Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A DEFESA DA IMORALIDADE

ZERO HORA 31 de outubro de 2012 | N° 17239

EDITORIAIS


No momento em que a maioria dos brasileiros aplaude a punição dos réus do mensalão como uma perspectiva de moralização da atividade pública no país, causa perplexidade o episódio futebolístico caracterizado pela tentativa do Palmeiras de anular nos tribunais uma derrota de campo, sob o pretexto de que um gol absolutamente ilegal, marcado com a mão, foi incorretamente invalidado. A direção do clube paulista, seriamente ameaçado de rebaixamento no Campeonato Brasileiro, alega que o árbitro se socorreu de imagens de TV para voltar atrás na decisão que já havia tomado. O uso de tecnologia para decidir sobre lances de jogo continua sendo proibido pela Fifa.

A ilegalidade do lance foi tão gritante, que, num caso desses, deveria valer informação até do gandula para repor a verdade. Mas o autor da jogada desonesta, assim como muitos de seus companheiros e os dirigentes do clube, fazem questão de ignorar o mais importante e tentam transferir a responsabilidade para o árbitro. Ora, se o juiz errou ao não ver o toque de mão do atacante argentino, cabe à CBF puni-lo e promover a devida reciclagem, como faz costumeiramente com árbitros que cometem falhas relevantes. O que não cabe é premiar o infrator por causa de uma eventual irregularidade cometida pelo árbitro.

Nem a paixão clubística mais exacerbada justifica a defesa da imoralidade. No caso específico, talvez coubesse, isto sim, examinar a atitude antidesportiva do jogador, que sequer se desculpou por transgredir as regras do jogo e por tentar enganar os demais protagonistas da disputa. Assim como a política e outros setores da vida nacional, o futebol também precisa desenvolver uma cultura de integridade, para que não sirva de modelo para a esperteza, para o jeitinho e para a vitória a qualquer preço.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

ONDE ESTÁ A QUALIDADE?

JORNAL DO COMERCIO 24/10/2012


Luiz Eduardo da Silva Amaro 

Qualidade virou palavra obrigatória entre administradores, a partir da década de 1980, quando dezenas de livros sobre o assunto inundaram as livrarias, no rastro do milagre japonês. Ainda hoje, todo curso de Administração que se preze tem uma disciplina sobre Gestão da Qualidade. A justificativa é sempre a mesma: sem qualidade, nenhum bem físico ou serviço sobreviverá à disputa de mercado. O problema é que os produtos nunca tiveram tão pouca qualidade ou tão curta vida útil. Já colecionei, para discussão em sala de aula, recortes de jornais sobre recalls de carros, motos, carrinhos de bebês e até mesmo biquínis - que ficavam transparentes quando molhados! Até meu bombom favorito, cujo recheio era uma mistura deliciosa de castanha de caju e amendoim, hoje traz uma massa à base, principalmente, de leite em pó e açúcar, cujo sabor passa longe do que costumava ser. E não adianta trocá-lo pelo concorrente: está a mesma coisa! Quando comecei a expor esses fatos entre professores e administradores, a concordância foi quase unânime. Ou seja, os próprios profissionais responsáveis pelo assunto reconhecem: fala-se muito em qualidade só para constatar sua falta.

Esses profissionais, inclusive, aumentaram minha lista de produtos que deixam a desejar, reclamando da falta de sabor em alimentos in natura e industrializados, e do excesso de sal e de açúcar em salgadinhos e doces, o que explica porque nossas crianças não suportam salada. Nos serviços, sejam públicos ou privados, a coisa não é diferente. Faça uma pergunta mais difícil para um funcionário de banco ou dirija-se a um balcão de órgão público. Novamente, constatará que a qualidade nesse setor é coisa rara. As duas idosas que morreram recentemente por terem recebido sopa e café com leite na veia são um indício de que, talvez, a questão da (falta de) qualidade em produtos e serviços neste País esteja indo longe demais.

Professor universitário, Faculdades Integradas São Judas Tadeu

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

CONGRESSO PREPARA ATAQUE CONTRA A PRIVACIDADE NA INTERNET

REVISTA ISTO É N° Edição: 2240 | 11.Out.12 - 17:00 | Atualizado em 19.Out.12 - 12:01


Um ataque contra a sua privacidade. Nova lei da internet, em discussão no congresso, coloca em risco as informações privadas dos brasileiros que acessam a rede



 Izabelle Torres




A privacidade dos 71 milhões de brasileiros que navegam na internet vale muito dinheiro e está em risco no debate em torno das regras para o funcionamento da rede mundial de computadores no Brasil. O texto do marco civil da internet em discussão no Congresso vem atraindo um jogo de lobbies e deixa brechas à proteção de dados dos usuários. A nova legislação permite que as informações pessoais que circulam pelos sites acionados pelos internautas sejam usadas para alimentar o mercado de publicidade direcionada.



Apesar de assegurar, à primeira vista, a inviolabilidade dos dados, o texto em tramitação agride a privacidade do usuário, como pode ser conferir numa leitura mais atenta da proposta. O perigo mora no artigo do projeto que supostamente garantiria os direitos dos internautas. Apesar de proibir o fornecimento a terceiros de registros de conexão e acesso, o texto abre exceção para casos em que o próprio usuário dá “consentimento livre, expresso e informado” para o uso de seus dados. Isso acontece, na maioria das vezes, sem que a pessoa se dê conta. Ocorre que praticamente todos os termos de adesão para a criação de contas de e-mails ou redes sociais incluem essa autorização automática. O cliente não tem opção: ou concorda com os termos de uso ou simplesmente não usa os serviços. A artimanha garante aos provedores de serviços o acesso a dados dos internautas. A invasão se dá na forma de uma aparente coincidência: o internauta comenta sobre um produto ou serviço na rede e logo passa a ser bombardeado por anúncios.



A manobra é replicada nos cadastros de sites de compras e outros serviços online. Ela é mais flagrante no Google. Ali, para abrir uma conta no Gmail, o usuário esbarra num termo de adesão escrito apenas em inglês, no qual abre mão da privacidade. “Você concorda que o Google pode usar seus dados de acordo com a política de privacidade”, diz um trecho do contrato. Na rede social Facebook não é diferente. Ao se cadastrar, o internauta precisa aprovar os termos do acesso, que na prática representam a autorização para o uso dos dados de navegação. “Usamos as informações que recebemos sobre você em relação aos serviços e recursos que fornecemos a você e a outros usuários, como seus amigos, nossos parceiros, os anunciantes que compram anúncios no site e os desenvolvedores que criam os jogos, aplicativos e sites que você usa”, informa o termo.



Enquanto provedores de serviços como e-mail e rede social se beneficiam dos contratos para lhes garantir o acesso e o uso de informações dos usuários, provedores de conexão, como as companhias telefônicas, fecham parcerias milionárias com empresas especializadas em rastrear a navegação. A multinacional Phorm é uma dessas empresas e hoje presta serviços para a Oi e a Telefônica no Brasil. Sua missão é traçar o perfil dos internautas e descobrir seus interesses de navegação. São provedores de acesso como as duas empresas de telefonia que mais brigam para que o marco da internet não as deixe de fora do clube de quem fatura em cima da privacidade dos internautas. O argumento é que os sites de e-mails e redes sociais já fazem esse rastreamento, mesmo sem previsão legal. “É uma briga grande, mas acreditamos que o texto da forma como está fechará muitas brechas”, alega o relator do projeto na Câmara, deputado Alexandre Molon (PR-RJ). “Sabemos que algumas empresas, como a Phorm, vivem dessa bisbilhotagem disputada pelo mercado da rede. Queremos frear esse comércio e impedir que a privacidade alimente os negócios. Acho que o marco é um avanço para isso.” O parlamentar não explica, porém, como vai garantir a privacidade dos usuários diante dos termos de adesão que o internauta encontra pelo caminho. O governo tem pressa na votação do texto. Um dos que pressionam pela aprovação ainda neste ano é o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo.


GANHAM PARA VASCULHAR
Deputado Alexandre Molon (PT-RJ) diz que
empresas vivem da bisbilhotagem

Na contramão do discurso de Molon, o especialista em direito eletrônico Renato Opice Blum, da Fundação Getulio Vargas, diz que a aprovação do marco não vai garantir a privacidade, mas apenas oficializar – se não aumentar – o comércio de publicidade direcionada que existe atualmente. “Esse texto não muda nada, uma vez que a maioria dos brasileiros autoriza o uso e a divulgação dos seus dados sem se dar conta. O problema é que ninguém costuma ler os contratos dos serviços”, diz. Para Blum, como a nova legislação não deve frear o comércio de informações, restará aos brasileiros ter cautela ao navegar na rede e, sobretudo, na hora de escolher os serviços que contrata. Diante da guerra de interesses, o único consenso entre os vários atores dessa discussão é que, aprovado o texto em debate no Congresso, ganharão força os negócios feitos à custa da privacidade do internauta.






Fotos: shutterstock; Sérgio Lima/Folhapress

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

DIÁLOGO TRUNCADO

ZERO HORA 17 de outubro de 2012 | N° 17225


Queixa de secretário expõe tensão entre Estado e União. Apesar do discurso das boas relações, Piratini e Planalto têm conflitos políticos e na área econômica


CARLOS ROLLSING

Como a ponta de um iceberg, os ataques do secretário Mauro Knijnik ao ministro Fernando Pimentel, em nota distribuída na segunda-feira, surgiram a partir de uma sólida, porém invisível, base de sustentação permeada por intrigas e disputas políticas. Somado a outros episódios (veja ao lado), o caso mostra que o chamado “alinhamento de estrelas”, com petistas no comando dos governos estadual e federal, não está no seu melhor momento.

Secretário estadual do Desenvolvimento, Mauro Knijnik distribuiu comunicado em que revelou ter “temor” de tratar de novos empreendimentos com o Ministério do Desenvolvimento, comandado por Pimentel, que atuaria para transferir os investimentos a outros Estados. Em uma crítica dura, afirmou que Pimentel é “menor do que a cadeira que ocupa”. Tarso autorizou Knijnik a disseminar as afirmações.

Isso fortaleceu a interpretação de que se tratou de uma ação do Piratini, que enfrenta focos de tensão com o governo Dilma Rousseff. Ontem, à Rádio Gaúcha, o secretário do Conselhão, Marcelo Danéris, confirmou que a atitude de Knijnik teve aval de Tarso:

– Se o ministério não consegue tratar as questões do Rio Grande do Sul, não há nenhum motivo para que a gente leve investimentos que negociamos para o ambiente de um ministério que não dá sequência.

Alarmados com a severidade das palavras de Knijnik, secretários próximos a Tarso afirmaram que a manifestação estava autorizada, “mas não em tom tão pesado”.

– Nos ministérios, o comentário é de que o governador erra a mão ao conduzir as coisas com essa busca por enfrentamento – disse um assessor com trânsito no gabinete presidencial.

Aliados de Tarso discordam. Defendem a relação com o Planalto, afastam o governador do centro da polêmica e apontam falta de habilidade política de Knijnik para resolver o episódio.

– Foi um ato isolado. Temos investimentos na BR-116, na BR-448, na BR-290 e na duplicação da BR-386. Duvido que outro Estado tenha esse volume de obras. A relação é boa – diz o deputado federal Paulo Pimenta (PT).

DEMOCRACIA E CÓDIGO PENAL

FOLHA.COM 17/10/2012 - 03h30. Tendências/Debates:

LUIZ CARLOS DOS SANTOS GONÇALVES

LUIZ FLÁVIO GOMES
LUIZA NAGIB ELUF


O Código Penal brasileiro de 1940 foi feito em plena ditadura (Estado Novo). Suas reformas foram também realizadas em épocas de ditadura: 1969 e 1984. Comissões de reforma constituídas após 1988, integradas por juristas como Miguel Reale Júnior, Juarez Tavares e René Ariel Dotti, malograram.

Este fracasso ajuda a explicar porque a sociedade brasileira de 2012 continua regida principalmente por uma lei penal de 1940.

A esperança de uma reforma penal democrática ressurgiu com a proposta do senador Pedro Taques de criar uma comissão de juristas para elaborar um anteprojeto de novo Código Penal.
Isso foi feito: juízes, promotores de justiça, defensores públicos, professores, advogados, procuradores da república e consultores legislativos a compuseram.

A comissão, em trabalho incansável e aberto, transmitido pela TV Senado e divulgado pelos meios de comunicação, terminou suas atividades em sete meses.

Realizou audiências públicas e seminários em várias capitais do Brasil, recebeu mais de 6.000 sugestões de cidadãos brasileiros e dezenas de notas e comunicados das mais diversas instituições da sociedade civil. Ao leitor da Folha, essa explicação nem seria necessária: este jornal noticiou, meses a fio, todas as discussões e deliberações a que se chegou.

O anteprojeto se transformou no projeto de lei 236/2012. Foi constituída uma comissão de senadores para examiná-lo, sob a presidência do senador Eunício Oliveira, que também preside a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Abriu-se oportunidade para recebimento de sugestões e críticas, foram realizadas novas audiências públicas e, estamos confiantes, o mais amplo espaço será dado para esta importante discussão.

Cesar Habert Paciornik



As críticas que o projeto tem recebido são legítimas e naturais. A comissão de juristas entendeu que era seu dever oferecer soluções para questões muito controvertidas, imprimindo a elas um caráter liberal.

Os exames críticos não são de idêntico teor. Ao revés, tendem a ser mutuamente excludentes. Para alguns, há penas demais no anteprojeto; para outros, de menos. Feito por um colegiado, com diversas visões penalísticas, estas valorações distintas eram esperadas.

Um projeto não é a lei pronta. É instrumento para sua discussão. Somos pelo mais abrangente, aberto e transparente debate, pois só isto convém à democracia.

Não se pode concordar com afirmações, porém, de que a tramitação do novo código é arbitrária ou ofende valores democráticos, como defendeu texto publicado nesta seção no dia 4/10 ("Por um Código Penal democrático", de Miguel Reale Júnior, Renato de Mello Jorge Silveira, Roberto Livianu e Fernando Figueiredo Bartoletti).

Tais assertivas desvalorizam o Senado Federal e seu modo de funcionamento, bem como o princípio da soberania popular, que é lastro do Estado democrático de Direito: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente...". Os parlamentares que estão analisando o projeto estão legitimados a tanto pelo voto popular.

Ao pretender que o Senado abra mão de seu papel constitucional e nem sequer examine o projeto, o que se almeja, na verdade, é alijar autoritariamente a cidadania brasileira da discussão. Isto não pode ser: não há democracia sem representação popular. O Congresso Nacional é que deve ser o árbitro das tensões suscitadas pela reforma penal.

O projeto bate forte na corrupção, corrige insuficiências da atual parte geral --como o falho conceito de dolo eventual-- e oferece soluções avançadas em temas como crimes de trânsito, terrorismo, crime cibernéticos, crimes contra direitos humanos e outros.

Da reforma de 1984 para cá, mais de um milhão de pessoas foram assassinadas intencionalmente no Brasil, o 20º país mais violento do mundo. Está na hora de aprimorar a lei penal. Para isso, convidamos toda a comunidade brasileira a participar.



LUIZ CARLOS DOS SANTOS GONÇALVES, 48, é relator-geral da Comissão da Reforma Penal e procurador-regional da República.

LUIZ FLÁVIO GOMES, 55, doutor em direito penal, fundou a rede de ensino LFG. Foi promotor de justiça, juiz e advogado. É membro da Comissão de Reforma de Código Penal

LUIZA NAGIB ELUF, 57, é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo e membro da Comissão de Reforma do Código Penal

A REPÚBLICA E A AÇÃO PENAL 470

O ESTADO DE SÃO PAULO, 17 de outubro de 2012 | 3h 09

Luiz Werneck Vianna

O Rubicão foi atravessado à vista de todos e, na nova margem em que nos encontramos, não há mais caminho de volta. Estamos, agora, em pleno território da República - não mais a de fachada, velha conhecida -, compelidos a devassar uma terra ignota, ainda envoltos na névoa deixada por décadas de surtos de modernização, cada qual em estilo adequado às conjunturas que os viram nascer, mas sempre sob a lógica afeita aos principados a exercitar verticalmente sua vontade sobre uma sociedade como base passiva.

O julgamento da Ação Penal 470 no Supremo Tribunal Federal (STF) - que se investiu da pesada toga de um Senado romano desde a leitura em plenário do introito à denúncia do procurador-geral da República - pretendeu ser um julgamento político da História de uma sociedade submetida à discrição do poder político da administração, em nome dos valores e das instituições consagradas na Carta Magna de 1988, que tardam em se fazer reconhecer.

O passado, tal qual o conhecemos, não deve mais iluminar o futuro, pois, a esta altura do século, por maiores que tenham sido os seus méritos na construção da identidade nacional, de uma cultura pluralista e de um enérgico sistema produtivo, a hipoteca que nos deixou é a de uma sociedade rebaixada diante do Estado e enredada em suas malhas. Se ele, sem dúvida, foi eficaz em nos trazer a modernização, somente o foi ao alto preço de ter sacrificado em favor dela o moderno e os seus valores.

O nome próprio do moderno é o da autonomia que se exprime no exercício da livre manifestação de vontade da cidadania, a partir de uma vida associativa e de partidos políticos que extraiam sua seiva de um mundo da vida descontaminado do poder administrativo e do poder sistêmico da economia, para usar a linguagem, incontornável na cena contemporânea, de Jürgen Habermas.

O Supremo Tribunal Federal, nesse sentido, sem se limitar à avaliação de comportamentos ilícitos na esfera da vida privada - os personagens dos bancos e das empresas envolvidas -, privilegiou a perspectiva da esfera pública, os atentados ao sistema de representação política e aos procedimentos democráticos, identificando a necessidade de limpeza dos filtros que levam a essa esfera a manifestação de vontade do cidadão. Vale dizer, delitos cometidos contra a República e suas instituições.

Em alguns votos contundentes, em que personagens clássicos da Roma republicana foram evocados, ministros da Suprema Corte demonstravam estar conscientes de que anunciavam um novo começo para a democracia brasileira sob a égide de uma ética republicana. E não poucos mencionaram a Lei da Ficha Limpa - na origem, uma lei de iniciativa popular - como instrumento de proteção ao sistema da representação política, considerada como bem maior a ser defendido. Provavelmente, ecoaram nesse tribunal os argumentos de maior alcance pedagógico já registrado entre nós em favor da democracia representativa.

A fixação dos votos dos ministros do STF no tema dos procedimentos, tendo em vista guarnecer a todos com um direito igual em suas manifestações de vontade - "núcleo dogmático" de validade universal nos sistemas jurídicos das modernas democracias ocidentais -, execrando a tentativa de colonização da representação popular por parte da administração e do poder do dinheiro, deixa no vazio as insinuações de que essa Ação Penal 470 seria mais um episódio da judicialização da política entre nós, que, por definição, gravita em torno de matéria substantiva.

A democracia de massas, que se amplifica com as poderosas mudanças sociais de que o País é hoje um laboratório aberto, não pode desconhecer a República e as suas instituições, sob pena de se ver dominada pelos interesses políticos e sistêmicos estabelecidos. No mais, não há uma Muralha da China a separar a democracia social da democracia política, desde que essa esteja aberta a uma competição que não crie obstáculos às legítimas pretensões dos agentes, partidos, sindicatos e organizações sociais que nela atuem, visando a realizar seus interesses e valores.

O seminário com público de massas em que se converteu o julgamento da Ação Penal 470, por sua vez, expôs a nu as fragilidades do sistema político vigente, em particular a modalidade sui generis com que aqui se pratica o presidencialismo de coalizão, indiferente a programas políticos e cruamente orientado para ações estratégicas com vista à conquista do voto e à reprodução eleitoral das legendas coligadas. Nesse processo, os partidos migram da órbita da sociedade civil para a do Estado, quando passam a ser criaturas dele.

Por causa da natureza fragmentária do quadro partidário e da dispersão dos votos dela resultante, o governante vê-se tangido, em nome da governabilidade, a reter insulado o cerne do programa com que foi eleito - que nunca sai ileso dessa operação - e a facultar o acesso à máquina estatal e às suas agências a aliados de ocasião com o objetivo de obter maioria parlamentar. O cimento notório dessas coligações deriva do loteamento entre elas de posições no interior da administração pública, tornando-a vulnerável às pressões privatistas exercidas em favor de financiadores de campanhas e de apoiadores políticos.

Nada de novo no diagnóstico, para cujos males há remédios conhecidos em vários bons projetos em andamento no Parlamento, entre os quais o que prevê financiamento público das campanhas eleitorais e a extinção das coalizões partidárias nas eleições proporcionais. O laissez-faire em política não é menos deletério do que em economia, e desde Maquiavel se sabe que as Repúblicas que fizeram História começaram com a ação virtuosa de um legislador.

* PROFESSOR-PESQUISADOR DA PUC-RIO

OS INIMIGOS DA MÍDIA


17 de outubro de 2012 | 3h 09


OPINIÃO O Estado de S.Paulo

Naquelas partes do mundo com as quais a América Latina aspira a se equiparar, a imprensa e os meios de comunicação em geral vivem tempos atribulados. Os modos convencionais de produzir e difundir informações enfrentam, com diferentes resultados, o desafio sem precedentes da revolução tecnológica que criou a internet. A partir daí, como é impossível ignorar, surgiu o fenômeno mundial da blogosfera e das redes sociais, onde o incessante fluxo de notícias - ou o que passa por sê-lo - transformou drasticamente as relações entre a mídia (que, na forma clássica, coleta, organiza, expõe e discute os fatos presumivelmente relevantes para a maioria) e o público (que os consumia com escassa ou nenhuma intervenção no processo). Posto em xeque esse padrão, também o modelo tradicional de negócios do setor busca atalhos para se adaptar à mudança, sob os efeitos agravantes da crise das economias desenvolvidas.

Essa espinhosa realidade já contém problemas suficientes para determinar a agenda de qualquer evento que reúna executivos de empresas de comunicação, jornalistas em postos de comando nas redações, analistas e pesquisadores. Mas nesta parte do mundo, a pauta da imprensa inclui forçosamente a questão política das ameaças à sua liberdade. Eis por que, além dos debates sobre o futuro do jornalismo, como os que se travam em toda parte, a 68.ª Assembleia-Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), encerrada ontem em São Paulo depois de cinco dias de atividades, concentrou-se em boa medida no que o ex-presidente Fernando Henrique, falando na segunda-feira, chamou "um ressurgimento do pensamento contrário à democracia", que se traduz em crescentes pressões contra a imprensa na região. "Governos democraticamente eleitos", apontou por sua vez o presidente da entidade, Milton Coleman, do Washington Post, "estão tratando de promulgar leis que solapam a liberdade de expressão."

O quadro latino-americano se tornou mais sombrio, portanto. Extintas as ditaduras nascidas de golpes militares - e com a evidente exceção da tirania castrista em Cuba -, líderes que chegaram ao poder pelas urnas adotam políticas deliberadas de cercear o jornalismo independente, enquanto cumulam de benefícios a mídia chapa-branca ou pura e simplesmente estatal. Na Argentina, Bolívia, Equador, Nicarágua e Venezuela, a pretexto de democratizar o acesso à informação, busca-se institucionalizar o garrote ao redor das organizações noticiosas, a par de outras formas de intimidação, como é o caso da verdadeira guerra de extermínio que a presidente Cristina Kirchner move ao grupo empresarial que edita o Clarín, desde que o mais importante diário argentino cometeu o pecado mortal de opor-se à Casa Rosada no seu confronto com os ruralistas em 2008. É a aplicação do princípio chavista segundo o qual ou o órgão de comunicação se alinha automaticamente com o governo ou é inimigo a ser tratado como tal.

No Brasil, no que dependesse do PT, esse tratamento já estaria em curso, sob o assim chamado "controle social da mídia", a ser exercido por grupos sociais controlados pelo partido. O mais recente rosnado nessa direção, como se sabe, se seguiu à condenação dos grão-mensaleiros por um imaginário conluio entre o Supremo Tribunal Federal e a imprensa conservadora (ou golpista). A mídia não pode ser um partido político, esbravejam os petistas. Se não opera em regime de concessão, pode ser o que queira - e se entenda com o seu público. O Estado, como lembrou o governador Geraldo Alckmin no encontro da SIP, é que não pode ser juiz da imprensa. É o que também parece pensar a presidente Dilma Rousseff, para quem o melhor controle da mídia é o controle remoto em poder das pessoas.

De todo modo, 72% dos diretores de veículos de comunicação no País - ante 67% na média da região, numa pesquisa patrocinada pela SIP - entendem que a liberdade de imprensa "é esporadicamente ameaçada ou coagida"; pelos governos em primeiro lugar, mas também por medidas judiciais (como a que há mais de dois anos impede este jornal de noticiar a investigação da Polícia Federal sobre os negócios da família Sarney) e ainda pelo crime organizado.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

MAIS TRABALHADORES ESTRANGEIROS

 
15 de outubro de 2012 | 3h 07

OPINIÃO O Estado de S.Paulo

O agravamento da crise europeia, que vem provocando índices recordes de desemprego, tem forçado a emigração de trabalhadores para outras regiões, especialmente a América Latina. Estima-se que, só do Brasil, os europeus enviem anualmente para seus países cerca de US$ 1 bilhão, como mostrou reportagem do correspondente do Estado em Genebra, Jamil Chade (6/10).

O êxodo decorrente da crise europeia é um dos fatores que ajudam a explicar a crescente entrada de trabalhadores estrangeiros no Brasil, apesar da acentuada redução do ritmo de crescimento da economia brasileira e das exigências legais que complicam e retardam a concessão de autorização para que profissionais de outras nacionalidades possam trabalhar no País. No primeiro semestre deste ano, o governo concedeu autorização para 32.913 estrangeiros obterem trabalho permanente ou temporário no País. É um número 24% maior do que o total de estrangeiros autorizados a trabalhar no Brasil nos primeiros seis meses do ano passado.

Embora o ritmo de crescimento do número de estrangeiros que entram legalmente no mercado de trabalho brasileiro tenha arrefecido - em 2010, o aumento foi de 30,5% e, em 2011, de 25,9%, sempre em relação ao ano anterior -, ainda é acelerado, sobretudo se se considerar que as projeções mais frequentes para o crescimento da economia brasileira neste ano estão abaixo de 2%. Esses dados não consideram os estrangeiros que entram clandestinamente no País para trabalhar em condições precárias no mercado informal.

No caso de profissionais qualificados, categoria na qual se enquadra grande parte dos portugueses e espanhóis que vêm para a América Latina, a demanda brasileira não é para trabalho temporário. A escassez de trabalhadores com treinamento e conhecimento adequado está se tornando aguda em alguns setores que, apesar da crise, continuam a receber grandes investimentos e a contratar pessoal, como o de engenharia, o de exploração de petróleo e o de tecnologia de informação. O sistema de ensino e de formação de mão de obra do País não está sendo capaz de suprir essa demanda no volume e na qualidade exigidos pelo mercado, daí o crescimento da imigração de profissionais estrangeiros, num processo que tende a ser longo. Nesse aspecto, a crise europeia acaba sendo benéfica para o Brasil.

Os dados relativos ao primeiro semestre não deixam dúvidas quanto à qualificação dos profissionais que chegam ao País. Nada menos do que 61,4% desses trabalhadores têm curso superior completo (e 3,3% têm mestrado ou doutorado). Os demais têm ensino médio completo - são, em geral, técnicos com elevado grau de especialização. Os principais destinos desses profissionais - Rio de Janeiro e São Paulo - indicam que a maior carência desse tipo de trabalhador está em áreas como exploração de petróleo, construção, indústria de alta tecnologia e serviços financeiros.

Esse nível de qualificação é consequência das exigências para a concessão de autorização do trabalho de estrangeiros no País. Para obter essa autorização, o estrangeiro precisa provar que tem experiência profissional e formação educacional para exercer a função que irá desempenhar no Brasil e que sua presença é indispensável para a empresa contratante de seus serviços, pois não há disponibilidade de mão de obra local para a tarefa.

O número de trabalhadores estrangeiros evidencia um dos muitos gargalos que o País terá de eliminar para crescer em ritmo adequado, evitando o atraso dos grandes projetos de investimentos anunciados pelo governo e pelo setor privado.

No momento, a importação de trabalhadores qualificados do exterior é a única maneira de suprir o déficit de recursos humanos em setores estratégicos, diz o economista André Sacconato, que integra um grupo de trabalho criado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República para discutir formas de facilitar e acelerar a contratação de profissionais estrangeiros de que o País necessita. Até o fim do ano, segundo o governo, será possível fazer o pedido de autorização de trabalho para estrangeiros pela internet.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

UM REPÓRTER AMEAÇADO DE MORTE


REVISTA ÉPOCA - 08/10/2012 10h42

André Caramante, um dos mais respeitados jornalistas brasileiros na área da segurança pública, foi obrigado a mudar de país e esconder-se. Em entrevista, ele conta o que a situação de exceção vivida por ele e por sua família revela sobre a intrincada relação entre poder e violência

ELIANE BRUM

Em 14 de julho, André Caramante, repórter da Folha de S.Paulo, assinou uma matéria com o seguinte título: “Ex-chefe da Rota vira político e prega a violência no Facebook”. No texto, de apenas quatro parágrafos, o jornalista denunciava que o coronel reformado da Polícia Militar Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada, candidato a vereador em São Paulo pelo PSDB nas eleições do último domingo, usava sua página no Facebook para “veicular relatos de supostos confrontos com civis”, sempre chamando-os de “vagabundos”. Em reação à matéria, Telhada conclamou seus seguidores no Facebook a enviar mensagens ao jornal contra o repórter, a quem se referia como “notório defensor de bandidos”. A partir daquele momento, redes sociais, blogs e o site da Folha foram infestados por comentários contra Caramante, desde chamá-lo de “péssimo repórter” até defender a sua execução, com frases como “bala nele”. Caramante seguiu trabalhando. No início de setembro, o tom subiu: as ameaças de morte ultrapassaram o território da internet e foram estendidas também à sua família.

O que aconteceu com o repórter e com o coronel é revelador – e nos obriga a refletir. Hoje, um dos mais respeitados jornalistas do país na área de segurança pública, funcionário de um dos maiores e mais influentes jornais do Brasil, no estado mais rico da nação, está escondido em outro país com sua família desde 12 de setembro para não morrer. Hoje, Coronel Telhada, que comandou a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) até novembro de 2011, comemora a sua vitória nas eleições, ao tornar-se o quinto vereador mais votado, com 89.053 votos e o slogan “Uma nova Rota na política de São Paulo”.

O que isso significa? 

Os 13 anos em que André Caramante cobre a área de segurança pública são marcados pela denúncia séria, resultado de apuração rigorosa, dos abusos cometidos por parte da polícia no estado de São Paulo. A relevância do seu trabalho foi reconhecida duas vezes pelo Prêmio Folha de Jornalismo. Caramante já denunciou sete grupos de extermínio formados por policiais militares e civis, assim como por ex-policiais. Mantém sua própria planilha na qual registra os mortos pela polícia. E faz a denúncia sistemática da figura amplamente difundida da “resistência à prisão” como justificativa para execução, em geral dos suspeitos mais pobres. Por sua competência, Caramante ganhou o respeito da sociedade interessada em uma polícia eficiente, com atuação pautada pelo cumprimento da lei – e o ódio de uma minoria truculenta, os maus policiais, tanto militares quanto civis, e daqueles cujos interesses e projeto de poder estão ligados a eles.

Antes de ser jornalista, Caramante quis ser jogador de futebol. Morador da periferia de São Paulo, comprou a primeira chuteira vendendo papelão. Era “um meia-direita dedicado”, na sua própria avaliação, e usou a chuteira com brio nas peladas de várzea e nas peneiras na Portuguesa, no Novorizontino e no Palmeiras, clubes nos quais chegou a treinar nas categorias de base. A necessidade de ajudar com as despesas da casa o despachou para a arquibancada. Em especial a da Vila Belmiro, por um amor incondicional pelo Santos herdado do pai.

Aos 11 anos, Caramante começou a trabalhar como camelô, vendendo chocolates e sacolas no Brás, em São Paulo. Mais tarde, aos 17, o estudante de escola pública pagou a faculdade de jornalismo da Uniban com o salário de office-boy e com os vales-transporte que economizava fazendo o serviço a pé. “Não sabia se a faculdade era boa ou ruim, não entendia dessas coisas, apenas sabia o que queria fazer”, conta. “O livro Rota 66, de Caco Barcellos, tinha me mostrado o que era jornalismo.”

Em seu livro Rota 66 – a história da polícia que mata (Record), Caco Barcellos, um dos grandes nomes do jornalismo brasileiro, hoje na TV Globo, investigou o trabalho da Rota entre as décadas de 1970 e 1990. E provou que ela atuava como um aparelho estatal de extermínio, responsável pela execução de milhares de pessoas. A reação às denúncias obrigou o repórter a passar um período fora do Brasil, devido a ameaças de morte. Duas décadas depois do lançamento do livro que o inspirou, Caramante vive uma situação semelhante.

A notícia de que ele estava vivendo escondido, com a família, vazou na semana passada, em matéria da Revista Imprensa. Até então, Caramante pretendia manter o fato em sigilo. A decisão de esconder-se com a família foi difícil para o repórter que nunca quis virar notícia – e que sempre evitou ser fotografado. Enquanto era alvo único das ameaças de morte, Caramante manteve uma rotina normal. O jornalista só aceitou se mudar para um destino secreto quando sua família passou a ser ameaçada. Mesmo assim, para ele é ponto de honra seguir com seu trabalho de reportagem. Pela internet, envia informações ao jornal com frequência. E segue assinando matérias na área da segurança pública.

Quando um repórter é obrigado a mudar de país e se esconder com a família por fazer bem o seu trabalho e prestar um serviço à população, ao fiscalizar os órgãos de segurança pública, este não é um problema só dele – mas da imprensa, que tem o dever de informar, e da sociedade, que tem o direito de ser informada. É disso que se trata.

Na entrevista a seguir, feita por email entre sexta-feira e domingo, André Caramante, 34 anos, fala sobre a situação de exceção que ele e sua família estão vivendo, mas principalmente sobre as complexas relaçõesentre violência e poder que a tornaram possível.

Em 14 de julho, você publicou na Folha de S.Paulo uma matéria com o seguinte título: “Ex-chefe da Rota vira político e prega a violência no Facebook”. Você se referia ao coronel reformado Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada, que comandou a Rota, em São Paulo, até novembro de 2011, e, nestas eleições, disputou uma vaga para vereador pelo PSDB. O que aconteceu a partir desta matéria que o levou a, dois meses depois, ter de esconder-se com a família?

André Caramante -
Cubro segurança pública há 13 anos, então, muito dessa situação não é exatamente novidade. Nestes 13 anos, sempre mantive minha lupa sobre os abusos cometidos por policiais, especialmente no que diz respeito à letalidade. Considero legítimo que a sociedade possa fiscalizar o Estado, especialmente seu braço armado. Não podemos considerar eficiente uma polícia que mata tanto quanto a do estado de São Paulo. Entre 2006 e 2010, a Polícia Militar de São Paulo matou nove vezes mais do que todas as polícias dos Estados Unidos juntas. A cultura da nossa polícia militarizada permite que se mate sem que se conheça sequer a identidade do "oponente". É tão normal e aceitável quanto utilizar uma figura jurídica inexistente para preencher o boletim de ocorrência – a "resistência (à prisão) seguida de morte". A morte do empresário Ricardo de Aquino por policiais militares no bairro Alto de Pinheiros (em São Paulo) colocou a questão na agenda da mídia e das autoridades alguns meses atrás. Como ele, vários outros foram vítimas dessa cultura e do mau treinamento. É óbvio que alguns policiais agem na ilegalidade e a maioria age dentro da lei. Também faço um trabalho consistente de denúncia de grupos de extermínio formados por policiais militares e civis e ex-policiais civis e militares, tendo revelado ao menos sete deles. São grupos que, ao exemplo das milícias do Rio, tentam controlar as atividades ilícitas na cidade – máquinas caça-níquel e tráfico de drogas, às vezes cruzando o caminho do PCC – e geram mortes. Há grupos bem estruturados e com braços de inteligência. Um deles, inclusive, planejou a morte de um integrante do alto escalão do governo paulista, sem que tenha conseguido levar a cabo a ação.Meu trabalho de denúncia também abrange a corrupção na Polícia Civil. Hoje, as coisas se dividem mais ou menos assim no Estado de São Paulo: alguns integrantes da PM cometem violência e alguns da Civil escorregam na corrupção. São questões totalmente relacionadas a poder e dinheiro. Em dezembro do ano passado, publicamos uma investigação da Polícia Federal que mostrava policiais civis cobrando grandes valores para liberar da prisão suspeitos de tráfico de drogas. Somadas, as propinas chegavam a R$ 3 milhões. É uma conduta isolada? Esquemas assim não surgem do nada. É da cultura da instituição, e são as pessoas que constroem a cultura organizacional. Mudar não é uma questão de ser fácil ou difícil, mas de não ser interessante para as pessoas que estão lá.

Você vem denunciando essa situação há bastante tempo, mas só agora teve de esconder-secom sua família por causa de ameaças de morte. O que aconteceu?

Caramante –
O que houve foi não digo o surgimento, mas a publicidade e o crescimento exponencial de um clima favorável à intimidação, no qual pessoas sentiram-se à vontade, ou mesmo incitadas, a disseminar "avisos". A partir da matéria sobre o que estava acontecendo no Facebook houve um acirramento dos ânimos de quem antes já me via como inimigo, além do crescimento quantitativo dos que mantêm os olhos em mim e no meu trabalho de uma forma negativa.Houve uma onda de comentários no Facebook, no Twitter, em blogs e no site da Folha que foram desde "péssimo repórter" até "bala nele". Era só "ativismo de sofá", de gente que só despeja frases no teclado do computador? Provavelmente.Depois, alertas de caráter dúbio – "Quando acontecer algo com alguém da sua família...", "Quando você for sequestrado..." – surgiam nos espaços de comentários do site da Folha em qualquer reportagem que eu escrevesse e até naquelas em que não tive participação, mas que traziam denúncias contra membros das polícias. Também orquestraram o envio de diversas cartas contra mim, enquanto profissional, para a Folha.Após pouco mais de um mês de bombardeio digital, as ameaças tornaram-se mais concretas, com fatos atualmente sob investigação das autoridades competentes.

Que fatos são estes?

Caramante –
Não falo de um fato, mas de uma série, que se iniciou dias após aquela onda nas redes sociais. Foram ligações, comprovações por fontes altamente confiáveis,de que estavam levantando informações de familiares, motos em trajetos curiosamente iguais aos meus. Não acho possível dimensionar a gravidade do risco, e também chegou-se a um ponto em que não valia mais a pena ficar avaliando. Decidi ouvir gente mais experiente do que eu e, em conjunto com o jornal, foi tomada uma decisão: trabalho à distância. Não estou fisicamente na redação desde o início de setembro, sem que tenha saído da ativa. Esta é uma situação em que o risco físico toma a cena, mas certamente ele não é o único. Venham de onde vierem, a ameaça e a intimidação têm o objetivo de desestabilizar, tirar de cena. Jogam com o risco psicológico também, testam quão boa é a sua cabeça e quão forte é a sua corrente.

Qual é o papel do Coronel Telhada, ex-comandante da Rota, nesta série de ameaças?

Caramante –
Em sua página, o coronel reformado começou a divulgar relatos de confrontos entre PMs da Rota e civis – estes sempre chamados de "vagabundos” –, além de divulgar fotos de pessoas que, segundo ele, eram suspeitos de crimes. Fiz um texto objetivo, relativamente curto, sobre isso. No dia da publicação no jornal, 14 de julho, ele postou no Facebook uma mensagem na qual me acusava de "defender abertamente o crime" e pedia uma mobilização contra mim. A conduta desse senhor deflagrou uma onda de tentativas de intimidação, de incitação à violência contra um jornalista – um profissional que apenas retratou o que o próprio coronel reformado registrou publicamente na rede social. Não estou dizendo que ele quis ou que ele não quis incitar atos violentos. Estou dizendo que acabou incitando.

Quem efetivamente está ameaçando você? E quais foram as ameaças?

Caramante –
De onde vejo, apontar um ou outro possível autor pode dar grande margem a erro. Tenho minhas suspeitas, mas não cometeria o equívoco de acusar sem provas. Creio que haja dois tipos de ameaça. A primeira se aproxima do "ativismo de sofá", de quem escreve no computador algo que jamais cumprirá. Os autores deste tipo de ameaça não são tão desconhecidos assim, e não é tão difícil encontrá-los nos canais digitais. A segunda, esta sim grave, é a ameaça de quem considera a possibilidade de agir. Aqui estão desde admiradores de policiais alvos de reportagens, pessoas que pouco têm a perder e vivem com parâmetros de raciocínio e moral diferentes dos nossos, até outros que há tempos me têm como um inimigo e podem aproveitar justamente esta visibilidade do caso do Facebook para tentar algo e "colocar na conta" de outro. O caso do Facebook, além de ser apenas uma parte da história, pode ser usado por outros para acobertar eventuais retaliações. Mas, veja, isto é o que eu deduzo com base na minha experiência, não há qualquer base de pesquisa ou de investigação científica.

O que você está dizendo é que pessoas que se ressentem há muito tempo com suas denúncias de abusos cometidos pela polícia estariam se aproveitando do caso do Facebook para se vingar e desviar a responsabilidade para o Coronel Telhada?

Caramante –
Sim, é uma possibilidade.

Quando as primeiras ameaças se tornaram públicas, você disse que continuaria a fazer o seu trabalho. Imagino que deve ter sido difícil tomar a decisão de se afastar da redação. Como esta decisão foi tomada?

Caramante –
É importante esclarecer que o termo "afastamento" não é apropriado para o meu caso. Continuo exercendo minhas atividades profissionais, onde quer que eu esteja. Não estar fisicamente na redação me causa impedimentos que são irrisórios frente à necessidade atual de garantia da integridade, minha e da minha família.

Quando você deixou de trabalhar na redação?

Caramante –
Desde o início de setembro. Os advogados do jornal encaminharam às autoridades uma solicitação de investigação sobre as ameaças. Alterei completamente minha rotina e minha localização.

Foi difícil?

Caramante –
Sou trabalhador desde os 11 anos e não tenho dúvidas quanto à profissão que escolhi. A decisão de estar fisicamente ausente da redação não foi nada fácil. Particularmente, via este passo como um sinal de recuo, um erro do ponto de vista do meu ideal e mesmo de estratégia em relação a quem tenta enfraquecer o trabalho da imprensa. O que fizemos, então, foi arquitetar uma ausência que fosse apenas física, com uma operação que permitisse que seguíssemos em frente. Existem inúmeras maneiras de fazer reportagem.

Qual foi a reação da sua família e como eles estão vivendo esse momento?

Caramante –
Estão todos cientes e bastante atentos. Não é fácil estar ausente, mas não creio que seria muito melhor estar presente e vivendo com sombras. Meus filhos percebem a situação incomum que vivem atualmente, mas ignoram essa história toda. Felizmente, eles sentem-se seguros onde pai e mãe estão – não importa onde. Minha rede familiar está permeada pelo estresse, mas ela é muito forte. Sempre foi, desde muito antes de toda essa situação. Além disso, a corrente formada por colegas de profissão e entidades daqui e de fora também deixou claro que este não é um problema só meu. Entidades como Repórteres Sem Fronteiras, Knight Center of Journalism (vinculado à Universidade do Texas), Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, Instituto Sou da Paz, coletivo Sindicato É Pra Lutar e movimento independente Mães de Maio se manifestaram publicamente em apoio à minha atuação e ao direito de informar.

É isso que está em jogo, o direito de informar?

Caramante –
É uma questão ligada ao direito de informar e de ser informado, e meus companheiros de profissão sabem do que falo. Há, atualmente, no estado de São Paulo, uma grande preocupação por parte de autoridades da segurança pública de tentar evitar que muitos fatos sejam tornados públicos pela imprensa. Por conta disso, funcionários públicos que as autoridades acreditam manter contato com jornalistas passam a ser alvo de perseguição nas instituições às quais pertencem. Muitas vezes, essas perseguições são feitas com base apenas no "achismo".

Que fatos são estes, que as autoridades da segurança pública não querem que se tornem públicos?

Caramante –
Qualquer dado que não conste do relatório oficial publicado mensalmente no site da secretaria. Não é exagero. Falo de qualquer dado mesmo. Basta perguntar a quem cobre a área. Não é de hoje. Sempre foi assim. No estado de São Paulo, jornalistas são impedidos de consultar boletins de ocorrência, um documento público. Tudo – absolutamente tudo – tem de passar pelas canetas das assessorias de imprensa da Secretaria e da Polícia Militar. É uma operação extremamente centralizada e que visa impedir o repórter de ir a uma delegacia e obter informações sobre uma ocorrência.

Por quê?

Caramante –
Vejo como uma tentativa de construir uma realidade que não existe aqui, como se vivêssemos na Suécia. A proibição do acesso a boletins de ocorrência integra uma estratégia de forte controle de informações. "Só sai o que eu quero." Não importa a relevância do dado, esta é a diretriz. Delegados só dão entrevistas mediante autorização de assessores de imprensa. É meio estranho que uma autoridade seja submetida a esse tipo de imposição para tentar controlar a informação.

Esta foi a primeira vez que você foi ameaçado de morte?

Caramante –
Não. Como vários outros colegas, já passei por situações semelhantes. Ouvi pelo telefone frases como "Cuidado, muita gente morre em assalto por aí", seguida por meu endereço completo. Tempos atrás, policiais à paisana fotografaram minha família durante um passeio.

Você costuma denunciar os abusos cometidos pela polícia, especialmente contra os moradores das periferias de São Paulo e da Grande São Paulo. Você se considera, hoje, nesta situação, uma vítima da polícia?

Caramante –
Não me considero vítima de nada. Tenho plena consciência de que não posso e não quero ser notícia. Sou contratado por um jornal para contar as histórias das outras pessoas, para fiscalizar um determinado segmento do poder público. E a minha preocupação é sempre esta: contar a história do próximo, registrar os fatos, levar a notícia para quem lê a Folha de S.Paulo. As páginas de um jornal marcam a história de um país. Eu sou uma peça dessa engrenagem que imprime a história no papel do jornal. A exposição desses últimos fatos me trouxe tristeza porque não é o que busco como repórter. Aí vão perguntar: “E por que você está dando entrevista?”. Estou dando entrevista porque, do muito que foi dito sobre a minha pessoa, pouco foi dito por mim. Porque quero esclarecer que não estou "afastado". Afastamento dá a ideia de punição, de suspensão, e nunca houve nada nesse sentido da parte do jornal. Pelo contrário: sanamos a demanda urgente relativa à garantia da integridade e ao mesmo tempo planejamos a continuidade do trabalho. E mais: não existe isso de perseguir a Polícia Militar ou a Polícia Civil com meu trabalho. O que penso é que ninguém quer ter nessas instituições pessoas que não façam jus à condição de representantes do Estado.

Já entrevistei muitas pessoas ameaçadas de morte, algumas delas ameaçadas de morte por policiais, de diferentes estados. Minha percepçãoé de que estas últimas sentem um nível de desamparo maior, na medida em que, se aqueles que deveriam protegê-las, em vez disso ameaçam a sua vida, para quem então pedem ajuda? Sem contar que membros da polícia, por disporem do aparato do Estado, têm meios para comprometer a credibilidade da vítima, “plantando” falsas provas. Como você percebe isso?

Caramante –
Quando você tem indicativos de que alguns dos representantes armados do Estado querem te desestabilizar, com certeza, a reflexão é sempre essa: para quem recorrer, como agir? Muitas vezes, essas mesmas pessoas tentam desmoralizar seu trabalho e sua conduta fora do campo profissional, mas tenho tentado me manter centrado. Converso com repórteres amigos para dividir alguns pensamentos e pensar em maneiras de me manter firme na caminhada.

Por que o estão ameaçando? Que “ameaça” você representa para que ameacem a sua vida? E por que agora, neste momento?

Caramante –
Como te falei, não é de agora. É uma coisa que ficou mais acentuada. Pode ser que tenha alguma relação com o período eleitoral ou com outros interesses que ainda não consigo afirmar quais são. Um deles, por exemplo, pode ser a necessidade que muitos têm de manter o poder ou de chegar até o poder.

Quem? Pode explicar melhor?

Caramante –
Não posso nomeá-los, pois aí já entraremos em informações referentes aos bastidores das polícias, e esses meandros estão muito ligados às minhas fontes e às minhas apurações. Hoje, em São Paulo, a questão da polícia vai além dos muros dessas instituições. A cidade nunca esteve, em período democrático, tão militarizada. Trinta das 31 subprefeituras ganharam comando de PMs da reserva na gestão Kassab. Com a criação da operação delegada, os policiais militares hoje atuam oficialmente não apenas para a corporação, mas também para a prefeitura – é o bico legalizado. Vemos então que as frentes de poder estão crescendo, e há muita gente na disputa. Sem contar os cargos na Câmara Municipal.

Por que isso está acontecendo? Por que, por exemplo, 30 das 31 subprefeituras de São Paulo ganharam comando de PMs da reserva nesta gestão?Como você caracterizaria esse projeto de poder?

Caramante –
Esse processo ganhou corpo quando o coronel (agora reformado) da PM Álvaro Batista Camilo, também candidato a vereador, pelo PSD, se aproximou do prefeito Kassab, na época em que era comandante-geral da PM. Como é sabido, Kassab vem marcando sua gestão com uma postura de cerceamento. Já são notórias as tentativas de proibição de sopões a moradores de rua, de saraus na periferia, da feira da praça Roosevelt, no centro de São Paulo, e outras mais.

O que o fato de um repórter de um dos maiores jornais do país ser ameaçado de morte revela sobre a violência no estado de São Paulo?

Caramante –
É uma questão que não diz respeito somente à violência. Esta é a parte tangível de todo o contexto que citei anteriormente. A relação polícia X poder é atualmente um ponto muito importante. Desde a abertura política, talvez seja este o momento em que São Paulo mais tenha a influência de policiais militares. Com poder em jogo, os ânimos se acirram, em qualquer área.

Por que agora? E o que está em jogo?

Caramante –
Estamos em um momento propício por conta da já citada aproximação sem precedentes (da polícia) com outras esferas do poder público. Muitos oficiais da PM notaram, e agora tentam dar vazão a isso, que há outras e importantes áreas para onde estender seu campo de atuação – e de poder.

Você cobre a área policial há 13 anos. Documentou, como repórter, a ascensão do PCC. Você costuma dizer que vivemos numa guerra. Por quê? Como é essa guerra e em que momento dessa guerra estamos hoje?

Caramante –
É uma guerra entre o grupo criminoso PCC e as forças de segurança do Estado. O PCC é forte porque controla o tráfico de drogas no estado de São Paulo. É inegável o fato de o estado de São Paulo, desde 1999, ter conseguido baixar suas taxas de homicídios dolosos (intencionais). Essa queda, porém, é fruto de controle duplo: se deve tanto a progressos na Segurança Pública quanto ao comando do PCC. Em muitas situações, é o PCC quem decide quem morre em São Paulo, nos chamados tribunais do crime. Hoje, outubro de 2012, a guerra está mais acirrada entre o PCC e os policiais militares da Rota, considerada uma tropa de elite da PM paulista e que conta com 820 integrantes. Investigações contra o PCC antes feitas pela Polícia Civil, que tem essa atribuição pela lei, foram remetidas à Rota, que tem função de policiamento preventivo, ou seja, trabalhar para evitar que o crime ocorra.Estou dizendo isso porque defendo criminosos e quero dar uma chance a eles? Não. Falo porque é ilegal. Quem investiga é a Polícia Civil. Há aí uma nítida tentativa de empoderar ainda mais os integrantes da Rota. É o Estado agindo ilegalmente.

Por quê?

Caramante –
Isso é um reflexo da atual cúpula da Secretaria da Segurança Pública, que tem um histórico de relacionamento intrínseco com a Rota. Nos primeiros escalões da segurança pública paulista, também, impera uma certa desconfiança quanto à atuação de parte da Polícia Civil nas investigações sobre o PCC. Fala-se em corrupção.

Na semana passada, a Folha publicou que arquivos da facção PCC revelam atuação em 123 cidades de São Paulo, com 1.343 homens em todas as regiões do estado. O governo de São Paulo tentou minimizaro impacto das informações e o poder do PCC. O governador, Geraldo Alckmin, afirmou que “há muita lenda” sobre facções criminosas no estado de São Paulo. O secretário da Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, declarou: “A facção é bem menor do que dizem. Não chega a 30 ou 40 indivíduos que estão presos há muito tempo e se dedicam ao tráfico. Nós temos asfixiado esse tráfico com grandes prisões”. O coronel da Polícia Militar Marcos Roberto Chaves da Silva, comandante do policiamento da capital, disse que existe “folclore” nas informações sobre o PCC. Qual é a verdade?

Caramante –
Curioso como esse folclore é alinhado à realidade. No mês passado, por exemplo, a Rota matou nove pessoas envolvidas em um “tribunal do crime”, um julgamento no qual um homem suspeito de estuprar uma menina teria sua vida decidida pelos criminosos do PCC. Um dos nove mortos pela Rota era o “réu” do partido do crime, como os policiais chamam o PCC. Para justificar a ação, o governo disse que todos eram muito perigosos, que integravam o PCC. Passado o calor do acontecimento, o governo voltou à postura habitual de minimizar a importância, o tamanho e o poder do grupo. Se são apenas 30 ou 40 indivíduos, as oito mortes no mês passado reduziram significativamente o PCC. É isso o que vemos quando policiais militares são mortos quando estão de folga, como tem ocorrido constantemente em São Paulo? Será que o PCC deixou de decidir quem vive ou quem morre durante um “tribunal do crime”, quase sempre via telefones celulares usados por criminosos que estão presos e, na teoria, deveriam estar sem comunicação com as ruas? Quem vive na periferia de São Paulo sabe bem como as coisas são.

E como as coisas são? Como é o cotidiano de quem vive na periferia com relação ao PCC e à Rota?

Caramante –
O PCC domina os pontos de tráfico de drogas em São Paulo. Para evitar a presença das polícias, tenta corromper alguns de seus integrantes e também busca evitar crimes nas redondezas dos pontos de tráfico, principalmente homicídios. No meio disso, quem não é nem do PCC, nem da polícia, assiste a tudo em silêncio, esperando que não "sobre" para si.

O governador Geraldo Alckmin trocou o comando da Rota, no final de setembro. Entre as razões, estaria a divulgação de que o número de pessoas assassinadas pela tropa aumentou 45% nos primeiros cinco meses deste ano, comparado ao mesmo período do ano passado. Qual é a sua opinião sobre a Rota? Ela deveria acabar?

Caramante –
Não só a Rota, mas toda a Polícia Militar. A PM tem uma estrutura que desconhece meritocracia e privilegia uma variação do nepotismo. Policiais dos escalões mais baixos são usados como degrau para filhos de oficiais que estão no topo da pirâmide. É como se o filho do coronel fosse, desde sempre, o coronel de amanhã, e o filho do praça já nascesse sabendo que jamais será oficial. Há exceções que o governo pode vir a bradar, claro, mas a regra é mais ou menos essa.Quantos oficiais foram mortos pelo PCC?Nenhum. É óbvio que não tem de morrer nem o official, nem o praça. Mas, hoje, só morre aquele trabalhador que está na linha de frente e também vive na periferia de São Paulo.Quem cobre segurança pública em São Paulo também sabe que os policiais da Rota saem às ruas com um ímpeto diferenciado e, às vezes, alguns deles cometem excessos. É o caso da morte do representante comercial Paulo Alberto Santana Oliveira de Jesus em Osasco, na Grande São Paulo, em setembro de 2011. Ele foi morto em casa, desarmado e com as mãos para trás. Em maio deste ano, das mortes de seis suspeitos de integrar o PCC na zona leste de São Paulo, um deles foi levado a uma rodovia e executado. Em ambas as situações, foi forjado um confronto armado, segundo dados apresentados por promotores. As seis mortes na zona leste são tidas como estopim para o atual acirramento da violência entre PCC e Rota.

Me parece curioso, para dizer o mínimo, que um repórter tenha de se esconder para proteger sua vida após ter denunciado que um candidato a vereador pelo PSDB e ex-comandante da Rota disseminava a violência no Facebook e ninguém, de nenhum partido, tenha falado disso durantea campanha. Você tem alguma hipótese para esse silêncio?

Caramante –
No fim de setembro, um candidato a vereador em São Paulo, assim como esse ex-chefe da Rota, pediu a impugnação da candidatura dele e alegou que esse senhor aparecia em sua propaganda política fardado, o que não é permitido pela lei eleitoral. Esse mesmo candidato também foi alvo da ira dos simpatizantes do ex-chefe da Rota e recebeu ameaças. A promotoria eleitoral também pediu, na semana passada, a impugnação da candidatura desse PM reformado e alegou que ele utilizou sua página no Facebook para incitar a violência.

Por que você se tornou repórter de polícia?

Caramante –
Porque quem tem a obrigação de nos defender não pode, sob hipótese alguma, atentar contra nós. Também queria que meu pai tivesse o orgulho de ver seu sobrenome no jornal por uma causa justa.Sempre admirei o trabalho de repórteres como ( Caco) Barcellos. Há histórias e situações que precisam ser contadas. Admiro muito, também, José Hamilton Ribeiro, mestre na arte de contar histórias. Ouvi palavras de apoio dos dois recentemente. As de Barcellos recebi com reverência. O tenho como meu maior exemplo. As de seu Zé Hamilton, com emoção. Me pegou desprevenido. Me marcou.Quero agradecer cada mão estendida e cada palavra de apoio que foi dita em nome da garantia do direito de informar e ser informado.

“Repórter de polícia” ainda é uma boa definição para jornalistas como você?

Caramante –
Acredito que o termo “repórter de polícia” deixou de existir. Hoje, cobrimos segurança pública e, por conta de uma evolução da cobertura nessa área, que deixou de ser tão vinculada às autoridades, como era no passado, somos repórteres de segurança pública.

E qual é a importância de se cobrir a área de segurança pública num país como o Brasil?

Caramante –
É um tema intimamente ligado ao cotidiano das pessoas, e ainda temos muito a evoluir tanto no combate à criminalidade comum quanto à de parte das forças de segurança.

Você monitora o número de pessoas mortas pela polícia. Quantos foram mortos até hoje no estado de São Paulo?

Caramante –
Sim, monitoro porque o jornal para o qual trabalho dá atenção especial para a questão da letalidade policial. Tenho meu próprio sistema de dados, no qual registro todas as mortes cometidas por policiais militares. Estes números não batem com os oficiais. A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo divulga em sua página na internet apenas as chamadas "resistências seguidas de morte", mas há outros casos que entram na vala comum dos homicídios dolosos cometidos por qualquer cidadão. Minha contabilidade mostra que, entre 2005 e agosto deste ano, policiais militares mataram 4.358 pessoas no estado. Destas, 3.401 foram em “resistência(à prisão) seguida de morte” – figura jurídica inexistente, repito – e 957 em homicídios dolosos, que vão desde brigas em bar, no trânsito, casos conjugais, até mortes como a do empresário Ricardo de Aquino. São 47,3 mortos por PMs a cada mês. Ou seja: 1,5 a cada dia. Este é o retrato de uma Polícia Militar extremamente letal e que precisa passar por reformas o quanto antes.

Em que medida as relações entre o aparato de repressão do Estado e a população explicitam a desigualdade e as fissuras da sociedade brasileira num estado como São Paulo?

Caramante –
A Polícia Militar que atua dentro do perímetro do rodízio de veículos (de São Paulo), o chamado centro expandido, não é a mesma que atua na periferia. Temos duas polícias militares para cuidar da mesma cidade, e cada uma delas trata os cidadãos de maneira diferenciada, isso de acordo com o CEP da pessoa. Muitas vezes, policiais são mandados à periferia como forma de punição dentro do jogo de poder que não está nos manuais da corporação. Então, já vai para lá com um sentimento diferenciado. Recentemente, pesquisadores mostraram, com base em dados da Secretaria Municipal da Saúde, que 93% dos mortos pela Polícia Militar moravam na periferia de São Paulo. O estudo teve como base os anos entre 2001 e 2010. No período, dos mortos por PMs, 54% eram pardos ou negros.

Hoje há programas de TV que cobrem a área policial, nos quais suspeitos são tratados por jornalistas como condenados – e condenados sem direito algum –, marcas de tortura em detidos e presos são ignoradas e apresentadores incitam a violência da sociedade contra “vagabundos”. Você acha que esse tipo de imprensa colabora para que jornalistas como você, que trabalham com seriedade e denunciam também os abusos cometidos pela polícia, sofram ameaças?
Caramante –
São profissionais da imprensa que recebem altos salários para fazer o que fazem. Eles são experientes e, creio, no fundo sabem que somente a Justiça pode condenar ou inocentar algum suspeito de determinado crime. Estão ali por cifras altas. É a mesma situação de um profissional de jornalismo que abandona a carreira numa redação para ser assessor e ganhar R$ 1 milhão por seis meses de trabalho numa campanha política. São opções e temos de respeitar quem as toma. Mas essas pessoas também têm de respeitar quem não pensa como elas.

Como é estar no lugar de vítima para você, que tanto denunciou a violação de direitos humanos dos mais pobres e indefesos?

Caramante –
Vítima é a dona Maria da Conceição, mãe do Antonio Carlos da Silva, o Carlinhos, portador de deficiência mental que foi morto por policiais militares que integram o grupo de extermínio “Highlanders”, segundo a Polícia Civil e a Promotoria. Ele teve a cabeça e as mãos arrancadas após ter sido morto porque andava na rua e tinha dificuldades de comunicação.

Você pode contar melhor esta história?

Caramante –
Carlinhos foi morto em outubro de 2008, na periferia da zona sul de São Paulo. Estava perto de casa quando foi obrigado a entrar em uma viatura da Polícia Militar que fazia ronda no local. Vizinhos assistiram à cena e relataram à família. Imediatamente, a mãe, dona Maria da Conceição dos Santos, a irmã, Vânia Lúcia, e o pai começaram a procurá-lo. Poucas horas depois foram até o 37º Batalhão, onde ouviram da boca dos PMs – que, segundo a Polícia Civil e a Promotoria, mataram seu filho – que não o tinham visto. Encontraram o corpo de Carlinhos, decapitado e com as mãos arrancadas, em uma cidade vizinha. Ele, que era portador de necessidades especiais, tinha dificuldades para se comunicar.

Uma das maiores dificuldades da situação que você está vivendo parece ser o fato de ter virado notícia. Por quê?

Caramante –
Para começar, nunca me vi numa situação assim. Não é para isso que decidi ser repórter. A questão da exposição parece parte de uma realidade paralela, não se encaixa na minha trajetória. Optei por sempre passar despercebido.Quero poder continuar sentando numa delegacia sem que ninguém saiba quem eu sou.

Imagino que você tenha medo em alguns momentos ou o tempo todo. Como lida com isso?
Caramante –
O medo pode ser uma ótima ferramenta para aguçar os instintos. Sim, pode ser devastador também. Tento utilizá-lo como um agente minimizador de riscos. Nos momentos mais difíceis de administrá-lo, busco lembrar por que estou nesta caminhada. Me vêm à mente pessoas das quais contei histórias. O foco são elas, não eu.

Há perspectiva de sair dessa situação em breve?

Caramante –
Minha situação atual passa por constante avaliação da direção do jornal. Por enquanto, manteremos como está.

Como essa experiência está transformando você? Já é possível perceber alguns impactos e mudanças?

Caramante –
Situações dessa intensidade são oportunidades para reafirmar algumas ideias e descartar outras. Houve impacto, e mudanças certamente virão. Mas estão em curso, e por isso prefiro guardá-las aqui comigo.

Que ideias você reafirmou e quais descartou?

Caramante –
Reafirmei, por exemplo, a ideia de que tenho de permanecer alguém que conta as histórias dos outros, e também meu intuito de contribuir, minimamente que seja, para a melhoria dos setores que cubro. Deixei de lado a ideia de que riscos podem ser mensurados com algum grau de exatidão. Ninguém faz nada, até que alguém faça.

Como tem sido seu cotidiano nessa situação de ameaçado de morte?

Caramante –
Realmente acho difícil falar sobre isso. Há preocupação referente não apenas à situação atual, mas a como será no futuro. Esta não é uma situação que tenha prazo de validade.Agora à noite, um dos meus filhos disse que preferia estar na nossa casa de verdade. Perguntei o motivo. "Lá é mais colorido."
Eliane Brum escreve às segundas-feiras.


 
Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista (Foto: ÉPOCA)

SINAL DE VIDA

07 de outubro de 2012 | 3h 09

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO - SOCIÓLOGO; FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA - O Estado de S.Paulo


Tenho dito e escrito que o Brasil construiu o arcabouço da democracia, mas falta dar-lhe conteúdo. A arquitetura é vistosa: independência entre os Poderes, eleições regulares, alternância no poder, liberdade de imprensa e assim por diante. Falta, entretanto, o essencial: a alma democrática. A pedra fundamental da cultura democrática, que é a crença e a efetividade de todos sermos iguais perante a lei, ainda está por se completar. Falta-nos o sentimento igualitário que dá fundamento moral à democracia. Esta não transforma de imediato os mais pobres em menos pobres. Mas deve assegurar a todos oportunidades básicas (educação, saúde, emprego) para que se possam beneficiar de melhores condições de vida. Nada de novo sob o sol, mas convém reafirmar.

Dizendo de outra maneira, há um déficit de cidadania entre nós. Nem as pessoas exigem seus direitos e cumprem suas obrigações nem as instituições têm força para transformar em ato o que é princípio abstrato. Ainda recentemente um ex-presidente disse sobre outro ex-presidente, numa frase infeliz, que diante das contribuições que este teria prestado ao País não deveria estar sujeito às regras que se aplicam aos cidadãos comuns... O que é pior é que essa é a percepção da maioria do povo, nem poderia ser diferente porque é a prática habitual.

Pois bem, parece que as coisas começam a mudar. Os debates travados no Supremo Tribunal Federal e as decisões tomadas até agora (não prejulgo resultados, nem é preciso para argumentar) indicam uma guinada nessa questão essencial. O veredicto valerá por si, mas valerá muito mais pela força de sua exemplaridade. Condenem-se ou não os réus, o modo como a argumentação se está desenrolando é mais importante que tudo. A repulsa aos desvios do bom cumprimento da gestão democrática, expressada com veemência por Celso de Mello e com suavidade, mas igual vigor, por Ayres Britto e Cármen Lúcia, é uma página luminosa sobre o alcance do julgamento do que se chamou de "mensalão". Ele abrange um juízo não político-partidário, mas dos valores que mantêm viva a trama democrática. A condenação clara e indignada do mau uso da máquina pública revigora a crença na democracia. Assim como a independência de opinião dos juízes mostra o vigor de uma instituição em pleno funcionamento.

É esse, aliás, o significado mais importante do processo do mensalão. O Congresso levantou a questão com as CPIs, a Polícia Federal investigou, o Ministério Público controlou o inquérito e formulou as acusações e o Supremo, depois de anos de dificultoso trabalho, está julgando. A sociedade estava tão desabituada e descrente de tais procedimentos quando eles atingem gente poderosa que seu julgamento - coisa banal nas democracias avançadas - se transformou em atrativo de TV e do noticiário, quase paralisando o País em pleno período eleitoral. Sinal de vida. Alvíssaras!

Não é a única novidade. Também nas eleições municipais o eleitorado está mandando recados aos dirigentes políticos. Antes da campanha se acreditava que o "fator Lula" propiciaria ao PT uma oportunidade única para massacrar os adversários. Confundia-se a avaliação positiva do ex-presidente e da atual com submissão do eleitor a tudo o que "seu mestre" mandar. É cedo para dizer que não foi assim, pois as urnas serão abertas esta noite. Mas ao que tudo indica o recado está dado: foi preciso que os líderes aos quais se atribuía a capacidade milagrosa de eleger um poste suassem a camisa para tentar colocar seu candidato no segundo turno em São Paulo. Até agora o candidato do PT não ultrapassou nas prévias minguados 20%.

No Nordeste, onde o lulismo com as Bolsas-Família parecia inexpugnável, a oposição leva a melhor em várias capitais. São poucos os candidatos petistas competitivos. Sejam o PSDB, o DEM, o PPS, sejam legendas que fazem parte "da base", mas se chocam nestas eleições com o PT, são os opositores eleitorais deste que estão a levar vantagem. No mesmo andamento, em BH, sob as vestes do PSB (partido que cresce), e em Curitiba são os governadores e líderes peessedebistas Aécio Neves e Beto Richa que estão por trás dos candidatos à frente. Num caso podem vencer no primeiro turno e noutro, no segundo.

Não digo isso para cantar vitória antecipada nem para defender as cores de um partido em particular, mas para chamar a atenção para o fato de que há algo de novo no ar. Se os partidos não perceberem as mudanças de sentimento dos cidadãos e não forem capazes de expressá-las, essa possível onda se desfará na praia. O conformismo vigente até agora, que aceitava os desmando e corrupções em troca de bem-estar, parece encontrar seus limites. Recordo-me de quando Ulysses Guimarães e João Pacheco Chaves me procuraram em 1974 na instituição de pesquisas onde eu trabalhava, o Cebrap, pedindo ajuda para a elaboração de um novo programa de campanha para o partido que se opunha ao autoritarismo. Àquela altura, com a economia crescendo a 8% ao ano, com o governo trombeteando projetos de impacto e com a censura à mídia, pareceria descabido sonhar com vitória. Pois bem, das 22 cadeiras em disputa para o Senado, o MDB ganhou 17. Os líderes democráticos da época sintonizaram com um sentimento ainda difuso, mas já presente, de repulsa ao arbítrio.

Faz falta agora, mirando 2014, que os partidos que poderão eventualmente se beneficiar do sentimento contrário ao oportunismo corruptor prevalecente, especialmente PSDB e PSB, se disponham, cada um a seu modo ou se aliando, a sacudir a poeira que até agora embaçou o olhar de segmentos importantes da população brasileira. Há uma enorme massa que recém-alcançou os níveis iniciais da sociedade de consumo que pode ser atraída por valores novos. Por ora atuam como "radicais livres" flutuando entre o apoio a candidatos desligados dos partidos mais tradicionais e os candidatos desses partidos. Quem quiser acelerar a renovação terá de mostrar que decência, democracia e bem-estar social podem novamente andar juntos. Para isso mais importantes que palavras são atos e gestos. Há um grito parado no ar. É hora de dar-lhe consequência.

domingo, 7 de outubro de 2012

DOMÍNIO PÚBLICO


Conexão Jornalismo.http://www.conexaojornalismo.com.br
Terça-feira, 25 de Setembro de 2012

UPP, especulação imobiliária e remoções. O Rio na era dos megaeventos

Do Portal Pública
UPP - documentário toca na ferida
UPP - documentário toca na ferida
Fausto Mota questiona a lógica da cidade-negócio e a relação entre UPPs e especulação imobiliária no Rio em tempos de megaeventos


Qual é a relação entre as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) cariocas, a especulação imobiliária, remoções de comunidades inteiras, grandes empreiteiras e a Copa do Mundo no Brasil? É isso que os cineastas Fausto Mota, Raoni Vidal e Henrique Campos se dispuseram a descobrir e costurar no documentário Domínio Público.

Feito de forma totalmente independente e com a possibilidade de se tornar um longa- metragem – o projeto está no site Catarse para financiamento coletivo – o filme sugere que o Rio de Janeiro, assim como outras cidades que sediarão a Copa, está se tornando cada vez mais uma cidade a serviço de empreiteiras e grandes negócios.

Mesmo assim, o diretor não acha viver no Rio a maravilha que essas empresas vendem para os gringos. Em entrevista ao Copa Pública, Fausto Mota diz que os cariocas vivem sob o regime do medo do tráfico, da polícia ou da milícia e que muitas vezes não têm coragem de denunciar, ou tocar em assuntos polêmicos com medo de morrer. Leia a entrevista e veja o mini doc:

Quem produziu, dirigiu, idealizou o filme? O que motivou vocês a fazer este doc?

O filme foi produzido por Fausto Mota e idealizado/dirigido por ele, Raoni Vidal e Henrique Ligeiro. A motivação veio de indagações a respeito do projeto das UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora). Começamos a nos questionar sobre a escolha dos locais para instalação das unidades e a valorização imobiliária inerente ao processo. A partir disso, passamos a pesquisar material sobre o tema e percebemos que o buraco era bem mais profundo do que a gente pensava. As UPPs são a ponta do iceberg de um projeto de cidade muito perigoso…

O que mais chocou vocês durante este processo?

Sem sombra de dúvidas, a maneira cruel e desumana como é feita a remoção das pessoas de comunidades localizadas em áreas de forte interesse imobiliário. Famílias inteiras são despejadas na rua, muitas vezes sem direito a nada, perdendo móveis, eletrodomésticos e sem ter para onde ir, tendo que se alojar em casa de parentes ou em albergues para mendigos. Às vezes, a prefeitura oferece a opção de uma casa na zona oeste, que na maioria dos casos é recusado pelas pessoas, por se tratar de um lugar longe – umas 2 ou 3 horas do centro da cidade – sem infraestrutura – escola, hospital, mercado de trabalho e transporte – e, ainda por cima, dominado por milícias fortemente armadas e extremamente perigosas.

Vocês começam o filme mostrando pessoas que não têm coragem de dar seus depoimentos. De quem eles têm medo?

A população carioca vive sob o regime do medo, seja do tráfico, da polícia ou da milícia. As pessoas preferem não tocar em certos assuntos polêmicos com medo de ter sua integridade física ameaçada, como já cansamos de ver tanto no Rio quanto no resto do Brasil e do mundo. Jornalistas do jornal O Dia torturados por milicianos na favela do Batan; a juíza Patrícia Acioli que foi assassinada por prender milicianos; vários casos de moradores assinados por policiais das UPPs; os 3 jovens assassinados pelo exército na Providência; o cineasta argentino Fernando Solanos, que foi baleado enquanto investigava, em um documentário, irregularidades na privatização da YPF, empresa estatal petrolífera da Argentina; o blogueiro Ricardo Gama que foi fuzilado por lançar um vídeo no youtube no qual denunciava a relação do governador do Rio Sérgio Cabral com os milicianos presos Natalino e Jerominho. Tem o caso da irmã Dorothy, assassinada por grileiros no Pará; teve o caso recente da PM de São Paulo acusada de assassinar líderes comunitários; e o próprio Deputado Estadual Marcelo Freixo, entrevistado no nosso filme, que já sofreu várias ameaças de morte por causa da sua atuação na CPI das Milícias. Acredito que esses exemplos já deixam claro o motivo de tanto de medo das pessoas em falar abertamente suas opiniões. Isso é democracia?

Vocês falam bastante do empresário Eike Batista. O que ele está fazendo no Rio de Janeiro?

Para se realizar um megaevento como a Copa do Mundo ou as Olímpiadas, são necessárias várias alianças e acordos. Existe uma aliança em nível horizontal entre a rede hoteleira, os proprietários de terra, as empreiteiras, a prefeitura, o governo estadual e empresários locais, e em nível vertical com o governo federal, que detém os mecanismos de financiamento como BNDS e Caixa, e a FIFA, a CBF, o COI, as grandes multinacionais que patrocinam esses eventos. São muitos acordos envolvidos por trás dos megaeventos e isso é muito perigoso, pois a cidade passa a ser dirigida em função dos interesses privados de uma pequena elite. Na lógica da cidade-empresa o que importa é extrair o lucro máximo e não o bem-estar do cidadão. O governo se transforma em um mero balcão de negócios para administrar esses interesses privados, ao invés de se preocupar com os problemas reais da população. É um ciclo vicioso, no qual os empresários financiam quase todos partidos políticos, em troca de benefícios como concessão de terras, isenções fiscais e dispensa de licitações. É uma roubalheira que não tem tamanho, uma quantidade imensa de dinheiro público, bilhões, vai servir para enriquecer esse grupo de empresários como Eike Batista. Poucas vezes se desviou tanto dinheiro dos nossos cofres públicos. Quem vai pagar essa conta no final?

O filme foi feito de forma totalmente independente? Quem financiou esta primeira parte da historia?

Sim, esse filme é totalmente independente. O dinheiro para financiar a primeira parte do projeto foi conseguido através da produção de um evento cultural cujo lucro foi revertido para o caixa do filme. A equipe abriu mão de seus salários e os equipamentos foram cedidos gratuitamente. Infelizmente, existe uma censura econômica disfarçada nos dias de hoje. Você não é proibido de fazer um filme que denuncie os nossos problemas e mazelas, mas também não vai conseguir financiamento para realizá-lo. Somente as grandes empresas têm um giro de capital suficiente para que seus impostos possam ser convertidos para projetos culturais. E não é interessante para esses eles projetos que questionem a ordem vigente, causando reflexão, indignação e discussão entre as pessoas. Por isso optamos em conseguir recursos através de financiamento coletivo para dar continuidade ao nosso trabalho. É uma maneira de fugir desse sistema ultrapassado de financiamento de projetos culturais no Brasil. As pessoas podem doar qualquer valor a partir de R$10,00 através do site catarse.me/dominiopublico .

Quanto tempo passaram pesquisando e filmando?

Estamos pesquisando e filmando há aproximadamente 14 meses.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

CADÊ O JUDICIÁRIO, LEGISLATIVO E O MP?

REVISTA ÂMBITO JURÍDICO 2005

Antônio Carlos de Lima
Servidor Público, Doutorando em Direito Público

.
O princípio do continuísmo do serviço público impera em todo o mundo, menos no Brasil. É sabido da necessidade da administração publica nunca poder parar, estar sempre prestando serviços aos administrados, sob pena de se criar um “vácuo no poder” e o estado de direito e a ordem democrática serem rompidos. Então, por que o Ministério Público e os poderes Judiciário e Legislativo, encerram suas atividades duas vezes ao ano?

Em nosso país qualquer funcionário público do executivo ou empregado celetista, tem direito a 30 dias de férias remuneradas. Mas essa regra Constitucional não se aplica aos servidores dos demais poderes, inclusive do Ministério Público. Essas Instituições “param” nos meses de janeiro e julho de cada ano, ou seja, são elas que tiram férias, com os nomes de recesso, férias forenses etc. Vimos que o servidor público é que deve tirar férias e não o Órgão que ele trabalha.

No Poder Legislativo pára tudo, suas auto-convocações e as do Executivo são raras e muito onerosas aos cofres públicos. Será que neste lapso temporal, nosso País não precisa dos trabalhos deste Poder? O Executivo não deve ser fiscalizado ou devemos esperar o encerramento do “recesso” para vermos uma lei votada ou um projeto de lei ser apreciado democraticamente. As Casas Legislativas são o suporte da democracia, não podem parar um segundo sequer.

O Poder Judiciário funciona neste período com o denominado plantão forense, que visa atender emergencialmente questões inadiáveis, tais como, apreciação de pedidos de liminares, as questões da liberdade humana etc. É notório o acúmulo de trabalhos neste Poder, razão pela qual não deveria parar nunca. Pois mesmo trabalhando normalmente seus serviços são prestados com uma morosidade considerável, que irrita qualquer cidadão.

O Ministério Público que não é um apêndice do Poder Judiciário também paralisa suas atividades normais. Diante da nossa Constituição Cidadã, esta Instituição não pode parar nunca, pois é a ela, que qualquer cidadão deve se recorrer para defesa de seus direitos. Este Órgão é uma conquista do povo brasileiro e deve funcionar 24 horas por dia, durante o ano inteiro. Zelando e exigindo que todos cumpram as mais de 200 mil leis em vigor em nosso País.

Num País onde os funcionários públicos como um todo, são tratados com mais benécias (vejam o número excessivo de feriados e “pontos facultativos”) em detrimento dos trabalhadores das atividades privadas e sabendo da necessidade de ver nossa economia crescer, fazendo com que se gere mais empregos. Somos considerados uma pátria em desenvolvimento, devemos trabalhar mais, para gerarmos mais riquezas e termos uma distribuição de renda mais eqüitativa.

Portanto, quem deve tirar férias anualmente são os servidores públicos (uma por ano) e não nossas Instituições, que estão precisando trabalhar mais, deixando esta pratica imoral de “parar de funcionar” durante dois meses ao ano. Isto “cheira a Marajá”, situação que todo brasileiro detesta. Os Joãos e as Marias, analfabetos e desempregados agradecem pelo trabalho contínuo destes funcionários públicos.

Informações bibliográficas:

LIMA, Antônio Carlos de. Cadê o Judiciário, o Legislativo e o Ministério Público?. In: Âmbito Jurídico, fev/2002 [Internet] http://www.ambito-juridico.com.br/aj/da0044.htm (ao citar este artigo, lembre-se de colocar a data de acesso).

CONFRONTO DA BM COM MANIFESTANTES

CORREIO DO POVO, 05/10/2012 10:27 - Atualizado em 05/10/2012 11:20

Não houve excessos da BM em confronto na Capital, avalia comandante. Corporação estuda, no entanto, abrir inquérito para investigar reclamações de manifestantes


Manifestantes ficaram feridos, assim como três policiais
Crédito: André Ávila




Na manhã seguinte ao confronto entre manifestantes e policiais militares no Centro de Porto Alegre, o comandante do 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM), major André Luiz Córdova, avaliou que não houve excessos por parte da polícia que interveio com balas de borracha e gás de efeito moral. "Mostra uma resposta proporcional a uma agressão real, atual e iminente contra os policiais ou contra terceiros. Essa é a nossa linha, o nosso mantra de ação policial", disse em entrevista a Rádio Guaíba nesta sexta-feira.

Conforme o comandante, o grupo que promoveu o protesto não tinha líder e não comunicou as autoridades sobre o ato. O major contou que cerca de 300 pessoas que se reuniam desde a tarde dessa quinta-feira na área central começaram, por volta das 23h, a arrancar as grades que cercavam o tatu-bola – símbola da Copa do Mundo de 2014, que fica no Largo Glênio Peres. Segundo o oficial, os manifestantes atiraram pedras e paus contra o boneco inflável, que acabou estourando.

Havia 20 policiais militares no local, segundo Córdova. "Eles iniciaram arremessando contra o tatu-bola, quando o policial se interpôs para evitar que aquele símbolo fosse danificado, os arremessos continuaram e aí os policiais já estavam no meio", relatou. A guarnição pediu auxílio do 1º e 20º BPM, além do pelotão de prontidão do Batalhão de Operações Especiais (BOE), totalizando 65 policiais.

De acordo com o major, três policiais foram feridos, assim como alguns manifestantes e jornalistas que cobriam o ato. Um grupo atirou pedras contra viaturas e veículos da imprensa e destruiu a porta de um agência bancária. Quatro pessoas foram detidas. A Brigada Militar estuda abrir um inquérito para apurar se houve algum tipo de excesso por parte dos policiais durante o confronto.

Segundo os manifestantes, a polícia agiu com truculência para conter os protestos. O grupo que promoveu o ato denomidado "Defesa Pública da Alegria", se concentrou primeiramente na Praça Montevideo para realizar a "apropriação dos espaços públicos", conforme os integrantes. Após, foram até a frente do Mercado Público. A intenção era protestar contra o cercamento do Auditório Araújo Vianna e contra as parcerias público-privadas (PPPs) firmadas pela prefeitura, incluindo a que permitiu instalar chafarizes no Largo Glênio Peres.

Assista a vídeo postado no Youtube:




Com informações do repórter Jimmy Azevedo

PROTESTO, ATAQUE E CONFRONTO NO CENTRO DE PORTO ALEGRE




Protesto ocorreu na noite de quinta-feira, no Largo Glênio Peres, no centro da Capital Foto: Bruno Alencastro / Agencia RBS


ZERO HORA - 04/10/2012 | 23h45. Atualizada em 05/10/2012 | 02h24

Protesto na Capital termina em confronto com a polícia e ataque a mascote da Copa. Grupo entrou em confronto com aproximadamente 80 PMs no Largo Glênio Peres, no Centro

Letícia Costa

Manifestantes atacaram o boneco inflável do mascote da Copa do Mundo de 2014 que está no Largo Glênio Peres, no centro de Porto Alegre, na noite de quinta-feira. Por volta das 23h20min, cerca de cem pessoas derrubaram as grades de proteção em torno do Tatu-Bola e colocaram no chão o símbolo do Mundial do Brasil.

O grupo entrou em confronto com policiais militares do Pelotão de Operações Especiais (POE) do 9º Batalhão de Polícia Militar (Centro). Os PMs usaram cassetetes, bombas de efeito moral e balas de borracha para pôr fim ao protesto. Pelo menos 20 viaturas da Brigada Militar e cerca de 80 PMs foram mobilizados para conter os manifestantes. O confronto durou cerca de 20 minutos.

Ao menos seis pessoas foram presas por delitos como lesão corporal, danos ao patrimônio público e vandalismo. No tumulto, seis policiais ficaram feridos. De acordo com o comandante do Pelotão de Operações Especiais (POE) do 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM), tenente Jorge Luiz Santos Vargas, um dos policiais que estava com capacete levou oito pontos em corte na cabeça e outro teve o braço quebrado.Alguns manifestantes também ficaram feridos. Apesar de ter se identificado, o repórter fotográfico de ZH Bruno Alencastro foi agredido no ombro por um policial e teve um filtro da câmera quebrado.

Grupo integrava protesto em frente à prefeitura

Os manifestantes integravam um grupo que estava reunido na Praça Montevidéu, em frente à prefeitura, para um ato denominado “Defesa Pública da Alegria”. Organizado via rede social, o movimento crítica a privatização de locais públicos e o governo do prefeito José Fortunati.

— Eles estavam provocando os policiais na manifestação na Praça Montevidéu. A BM ficou de fora, só observando. Eles arrancaram os gradis e começaram a derrubar o mascote. Foi uma atitude de afronta — afirmou o capitão da BM Euclides Neto, comandante da 1ª Companhia do 9º BPM.

Na confusão, o para-brisa de uma viatura da BM foi quebrado. O capitão relatou que alguns manifestantes apresentavam sinais de embriaguez. Pessoas que participaram do ato reclamaram da ação ostensiva da Brigada para reprimir o protesto.

— A ideia era só fazer uma ciranda ao redor do mascote — disse a jornalista Anelise De Carli, 22 anos, uma das manifestantes.