Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

CÂMERAS QUE (QUASE) TUDO VEEM


ZERO HORA 24 de agosto de 2012 | N° 17171. ARTIGOS

MILTON R. MEDRAN MOREIRA*


Câmeras que tudo veem. Ou quase tudo. Elas estão nos bancos, nas lojas, na rua, nos elevadores. Flagram os roubos e os furtos. Medem, com irrecorrível precisão, a velocidade de nosso carro. Registram a cara de pau do funcionário corrupto ou do cidadão corruptor, no preciso instante do recebimento ou oferecimento da propina.

Tudo ou quase tudo vendo, elas têm o mérito de prevenir e intimidar. Ou de intimidar e, assim, prevenir. Quando eu era criança, sempre que tinha vontade de fazer, escondido, alguma coisa tida e havida como errada, me vinha à mente a figura do olho que tudo vê. Era dessa forma que nos falavam de Deus: um olho poderoso, capaz, inclusive, de enxergar nossos pensamentos. É verdade que do pensamento, essa “coisa à toa”, nas asas da qual “a gente voa quando começa a pensar”, nem sempre me libertava facilmente. Até porque a presença intimidatória do grande olho sempre me chegava à mente quando esta já se havia irremediavelmente ocupado de pecaminosas elucubrações. Restava o remorso, um reforço a mais para não transformar em atos o que o fugidio pensamento engendrara.

Vivemos tempos em que a tecnologia, a serviço da prevenção do crime, começa a substituir o grande olho de que me falavam em minha infância. Não fosse ter de, cuidadosamente, conviver com outros avanços da pós-modernidade, como o direito à privacidade, os aparatos tecnológicos flagrariam muito mais. Afinal, é na intimidade, cercados dos muros por nós erguidos, que demonstramos o que verdadeiramente somos. Toda a vantagem daquele olho que tudo via, na minha meninice, era a de penetrar soberano, absoluto, sem a contraposição de qualquer outro direito, por sobre e através dos frágeis muros que, malgrado minha ingenuidade, eu já era capaz de erguer. Tão poderoso ele era que, inclusive, derrogava meu direito individual ao estado de graça, garantidor de uma teórica impunidade.

Pois, agora, a tecnologia e a argúcia jornalística realizaram algo muito parecido com o feito do grande olho que eu tanto temia. Tiveram, é verdade, que fazer campana, escalar muros e telhados, arrostar perigos de que meu terrível inquisidor estava livre, para flagrar o que, no fundo, todo mundo sabia ocorrer. Quem que, já tendo seu carro furtado ou roubado, e o havendo recuperado em um desses depósitos autorizados, não o encontrou desfalcado, dilapidado, destruído? Queixar-se a quem? O depositário simplesmente dirá que assim o recebeu. A autoridade policial, que atende dezenas de casos semelhantes a cada dia, não terá tido o necessário tempo de vistoriá-lo suficientemente, antes de lhe dar o destino. Palavra conta palavra!

Palavras, aliás, compõem a máscara atrás da qual representamos o tempo todo. No fundo, somos todos atores. Para fugir do campo de ação dos muitos olhos construídos pelos costumes, pelas leis e imposições sociais, vamos aprimorando nossa capacidade de representar. Por simplória e, especialmente, porque nela flagramos outras tantas máscaras a esconderem interesses nem tão sagrados, já não alimentamos a mesma fé no olho que tudo vê. Talvez seja tempo de substituí-lo por algo mais moderno e eficiente: a inigualável e precisa câmera pela natureza instalada em nossa consciência. Mais do que nos indicar o que devemos fazer ou deixar de fazer, a consciência dispõe de mecanismos que nos premiam e nos castigam, sem a necessidade de sanções e recompensas sobrenaturais. Felicidade ou infelicidade são, justamente, as premiações e punições que o indivíduo ou a sociedade colhem de seu justo agir. Ninguém, aliás, é obrigado a crer nisso para ser melhor, mas é na precisão com que ela nos aponta o que é e o que não é direito que, talvez, possamos reintegrar a presença divina no homem. Enquanto nossas ações ou omissões tiverem por fim afastar-nos do campo de ação desses olhos que tudo ou quase tudo veem, só por medo de suas consequências, seguiremos sendo meninos medrosos e assustados. Espíritos livres, no entanto, é o que estamos destinados a ser. E felizes.


*ADVOGADO E JORNALISTA, PRESIDENTE DO CENTRO CULTURAL ESPÍRITA DE PORTO ALEGRE

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