Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

domingo, 30 de dezembro de 2012

FREIOS E CONTRAPESOS, UM CONCEITO EM XEQUE


ZERO HORA 30 de dezembro de 2012 | N° 17298

DEBATE PARA 2013. Países latino-americanos vivem momento de embates entre Executivo, Legislativo e Judiciário

LÉO GERCHMANN

O ideal democrático de freios e contrapesos entre um poder que legisla, outro que julga e aquele que executa se tornou motivo de preocupação para uns e júbilo para outros tantos na América Latina em 2012. Episódios ocorridos em países como Brasil, Argentina, Paraguai e Venezuela projetam para 2013 crises ou boas perspectivas para a tripartição de poderes, instituto tido como basilar dos sistemas democráticos. Tudo depende da interpretação que se faça.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso mantiveram disputa definida pelo cientista político Alcides Vaz como “semiembate”: por diferença estreita, o STF se viu na prerrogativa de cassar deputados por ele condenados – sob protestos das cúpulas legislativas. Na Argentina, a Corte Suprema impediu que a presidente Cristina Kirchner colocasse em pleno vigor a Lei da Mídia, que, em tese, democratiza a informação. Na Venezuela, uma juíza foi presa por decidir contra o governo. No Paraguai, o Judiciário aceitou missão de monitoramento da União das Nações Sul-americanas (Unasul) para acompanhar as eleições presidenciais em 21 de abril sem consentimento do Executivo.

Também no Paraguai, o então presidente Fernando Lugo foi deposto pelo Legislativo, em um processo de impeachment criticado por entidades internacionais e países como o Brasil e demais integrantes do Mercosul. Principal crítica: Lugo não teria contado com prazo suficiente para a defesa contra a acusação de “mau desempenho das funções”.

“Democracias em movimento”

– Sem entrar nas especificidades de cada país, a tensão entre os poderes é real, mas não acho que seja problemática. Se olharmos a década passada, veremos que houve uma refundação do Estado na região. Temos democracias em movimento, em uma região com passado de rupturas institucionais – diz Vaz, professor da Universidade de Brasília (UnB).

Lembrando a história de regimes autoritários polvilhados pela região, Vaz brinda a virada de 2012 para 2013 como “outro momento”, auspicioso, segundo ele.

– Temos democracias em formação e em movimento. Veja bem que esses enfrentamentos mostram um lado de independência entre os poderes. Há parlamentos e Judiciários com proatividade, e isso faz parte dos sistemas democráticos ainda imperfeitos, mas em formação, o que é positivo – disse.

Na Argentina, Cristina x juízes

Somente na semana passada, o Judiciário argentino decidiu duas vezes contra os interesses do Executivo, o que levou a presidente a se queixar. Acusou os juízes do seu país de estarem em descompasso com as aspirações sociais e “divorciados” do povo.

Quais foram esses casos? Primeiro, a ex-ministra da Economia Felisa Miceli recebeu uma condenação de quatro anos de prisão em um rumoroso caso de corrupção – uma brigada antiexplosivos encontrou US$ 100 mil escondidos em seu banheiro. Depois, o Grupo Clarín, na noite da mesma quinta-feira, teve acatado o recurso que interpôs para não se ver obrigado a se desfazer de emissoras de TV e outras concessões estatais, alegando direito adquirido.

O cientista político argentino Gabriel Vitullo identifica a mesma fricção entre poderes identificada pelo colega brasileiro Alcides Vaz. Só que interpreta o mesmo fato de maneira negativa.

– Em primeiro lugar, é importante desfazer a ideia de que o instituto dos pesos e contrapesos é intocável. Na verdade, são freios nos avanços populares. Em diversas ocasiões, o Judiciário desempenha o papel moderador. Deve ser questionada a tese da divisão de poderes, porque o Judiciário não tem origem democrática. No caso do Clarín e da Lei da Mídia, isso fica claro. Mesmo com os defeitos, é uma legislação importante, e o Judiciário está segurando sua vigência – disse.

Zero Hora, então, pergunta: qual seria a alternativa?

– Devemos deixar de ter juízes vitalícios, e esses juízes precisam ser controlados pela população.

Enfim, 2012 deixa um debate fervilhando para 2013.


Juíza diz que foi violentada na prisão

Um episódio envolvendo conflito entre Judiciário e Executivo deixa de lado as teorias políticas e entra em cheio na crônica policial. A juíza venezuelana María de Lourdes Afiuni, presa em dezembro de 2009 por decidir em desacordo com o governo de Hugo Chávez, lançou um livro em novembro último contando que foi estuprada na prisão.

Atualmente vivendo sob prisão domiciliar, María de Lourdes atendeu a telefonema de Zero Hora, mas se desculpou antes de dizer que não poderia se manifestar. Pela decisão que a permite ficar em casa, fica estabelecido que ela não pode dar entrevistas “para a imprensa nacional e internacional”, relatou, em conversa com ZH.

No livro, a juíza revela que foi estuprada na prisão, além de ter sofrido outros tipos de sevícias, há cerca de dois anos.

– Faz mais de dois anos que temos conhecimentos dessa violência contra a doutora Afiuni, e o presidente da república Hugo Chávez também sabe disso. Os psicólogos recomendaram que ela não tornasse a história pública no passado, e ela também não queria falar, como costuma ocorrer com as mulheres nessas circunstâncias. Agora, ela tornou pública sua história – diz o advogado da juíza, José Graterol.

ZH fez contato também com o autor do livro, o escritor Francisco Olivares. Ele, porém, alegou estar em viagem de férias com a família e não quis comentar o trabalho feito para a juíza.

María de Lourdes foi acusada de corrupção, abuso de poder e de facilitar a fuga do banqueiro Eligio Cedeño, detido em 2007 sob a acusação de fraude – o suspeito conseguiu fugir após ganhar a liberdade condicional. Organizações de defesa dos direitos humanos têm pedido a libertação de Afiuni por considerar que o julgamento foi arbitrário.

Entidades de direitos humanos dizem que há um clima de intimidação promovido pelo governo venezuelano em relação aos juízes.

sábado, 29 de dezembro de 2012

OS DESAFIOS DO CRESCIMENTO

ZERO HORA 29 de dezembro de 2012 | N° 17297

OS DESAFIOS DO CRESCIMENTO 4

O país precisa criar as condições para apostar mais nos ganhos do trabalho e menos em ajudas oficiais como alternativa para a redução de desigualdades, defende o quarto e último editorial sobre Os Desafios do Crescimento.

Os últimos anos confirmam que, assim como a China está para o crescimento econômico, o Brasil está para o desenvolvimento social, como sintetizou o presidente do Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea), Marcelo Neri. Ainda assim, nem as radicais transformações socioeconômicas registradas desde o início da estabilidade, há quase duas décadas, foram suficientes para aproximar os dois Brasis que outro economista, Edmar Bacha, definiu há algum tempo como Belíndia – o lado Bélgica, rico, e o Índia, pobre. Uma aproximação consistente entre esses dois polos, com a redução dos abismos sociais, exige que o país tenha capacidade de levar sua população a depender menos das políticas de transferência de renda e mais dos ganhos do trabalho, reforçados pela maior rentabilidade em consequência de uma educação de mais qualidade.

De todas as transformações registradas no país depois da estabilização econômica, nenhuma alcançou tanta repercussão quanto a notável ascensão social dos brasileiros e, em consequência, o salto do país na direção de padrões semelhantes aos de nações adiantadas. Favorecidas pelas políticas de inclusão social, mais de 30 milhões de pessoas – o equivalente a toda a população da Venezuela – ascenderam para as classes A, B e C. Desse contingente, 20 milhões, quase duas Bolívias, saíram da pobreza. Em consequência, 53% da população brasileira, agora, é de classe média e desfruta de um país mais democrático, mais justo, menos desigual, mais alfabetizado, mas também mais velho. O crescimento no número de idosos impôs desafios novos tanto no âmbito educacional quanto no da Previdência, para os quais será preciso buscar soluções urgentes. Os problemas, porém, não se resumem a esses dois aspectos, estendendo-se a uma série de outros pontos igualmente preocupantes.

Nos últimos anos, o poder público tem dado prioridade a bolsas de auxílio financeiro e a socorros eventuais que ajudam a melhorar o poder aquisitivo das faixas de menor renda, mas pouco contribuem para suprir falhas no atendimento a demandas básicas. A mais gritante das carências é a que persiste na área de saúde pública – tema apontado sistematicamente como a maior preocupação dos brasileiros em pesquisas de opinião pública. A chaga, em total desacordo com o Brasil emergente, resulta do descaso contumaz do poder público a essa área, contaminada por gestões ineficientes e por práticas de corrupção.

O mesmo país que avança economicamente e, apesar da frustração do Produto Interno Bruto (PIB) em 2012, amplia renda e reduz desigualdades não se dispôs a enfrentar questões relacionadas à saúde e ao bem-estar da população. Ainda hoje, quase 40% das residências brasileiras não têm qualquer tipo de sanea-mento básico. Nos Estados Unidos, por exemplo, apenas 0,6% das casas não contavam com água encanada e vaso sanitário com descarga nos dados do último Censo. O comparativo dá uma ideia de quanto o Brasil ainda precisa avançar para atender pontos elementares numa área que tem tudo a ver com a saúde da população.

Uma simples elevação na média de anos de estudo é suficiente para tornar os cidadãos mais bem informados e, portanto, mais exigentes em relação a seus direitos, entre os quais se incluem ações para assegurar maior qualidade de vida. O poder público, por sua vez, deve se comprometer em fazer a sua parte em relação a esses e outros aspectos essenciais para suprir carências da população, com ênfase sobretudo em educação de qualidade. O país precisa criar as condições para apostar mais nos ganhos do trabalho, com ênfase na educação, e menos em ajudas oficiais como alternativa para a redução de desigualdades.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

INQUÉRITO ACERCA DA JUSTIÇA POLÍTICA

William Godwin
JORNAL DO COMERCIO 28/12/2012

Nei Rafael Filho


William Godwin (1756/1836) jornalista e filósofo político inglês é considerado um dos expoentes do utilitarismo, talvez o proponente moderno da doutrina do anarquismo. É conhecido por dois livros: o Inquérito acerca da justiça política, onde ataca as instituições políticas, e As coisas como elas são ou As Aventuras de Caleb Williams, cuja personagem principal é o privilégio da aristocracia. A Teoria da Literatura o consagra como inventor do romance de mistério. Sua arte inspirou sua filha e também escritora Mary Godwin, cujo casamento com o poeta Percy Bysshe Shelley a tornaria Mary Shelley, autora de Frankenstein.

Utilizando o pseudônimo de Edward Baldwin, Godwin escreveu livros didáticos para crianças. É possante sua influência na literatura britânica e europeia.

O texto do Inquérito acerca da justiça política (1793) contém armadilhas. De frases baças, a construção do capítulo é uma teia. Prende o leitor e sufoca-o ao arrepio, no crescente horror dos equívocos cometidos no poder instituído à segurança jurídica. Argumentava que o governo é uma força corruptora na sociedade. Perpetua-se através da dependência e ignorância às camadas sociais. A força do poder, modernamente consagrada pelas democracias, tornar-se-á desnecessária à medida da inovação e difusão do conhecimento à sociedade. Não pugnou à consciência, mas do saber da população de papel e função sociais, cujo viço é a cooperação e o entendimento, vetando mecânicas de competição. Isto permitiu antever o anarquismo bruto, sugerindo inclusive o abolicionismo penal. Suas ideias trouxeram à luz a perspectiva filosófica de governos guindados à anomia, quer dizer, diretriz política fundada sob ausência de ordem, coerção e poder. Enquanto utopia, convém estudá-lo, para entender a história recente do Brasil destes últimos meses.

Advogado


NOTA DO BENGOCHEA - Inquérito acerca da justiça política é um livro de William Godwin publicado em 1793 em que o autor argumentava que o governo é uma força corruptora na sociedade perpetuando a dependência e a ignorância mas que seria cada vez mais desnecessário e gradualmente despossuído do poder pela difusão do conhecimento. Com esta obra, Godwin ficou conhecido como o precursor do pensamento anarquista e das teorias de abolicionismo penal defendidas pelos adeptos deste pensamento.(WIKIPÉDIA)

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

FALTA DE CAPITAL FÍSICO E HUMANO FREIA O BRASIL

JORNAL DO COMERCIO, 26/12/2012

CONJUNTURA

Expressão ‘armadilha’ ganhou força entre analistas após a divulgação de alta de 0,6% do PIB no terceiro trimestre


Crescimento de longo prazo depende basicamente de três fatores: estoque de capital humano, inovação e capital físico. São nestas três áreas, portanto, que o Brasil deveria investir para sair da situação atual - batizada pelo economista e sócio da MB Associados, José Roberto Mendonça de Barros, de “armadilha de baixo crescimento”, segundo analistas e economistas. A expressão ganhou apoio entre analistas, especialmente após a divulgação da expansão de 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre ante ao segundo - taxa que equivale à metade da mediana das expectativas do mercado, que era de 1,2%.

No governo da presidente Dilma Rousseff, o crescimento médio da economia é de 2,4%, quase idêntico à média do governo Fernando Henrique Cardoso, de 2,3%, apesar das diversas medidas de estímulo econômico e também de desonerações. Só neste ano, de acordo com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o governo federal abriu mão de uma arrecadação de R$ 45 bilhões por conta das isenções fiscais a vários setores da economia, com a redução de impostos e desoneração da folha de pagamento.

Mendonça de Barros, consultado em novembro, disse estar convencido de que o Brasil está preso em uma “armadilha de baixo crescimento”, porque a demanda tende a ser mais lenta que a registrada no passado recente. Isso porque o grosso da inclusão de novos consumidores no mercado já ocorreu e porque as finanças públicas não suportam mais reajustes de salários acima da variação da inflação.

“O Brasil tem uma taxa pífia de investimento em capital humano e em capital físico. Então, o crescimento vai ser baixo no longo prazo. Conjunturalmente, pode se ter um crescimento mais alto no curto prazo, mas no longo prazo, vai ter constrangimento. Ou se investe em capital humano e físico, o que implica ter menos consumo no presente, ou não cresce”, afirmou o sócio da Opus Investimentos, José Márcio Camargo. Para ele, ou o Brasil opta por uma poupança no presente ou vai crescer pouco. “A meu ver, a armadilha do Brasil é fundamentalmente essa, o que significa que o Brasil é um país muito pouco competitivo”, emendou o economista.

Armadilha, discorda Camargo, é quando se cai em uma situação inesperada. “Acho que este crescimento já era esperado porque um país que investe 18% do PIB e cuja parte substancial da sua força de trabalho é analfabeta funcional tem dificuldade para competir e crescer. Não vejo uma armadilha. É esperado”, disse Camargo. Para ele, ou o governo investe em capital humano e físico, para deslanchar o crescimento, ou ficará em busca de soluções pontuais, como “dar câmbio para gerar crescimento”. Na Coreia, exemplifica Camargo, a moeda (won) está valorizada, assim como ocorre com o peso chileno. Mas a economia de ambos os países cresce. “Temos de olhar aqui dentro e ver por que estamos com um desempenho tão ruim em relação aos nossos pares”.

O economista-chefe do Itaú Unibanco e ex-diretor do Banco Central, Ilan Goldfajn, acredita que, se um país não investe, não pode crescer. “Não sei se é uma armadilha, mas se um país não investe, não cuida da educação e das instituições, não cresce”, disse, ponderando que armadilha dá uma ideia de que se está preso e não consegue sair. “Não gosto desta expressão, mas está claro que os investimentos em educação na Ásia estão tendo efeito. O sucesso da Coreia tem a ver com educação que, no limite, foi uma obsessão. A China está parecida.”

Contágio internacional é limitado, ponderam especialistas

Os economistas ponderam também que não se deve atribuir ao cenário econômico internacional toda a culpa pelo baixo crescimento brasileiro. O ex-presidente do Banco Central e atual sócio da Tendências Consultoria Integrada, Gustavo Loyola, concorda que o ambiente externo desfavorável não é dos mais propícios. A despeito da crise internacional, ele comenta que outros países têm se “virado melhor” que o Brasil e continuam recebendo investimentos e crescendo. Citou, por exemplo, Chile, Peru e Colômbia, cujas economias têm registrado avanços mais significativos do que o Brasil. “Como é que a gente pode culpar somente uma situação internacional na medida em que outros países estão se virando melhor?”, questionou.

O ex-diretor do BC e atual economista da Fecomércio-RJ, Carlos Thadeu de Freitas, considera o termo “armadilha de baixo crescimento” um pouco forte, mas avalia que, para sair da situação atual, o Brasil terá de retomar investimentos e depender menos da variável consumo, que tende a se desacelerar naturalmente. “O grande ponto é este. Estamos vendo um momento único, que o mercado de trabalho está muito aquecido, e a massa real de salários tem crescido. Mas isso tem limites. Acho que vamos ter que furar um pouco esta bolha do mercado de trabalho de ganhos reais que sustentou o consumo até recentemente.”

Goldfajn, do Itaú Unibanco, também acredita que as finanças públicas não têm mais condições de arcar com reajustes salariais acima da inflação. Para ele, esta situação já foi em parte resolvida pela presidente Dilma. Ela concedeu 15% de reajuste para o funcionalismo público e, de agora em diante, deverá conceder apenas a variação da inflação. “A presidente Dilma tem alinhado os salários às outras variáveis”, elogiou.

O economista-chefe da Votorantim Corretora, Roberto Padovani, compartilha dessa avaliação, mas cita outros motivos para o baixo crescimento do Brasil. Segundo ele, além do impacto da crise sobre a economia, o País tem alta carga tributária, elevado custo da mão de obra e gargalos em infraestrutura. Além disso, segundo ele, o investimento, que é o componente mais volátil do PIB, teve uma oscilação muito brusca, o que ajuda a justificar a baixa expansão da economia.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

BRASILEIRO CONFIA MAIS NO SUPREMO DO QUE NO CONGRESSO


Brasileiro confia mais no Supremo do que no Congresso, diz pesquisa Ibope

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO, DANIEL BRAMATTI - O Estado de S.Paulo, 24/12/2012


Envolvido em um conflito com o Poder Legislativo em torno do mensalão, o Supremo Tribunal Federal leva vantagem na batalha pela opinião pública. Pesquisa Ibope mostra que o STF tem um índice de confiança entre a população maior do que o do Congresso Nacional: 54 a 35, numa escala que vai a 100.

Marco Maia e Joaquim Barbosa, presidentes da Câmara dos Deputados e do STF, respectivamente, estão em campos opostos desde que o plenário do tribunal decidiu cassar os mandatos dos deputados federais condenados no processo do mensalão. Maia reagiu à sentença e, na semana passada, afirmou que só o Legislativo tem a prerrogativa de cassar seus próprios integrantes, o que gerou o impasse.

Comparando-se aos 83 pontos do Corpo de Bombeiros - sempre a instituição mais bem avaliada pela população -, nem o Supremo nem o Parlamento estão especialmente bem aos olhos do público. Mas os 19 pontos de vantagem dos ministros de toga em relação aos congressistas estão além de qualquer margem de erro.

Evolução. É a primeira vez que o Ibope mede o índice de confiança no STF e não há como saber se ele cresceu ou diminuiu durante os 136 dias do julgamento do mensalão, nos quais o tribunal esteve em evidência nos meios de comunicação. Mas uma pista é dada pela evolução da confiança no Judiciário. Entre junho e dezembro, o índice oscilou de 53 para 47 pontos. Os brasileiros estão mais confiantes no Supremo (54) do que na Justiça (47) de modo geral.

Há diferenças, porém, do grau de confiança no STF entre os brasileiros. Os mais confiantes são os mais ricos (60 pontos entre quem tem renda familiar superior a 10 salários mínimos), os moradores das regiões Norte e Centro-Oeste (60 pontos) e os com 50 anos ou mais de idade (56 pontos).

Impopular. Das sete instituições pesquisadas pelo Ibope em dezembro, o Congresso foi a que inspirou menos confiança na população. Seu índice de 35 pontos é inferior aos 40 da polícia, aos 54 do sistema eleitoral e aos 60 dos meios de comunicação, por exemplo.

Em junho, o Ibope pesquisou um número maior de instituições, e o Congresso ficou em penúltimo lugar, à frente apenas dos partidos políticos: bateu 36 pontos contra 29. Se serve de consolo, nesses seis meses a desconfiança da população em relação aos parlamentares manteve-se estável.

Se o Supremo bate o Congresso aos olhos do público, ambos perdem para o chefe do Executivo federal. Em junho, a Presidência da República chegou a 63 pontos de confiança, enquanto o governo ficou 10 pontos abaixo.

O Ibope não avaliou a Presidência nem o governo federal na mesma pesquisa que analisou o STF e o Congresso em dezembro. Mas outra sondagem feita no mesmo período também pelo Ibope mostra que a confiança da população em Dilma Rousseff é maior do que nos outros dois Poderes: 73% dizem que confiam na presidente, mesma taxa obtida em setembro.

domingo, 23 de dezembro de 2012

OS GUERREIROS DA MALDADE


23 de dezembro de 2012 | 2h 08


Gaudêncio Torquato* - O Estado de S.Paulo


Ao visitar a sagrada montanha de Taishan, Confúcio, o sábio chinês, deparou-se com uma mulher cujos parentes haviam sido devorados por tigres. Indagou: "Por que não se muda daqui?". Ouviu como resposta o lamento: "Porque os governantes são mais ferozes que os tigres". A historinha é um libelo contra os políticos. A desilusão com os governos tem atravessado ciclos históricos, ganhando referências e pontuações que marcam o caráter predador de mandatários que se valem da política como escada para a ascensão pessoal. Saint-Just, um dos jacobinos da Revolução Francesa, executado após a queda de Robespierre, costumava dizer: "Todas as artes produziram maravilhas, exceto a arte de governar, que só produziu monstros".

Nessa mesma linha, registra-se uma lapidar frase de John Adams, o segundo presidente dos Estados Unidos: "Todas as ciências progrediram, menos a de governar, que não avançou, sendo hoje exercida apenas um pouquinho melhor do que há 4 mil anos". Concorde-se ou não com a moldura expressiva, o fato é que, aqui e alhures, multiplicam-se exemplos da devastação que governantes e políticos provocam nas mais diferentes roças da res publica. Apesar dos avanços da democracia nos palcos contemporâneos, os atores políticos extrapolam seus papéis.

Fixemos os olhos ao nosso redor. A par da bateria de denúncias que atingem os costados da administração federal, feitos de governantes municipais derrotados no último pleito têm chamado a atenção. Inconformados por não terem sido reeleitos ou pela derrota de seu candidato, os guerreiros da maldade espalhados pela Federação abrem um vasto arsenal de armas para atirar contra a população. A vingança se dá por meio de um leque de atos pérfidos: suspensão de serviços básicos (saúde, transporte, limpeza pública, por exemplo), demissões irregulares de funcionários, calote na folha de pagamentos, nomeações de última hora, realização improvisada de concursos públicos, desprezo pela Lei de Responsabilidade Fiscal, etc.

Em algumas localidades, a situação caótica ganhou intensidade com o fechamento de postos médicos, suspensão do transporte escolar e até dos serviços de abastecimento de água. Apesar da iniciativa saneadora do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, prefeitos conseguem driblar medidas impostas como Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), ações cautelares e preparatórias de ações civis públicas. Quem não se lembra do folclórico ex-presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti, hoje prefeito de João Alfredo, em Pernambuco? Foi obrigado a se submeter a um TAC para regularizar o pagamento de servidores e restabelecer serviços públicos. E a prefeita de Fortaleza, hein? Luizianne Lins suspendeu o "Réveillon da Paz" por não se sentir "legitimada para conduzir uma festa que transcorrerá em meio a uma mudança de gestão". Que cara de pau.

O que explica a vingança contra o eleitorado? Reação ao exercício do voto consciente. Avançamos em matéria de cidadania ativa. Como se recorda, John Stuart Mill, em suas Considerações sobre o Governo Representativo, divide os cidadãos em ativos e passivos, arrematando que os primeiros fazem bem à democracia, enquanto os segundos são os preferidos dos governantes. O eleitorado racional se expande, e é este um dos fatores a explicar o estreitamento de currais eleitorais. Alarga-se a participação do eleitor no processo político, cujos efeitos se fazem ver na renovação dos quadros municipais. Essa nova realidade explica a ação vingativa de prefeitos que receberam o cartão vermelho nas urnas. O jus sperneandi dos derrotados é uma tentativa de puxar para a atualidade traços do ciclo coronelista que Victor Nunes Leal tão bem descreveu em Coronelismo, Enxada e Voto, cujo lema era: "Para os amigos, pão; para os inimigos, pau". Negar pão e água ao adversário e favorecer os amigos, máximas da República Velha, ainda inspiram a banda jurássica de nossa política.

O fato é que os avanços do presente, por mais que se multipliquem, não apagaram as marcas do passado. Nos mais diversos campos, da política aos costumes, o Brasil dual se faz ver por meio de uma banda asséptica ao lado de uma banda suja. De um lado, o cabo de guerra é puxado pelas forças da moral e da ética, sob a bandeira de valores republicanos como o compromisso, a prevalência da coletividade sobre a individualidade, a transparência, a verdade e a justiça. De outro, as forças do atraso se esforçam para ganhar a peleja, usando, para tanto, as armas da emboscada e as curvas dos desvios e ilícitos. Mas há motivos para comemorar.

O Supremo Tribunal Federal chega ao final de um julgamento que, há cinco meses, parecia algo inalcançável. Enxergamos as instituições, malgrado vaidades e querelas entre grupos, funcionarem a contento. Num território afamado por impor barreiras quase intransponíveis ao acesso à justiça e onde se edificou gigantesco apartheid social, verificar que os poderosos também podem ingressar no xilindró constitui agradável sensação de que águas cristalinas voltam a banhar o corpo pátrio. Todos são iguais perante a lei. Essa é a luz que joga claridade sobre instituições e pessoas, pobres e ricos.

Não podemos perder de vista os enclaves do atraso, as teias de maracutaias, as máfias que se incrustam nas malhas da administração nas instâncias federativas. Urge eliminar os focos de corrupção que conectam a burocracia à esfera dos negócios privados. Holofotes devem ser abertos sobre quadros venais, alguns habitando os mais altos tribunais, que agem sob suspeita camada de interesses escusos. É bem verdade que os mecanismos de investigação aguçam a percepção e aperfeiçoam as ferramentas de controle. Mas os donos do poder invisível multiplicam garras e escudos de proteção com inimaginável sofisticação. São trânsfugas morais. Sabem expressar o discurso da honestidade para confundir os incautos. Fazem da hipocrisia a arte de amordaçar a dignidade. Que o Natal ilumine a consciência de todos!

* Jornalista, professor titular da USP e consultor político e de comunicação

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Para conhecimento: "a China possui cinco montes sagrados: a montanha oriental Taishan (a da Supremacia), a montanha ocidental Huashan (a do Esplendor), e a montanha meridional Hengshan (a do Equilíbrio), e a montanha setentrional Heengshan (a da Constância) e a montanha central Songshan (a da Eminência)" (CRJ Online).

SÓ NÃO VALE TIRO DE VERDADE


ZERO HORA 23 de dezembro de 2012 | N° 17292. ARTIGOS


 Luiz Antônio Araujo*

JORNALISTA

Em que pesem os ingredientes e o modo de preparar, a recente feijoada de poderes servida pelo Supremo Tribunal Federal e pela Câmara dos Deputados a propósito da prisão dos réus do mensalão não é uma exclusividade da culinária política brasileira. Nossos vizinhos, que cumprem uma temporada democrática tão longa quanto a nossa para padrões latino-americanos, têm vivido duelos tão ou mais tensos entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

Na Argentina, a presidente Cristina Kirchner, em meio a uma baixa de popularidade, enfrentou dura resistência de setores da magistratura antes de fazer valer a Lei da Mídia, com a qual pretende atingir o grupo de comunicação Clarín, hoje na oposição. No Paraguai, foi o Legislativo de maioria oposicionista que tomou a iniciativa de derrubar o presidente Fernando Lugo. Em Honduras, que viveu uma situação parecida à do Paraguai há três anos, o Congresso acaba de destituir quatro dos cinco membros da Corte Suprema de Justiça. Mesmo na Venezuela, onde o chavismo predomina sem rivais desde o golpe fracassado de 2002, a enfermidade do chefe máximo já deixa antever uma rivalidade entre o vice, Nicolás Maduro, e o presidente da Assembleia, Diosdado Cabello.

Alguns traços comuns a todos esses países são dignos de nota. Em primeiro lugar, é notável que as forças armadas, depois de desempenhar um papel crucial no continente desde as guerras de independência, no início do século 19, estejam virtualmente ausentes dessas crises. Em segundo, apesar das sucessivas quedas de braço, a ordem jurídico-institucional mais ou menos democrática em todo o continente não parece estar sob ameaça.

É sabido que a democracia formal é uma novidade relativamente recente na América Latina. Para a maioria dos latino-americanos, ela certamente significa, em primeiro lugar, liberdade no sentido mais amplo e geral, a começar pela de escolher os governantes. Esse é o mesmo sentido historicamente atribuído à democracia nas nações em que floresceu pela primeira vez, como Estados Unidos, Grã-Bretanha e França. A trajetória política desses países sugere que, longe de ser uma receita fácil, o processo democrático se assemelha a um aprendizado longo e, por vezes, penoso. Aqueles que se comprazem em louvar as virtudes democráticas e civilizatórias dos Estados Unidos como se tivessem caído dos céus deveriam ler O Futuro da América, do historiador britânico Simon Schama, publicado no Brasil pela Companhia das Letras.

Para proteger liberdades como a de escolher os governantes, os primeiros pensadores da democracia arquitetaram um sistema de pulverização dos poderes antes concentrados de forma exclusiva nas mãos do soberano. O filósofo francês Montesquieu chegou a uma fórmula quase banal para limitar o arbítrio: “Só o poder freia o poder”. Montesquieu propôs um sistema chamado de “freios e contrapesos”, que nada mais é do que a separação de poderes consagrada na Constituição americana e, em seguida, em todas as cartas nela inspiradas. A Constituição brasileira, de 1988, faz eco a essa tradição ao afirmar, logo no Artigo 2º: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Há muito de independência e pouco de harmonia na recente trombada entre Judiciário, Legislativo e Ministério Público Federal – que, afortunadamente, terminou com uma decisão ponderada do presidente do Supremo, Joaquim Barbosa. É uma realidade conhecida de qualquer professor de Ensino Fundamental, que dificilmente espera de seus alunos adesão imediata a regras exóticas como esperar a vez para falar. Qualquer aprendizado, incluindo o democrático, requer um grau de proatividade e até mesmo de barulho. Podem surgir até mesmo situações mais complicadas, como quando um aluno decide brincar de Batman, e outro, de Forte Apache em plena sala de aula. Só não vale tiro de verdade.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O princípio da independência dos Poderes é praticado no Brasil como se houvesse uma divisão absoluta de poderes, ou seja SEPARAÇÃO DOS PODERES, e é esta visão que tem prejudicado a harmonia e o equilíbrio entre os Poderes. O Governo é resultante de uma interação dos Poderes. O jurista Hely Lopes Meirelles em seu livro Direito Administrativo Brasileiro (Malheiros Edits, 25º edição, 2000, pg.56) coloca muito bem este "equívoco".

sábado, 22 de dezembro de 2012

O RISCO DE BRINCAR COM A CONSTITUIÇÃO

REVISTA ÉPOCA, 21:35, 21/11/2012 - VAMOS COMBINAR

PAULO MOREIRA LEITE


Começo a ficar preocupado com determinados argumentos de quem pretende cassar o mandato dos deputados sem cumprir o ritual Constitucional — pelo menos.

Parece aquele truque do sujeito esperto demais que quer se fazer de bobo para ver se os outros não percebem aonde quer chegar…

O truque é dizer que a Lei Maior é confusa. E como tem acontecido recentemente, chamamos o Supremo para resolver a confusão. Alguém tem dúvida do resultado?

Pergunto para qualquer cidadão se há alguma ambiguidade nos parágrafos abaixo:

Diz o artigo 15 da Constituição:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

I – cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

II – incapacidade civil absoluta;

III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;

V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

Já o artigo 55 da Constituição diz como é este processo:

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;

II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;

IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

V – quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;

VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

§ 1º – É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.

§ 2º – Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

§ 3º – Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

§ 4º A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º. (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 6, de 1994)

Não sou advogado. Eu era editor de política em 1988, quando Ulysses Guimarães liderou a Constituição cidadã. O país saía da ditadura militar e escreveu uma Constituição para proteger os direitos do povo e a soberania da nação. Um dos principais cuidados envolvia a preservação de mandatos parlamentares pois, como nós sabemos, o regime militar adorava fazer contas de chegar no Congresso.

Sempre que a oposição ameaçava ganhar espaço, descobria-se um caso de “subversão” para cassar alguém. Ocorreram cassações individuais. Mas ditadura gosta de listas. Começou no primeiro dia do golpe e não parou mais. Grandes brasileiros, como Rubens Paiva, que seria sequestro, torturado e morto, e até hoje seu corpo se encontra desaparecido, foi um dos primeiros a perder o mandato. Vários outros vieram a seguir. Ou porque pertenciam a organizações de esquerda, ou porque tinham feito um pronunciamento mais duro ou simplesmente porque a ditadura queria exercer o direito de cassar mandatos, fechar o Congresso por uns tempos e assim por diante.

Traumatizados com o passado, nossos constituintes fizeram questão de afirmar, no texto de 1988, o princípio geral de que a cassação de mandatos não é uma coisa boa para o país. A ideia é que deveria ser evitada, pois era um gesto de ditadura.

Note que a primeira frase do artigo 15 é dizer que “é vedada a cassação de direitos políticos.” Ou seja: se der, não se cassa. Se não tiver jeito, cassa. É este o “espírito” da lei, pode explicar um advogado. Em princípio, cassar mandato é ruim.

Com essa ideia na cabeça, no artigo 55, eles explicaram quem pode cassar, em quais circunstâncias. Não queriam bagunça. Não queriam interferências externas neste assunto tão dolorosamente sério como a soberania popular.

O nome do Executivo não aparece, claro. Nem o do STF que não é mencionado nem como um lugar para alguém entrar com recurso. Quem cassa é o Congresso. A Câmara, no caso de deputados. O senado, no caso dos senadores. É preciso assegurar ampla defesa, e a votação deve ser secreta, por maioria simples. A mensagem é: só os representantes do povo podem cassar um representante do povo. Outro caso é o da Justiça Eleitoral, encarregada de zelar pelas leis eleitorais. É coerente, mais uma vez, com a vontade de proteger a vontade soberana da população. Mas em todo caso nenhum réu foi condenado por crime eleitoral, certo?

Qual é a dúvida? A confusão? A ambiguidade?

Nenhuma. Há algo para ser “interpretado”?

Não acredito. Faça um teste: leia os dois artigos para um amigo 18 anos de idade e pergunte o que ela entendeu.

Pergunte se ele acha que os constituintes queriam que o Supremo também pudesse cassar parlamentares.

Mas há confusão, ambiguidade, e dúvida em outro ponto. É no respeito às normas da democracia. No respeito à Constituição. Essa discussão só ocorre porque algumas pessoas estão tendo dúvidas perigosas a respeito disso.

Algumas pessoas acham que não fica bem, por exemplo, um sujeito condenado preservar seus direitos políticos. E se ele tiver de ir para a prisão, como fica?

Não “fica bem”? Então se saiu de uma ditadura para que alguns consultores do bom gosto em política nos expliquem que algumas coisas não “ficam bem” e outras “ficam bem.” Não é a uma questão de boas maneiras. Os legisladores — que elaboram as leis — deixaram claro quem deveria fazer o quê. Não é etiqueta. É democracia. Este é o manual que deve ser cumprido.

O que não fica bem é atropelar a Constituição. Isso é que fica mal. Muito mal.

Não é uma questão de gosto. É aquela vontade de não se submeter a um ritual definido e pré-determinado, amparado em lei, que todos devem respeitar. Muita gente está gostando de um Supremo que parece poder fazer tudo. São aquelas pessoas que desde 2002 só conhecem derrota atrás de derrota nas urnas. Em 2012, ficaram com um pouquinho mais de raiva porque perderam o altar sagrado da prefeitura de São Paulo. O que deixa o pessoal com mais medo quando pensa em 2014. Pensou perder de novo? Puxa, esse povo ganhava desde a chegada de Pedro Alvares Cabral…Então, com o Supremo, eles estão se animando. Não gostam de Geraldo Vandré mas acreditam na volta do Cipó de Aroeira no lombo de quem mandô dá…

Essas pessoas adoram lembrar que em seus oito anos de mandato Lula fez oito nomeações para o STF. Nem todos votaram ao mesmo tempo mas eles tem um peso importante no plenário atual. Este fato deveria ajudar os adversários do governo a reconhecer que Lula usou critérios pouco aparelhados e partidários em suas escolhas, ao contrário do que sempre se diz. Quem dizia que ele não respeitava a autonomia entre poderes?

Hoje, os adversários do governo que respaldam o Supremo.

O fato de ministros nomeados pelo governo do PT assinarem sentenças desfavoráveis ao governo torna a decisão mais justa, mais correta? Não acho. Não necessariamente. É preciso avaliar objetivamente, evitando maniqueísmos.

Vamos combinar. Até os paraguaios, quando quiseram livrar-se de um presidente eleito, fingiram um pouco mais.

Apresentaram a denúncia ao Congresso e deram duas horas para Fernando Lugo se defender. A acusação era tão falsa como aqueles uísques da década de 60 que todo pai de família de classe média importava de Assunção mas pelo menos se fingiu respeitar um ritual. Este tipo de respeito é necessário. Evita querelas internacionais, denuncias na OEA e outras dores de cabeça que Washington não gosta de enfrentar a não ser em casos extremos. Topa até reescrever a própria história, como fez em Honduras, quando mudou de lado quando isso se mostrou conveniente. Não deu muito certo em Assunção porque o Brasil reagiu com presteza, mas a Casa Branca logo se alinhou com o “presidente”.

Aqui, nem isso se quer fazer. Possivelmente porque não há maioria, como houve no Congresso paraguaio e também em Brasília, para cassar Dirceu em 2005, com o argumento de que havia ferido o “decoro”. Não vamos esquecer. Houve um acordo há sete anos, porque se esperava que a cassação de Dirceu (e Roberto Jefferson) seria capaz de aliviar a crise. Até o PT entrou no jogo, por baixo do pano.

Mas e agora, em 2012? A bancada governista, que tem maioria no Câmara e no Senado, vai aceitar o domínio do fato assim, numa boa? Vai bater palmas, sorrir amarelo e fingir que não está vendo nada, nem ouvindo nada? Ninguém sabe.

Estamos falando de três deputados. Quem sabe quatro.

Não se iluda. A experiência ensina: é muito fácil saber como esses jogos começam – e ninguém consegue adivinhar como terminam.

Podem terminar mal. Ou muito mal. Apenas isso.

Ouvi Pedro Serrano, um dos melhores constitucionalistas de São Paulo e você pode ler a entrevista dele aqui:

http://colunas.revistaepoca.globo.com/paulomoreiraleite/2012/11/18/mandato-parlamentar-e-soberania-do-povo/

Jornalista desde os 17 anos, foi diretor de redação de ÉPOCA e do Diário de S. Paulo. Foi redator chefe da Veja, correspondente em Paris e em Washington. É autor do livro A mulher que era o general da casa -- Histórias da resistência civil à ditadura.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

A ÚLTIMA PALAVRA

ZERO HORA 21 de dezembro de 2012 | N° 17290

EDITORIAIS


É aguardada para esta sexta-feira aquela que é considerada, por antecipação, a mais contundente de todas as deliberações tomadas pelo relator do processo do mensalão e agora presidente do Supremo Tribunal Federal. O ministro Joaquim Barbosa deve anunciar hoje se acolhe o pedido do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, no sentido de que os 11 condenados em regime fechado, por envolvimento direto no caso, sejam presos imediatamente, entre os quais o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu. O desfecho da ação penal 470 mobiliza, mais uma vez, teses e controvérsias, como ocorreu durante todo o julgamento. É natural que as reações explicitem os mais variados pontos de vista, de juristas, de políticos e mesmo de leigos que acompanharam o processo. Mas é inegável também que cabe agora à Justiça determinar o que deve ser feito, sem protelações, para que se cumpra a palavra final da mais alta corte do país.

Recorde-se que o mais recente embate em torno do julgamento foi acionado pela decisão do procurador-geral de somente reafirmar o pedido formal de prisão num momento em que, por força do recesso, o plenário do STF não mais poderia avaliar a questão. Assim, ficará a cargo apenas do ministro Joaquim Barbosa anunciar se os condenados devem ou não ser encaminhados imediatamente à prisão. Para alguns setores dos operadores do Direito, Gurgel teria, ao adiar o encaminhamento do pedido, feito uma manobra legal, mas questionável. Ao invés de submeter a questão a todos os integrantes da Corte, entregou o caso apenas ao ministro de plantão, supondo que, pelo comportamento adotado até então, Barbosa acataria seu pleito.

O argumento do senhor Gurgel é a defesa da celeridade. Disse o procurador: “Não podemos ficar aguardando a sucessão de embargos declaratórios, e haverá certamente a tentativa dos incabíveis embargos infringentes”. Refere-se o acusador aos previsíveis recursos à disposição dos advogados dos condenados. O tempo que seria tomado na análise de tais iniciativas comprometeria a efetividade das condenações. Para que o contraditório seja respeitado, é preciso lembrar que a defesa dos réus se baseia exatamente nesse direito, o de contestar as decisões do Supremo enquanto isso é permitido, ou seja, antes do trânsito em julgado, quando não mais serão possíveis quaisquer recursos. Esse prazo ainda não se esgotou.

A questão, como tantas outras levantadas até agora, inspira argumentos com embasamentos jurídicos, que convivem lado a lado com percepções políticas e até emocionais. É assim que se fortalecem as democracias. O que deve prevalecer, no entanto, é o juízo da instância que tem o dever e a prerrogativa de oferecer a última e inapelável interpretação a respeito de questões constitucionais. Não se diga que, com a ação 470, o STF apenas ofereceu respostas ao clamor das ruas, porque não cabe à Justiça submeter-se ao brado popular. Cabe ao Judiciário fazer justiça. E o que for decidido pelo STF pode ser discutido e até questionado, com eventuais e posteriores recursos, mas nunca afrontado por insubordinações. Que se cumpra o que o presidente do STF sentenciar nesta sexta-feira.

CADA POVO TEM A REPÚBLICA QUE MERECE?

O SUL, 21/12/2012

BEATRIZ FAGUNDES 

Presidente da Câmara, Marco Maia afirmou que não descarta a possibilidade de abrigar os condenados pelo processo do mensalão dentro da Casa, caso o presidente do Supremo determine a prisão imediata dos réus.


Pelo menos até agora, o fim do mundo parece ter sido novamente adiado! Sine die! Como estou digitando um pouco antes das 22h do dia 20, e dia 21 só terminará hoje, cerca de meio dia lá no hemisfério norte, melhor não confirmar. Oremos. Enquanto o fim não vem, temos que continuar a chafurdar no hospício geral. Hoje, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Joaquim Barbosa, decide o pedido de prisão dos condenados do mensalão.


Joaquim adiantou que se trata de uma análise inédita na Corte. Para determinar a prisão dos três deputados federais, com mandato em curso, entretanto, Joaquim terá que se sobrepor à decisão o colegiado e até mesmo à Constituição. A legislação proíbe a prisão de parlamentares ainda com mandato em curso. Segundo ele, o tribunal já decidiu ser impossível a prisão de um condenado que ainda precisa de recursos, mas essa discussão ocorreu apenas em casos que tramitavam em instâncias inferiores da Justiça, nunca em relação a uma ação que começou e foi julgada pelo próprio Supremo. Ah tá! Decidida a prisão dos sentenciados, a repercussão será igualmente inédita. Joaquim certamente será capa de jornais e revistas ao redor do planeta. Claro, se o mundo não acabar antes.


A Câmara que não soube legislar direito pretende, segundo seu presidente, usufruir do famoso jus esperniandis. Marco Maia, afirmou que não descarta a possibilidade de abrigar os condenados pelo processo do mensalão dentro da Casa, caso o presidente do Supremo determine a prisão imediata dos réus. O "asilo" seria concedido porque a PF (Polícia Federal) não pode entrar no Parlamento sem autorização. A cena será surrealista, digna de São Jorge da Capadócia de um lado e Batman do outro. Hilário. Bizarro. Casos como este justificam o repetitivo desejo inconsciente de parte da humanidade por um fim do mundo! Se a situação se confirmar, os então procurados pela PF, acoitados no Congresso Nacional, passarão um Natal "do peru". Ridículo? Deprimente? Ou cada povo tem a República que merece?


Enquanto permanecemos em vigília, comemoro a decisão do governo do Estado de auxiliar a família de dona Beatriz Wink, 77 anos, que desapareceu quando acompanhava o marido, fazendo compras em uma loja de artigos religiosos dentro do complexo da Basílica, em Aparecida (SP). Hoje, completa dois meses do desaparecimento de Beatriz. Grupos de parentes e voluntários percorreram, desde então, 28 cidades do Vale do Paraíba e do Sul de Minas Gerais. Ela simplesmente sumiu sem deixar rastros. Incrível! Por onde andará dona Beatriz? De novo, cá estou a misturar assuntos.


Ocorre que o tema "política" perdeu a seriedade. Falar sobre os poderes da República exige descolar da racionalidade. Vivemos a era da espetacularização republicana. Resta apelar para situações reais, com pessoas reais e problemas reais. Por falar nisso, é impossível não abordar uma realidade de Porto Alegre. Não existem táxis disponíveis a partir das 17h em qualquer bairro da Capital. Acontece um apagão! Como as lotações e mesmo os ônibus de linha não cumprem horários, os porto-alegrenses enfrentam, a cada pôr do sol, uma roleta russa para voltar para seus "castelos" gradeados. Tenho um amigo que teme virar alcoólatra, pois optou por um happy hour diário que se estende até às 20h. Pode ser apenas desculpa de "gambá", mas que faz sentido, faz! Argh!

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

BRASIL DA SUPREMA CORTE E DA CÂMARA SOBERBA


JORNAL DO COMÉRCIO 19/12/2012

EDITORIAL


Depois de mais de quatro meses, que “deixaram o Brasil cansado do processo”, segundo o hoje presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, eis que saíram as condenações do mensalão. No entanto, as decisões do STF não levarão, de pleno, à cassação dos mandatos dos réus que são parlamentares. Isso porque, segundo o presidente da Câmara, o deputado federal gaúcho Marco Maia, a Constituição manda que cabe à Casa a cassação. No entanto, isso deveria ser, após a decisão do STF, apenas um ritual burocrático. Ora, há mais de 120 dias que o Supremo faz o julgamento mais importante da história recente do Brasil. Para variar, a decisão final acabou enquadrada como “ditadura”, se o ritual não for seguido. Pois bem, que ele seja seguido no rito sumaríssimo, se isso for permitido, e percam os mandatos aqueles que conspurcaram com o povo e o dinheiro do País. Ou os parlamentares estão “se lixando para a opinião pública”? Acontece que as decisões do STF devem ser cumpridas, desde que transitadas em julgado, como diz a Constituição. Valem como lei e devem ser cumpridas, independentemente da avaliação que as pessoas possam, subjetivamente, fazer sobre as decisões do STF.

Em um mesmo dia, ficar sabendo que não foi votado o fim do pagamento do 14º e do 15º salários na Câmara, algo proposto em abril de 2012, e, simultaneamente, que a cassação dos condenados dependerá da aprovação do plenário da Câmara dos Deputados é uma dose excessiva, mesmo para o geralmente apático povo brasileiro. É doloroso este quadro institucional/burocrático com mais delongas para referendar o que a Suprema Corte do País determinou, a cassação dos mandatos. Os envolvidos deveriam manter uma elevação constante, para compreenderem toda a grandeza do momento. Afinal, este julgamento marcou um divisor entre a impunidade e a condenação. Os deputados federais não podem se esquecer que a virtude é uma escravidão voluntária e racional.

É inexplicável tanta resistência para cumprir uma decisão, mesmo que o rito legal seja mantido pela Câmara. Mas de maneira célere e em consonância com o decidido. Afinal, é ou não é o Supremo quem dá a palavra final, quando provocado? Se não era, por que a Câmara Federal não julgou, mas, sim, o STF? Por favor, ouçam os deputados as vibrações do povo em torno deste julgamento. Ele, malgrado não acabando com a corrupção, pelo menos a fará minorar e tornará tementes à lei muitos que chafurdam com o dinheiro público. A voz do povo tem que chegar a Brasília como um eco, ainda que longínquo, a fim de que notem os sentimentos da nação. A decisão do STF levou às massas o poder da Justiça e as fez melhor entendê-lo.

Houve a predisposição heroica dos ministros, no julgamento vulgarmente chamado de mensalão. Ouçam os parlamentares a prodigiosa dinâmica dos sentimentos dos brasileiros, através da qual, simultaneamente, esvai-se e regenera-se a vida. Caso contrário, não haverá dúvidas de que o favor dos poderosos em Brasília é, muitas vezes, menos incômodo do que o seu desagrado. Vamos crer que a Suprema Corte e a Câmara Federal nos prestarão um serviço patriótico, o que será menos incômodo e penoso do que o descrer no STF e nos deputados federais. Os brasileiros merecem.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

CONDENADOS DEVEM CONTINUAR NA CÂMARA


Para constitucionalista, deputados condenados devem continuar na Câmara. ‘Quem revoga (mandato) é o Parlamento’, diz Dalmo Dallari

THIAGO HERDY
O GLOBO:17/12/12 - 23h32


Dallari. “Mandato pertence ao povo” Diário de SP / Wladimir de Souza


SÃO PAULO - O constitucionalista Dalmo Dallari diz acreditar que os deputados devem continuar com seus mandatos caso o presidente da Câmara assim decida, pelo menos até que seja cumprida a etapa da votação da cassação em plenário. “Pelas letras da Constituição, quem revoga (o mandato) é o Parlamento”, afirma ele.

Cabia ao STF decidir sobre a cassação de mandatos de parlamentares condenados?

Acho que o constituinte definiu e deu atribuição ao Legislativo para que decida sobre esta matéria. O Parlamento, em cada caso, verifica se é a hipótese de perda de mandato.

Se a Câmara decide não cumprir a decisão do STF, o que ocorre? Haverá crise institucional?

A pessoa continua mandatária. Digamos que ocorra uma decisão de pena de prisão: nesta hipótese, a pessoa não poderia comparecer ao Parlamento. Haveria uma situação que o forçaria a tomar uma decisão considerando este aspecto concreto. Por enquanto, a discussão é em tese. Pelas letras da Constituição, quem revoga (o mandato) é o Parlamento.

A decisão do STF de cassar os mandatos por uma votação apertada é precária?

Haverá embargos infringentes, mas sou mais drástico do que isso, acho que contraria a Constituição. Temos que obedecer o que o constituinte estabeleceu. Então eu só vou obedecer naquilo que me interessa? No que estou de acordo? Não tem sentido. Goste ou não, tem que prevalecer o que é constitucional.

O mandato parlamentar não deve ser entendido como parte dos direitos políticos, cuja perda está prevista em caso de condenação criminal?

O mandato parlamentar é um dos direitos políticos, mas ele pertence essencialmente ao povo. O mandatário é um representante, ele não é o dono do mandato. Sou a favor de introduzirmos no Brasil um sistema que nos Estados Unidos já é usado, chama-se “recall”. Significa consultar o povo para ver se ele mantém ou cassa o mandato. Teríamos que fazer mudanças na legislação eleitoral e na Constituição, prevendo este instituto. Poderia até não haver uma condenação pela Justiça, mas, às vezes, pelo mau comportamento de um representante, o eleitor decidiria revogar seu mandato.

MAIA: PROPOSTAS QUE TIRAM PRIVILÉGIOS DO STF ANDARÃO MAIS RÁPIDO


Propostas contra STF andarão mais rápido, diz Maia. Presidente da Câmara acredita que parlamentares vão acelerar projetos que tiram prerrogativas da corte. Para petista, decisão do Supremo é “ingerência” no Legislativo

POR MARIO COELHO | 17/12/2012 20:44, CONGRESSO EM FOCO.


Renato Araújo/Agência Câmara

Maia disse que acionou a AGU para analisar o casoO presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), criticou nesta segunda-feira (17) a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em decretar a perda do mandato dos três deputados condenados no mensalão. Na visão dele, a determinação da corte vai acelerar a tramitação de propostas que tiram prerrogativas do Supremo. Além disso, ele qualificou o resultado como “ingerência” do Judiciário no Legislativo.


“Tem uma lista de projetos na Câmara dos Deputados que estão tramitando há algum tempo que tratam das prerrogativas do STF. Não tenha duvida de que, nessa linha que vai, esses projetos andarão certamente dentro da Câmara com mais rapidez”, afirmou Maia. Uma dessas é a Proposta de Emenda à Constituição 33/11. De autoria do deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), ela condiciona algumas decisões do STF, como sobre constitucionalidade de leis, à aprovação do Congresso.

Para Maia, os deputados vão continuar cumprindo a Constituição “na sua integralidade”. Porém, ele comentou que pediu, na semana passada, que a Advocacia-Geral da União (AGU) fizesse um parecer sobre como a Câmara deve proceder no caso. “Fiz uma conversa com o ministro [Luís Inácio] Adams no sentido de que já preparasse os estudos que, se houvesse a tentativa de usurpar algum tipo de prerrogativa, a Câmara pudesse entrar no processo”, afirmou.

Ele reforçou hoje que a interpretação dada pela área jurídica da Câmara é que deve ser obedecido o parágrafo segundo do artigo 55 da Constituição. Ele prevê que a cassação ocorra após votação secreta em plenário. “Quando uma matéria que é julgada pelo STF não condiz com aquilo que diz a Constituição [...] é sinal de que houve ingerência sobre um poder, que tem garantido pela Constituição o direito de tratar sobre as cassações de mandatos dos seus parlamentares”, completou.

A perda do mandato, no entanto, não é imediata. Durante o julgamento, os ministros deixaram claro que isso só deve acontecer quando acabar a possibilidade de recursos. Desta forma, João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PP-MT) só vão sofrer as consequências da decisão em 2014.


CONFLITO DESNECESSÁRIO

FOLHA.COM 18/12/2012 - 03h30

Editorial


Na última sessão do julgamento do mensalão, o Supremo Tribunal Federal criou uma indesejável e desnecessária rusga com a Câmara dos Deputados ao arrogar para si a função de cassar os mandatos dos parlamentares com condenação criminal transitada em julgado.

A decisão apertada (5 votos a 4) alcança os deputados federais João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP), além de José Genoino (PT-SP), que poderá assumir uma cadeira em janeiro.

O voto de minerva coube ao ministro Celso de Mello, que ainda lançou um repto ao outro Poder da República: "A insubordinação legislativa ou executiva diante de decisão judicial revela-se comportamento intolerável, inaceitável e incompreensível".

Celso de Mello não precisou nomear o destinatário do desafio --todos sabem que se trata do deputado Marco Maia (PT-RS). O presidente da Câmara defendera, nos últimos dias, que o Legislativo não cumprisse a decisão do Supremo.

Verdade que o STF extrapolou suas funções ao determinar, pela via judicial, a perda de mandatos conferidos pela vontade popular. Mais razoável seria, como argumentaram os ministros vencidos, atribuir aos demais representantes eleitos pelo povo a responsabilidade de cassar seus pares.

O fundamento dessa interpretação está na própria Constituição. O parágrafo segundo do artigo 55 diz que somente o Congresso pode decidir sobre cassação de mandatos de deputados condenados. A regra se baseia no princípio de freios e contrapesos --neste caso, manifesta na necessidade de preservar um Poder de eventuais abusos cometidos por outro.

Com a decisão de ontem, como evitar que, no futuro, um STF enviesado se ponha a perseguir parlamentares de oposição? Algo semelhante já aconteceu no passado, e a única garantia contra a repetição da história é o fortalecimento institucional.

Reconheça-se, porém, que o caso presente passa longe dessa hipótese extrema. Os réus do mensalão não têm condições políticas e morais de permanecer no Congresso Nacional. Se, agindo com maior prudência, o STF tivesse preservado a prerrogativa dos parlamentares, não há dúvidas de que os deputados, até por força da legítima pressão popular, se encarregariam de efetuar as cassações.

Dadas as circunstâncias, não há por que aumentar o atrito entre os Poderes. Em vez de prolongar uma querela sobre deputados indefensáveis, a Câmara deveria reconhecer que, num Estado de Direito, é da corte suprema a última palavra na interpretação constitucional --ainda que dela se discorde.

O mau passo do STF poderia ter sido evitado, mas nem por isso compromete um julgamento conduzido com rigor por 53 sessões.

MAIA ACUSA STF DE TER "USURPADO FUNÇÕES DO CONGRESSO"


Maia acusa STF de ter 'usurpado funções do Congresso'. Corte tomou decisão que, segundo presidente da Câmara, Constituição trata como competência do Poder Legislativo

Vannildo Mendes - Agência Estado, 17/12/2012


BRASÍLIA - O presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), acusou nesta segunda-feira, 17, o Supremo Tribunal Federal (STF) de ter "invadido prerrogativas" e "usurpado" funções do Congresso ao determinar a cassação de três parlamentares condenados no julgamento do mensalão, quando a Constituição, a seu ver, determina claramente que essa competência é do Poder Legislativo. "Quando uma matéria julgada pelo STF não condiz com o que prevê a Constituição, é sinal de que houve uma ingerência de um poder em outro, que tem garantido seu direito de tratar sobre a cassação de mandato de parlamentares", afirmou.

Mas ele ressalvou que a decisão da Corte foi "precária", por escassa maioria de 5 X 4 e anunciou que vai recorrer e confia na revogação da medida. Num aparente recuo, Maia não repetiu a ameaça de descumprir a sentença do tribunal e enfatizou que confia na revisão da medida. A atitude que a Câmara terá em todos os momentos é a do cumprimento da constituição de forma radical, sem casuísmo, sem mudança de opinião ao bel prazer do momento, ou da conjuntura política".

Sua observação era uma referência indireta à mudança de postura do decano do STF, o ministro Celso de Mello. Autor do voto de desempate, Mello havia se manifestado, em julgamento anterior, em favor da tese de que a última palavra é do Congresso em matéria de cassação.

Maia explicou que só depois de esgotadas todas as possibilidades de recursos em 2013, quando não será mais presidente da Câmara, a Casa decidirá se cumpre imediatamente a ordem judicial ou se parte para o confronto com o STF. "Como foi observado o princípio do trânsito em julgado, nós teremos recursos que vão ser decididos no futuro", afirmou. "Isso nos remete a uma decisão que só poderá ser tomada pela Câmara no futuro, após os recursos todos terem transitado, e os debates realizados".

O deputado não quis polemizar com o ministro Celso de Mello, que o repreendeu severamente ao proferir o voto, sugerindo que ele poderia ser processado por prevaricação caso descumprisse a decisão. "Se o ministro Celso de Mello falou isso foi num clima de emoção, pelo momento que está vivendo, pela sua doença e por um julgamento tão tenso, como esse. Não acho que nenhum ministro do STF teria a pretensão de ameaçar o presidente da Câmara dos Deputados".

O presidente da Câmara informou que encomendou análise da decisão ao advogado geral da União, Luis Inácio Adams, para subsidiar os recursos do Legislativo. "Pedi que avaliasse o seguinte: se houvesse tentativa de usurpar algum tipo de prerrogativa da Câmara no processo da ação penal 470, que a câmara pudesse entrar no processo. Como essa decisão aconteceu, a Câmara certamente vai entrar no debate e na discussão sobre as suas prerrogativas".

QUEM AFINAL MANDA NO BRASIL?

O SUL, 17/12/2012

BEATRIZ FAGUNDES

Nossos legisladores preocupados em agradar a torcida, "esqueceram" de estabelecer os limites de cada poder. Hoje, o Executivo legisla, o Judiciário passeia sem limites sobre qualquer tema, e o Legislativo obedece.

Qual poder pode, com autonomia, deliberar sobre prioridades quanto a julgamentos de ações sob sua competência? Quais as prerrogativas de cada poder? Para a maioria dos cidadãos/eleitores/contribuintes a pergunta merece resposta diante da aplicação de um peso: julgar ou deliberar de acordo com a cronologia das ações. O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux, decidiu suspender a votação do veto da presidenta Dilma Rousseff ao artigo 3 da Lei dos Royalties. Ele entendeu que o veto não pode ser votado antes dos mais de 3 mil outros que aguardam na fila. Fux determinou que a Mesa Diretora do Congresso Nacional "se abstenha de deliberar acerca do veto parcial n 38/2012 antes que se proceda à análise de todos os vetos pendentes com prazo de análise expirado até a presente data, em ordem cronológica de recebimento da respectiva comunicação, observadas as regras regimentais pertinentes". Ele ainda argumenta que todos os vetos são urgentes, pois trancam a pauta legislativa: "Daí porque não há, diante da Lei Maior, vetos mais ou menos urgentes. Todos o são em igual grau".

O ministro Fux não se manifestou quando a mesa do Supremo determinou gastar dois meses para decidir a Ação Penal 470, o processo do mensalão, enquanto por ordem cronológica 218 recursos, com reconhecida repercussão geral, aguardavam julgamento. Por conta da indecisão nestas duas centenas de casos, há, no mínimo, 260 mil processos parados em tribunais e fóruns do País à espera da definição do STF. Os querelantes devem ser prioridade em que circunstâncias? Um peso: garantir o direito por ordem cronológica. Duas medidas: o Supremo pode pular milhares de ações; o Congresso, não! Com o voto do ministro Celso de Mello, o STF determinou, por cinco votos a quatro, a perda do mandato de três deputados federais condenados no processo do mensalão: João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP), além de José Genoíno - que deveria assumir uma vaga na Câmara no ano que vem na condição de suplente.

O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), como era esperado, reagiu a decisão do STF, considerando os princípios da República, autonomia e harmonia entre os poderes, declarou que deve recorrer da decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento do mensalão sob o argumento de que a cassação de parlamentares é uma prerrogativa da Câmara. "Não estamos discutindo com o STF as penas imputadas aos envolvidos. O que estamos tratando são as prerrogativas específicas dos poderes", ressaltou Maia, que classificou a decisão como uma "ingerência" do Supremo, acrescentando que "a Constituinte garante à Câmara o poder de decidir sobre o mandato dos parlamentares".

O presidente do STF e relator do mensalão, Joaquim Barbosa, poderá decidir sozinho o pedido do Ministério Público de prisão imediata dos 25 réus condenados no mensalão. Isso ocorrerá se o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, apresentar sua petição nesse sentido durante o recesso do Judiciário, quando Barbosa será o único ministro de plantão - e, portanto, apto a decidir sozinho. Nesse caso, os réus poderiam entrar com recursos de embargos ou habeas corpus para tentar levar o caso ao plenário, cuja maioria é contrária à prisão imediata. Sem entrar no mérito de qualquer das decisões, desgraçadamente para o cidadão chinfrim, o denominado pacato, fica definitivamente impossível encontrar transparência em nossa tão incensada Constituição Cidadã.

Nossos legisladores preocupados em agradar a torcida, "esqueceram" de estabelecer os limites de cada poder. Hoje, o Executivo legisla, o Judiciário passeia sem limites sobre qualquer tema, e o Legislativo obedece. Quem afinal manda no Brasil? A conferir!

STF EM CONFLITO COM O CONGRESSO

ZERO HORA 18 de dezembro de 2012 | N° 17287

ENCERRAMENTO DO MENSALÃO. Fim de julgamento, abertura de conflito. Ao concluir caso, STF decide cassar deputados, mas Câmara contesta


O julgamento do mensalão não poderia terminar sem um último mal-estar entre ministros e uma nova queda de braço. O conflito agora é com a Câmara, que não aceita a derradeira decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na análise do caso que se arrastou por sete anos.

A Corte determinou ontem, por cinco votos a quatro, a perda de mandato dos três parlamentares condenados por participar do esquema de compra de votos durante o governo Lula: João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT).

As cassações, porém, vão demorar. Embora tenha encerrado o julgamento, o STF ainda terá de analisar os recursos que serão encaminhados pela defesa dos 25 condenados. Esta fase se prolongará por 2013, e os deputados só terão de entregar os cargos após sua conclusão. Ainda assim, a medida colocou o STF em choque com o Legislativo, que entende ser seu o poder de decidir sobre o tema.

Decano da Corte, Celso de Mello deu o voto que desempatou a definição sobre os mandatos. Ele entendeu que a condenação criminal a uma pena superior a quatro anos de prisão implica na suspensão de direitos políticos e que, nesta hipótese, cabe à Câmara apenas declarar a perda do mandato.

– Não se pode vislumbrar o exercício de mandato parlamentar por aqueles cujos direitos políticos estão suspensos.

O resultado deixou mais uma vez vencido o revisor do processo, Ricardo Lewandowski. O ministro sustentou que a decisão final seria da Câmara porque a Constituição assim determina em casos de condenação criminal transitada em julgado. A questão, porém, poderá ser suscitada pela defesa dos réus em embargos. Neste caso, Teori Zavascki, empossado durante o julgamento, e o substituto de Ayres Britto, que se aposentou, poderão votar e alterar o resultado proclamado ontem.

Curiosamente, Lewandowski não foi protagonista do último bate-boca do julgamento. Ontem, foi a vez de Marco Aurélio Mello discutir com Joaquim Barbosa, relator do mensalão e presidente da Corte. O embate aconteceu porque Barbosa quis agradecer publicamente profissionais que o ajudaram no processo e Marco Aurélio o criticou.

– Peço licença para não ter de ouvir isso – disse Marco Aurélio, abandonando o plenário.

O presidente encerrou a sessão como se nada tivesse acontecido.



“Uma proeza extraordinária” - Joaquim Barbosa protagonizou os maiores embates

ADRIANO BARCELOS

Quem viu este, provavelmente não verá outro igual. A considerar pela visível estafa dos ministros e declarações do presidente e relator, Joaquim Barbosa, jamais o Supremo se embretará em outro julgamento com tantos réus (38), tantas testemunhas (mais de 600) e tantas páginas (mais de 50 mil).

A sucessão alucinante de fatos embaralha a memória: do distante 2 de agosto, o da sessão inaugural, pouco restou de igual na Justiça e na política do país. No começo, foram os às vezes enfadonhos, às vezes engraçados discursos de advogados e do Ministério Público. Roberto Gurgel, sisudo, foi duro com os réus e acusou um esquema “atrevido e escandaloso” de corrupção. O advogado Paulo Sérgio Abreu e Silva, que defendia a ré Geiza Dias, surpreendeu e atacou a cliente: “funcionária mequetrefe”, disse. Deu certo: a funcionária de Marcos Valério escapou ilesa pela mão pesada dos ministros. Alguns riram da semelhança de Gurgel com o apresentador Jô Soares. Outros, falaram de novela.

Foram mais de quatro meses de tensão. E de duelos. Ricardo Lewandowski x Joaquim Barbosa. Marco Aurélio Mello x Joaquim Barbosa. O relator esteve em quase todas as disputas. Disse que Lewandowski “barateava” o crime de corrupção. De Marco Aurélio, ouviu pedidos para que “policiasse” sua linguagem.

Nos bastidores do plenário, um personagem dos autos emergia da sombra. Ao passo em que sua defesa caía e as condenações sobrevinham, Marcos Valério procurou a Procuradoria-Geral da República. Envolveu Lula. É o pós-fim do julgamento, o que ainda virá. Por ora, caiu José Dirceu. Caiu Delúbio Soares. Foi condenado até o delator, Roberto Jefferson. Coube a ele a frase mais contundente contra Valério e sua suposta boa vontade com as investigações: “Delação premiada é coisa de canalha”.

Barbosa não quer mais. “Condenar não é fácil”, disse ontem. E concluiu:

– Que tenhamos conseguido terminar esta ação já é uma proeza extraordinária.


Maia aponta “ingerência” na Câmara


Sob o argumento de que a cassação de parlamentares é uma prerrogativa da Câmara dos Deputados, o presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS), declarou ontem que deve recorrer da decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do mensalão.

– Houve uma ingerência sobre um poder que tem, garantido pela Constituição, o direito de decidir as cassações de mandato dos seus parlamentares. Não estamos discutindo com o STF as penas imputadas aos envolvidos. O que estamos tratando são as prerrogativas específicas dos poderes – ressaltou Maia.

O petista se ampara no artigo 55 da Constituição Federal, que dá ao parlamento a palavra final nos casos de cassação. Ontem, o ministro Celso de Mello, que desempatou a votação na Corte, disse ser inaceitável que um deputado com direitos políticos suspensos por condenação criminal continue exercendo mandato.

– A perda do mandato é consequência direta e imediata da suspensão de direitos políticos por condenação criminal transitada em julgado. Nesses casos, a Câmara dos Deputados procederá meramente declarando o fato conhecido já reconhecido e integrado ao tipo penal condenatório – disse o ministro.

Petista afirma que não houve “ameaça”

Maia informou que já entrou em contato com a Advocacia-Geral da União (AGU) e com o setor jurídico da Câmara solicitando uma análise técnica da situação. Para o petista, a decisão do Supremo foi “precária”, uma vez que a Corte se dividiu na hora de votar. O placar foi de cinco votos contra quatro.

– Pedi que avaliasse o seguinte: se houve tentativa de usurpar algum tipo de prerrogativa da Câmara no processo da ação penal 470 – disse o deputado.

Maia não quis comentar as declarações de Mello, que, durante o seu voto, criticou a possibilidade aventada por Maia de a Câmara não cumprir a decisão do STF.

O magistrado classificou a hipótese como “intolerável, inaceitável e incompreensível” e advertiu que o responsável pelo eventual descumprimento estaria sujeito a punições nas esferas penal e civil, podendo levar à condenação por prevaricação e improbidade administrativa.

– Comete crime de prevaricação o agente que, em ofício, deixa de praticar, retarda ou frustra execução de ordem judicial – disse o ministro.

Maia evitou a polêmica:

– Ele falou num clima de emoção. Talvez pelo momento que está vivendo, talvez pela sua doença, pelo julgamento tão tenso que ele está realizando. Não acho que nenhum ministro do STF teria a pretensão de ameaçar um presidente da Câmara.

Maia explicou que só depois de esgotadas todas as possibilidades de recursos em 2013, quando não será mais presidente da Câmara, a Casa decidirá se cumpre imediatamente a ordem judicial ou se parte para o confronto com o STF.


Passo a passo

O QUE FOI DECIDIDO ONTEM
 - Os 25 condenados perderam os direitos políticos. Ou seja, não podem concorrer a cargos públicos. A decisão foi unânime.
- Os três deputados condenados perderão o mandato assim que terminar a possibilidade de recursos. Houve divisão na Corte: cinco votos a quatro.
- A cassação é automática e não precisará passar por deliberação da Câmara. Os atuais mandatos se encerram no começo de 2015.
- Não foi fixada indenização para que os condenados promovam ressarcimento aos cofres públicos. A Corte deixou a cobrança para o Executivo, por meio de ação judicial.
- A multa imposta ao advogado Rogério Tolentino foi reajustada de R$ 312 mil para R$ 494 mil.
- O procurador-geral Roberto Gurgel retirou o pedido de prisão imediata dos condenados. Disse que vai refazer a proposta.

O QUE FALTA DEFINIR
- A Procuradoria-Geral pedirá a execução imediata das penas. Se o pedido chegar até amanhã, deverá ser levado ao plenário. Se chegar durante o recesso (de quinta-feira até 1º de fevereiro), poderá ser decidido por Joaquim Barbosa.
- É preciso publicar o acórdão, que resume o julgamento. Há expectativa de que isso ocorra em até 60 dias. Como o recesso não conta no prazo, o acórdão deve sair só em abril.
- Depois da publicação do acórdão, os advogados dos réus poderão recorrer das condenações, e a Corte terá de decidir sobre os pedidos. Embargos infringentes serão usados nos casos em que não houve unanimidade na decisão.


sábado, 15 de dezembro de 2012

CONFLITO DE PODERES

REVISTA ISTO É N° Edição: 2249, 15.Dez.12 - 12:34

Em mais um capítulo da queda de braço com o Congresso, o STF caminha para decidir que a corte terá o poder de cassar parlamentares

Izabelle Torres

LADOS OPOSTOS
O presidente da Câmara, Marco Maia, ameaça não obedecer
à decisão do Supremo, comandado por Joaquim Barbosa

As relações entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) nunca foram tão conflituosas. Decididos a fazer valer as condenações do processo do mensalão, os ministros caminham para confirmar esta semana que a corte pode cassar mandatos de parlamentares sem esperar pela manifestação do Legislativo. A votação está empatada e depende do voto do ministro Celso de Mello, decano da corte e um defensor do protagonismo do Judiciário nas decisões do País. Mello está doente e sua ausência no Supremo na semana passada adiou a votação por alguns dias. Nos bastidores da corte, o entendimento é de que seu voto seguirá a tendência dos anteriores e decidirá pela cassação dos mandatos de quem for condenado. O ativismo do Supremo em mais uma questão política incendeia uma guerra entre poderes e abre uma discussão no mundo jurídico sobre as brechas para diferentes interpretações do texto constitucional.

No STF, o entendimento é de que os políticos não podem se valer dos mandatos para se proteger das duras penas impostas a eles. “Como pode uma pessoa condenada à cadeia transitar pelo Parlamento e votar em nome do povo?”, questiona o ministro Gilmar Mendes. No Congresso, a ameaça de interferência tem sido interpretada como uma afronta. O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), diz que não vai obedecer ao Supremo porque estaria abrindo um precedente danoso à independência entre os poderes. “Vou tentar até o último minuto convencer os ministros. Se não adiantar, vou seguir o texto constitucional e abrir o processo de cassação na Câmara, como sempre aconteceu”, diz.

A preocupação dos ministros é de que o corporativismo atrapalhe o cumprimento das penas pelos deputados Valdemar da Costa Neto (PR-SP), Pedro Henry (PP-MT) e João Paulo Cunha (PT-SP), condenados à cadeia, mas que continuam atuando como representantes do povo. Se o Parlamento demorar a julgar os próprios pares, os mensaleiros podem seguir o exemplo de Natan Donadon (PMDB-RO). O parlamentar foi condenado a 13 anos de cadeia, mas ainda exerce mandato de deputado enquanto espera o julgamento de recursos pelo Supremo. Na época em que julgaram o peemedebista, os ministros cogitaram decidir pela cassação imediata, mas desistiram durante a sessão.



Essa batalha entre os dois poderes não é a primeira e, provavelmente, não será a última. Nos últimos anos, o STF interferiu diretamente em questões políticas como a verticalização das coligações e a distribuição de cargos entre os suplentes de parlamentares. No Congresso, ao Supremo também é atri­buída parte da responsabilidade pelo fracasso da CPI do Cachoeira, pois todas as testemunhas e acusados foram depor protegidos por habeas corpus concedidos pelos ministros para que permanecessem em silêncio.

O STF não se faz de rogado. Nos próximos meses, a corte comandada por Joaquim Barbosa deverá interferir ainda mais na rotina do Legislativo. Parlamentares inconformados com o desfecho de votações apelaram ao STF para que os ministros deem a palavra final em casos como o Código Florestal e a distribuição dos royalties do petróleo. Eles também vão julgar uma ação apresentada por uma associação de servidores, pedindo o fim do pagamento do 14º e do 15º salários extras concedidos a deputados federais e senadores. A interferência na regalia concedida há anos aos políticos será a coroação dos conflitos e a demonstração de que o STF está disposto a ser protagonista e enfrentar os outros poderes.

Fotos: Adriano Machado; ADRIANO MACHADO/AG. ISTOÉ

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

CONSTRUINDO PONTES

ZERO HORA 14 de dezembro de 2012 | N° 17283. ARTIGOS

Patrícia Rech de Oliveira*



Sempre recordo uma frase que dizia aos meus alunos durante nossas aulas de língua portuguesa (e por que não dizer também de cidadania), nos constantes esforços para educá-los em relação ao uso de termos politicamente corretos: “Existem maneiras e maneiras de se dizer a mesma coisa; o que muda é tão somente a forma como nos manifestamos”.

Dessa forma, uma expressão grosseira como um “Cale a boca” tem o mesmo objetivo que um “Por favor, faça silêncio”. O que se modifica, porém, é a intenção e cortesia (ou falta dela) na comunicação: a abordagem em si pode causar um efeito transformador ou devastador, sobretudo se levarmos em consideração as funções da linguagem: referente (assunto), mensagem (a conversa), emissor (quem fala), receptor (quem ouve), código (linguagem, ou seja, a própria língua portuguesa em si) e canal (o meio, o contexto). Sem esquecer, é claro, do fato cultural, pois todo ser humano acumula conhecimento porque criou e emprega a linguagem, dentro de um contexto social no qual o sujeito esteja inserido, uma vez que a linguagem humana está sempre em processo contínuo de evolução e, por essa razão, em constante mudança.

Segundo Faraco & Moura (in Língua e Literatura – 4º volume), entende-se por cultura “todo fazer humano que pode ser transmitido de geração a geração, através da linguagem. A cultura é a soma de todas as realizações do homem”. Nessa perspectiva, há de se considerar que a problemática da falha de comunicação não está propriamente contida na forma como nos manifestamos, mas, sim, na forma como os outros recebem aquilo que é dito. Existe um adágio popular que diz que somos responsáveis por aquilo que falamos e não por aquilo que os outros entendem. Nesse contexto, venho refletindo há algum tempo sobre levantar muros (vivermos isolados em defesa daquilo em que acreditamos e defendemos com veemência) e construir pontes (mediar nosso conhecimento e aceitarmos a visão do próximo em busca do equilíbrio de ideias e da boa convivência em grupo).

Essa inquietação de professora (ou educadora, se o termo for mais apropriado e socialmente aceito) irrompeu de maneira tal, que ultrapassou a barreira do pensamento íntimo, ao acompanhar a recente “gafe” cometida pela presidente Dilma Rousseff, durante seu pronunciamento na 3ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. O equívoco na troca do termo “pessoa” por “portadora” desencadeou uma reação de protesto por parte do público, só desfeita por uma autocorreção em tempo, seguida de aplausos após o reconhecimento do erro pela própria presidente. Certamente, Dilma não teve intenção de ofender ninguém, até porque essas expressões vêm sofrendo modificações ao longo do tempo que mesmos os eruditos obedientes à norma culta podem se confundir. O atual contexto social denota uma era de avanços tecnológicos cada vez mais amiúde, fora do alcance das camadas populares, bem como da recente reforma ortográfica e da linguagem internauta. Há uma linha tênue que separa o conhecimento empírico daquele que é oriundo de teorias e conceitos universais (muitos deles já caracterizados como obsoletos), e a ruptura desses paradigmas que nos fazem temer o emprego inadequado de expressões que possam ser interpretadas como discriminatórias ainda é um processo em construção para a maioria das pessoas.

Talvez a palavra em si não seja o essencial. Talvez os gestos, as atitudes, a empatia e a certeza de que todos somos iguais nas diferenças é que seja o verdadeiro canal de comunicação... A forma como nos tratamos mútua e reciprocamente é que definirá se realmente vivemos em um contexto que exclui e aprisiona ao levantar muros ou nos aproxima e liberta ao construir pontes.

*PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

POLÊMICA DAS CASSAÇÕES EM CENA


ZERO HORA 12 de dezembro de 2012 | N° 17281

A HORA DA DECISÃO

Criminalista sugere aguardar fim do processo


JULIANA BUBLITZ

A iminente cassação dos mandatos dos réus do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na tarde de hoje, divide opiniões na Câmara dos Deputados e causa apreensão no meio jurídico.

Interrompida na segunda-feira, a sessão será retomada com o voto decisivo do ministro Celso de Mello, provavelmente a favor do afastamento compulsório.

Está em jogo não apenas o futuro dos deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT), mas também a relação de boa vizinhança entre o Legislativo e o Judiciário. Por enquanto, a votação está empatada em quatro votos a quatro.

– No nosso sistema jurídico, os poderes são harmônicos e independentes. Nesse caso, a decisão é da Câmara. Não há o que contestar. A última instância é a crise – alerta o ex-deputado federal Ibsen Pinheiro (PMDB), contrário à interferência do STF.

A origem da briga está na Constituição. No artigo 55, a Carta Magna dá ao parlamento a palavra final na cassação, mas o STF se encaminha para outra interpretação. A oposição ao PT e ao governo Dilma Rousseff joga lenha na fogueira. Para o deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM), o STF está correto ao tomar a frente:

– Se a decisão vier para a Câmara, o imbróglio será ainda maior, porque a Câmara pode usar a força do governo para livrar a cara dos mensaleiros.

Sem entrar no mérito da punição, especialistas observam o desfecho com ansiedade. Há o temor de que a Corte se deixe levar pela opinião pública, abrindo um precedente perigoso.

– Caso o Supremo decida pela cassação, será um escândalo. Vivemos numa democracia constitucional, que trabalha com o princípio da separação de poderes. Cassação é ato político por excelência e deve ser decidido pelos pares – resume Juliano Benvindo, professor de Direito Público da UnB.

A solução menos polêmica, diz Davi Tangerino, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), seria aguardar o fim do processo e as prisões. Com isso, eles estariam impedidos de exercer suas funções.

– É simples. Não é preciso o Supremo usurpar o Poder Legislativo.

O STF PODE CASSAR PARLAMENTARES?





ZERO HORA 12 de dezembro de 2012 | N° 17281. ARTIGOS

DEBATE: Independência dos poderes

Paulo Torelly*


O princípio fundamental de qualquer juízo consiste em determinar qual das partes tem razão e qual se equivocou em um conflito com base no direito posto pelo legislador democrático. A jurisdição é o reflexo de um processo muito mais teórico do que um ato de vontade. Julgar não pode ser o mero resultado de desejos ou decisões emitidas por grupos de poder. Nem mesmo o “clamor popular” pode suprimir o direito de qualquer segmento social. A jurisdição pressupõe uma decisão segundo critérios reconhecíveis previamente e que deve ser obtida sobre uma base fundamentalmente teórica. No mais, “tudo é política”.

É saudável o exercício de mutações constitucionais em face da evolução dos valores e crenças comuns à maioria, mas a ruptura do equilíbrio entre os poderes da República, “independentes e harmônicos entre si” (Constituição, art. 2º), não pode ser decorrência de um fator contingente. O constitucionalismo comporta a diversidade democrática e o sentido aberto e plurilinear da história contemporânea, mas nem mesmo o “altar da moralidade” pode arredar a soberania popular enquanto primeiro fator de legitimação do poder (Constituição, art. 1º). A positiva experiência brasileira de reinterpretação do princípio da presunção de inocência com a edição da Lei da Ficha Limpa – mesmo sendo de aplicação questionável em algumas situações – constitui um avanço que envolveu os três poderes da República em sintonia com a prudência e a sabedoria de toda a sociedade.

É lugar-comum que os regimes de força ignoram as regras constitucionais e ampliam os próprios poderes para restringir ou eliminar direitos. Os tribunais constituem a última esperança da sociedade, pois o ato de julgar não é uma tarefa discriminatória automática própria da regra da maioria e muito menos um ato de força. A invenção da Constituição escrita é, portanto, um marco no aparato jurídico-político da modernidade. O exercício de funções públicas se dá dentro das competências constitucionais e não deve ser meio de luta política, pois não há coerção nas relações institucionais. A reserva de competência prevista no § 2º do art. 55 da Constituição é inequívoca: “A perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal”.

A hegemonia de um único poder da República sobre o espaço público, tal como do poder econômico, deve sempre ser refreada. Não há democracia sem transparência e combate à corrupção em todas as dimensões e em suas duas vontades (poder econômico e burocracia), mas, no Estado de direito, devem ser observados o equilíbrio e a independência dos poderes. Os interesses políticos e econômicos não existem fora dos marcos constitucionais.


*ADVOGADO E DOUTOR PELA FACULDADE DE DIREITO DA USP

CONFLITO DESNECESSÁRIO


ZERO HORA 12 de dezembro de 2012 | N° 17281

EDITORIAIS



O risco de confronto entre Judiciário e Congresso, em decorrência do desfecho do embate sobre a cassação de deputados condenados por envolvimento com o mensalão, é apenas um dos componentes dessa controvérsia. Há outras questões presentes, entre as quais o didatismo de um julgamento histórico, que contribui, até pelas discordâncias, para a compreensão do funcionamento da Justiça e para a convicção de que os desmandos cometidos no meio político não mais ficarão impunes. Essa é certamente a principal contribuição oferecida pelo Supremo – delitos praticados por ocupantes de cargos no poder central foram submetidos, com transparência, ao veredicto da mais alta corte.

É no Legislativo que se concentram, no final do julgamento, as mais fortes reações a uma tese em consideração no STF. A Câmara dos Deputados defende, com base na Constituição, que é sua, e não do Judiciário, a prerrogativa da cassação de mandatos de seus integrantes. Esse argumento, do presidente da Casa, Marco Maia, é o que de fato deveria prevalecer. A Carta Maior não deixa dúvida de que um mandato somente pode ser cassado pelo poder que o outorgou.

Mas o conflito entre a Constituição e o Código Penal, a partir da interpretação apresentada pelo relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, em favor da cassação automática, mobiliza o mundo jurídico e aciona uma preo-cupante interrogação. Que comportamento terá a Câmara se o Supremo entender que a atribuição pela cassação ou não dos condenados é exclusiva dos próprios deputados? O Legislativo estará diante de um desafio que não permite manobras, se prevalecer a tese de que condenação e cassação são punições distintas.

O parlamento deve afastar-se da tentação de agir de forma corporativa e de responder às decisões do Supremo com a anistia automática dos envolvidos. Condenados pela Justiça, em última instância, com amplos direitos de defesa, terão de se submeter também a um julgamento político, como determina a Constituição, desde que a Câmara não se limite ao cumprimento de uma formalidade.

Sem renunciar à sua autonomia, o Legislativo deve estar atento às expectativas criadas, para que não fique alheio aos avanços representados pelas decisões do Supremo. A Câmara não pode repetir a postura adotada em situações anteriores, quando simplesmente arquivou processos ou absolveu acusados de falta de decoro. A condescendência, aliás, é a marca da maioria das deliberações da Casa, que no ano passado cassou um de seus membros, acusado do mesmo delito cometido por boa parte dos réus do mensalão, a compra de votos. O cassado – o último a ser punido – chama-se Chico das Verduras (PRP-RR). O parlamento será submetido à prova de que é capaz de julgar, com independência e o mesmo rigor, deputados com nomes mais pomposos.

QUE VENHA A CRISE

ZERO HORA 12 de dezembro de 2012 | N° 17281. ARTIGOS

Clei Moraes*



Não é de hoje que o Legislativo não cumpre o seu papel como deveria. Talvez o tenha feito pela última vez na Constituinte de 1988. Desde então, o que se vê são legisladores que procuram suplantar brechas constitucionais.

A declaração recente do presidente da Câmara dos Deputados de que “isso vai criar uma crise entre o Judiciário e o Legislativo” – a respeito da possibilidade de parlamentares condenados através da Ação Penal 470 (mensalão) terem seus mandatos cassados de forma automática – trouxe holofotes necessários a uma crise de funções já sacramentada entre os poderes.

A Constituição é a lei máxima de um país. Mas e quando esta deixa dúvidas sobre a sua aplicação, opondo-se e gerando interpretações entre o cumprimento de seus princípios ou a aplicação do Código Civil ou Penal? Por lógico, cabe ao Judiciário, mais especificamente ao Supremo Tribunal Federal (STF), dirimir quaisquer incertezas. Contudo, não há tal lógica quando os afetados são integrantes de um dos poderes.

A dúvida que se levanta é: não fosse a vicissitude da decisão do Supremo atingir alguns de seus pares (não só de partido, mas também de governo), estaria o Legislativo questionando a “intromissão em prerrogativa da Câmara dos Deputados”, como disse seu presidente? Provavelmente, não.

As instituições são corporativistas e exemplos não faltam. Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou, com articulação do Judiciário, o aumento de subsídios para o cargo de procurador-geral da República e, pela provável “similaridade remuneratória entre carreiras jurídicas”, o efeito cascata deve atingir Ministério Público e outras carreiras, com um custo para os cofres públicos, nos próximos dois anos, de R$ 30 bilhões, segundo um deputado que se manifestou contrário à proposta.

Mas e quando ocorre o oposto? O Legislativo causando interferência nas decisões a serem tomadas pelo Judiciário? Caso sabido é o de deputados que, pendurados a seus cargos e já condenados em duplo grau de jurisdição, recorrem ao Supremo para manter seus mandatos e, depois, articulam para que a decisão a respeito de seus casos não seja tomada e não entre sequer na pauta do STF. Não deveria o parlamento ter-lhes cassado o mandato?

São relatos que nos levam à indagação maior: qual o papel do legislador? Enquanto os próprios parlamentares não assumirem a natureza de suas prerrogativas – de causa, o papel para o qual foram eleitos e o desempenho de suas atividades; de efeito, o inevitável vácuo legislativo e “judicialização” de nossas leis – haverá, sim, a sobreposição de atribuições e poderes.

Que venha a crise entre os poderes! A boa crise, para que voltemos a ter um Congresso forte e um Judiciário independente.


*POLITÓLOGO