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domingo, 4 de março de 2012

HORA DA TRANSPARÊNCIA



Como a lei da informação muda a vida do brasileiro - CARLOS ETCHICHURY E MARTA SFREDO, ZERO HORA 04/03/2012

Habituado a ser tratado como um inconveniente ao buscar informações oficiais, o brasileiro tem pela frente a chance de entrar em uma nova etapa na relação com o poder público. ZH mostra em duas páginas como a Lei de Acesso à Informação pode representar aumento do controle dos brasileiros sobre seu cotidiano.

Em pouco mais de dois meses, o brasileiro que quiser saber quantos veículos são roubados em seu bairro a cada mês ou quanto, afinal, o prefeito de sua cidade gasta com diárias deverá ter sua vida facilitada.

A Lei de Acesso à Informação, que promete estabelecer um novo equilíbrio na relação entre cidadãos e poder público, entra em vigor em 18 de maio.

Especialistas que consumiram anos de trabalho para assegurar um direito previsto na Constituição de 1988 e nos tratados internacionais firmados pelo Brasil, profissionais comprometidos com a busca de transparência nas relações entre o público e o privado e ativistas de entidades de controle social apostam no poder transformador da transferência do controle da informação.

– A lei representa um avanço fundamental porque estabelece que o proprietário da informação é o cidadão, não o Estado, que se torna apenas seu guardião – avalia Mário Vinícius Spinelli, secretário de prevenção da corrupção e informações estratégicas da Controladoria-Geral da União (CGU), que participou das discussões para a elaboração da nova regra.

Cultura do favor pode terminar

A magnitude da mudança é tal que até mesmo uma militante do direito à informação como Lizete Verillo, diretora da ONG paulista Associação dos Amigos de Ribeirão Bonito (Amarribo), prevê a necessidade de um período de três a cinco anos para a implementação completa do novo conjunto de normas:

– O grande mérito é que toda pessoa poderá solicitar qualquer informação sem explicar o motivo. Se não for atendida, a instituição pública responsável pode ser punida. E mesmo morando em São Paulo, posso pedir uma informação sobre a prefeitura de Porto Alegre.

Caio Magri, gerente de Políticas Públicas do Instituto Ethos, dedicado à gestão responsável dos negócios, pondera que toda legislação inovadora exige mudanças culturais e comportamentais para ser integralmente implementada.

– Tudo o que for de trato público terá de ser exposto. Ainda é preciso ver como a população vai se comportar em relação aos limites. É uma questão em aberto que pode exigir mudanças na própria lei mais à frente, mas é um excelente mecanismo de controle social do Estado.

Spinelli lembra que a intensidade da adesão a esse tipo de regra varia muito. Na Grã-Bretanha, três anos depois da adoção desse tipo de mecanismo, 320 mil pessoas haviam solicitado informações. Na Suíça, compara o especialista, foram 500 em igual período.

– A sociedade tem de saber os direitos que a lei lhe confere e usar essas prerrogativas. É uma cultura que terá de ser construída, porque quem ia a um órgão público pedir informação estava pedindo um favor. Agora o acesso passa a ser a regra, o sigilo é a exceção – pondera o especialista da GCU.

As brechas que ameaçam a regra

A lei que pretende abrir o Estado brasileiro, sepultando cinco séculos de cultura do sigilo, pode patinar em subterfúgios legais.

O alerta é de pesquisadores e representantes de ONGs ouvidos por ZH.

Transformar uma lei de acesso à informação em algo concreto e acessível é complicado.

Na melhor das hipóteses, contando com gestores republicanos e comprometidos com o espírito público, o que não chega a ser regra no Brasil, a cultura da transparência exige servidores capacitados, bancos de dados catalogados e estruturas físicas adequadas. No pior dos cenários, além das dificuldades intrínsecas, é preciso levar em consideração subterfúgios que poderão ser apresentados por quem deve (e teme) alguma coisa.

Um dos ardis mais temidos por quem milita em defesa da lei é a possibilidade de gestores definirem documentos como “secreto”, “ultrassecreto” ou “reservado” – o que, na prática, torna a informação indisponível.

– As mais avançadas democracias possuem exceções à total transparencia. O importante é garantir que as exceções sejam mínimas e interpretadas de forma restritiva, e que sejam invocadas em casos muito limitados – diz a diretora para América do Sul da ONG Artigo 19, Paula Martins.

Para a representante da entidade com sede em Londres, a principal limitação da legislação, contudo, diz respeito aos órgãos recursais:

– A nossa lei não cria um órgão especializado e independente para apreciar recursos caso uma informação seja negada ao cidadão, o que, infelizmente, acredito ser uma grande falha dessa legislação.

Pesquisador teme má-fé

Mestre em Administração Pública e Governo e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), Fabiano Angélico alerta para um outro risco:

– O governante pode informar, simplesmente, que a informação não existe ou não está disponível. Nesta hipótese, será difícil identificar se é má-fé.

Um dos responsáveis pela ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco identifica a desorganização do Estado como um inimigo natural da lei.

– Vamos pensar que alguém solicita um documento de 15 anos atrás a algum ministério. Onde este documento está arquivado? Como será encontrado? O meu receio é de que a lei seja desmoralizada em função deste tipo de dificuldade.

Diante de desafios tão complexos, Angélico alerta:

– A sociedade precisa ficar atenta e deixar claro, diante de negativas, que dentro de determinado período voltará a pedir a mesma informação.

O intrigante exemplo de Ribeirão Bonito

Um dos precursores do acesso do cidadão a informações públicas é o pequeno município de Ribeirão Bonito, a 280 quilômetros de São Paulo. Desde junho de 2008, tem uma sala da transparência, com dados disponíveis por meio de um computador e possibilidade de solicitar informações adicionais. Em quase quatro anos de operação, apenas oito pessoas fizeram pedidos.

– No começo foi muita gente, depois viram que não achavam nada de errado e pararam – brinca o prefeito Paulo Veiga (PPS).

Ele chegou à prefeitura como vice e acabou assumindo o comando do município de 12 mil habitantes depois da cassação do titular. Em 2008, foi reeleito. Assegura que não foi por temer o mesmo fim do antecessor que criou a sala:

– Vim de uma família humilde, e ser honesto foi uma das primeiras coisas que aprendi. Entrei na política porque aceitei ser vice quando estava de fogo. Na ressaca do dia seguinte, achei que ele ia esquecer, mas isso não ocorreu.

Na origem do pioneirismo, estão duas cassações de prefeitos – uma em 2002 e outra em 2008. Esse movimento foi animado pela Associação de Amigos de Ribeirão Bonito (Amarribo), hoje líder de uma rede de ONGs e em vias de se tornar o braço brasileiro da Transparência Internacional. Lizete Verillo, da diretoria da entidade, confirma que a cidade está pacificada, mas pondera:

– A informação tem de estar disponível, não importa se as pessoas procuram ou não.

Em Ribeirão Bonito, não custa caro. É uma sala de 9 metros quadrados na recepção da prefeitura, com um computador e uma funcionária que também atende o alistamento militar.

– Dá para fazer em qualquer prefeitura do mundo, basta ter coragem – afirma Veiga.

ENTENDA A REGRA

O QUE MUDA - A nova lei determina que dados de interesse coletivo devem ser divulgados sem necessidade de solicitação de interessados. Os órgãos públicos devem criar serviços para receber requerimentos de cidadãos de forma imediata. Também devem publicar informações na internet.

A ABRANGÊNCIA - Órgãos públicos dos três poderes nos níveis federal, estadual e municipal. Inclui também sociedades de economia mista e ONGs que recebem dinheiro público.

OS PRAZOS - A disponibilidade dos dados deve ser imediata. Se isso não for possível, há um prazo de 20 dias, prorrogável por mais 10.

O FISCAL - Caso o acesso seja negado, deve ser justificado, e cada órgão terá de ter instância para receber recursos.

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