. É então que a intervenção estatal é necessária. Verdadeira lente que corrige miopias sociais, a atuação do Estado deve ocorrer no desiderato de “re-harmonização” dos acordes primários (igualdade, liberdade e fraternidade). Isto talvez explique o porquê da chamada PEC das Domésticas, assinalando que, no particular, se trata de uma acomodação mundial e não apenas brasileira.

É lugar-comum que, nas relações economicamente desiguais, a liberdade tende a escravizar e a lei tende a libertar. O novo trabalho deve ser mais que igual e livre. Deve ser fraterno. O problema é que não há lei que obrigue à fraternidade. Ela é fruto do sentir-se e saber-se humano.

Aos trabalhadores, parabéns pelo dia e que, como presente, recebam o que merecem: o olhar do outro, que os verá como iguais, justamente porque diferentes.

*PROFESSORA DA FACULDADE DE DIREITO DA PUCRS