Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O CANÁRIO MORREU CANTANDO

CORRESPONDENTE DE GUERRA NO RIO - JORGE ANTÔNIO BARROS, REPÓRTER DE CRIME, O GLOBO, 06/11/2011

Desde a época da faculdade, no final dos 70, eu me sentia atingido toda vez que recebia a notícia de mais um jornalista assassinado, um câmeraman ou fotógrafo que morria numa das coberturas de guerra no mundo e, especialmente, na América Latina. Ainda assim era algo distante para mim, que sonhava em ser correspondente de guerra (nunca imaginei que me tornaria um dentro da minha própria cidade). Quando acontece no nosso quintal a notícia sempre torna-se mais relevante. Faz parte da natureza humana.

O Rio perde mais um jornalista para a guerra do tráfico. Embora as circunstâncias sejam outras, a morte do cinegrafista Gelson Domingos, 46 anos, com uma bala no peito, hoje de manhã no Conjunto Antares, na Zona Oeste, me remete à mesma sensação de impotência que nós jornalistas vivemos com a morte de Tim Lopes, o repórter da TV Globo, sequestrado, julgado e condenado à morte pelo Tribunal do Tráfico, na Vila Cruzeiro, em junho de 2002. Tim fazia uma reportagem investigativa com uso de câmera escondida quando foi descoberto pelos traficantes de drogas que o fizeram em pedaços. Ainda dói em mim a memória daqueles fatos.

Voltei a sentir o coração pequeno e apertado ao saber pelo Twitter que o colega da Band havia sido morto. Seu corpo ainda permaneceu 20 minutos no chão, sem socorro, enquanto o tiro comia solto. Não é hora de responsabilizarmos ninguém por essa morte, exceto os próprios bandidos que atiraram na polícia e não respeitam nem mais o Bope (Batalhão de Operações Especiais). A corrupção na polícia é uma das principais causas dessa guerra insana que vivemos. Outra é um histórico de abandono das favelas pelo poder público que só há algum tempo parece ter despertado de sua longa letargia. Mas há muito por fazer.

O episódio da morte do cinegrafista vai afetar profundamente as empresas jornalísticas na forma de lidar com esse tipo de risco. Vai obrigar os jornalistas a reverem as medidas de proteção e segurança, que vêm sendo implantadas desde o assassinato de Tim, um divisor de águas na cobertura jornalística da violência nas favelas. Para quem está mergulhado até o pescoço nessa guerra do Rio, a sensação será de apenas mais uma vítima. Mas embora esse "mais um" seja um colega de profissão, sem querer ser corporativista, a guerra do Rio ganha um patamar de conflito internacional, em que pese os esforços governamentais de pacificação de favelas.

Enquanto o Rio passa por um processo de pacificação de 18 áreas de favelas ainda há outra região a ser retomada pelas forças de segurança -- a Zona Oeste da cidade, que tem apenas uma das 18 UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora), que fica na favela do Batam, onde jornalistas do Dia foram sequestrados e torturados por milicianos. O palco da tragédia é a Zona Oeste do Rio -- região abandonada há mais de 50 anos pelo poder público. É a região que cresce desordenadamente e sem qualquer controle por parte das autoridades. É uma região dividida entre milicianos, traficantes e políticos que tratam o local como um verdadeiro curral eleitoral. Para todos esses lá não existe gente. Só gado. Tem bairro inteiro nas mãos de um miliciano que a polícia não consegue prender. Os traficantes travam uma guerra que já deixou dezenas de mortos. E na sexta-feira passada uma escola vizinha a uma dessas favelas viveu novamente o pesadelo da violência dentro da sala de aula, quando um grupo de traficantes armados usou o colégio como rota de fuga, perseguido por policiais. Um traficante armado de fuzil AK-47 foi preso e, verdade seja dita, a polícia atuou com inteligência, protegendo os alunos.

A morte do cinegrafista da Band confirma o que pesquisadores como Luiz Mir têm dito. Com 50 mil mortos por ano, o Brasil vive uma guerra civil não declarada. No Rio, essa guerra era comparada por policiais do Bope a um conflito de baixa intensidade na década de 90, quando foi lançado Noticias de uma guerra particular, documentário de João Salles. Como dizem os correspondentes, a primeira vítima de uma guerra é a verdade. E na guerra do Rio a verdade que não podemos esconder é que um jornalista foi morto em serviço, em busca da notícia. Ele usava colete à prova de balas (cuja marca nem quero conhecer) e tinha treinamento para cobertura de conflitos desse tipo.

Para a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), 2011 se converteu no ano mais trágico para a imprensa latino-americana em 20 anos. Foram mortos 19 jornalistas nesse continente, até julho. O México continua sendo o país mais perigoso da América para jornalistas. Lá 66 foram mortos e 12 desaparecidos na última década. São vítimas diretas dos grupos armados que assaltaram o país.

Jornalistas experientes dizem que a sociedade deve acender uma luz de alerta toda vez que um jornalista for morto em serviço porque é sinal de que a sociedade também está em perigo. Alguns jornalistas são como canários nas minas, cujo canto alerta para o risco iminente. Perdemos mais um canário. E morreu cantando. Seu "canto" vai se manifestar nas imagens dos bandidos armados, provavelmente entre eles o que lhe tirou a vida. A sociedade deveria exigir que esses criminosos fossem presos no menor tempo possível.

Conheça o canal do Youtube que homenageia jornalistas mortos em serviço. Só este ano já foram 77 em todo o mundo.

http://www.youtube.com/user/journalistsmemorial

Um comentário:

PROF MOISÉS, O AMIGO DA HISTÓRIA disse...

Muito bom o seu blog. Acredito que nós temos um papel social importante. Esse papel é limitado, em função da exclusão digital, mas fundamental, porque os bons não podem cruzarem os braços. Seus textos são de uma qualidade social impar.