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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

NO QUE VAI DAR ISSO?



Não foi preciso efetuar um único disparo na ocupação da Rocinha. Foi o primeiro passo para que a cidadania seja devolvida à população. Agora, é preciso que junto com os policiais cheguem a escola, o saneamento básico, a cultura e os postos de saúde. Wilson Aquino - REVISTA ISTO É, N° Edição: 2193, 21.Nov.11 - 20:11

O COMEÇO DA MUDANÇA. A ocupação foi o primeiro passo para a transformação da Rocinha. Agora, os investimentos estimados em R$ 756 milhões precisam sair do
papel para que as pessoas não voltem a ser dominadas pelo crime organizado

A ocupação da favela, a primeira etapa da implantação da 19ª Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Rio de Janeiro, atraiu até visitantes ilustres, como os apresentadores Luciano Huck e Sabrina Sato. Mas a paz na Rocinha só se sustentará, a longo prazo, com a ação forte de políticas sociais que deem aos moradores condições de sobreviver na estrutura da legalidade. Com a pacificação, o poder público tem a missão de tirar do papel velhas promessas e implementar melhorias urgentes. O pacote de intervenções urbanas e sociais anunciado é vistoso. Só para obras seriam R$ 756 milhões, valor equivalente ao que está sendo empregado na reforma do Maracanã. Os investimentos têm como data de conclusão 2014. O de maior visibilidade (leia abaixo) é a construção de um plano inclinado – uma espécie de elevador que corre sobre trilhos morro acima, semelhante ao que existe na comunidade Dona Marta, em Botafogo, a primeira favela da zona sul a ganhar UPP em 2008.

A chegada da UPP, porém, não é a garantia de avanços sociais. Moradores de outras favelas pacificadas afirmam que o tempo faz com que algumas promessas não passem disso: promessas. “Eles também nos prometeram mundos e fundos, mas para a minha comunidade só veio a polícia”, diz a secretária da Associação de Moradores do Chapéu Mangueira, no Leme, Michele Campos, 26 anos. Lá, a UPP foi instalada em junho de 2009. “Realmente, o crime acabou aqui. Isso é muito bom, mas a gente precisa de mais melhorias sociais”, afirma a líder comunitária.

O mesmo desafio se coloca para a Rocinha. “Temos que implementar a agenda pública de inclusão social das famílias”, diz o secretário de Assistência Social e Direitos Humanos do Estado, Rodrigo Neves. Segundo ele, está sendo concluído um convênio com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que prevê a criação de um programa de tutoria e aconselhamento de jovens oriundos do sistema penitenciário e do tráfico. Ele pretende acompanhar 40 mil pessoas que vivem em áreas onde foram instaladas as UPPs. Mas o Estado não pode demorar muito a oferecer mais creches, postos de saúde e vagas em escolas de qualidade para que a comunidade sinta que vive em um bairro de fato. Na quarta-feira 16, o vice-governador Luiz Fernando Pezão subiu até uma quadra no ponto mais alto da comunidade, a Rua 1, para se reunir com centenas de moradores e decidir as prioridades.

É importante ainda que as mudanças não ocorram apenas na parte física da favela. Situações que fazem parte do dia a dia do cidadão precisam migrar para a legalidade. Até então, eram os bandidos que comercializavam, por exemplo, o gás de cozinha, o sinal de tevê a cabo, o chamado “gatonet”, e que resolviam, clandestinamente, a questão da iluminação – tanto a particular quanto a pública. E, claro, nada era pago ao Estado. Agora, os moradores terão de fazer sua parte. “Eles têm de seguir as regras do estado democrático de direito, que são regras para todos”, alerta o secretário Neves. “A cidadania tem muitos benefícios, mas também tem o seu custo”, diz o sociólogo e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Gláucio Soares. Para se ter uma ideia da situação de abandono da Rocinha, 90% das 6.145 empresas que atuam no local vivem na clandestinidade, segundo pesquisa do governo fluminense. “Em dois meses, organizaremos um mutirão para formalizar as empresas”, promete o superintendente do Serviço Brasileiro de Apoio às Médias e Pequenas Empresas (Sebrae/RJ), Cezar Vasquez. Estar legalizado é, de acordo com o secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, uma espécie de troféu para a maioria das pessoas que vivem em favelas: “Um morador do Dona Marta me mostrou a conta de luz dele, em torno de R$ 16, e me disse, orgulhoso: ‘Hoje, com isso aqui, eu entro numa loja e faço um crediário.’”

Para o presidente da União Pró-Melhoramentos da Rocinha, Leonardo Rodrigues de Lima, a comunidade agora vai ter que se acostumar a andar dentro da lei. “Temos mais de 800 mototaxistas, alguns não têm nem carteira de habilitação”, reconhece ele. O sociólogo Marcelo Burgos, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), alerta que a transição deve ser feita com o mínimo de sacrifício dos moradores, discutindo certas exigências e até criando novas regras de convivência. “As leis serão mais ou menos legítimas conforme a aceitação da população”, explica.

Para os vizinhos das comunidades com UPPs, é hora de ver seus imóveis recuperar as perdas em razão da proximidade com a área de risco. A valorização fica em torno de 20%. E um estudo, coordenado pelo economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas, prevê que o aumento no preço de aluguel dos imóveis será maior na Rocinha do que nas demais favelas com UPPs, pois lá a pressão imobiliária é maior. “Não tem mais para onde crescer”, diz. “É preciso enfrentar a questão habitacional também”, diz o sociólogo Gláucio Soares.

Nos bairros da Gávea e São Conrado, que cercam a Rocinha, o clima na última semana era de um novo momento. “Acordei na manhã de domingo (dia da ocupação) com uma deliciosa sensação de paz. Senti um alívio muito grande”, relatou o arquiteto Bernardo Niskier, 60 anos, há 25 anos morando em São Conrado. “A gente ficava em estado de atenção quando havia congestionamento na autoestrada Lagoa-Barra (que liga a zona sul à Barra da Tijuca), com medo de assaltos. Uma vez, parei no sinal e um sujeito bateu na janela do meu carro com um revólver. Fiz a burrice de arrancar. Mas, graças a Deus, ele não atirou”, lembra Niskier. “A gente via e ouvia as balas e ficava em dúvida se estava havendo conflito ou se era uma celebração pela chegada de carregamentos de drogas. Tudo era motivo para tiro”, recorda. A comunidade também iniciou a semana renovada. Mas depois de tanto tempo ao relento social, alguns moradores não acreditam em grandes mudanças. “Tenho 65 anos de idade e 45 de Rocinha. Já vi de tudo aqui, menos promessa de político cumprida. Tomara que agora seja diferente”, diz a diarista Maria do Socorro Macedo. Esta é a melhor oportunidade que a Rocinha já teve.

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