Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

PACIFICAÇÃO - OCUPAÇÃO DO COMPLEXO DO ALEMÃO JÁ CUSTOU ATÉ R$ 160 MILHÕES

General diz que parte da verba federal foi para compra de equipamentos; Beltrame confirma ação policial a partir de março - WALESKA BORGES - O GLOBO, 28/11/11 - 23h59

RIO - A Força de Pacificação, formada por militares do Exército, que há exatamente um ano, completado na segunda-feira, ocupou os complexos do Alemão e da Penha já custou entre R$ 150 milhões e R$ 160 milhões ao Ministério da Defesa. A informação foi dada na segunda-feira pelo comandante do Comando Militar do Leste (CML), general Adriano Pereira Junior. Sem dar detalhes sobre os gastos, o general disse que parte do dinheiro foi usada na compra de equipamentos.

— Eu não fico com o trabalho financeiro. Faço o pedido: preciso de tantos fuzis e tantos veículos, e recebo esse material — informou o oficial, acrescentando que soube do valor numa conversa que teve em Brasília.

Durante entrevista antes do almoço que reuniu no Alemão chefes das forças de segurança para comemorar o aniversário da ocupação, o comandante do CML disse que o valor foi repassado ao Exército para "cumprir a missão". Ao ser perguntado se a despesa não havia sido excessiva, ele respondeu:

— Se isso é um gasto excessivo, eu pergunto: quanto vale uma vida? Quantas vidas foram poupadas aqui? Quanto vale também a paz dos pais ao saberem que vão sair para os seus trabalhos e que os filhos vão para a escola no horário normal, ter aula e sair ao final dela? Isso não tem preço.

Procurado, o Ministério da Defesa não quis se manifestar.

Força de Pacificação atua com mais de 1.800 militares

Segundo o general, o Estado — nos níveis municipal, estadual e federal — está recuperando uma área antes abandonada. Ele lembrou que região, ocupada de forma emergencial após uma série de ataques em que veículos foram incendiados em novembro do ano passado, conta hoje com pelo menos 1.660 homens voltados diretamente para o esquema de segurança. Além disso, há outros 200 mobilizados para o apoio logístico.

O comandante também disse que os conflitos ainda existentes ocorrem com pessoas ligadas ao tráfico ou dependentes de drogas.

— Tenho orgulho deste período de um ano de ocupação do Complexo do Alemão. Estamos tirando um câncer deste país, de áreas onde antes o Estado não poderia estar presente — comemorou.

Convidado para participar do almoço, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, disse que já foi delineada a ocupação da comunidade pela polícia, prevista para começar em março do ano que vem. A Força de Pacificação vai deixar a região em junho.

— Vamos ocupar duas áreas a cada mês, completando todos os complexos até junho — explicou o secretário.

Segundo Beltrame, a ocupação policial começará, assim como em outras áreas que receberam UPPs, com buscas feitas pelo Bope, pelo Batalhão de Choque, pela Companhia de Cães e pelo Batalhão Florestal da PM. O secretário disse não poder garantir que não haverá novos ataques — na quinta-feira passado, um soldado foi baleado por traficantes no Morro da Caixa d’Água, no Complexo do Alemão.

— É impossível garantir que nada vai acontecer. Se nós olharmos como era há um ano, vamos ver que agora está muito melhor. É uma perseguição eterna por melhorias nos índices de criminalidade — disse.

Beltrame e o general informaram ainda que não há no momento negociações para a atuação do Exército em outras comunidades. No entanto, ambos não descartaram a hipótese de haver uma nova parceria, caso isso seja necessário no futuro.

Participaram do almoço também a chefe da Polícia Civil, delegada Martha Rocha, o comandante da Força de Pacificação, general Rêgo Barros, e o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Erir Ribeiro Costa Filho.

PROTEÇÃO AMBIENTAL - VIGILÂNCIA E IMPUNIDADE

VIGILÂNCIA E IMPUNIDADE - EDITORIAL ZERO HORA 29/11/2011

São conhecidas as deficiências dos 17 órgãos federais de fiscalização e das agências que se dedicam à regulação e à vigilância dos serviços públicos concedidos. Sabe-se agora, por balanço do Tribunal de Contas da União, que o governo e as agências, além de fiscalizarem mal, não conseguem nem mesmo punir com multas as empresas que não cumprem leis e, na maioria dos casos, desrespeitam com reincidências os direitos dos consumidores ou ameaçam o ambiente. Segundo o TCU, de 2008 a 2010, foram aplicados R$ 24 bilhões em multas pelo conjunto dessas instituições. O total arrecadado chegou a apenas R$ 1,1 bilhão, ou 4,7%. Os recursos na Justiça e a ineficiência dos órgãos se combinam para que a impunidade prevaleça.

É um balanço desolador, por revelar a incapacidade do Estado de exigir o cumprimento de normas nas mais variadas áreas. As falhas são registradas, sem distinção, nos setores de energia, petróleo, aviação civil, transportes, telecomunicações. Na área ambiental, o comportamento das empresas revela que, muitas vezes, é preferível se submeter à multa, com valores irrisórios, do que corrigir as falhas apontadas para que se cumpram regras civilizadas de proteção de rios, animais, florestas. Órgãos e agências não podem continuar enfrentando o vexame de aplicar punições desrespeitadas até mesmo por estatais. Empresas sob controle público, que deveriam dar o exemplo, como Furnas, ignoram a fiscalização e as penalidades impostas.

Uma combinação de fatores conspira contra os interesses coletivos, na queda de braço com grupos que atuam em áreas com baixa concorrência e que se impõem pelo poderio econômico. As deficiências são identificadas nos próprios órgãos e agências, ineficientes pela falta de recursos, de pessoal ou mesmo de autonomia política para exercer suas funções. As penas aplicadas se transformam, assim, em meras formalidades, quando as autuadas põem em prática o segundo subterfúgio, representado pelos incontáveis recursos na Justiça. É assim que, lamentavelmente, serviços básicos continuam precários, em energia, aeroportos, telefonia e estradas, e que muitas empresas somente são flagradas em delito quando de eventos de forte impacto ambiental, como ocorreu recentemente com o vazamento em poço da petrolífera Chevron, no Rio de Janeiro. A Agência Nacional do Petróleo, que deveria fiscalizar o setor e agir preventivamente, dispõe de apenas R$ 8 milhões para a tarefa este ano.

Além de dinheiro, falta autoridade aos órgãos e agências. É uma desvantagem, em relação ao poder de articulação das empresas, que deve ser corrigida com urgência. Não se concebe que a privatização de serviços, feita em nome de ganhos para a população, deixe setores decisivos para qualquer atividade sem o necessário controle. Falha o governo, que não dota as instituições de estrutura e recursos e ainda agrava as carências com a lotação política de seus quadros. Também perde o próprio governo, que não consegue recuperar cifras referentes a danos. O maior prejudicado, direta ou indiretamente, é a sociedade, que assiste à deterioração sistemática de serviços públicos e à supremacia dos interesses particulares e da impunidade.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

PELO FIM DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Márcia Santana, Secretária de Políticas para Mulheres/RS - JORNAL DO COMERCIO, 28/11/2011

A celebração do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher, no dia 25 de novembro, deve estar ancorada em uma plataforma de reflexões e reivindicações, mas principalmente na assunção de compromissos e responsabilidades políticas para o enfrentamento de uma das mais graves violações dos direitos humanos das mulheres no País, a violência doméstica. A lei Maria da Penha, hoje reconhecida no cenário internacional como uma lei garantidora dos direitos das mulheres, precisa na estrutura do Estado oferecer os mecanismos para sua real e efetiva implementação. Dentro deste contexto, o governo do Estado cria a Secretaria de Políticas para Mulheres, com a missão de consolidar uma política de equidade de gênero que no âmbito da economia alcance o crescimento econômico, a inserção das mulheres ao mundo do trabalho digno e com igualdade salarial, que promova a regionalização da rede de atendimento às mulheres, que eleve a qualidade de vida e erradique a pobreza, que promova o exercício da cidadania e a construção de uma cultura de paz.

Para isso, atuamos em uma perspectiva transversal dentro do Estado, estimulando a presença das mulheres na construção de um sistema de participação cidadã que priorize e delibere sobre o aumento do investimento em políticas públicas para a superação das desigualdades de gênero e o enfrentamento da violência. Assim como buscamos a promoção de políticas de atendimento, proteção, inclusão e enfrentamento à pobreza, buscamos a promoção da autonomia econômica e social das mulheres. Compreendendo que o exercício desta se dá também com a ampliação de infraestrutura social de apoio às mulheres nos meios urbano e rural e com a promoção de políticas para o empoderamento das mulheres. Com a institucionalização das políticas para mulheres, com um orçamento autônomo e independente, podemos fortalecer as políticas de enfrentamento à violência contra a mulher, cessando assim também as mais variadas formas de violência contra a humanidade.

domingo, 27 de novembro de 2011

UMA LEI PARA ILUMINAR O PODER PÚBLICO



Concebida para alcançar um grau inédito de transparência no país, a Lei Geral de Acesso à Informação surge com um desafio: romper a cultura do sigilo reinante na administração pública brasileira. Ao obrigar União, Estados e municípios a divulgarem todos seus atos e despesas, as novas regras podem se tornar o mais eficaz mecanismo de combate à corrupção.FABIANO COSTA E FÁBIO SCHAFFNER | BRASÍLIA, zero hora 27/11/2011

A partir de abril, quando a legislação entra em vigor, qualquer cidadão poderá solicitar a informação que bem entender a um ente público. Salvo documentos que comprometem a segurança do Estado ou revelam informações de caráter pessoal, o acesso terá de ser preferencialmente imediato – no máximo disponibilizado em 30 dias. Os poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, além de estatais e ONGs financiadas com recursos públicos, serão obrigados a expor seus dados na internet.

Das vantagens e auxílios concedidos a dirigentes aos motivos que justificam a elevação do custo de uma obra – artimanha corriqueira para falcatruas –, tudo terá de ser aberto ao escrutínio da sociedade.

A ambição de descortinar o manto de segredos que encobre a máquina pública, contudo, esbarra na escassa tradição de transparência de um Brasil no qual o Senado edita 663 atos secretos para nomeação de apadrinhados e o Judiciário omite muitas vezes o nome de magistrados investigados por corrupção ou incompetência.

– Nosso nível de transparência é sofrível. Haverá muita resistência à lei – diz o presidente da OAB, Ophir Cavalcante.

O país avançou nas últimas duas décadas, a ponto de especialistas estrangeiros surpreenderem-se com o fato de que aqui é possível descobrir quanto a Presidência gastou no dia anterior. Porém, prefeituras, governos, Assembleias, Câmaras, sobretudo estatais e o Judiciário, são refratários à cultura da transparência. Diante do estigma nacional das leis que não pegam, a eficácia da norma vai depender do engajamento da população.

– Temos de repetir o sucesso do Código de Defesa do Consumidor, que hoje é respeitado graças às cobranças dos cidadãos – diz Fernando Rodrigues, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo.

Na história, há casos emblemáticos de como o comportamento de autoridades pode mudar os rumos de uma nação. Nos EUA, Richard Nixon teve de renunciar em 1974 após a descoberta de fitas gravadas pela Casa Branca nas quais ele admitia ter conhecimento da invasão de escritórios da oposição por partidários vinculados ao serviço secreto. No Brasil, a reunião que culminou na edição do AI-5, o mais arbitrário ato do regime militar, foi registrada em áudio e está disponível na internet. Desde a restauração da democracia, contudo, não há registro público de nenhuma reunião ministerial.

Apesar dos obstáculos, o surgimento de entidades dedicadas à fiscalização da máquina estatal contribui para disseminar a cultura do livre acesso à informação. Diretor da ONG Contas Abertas, o economista Gil Castello Branco tem pelo menos 20 pedidos prontos para serem disparados tão logo a lei entre em vigor.

– O controle da sociedade tem de ser cada vez mais ampliado – prega Castello Branco.

Entenda as novas regras

Objetivos

A lei visa a facilitar o acesso à informações e ampliar o controle social sobre o setor público. Torna a publicidade a regra e o sigilo, a exceção. As normas entram em vigor em seis meses, estipulando prazos para entrega de dados e punições aos servidores que negarem acesso sem justificativa.

Como funciona

Todos os órgãos públicos terão de publicar informações na internet sobre sua atuação, gestão e disponibilidade orçamentária. Brasileiros, sem exceção, poderão consultar documentos. A disponibilidade deve ser imediata. Se isso não for possível, há um prazo de 20 dias, prorrogável por mais 10. Caso o acesso seja negado, deve ser justificado, e cada órgão terá de criar uma instância para que o cidadão possa recorrer.

Como proceder

É dever dos órgãos e entidades promover a divulgação em local de fácil acesso de informações por eles produzidas ou custodiadas. Também será assegurada a criação de locais específicos para atender e orientar o público. Independentemente disso, qualquer cidadão poderá requerer informações, sem necessidade de apresentação de motivos.

“Não podemos deixar que a lei caia no vazio”. Vânia Vieira, Diretora de Prevenção da Corrupção da CGU

Diretora de Prevenção da Corrupção da Controladoria-Geral da União (CGU), Vânia Vieira aposta na nova lei, mas está convencida de que será árduo o esforço para mudar a cultura de sigilo do funcionalismo público. A seguir, a síntese da entrevista:

ZH – Como mudar a cultura de sigilo do Estado brasileiro?

Vânia Vieira – O maior desafio é a barreira cultural. Uma pesquisa da CGU na administração federal revelou o pensamento dos servidores em torno do acesso à informação. No estudo, diagnosticamos que os funcionários dizem ser a favor da abertura dos dados de governo, no entanto, quando são questionados sobre situações concretas demonstram resistências. Muitos afirmam ter receio de entregar informações sem pedir autorização ao chefe e sem consultar o departamento jurídico. Mudar essa cultura demanda investimentos em ações de conscientização e capacitação.

ZH – O prazo de seis meses é suficiente para implementar a regra em todo o país?

Vânia – Não. É praticamente inviável. Na Inglaterra, a tolerância para colocar a lei de acesso em prática foi de cinco anos. O Executivo federal está em uma situação confortável, na medida em que já cumpre o rol de obrigações mínimas de transparência. Por outro lado, Estados, municípios e os poderes Judiciário e Legislativo terão muito trabalho.

ZH – Quais são os desafios para universalizar o acesso às informações públicas?

Vânia – O primeiro deles é a própria estruturação do sistema. A lei prevê que todos os órgãos e entidades deverão implantar os Sistemas de Informação ao Cidadão (SIC), uma unidade física para receber os pedidos de acesso e prestar orientações. Também é preciso aprimorar a gestão de informação dos órgãos no que se refere a registro e arquivamento de documentos. Não temos a tradição de registrar e tratar essas informações.

ZH – Quanto custará para tirar a lei do papel?

Vânia – Não temos estimativas, mas podemos adiantar que são volumes substanciais. Nos EUA, as agências federais gastam cerca de US$ 380 milhões (R$ 684 milhões) para processar e responder anualmente mais de 4 milhões de pedidos de informações. No Reino Unido, o custo anual de administração do sistema de acesso é de 35 milhões de libras esterlinas (R$ 97,4 milhões).

ZH – Quem fiscalizará se os órgãos estão prestando as informações de maneira adequada?

Vânia – No Executivo federal, a CGU atuará como instância recursal nos casos de descumprimento da lei. Para outros poderes, Estados e municípios, a legislação ainda terá de ser regulamentada.

ZH – Há punições para servidor ou órgão que descumprir as regras?

Vânia – Para ambos. A lei é bastante rigorosa. As sanções aos servidores, por exemplo, variam de advertência, multa e até demissão.

ZH – A divulgação de informações pode contribuir para diminuir a corrupção?

Vânia – Acreditamos que a transparência é um dos melhores antídotos contra a corrupção. Nos últimos anos, com o avanço da divulgação de informações do governo federal, percebemos a diminuição de falhas e irregularidades.

ZH – Como estimular o cidadão a fiscalizar o poder público?

Vânia – Esse é um dos pilares do sistema de acesso. Não podemos deixar que a lei caia no vazio. Em alguns países, como a África do Sul, a sociedade não fez uso do direito de acesso. Para que isso não ocorra aqui, o Estado e as organizações da sociedade civil precisam implementar ações de estímulo aos cidadãos. A sociedade precisa se apropriar dessas informações públicas.


UMA FAÇANHA DE MODELO AO BRASIL


GAÚCHO DA GEMA. Trabalho obsessivo e linguajar que diverte os colegas cariocas são duas marcas do secretário José Mariano Beltrame, santa-mariense que combate o tráfico no Rio com mão forte e cidadania - JOSÉ LUÍS COSTA | ENVIADO ESPECIAL/RIO

Dias depois de assumir a Secretaria da Segurança Pública do Rio, em janeiro de 2007, o delegado da Polícia Federal José Mariano Benincá Beltrame deparou com um apontador de jogo do bicho quase à porta da repartição no complexo da Estação Central do Brasil.

A indiferença do incauto diante de policiais civis e militares fez ferver o sangue de Beltrame. No meio de um formigueiro de gente, o inimigo número um da bandidagem carioca abandonou o carro oficial e deixou os seguranças de cabelo em pé ao ir no encalço do contraventor.

Como se diz no Rio Grande do Sul, o secretário natural de Santa Maria “grudou o homem à unha” e o apresentou, preso, na 4ª Delegacia da Polícia Civil, localizada no saguão do prédio centenário, quatro andares abaixo do seu gabinete.

É com essa obstinação que Beltrame, 54 anos, comanda desde então a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs, nos morros do Rio, a mais espetacular cruzada contra o crime no país. O sucesso o transformou em celebridade mundial em matéria de segurança pública. Al Jazeera, The New York Times, BBC, TVs da França, da China, todos querem ouvir o que Beltrame tem a dizer. Entrevistas têm de ser agendadas com até 30 dias de antecedência.

– É um profissional do ramo, qualificadíssimo. Alguém pode falar mil vezes e ninguém ouvir. Ele fala simples, uma vez só, e conquista a confiança de todos – diz o delegado da PF gaúcha, José Antônio Dornelles de Oliveira, amigo de Beltrame há três décadas.

Receio de grampos ao encomendar erva

O “Gauchão”, como é chamado por colegas de governo, se mantém fiel aos costumes forjados entre a roça e a zona urbana de Santa Maria. Recém-nomeado delegado, chegou ao Rio em 2003 (leia mais sobre a trajetória na página 6). Em oito anos, manteve o sotaque e as expressões típicas. No começo, provocava risos entre colegas e subordinados quando se surpreendia com algo e soltava: “vou morrer e, para ver tudo neste mundo, ainda vou ter de doar minhas córneas”.

O eterno verão carioca aguçou o gosto pelo chope supergelado, mas ele segue “dependente químico” do chimarrão. Cumpre o rito pontualmente às 6h em seu apartamento, em Ipanema, ao lado da segunda mulher, Rita Paes, formada em Educação Física, que também trabalha no governo do Estado, e do filho do casal, Francisco, dois anos – Beltrame tem mais dois, Maurício e Mariana, de 29 anos e 23 anos, do primeiro casamento.

Quando precisa encomendar apetrechos para o mate do Rio Grande, faz questão de falar bem claro ao telefone. É o temor de cair em um grampo, ser mal interpretado e por em risco a imagem de homem incorruptível.

– Se falam que vão me levar um negócio, aí, eu pergunto: “Que negócio? É erva-mate para o chimarrão, né?” Seguro morreu de velho.

Ao raiar do sol, Beltrame vai para um curso de inglês seguido por uma caravana de nove guarda-costas. Depois, malha em uma academia. Os seguranças ficam do lado de fora.

– As pessoas veem que sou de carne e osso, que meu coração bate igual ao deles.

Quando a agenda permite e a hérnia de disco dá trégua, Beltrame pratica seu hobby favorito. Caminha de oito a 10 quilômetros à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas. Se decide correr, relembrando os tempos de lateral-direto de muito fôlego e pouca bola no time da PF, os guarda-costas se obrigam a acompanhar.

– A segurança fica desesperada. Mas fiz uma boa ação. Botei todo mundo em forma. No começo, não estavam acostumados. Eu só ouvia os gritos: “ai, ai, ai, abri a panturrilha, abri a virilha” – conta, às gargalhadas.

O fôlego ainda suporta alguns exageros como em agosto: varou a noite dançando com jovens de uma favela em um baile de debutantes e, na manhã seguinte, completou os 21 quilômetros da Meia Maratona do Rio.

Entre garfadas, a ideia das UPPs

Beltrame chega ao gabinete abraçado a uma garrafa térmica. A mateada vai até o meio-dia, “lavando as tripas”, como costuma dizer. O trabalho não para no almoço. Pelo contrário. Beltrame garante que é o momento mais produtivo da jornada que se alonga, às vezes, além das 21h. Para trocar o restaurante pelo gabinete, organizou uma vaquinha entre assessores diretos – tem cinco subsecretários, quatro deles delegados da PF – e, com o dinheiro, paga uma cozinheira e os alimentos, saboreados em uma sala anexa:

– Nesta região é ruim de sair para comer. E tem de movimentar o aparato de segurança. Almoçando juntos, aqui, é uma maneira de despachar. Ali nasceu a ideia das UPPs e uma série de outras coisas. Estou convencido que essas reuniões nas quais você deixa a informalidade funcionar são muito mais proveitosas. “Por que a gente não ocupa o Alemão (conjunto de favelas)? Tá louco? Mas se fizer isso ou aquilo?” Aí, o almoço de 20 minutos vira duas, três horas, e a gente sai dali, cada um com uma missão.

Beltrame se delicia com comida simples: nhoque, salada verde, pudim de leite. Mas se lambe por um churrasco:

– O paladar daqui é pela carne mal passada. Dão aquela sapecada e, às vezes, fica com gosto de carvão. Agora, o pessoal já me conhece. Serve uma costela no espeto. E tem de ter gordura. Carne magra é para doente.

Bloquinho em vez de redes sociais

Apesar da pressão diária, Beltrame é tão dedicado aos afazeres que não se sente à vontade em descansar. Acredita na máxima de que “o boi só engorda com o olhar do dono”. Completa cinco anos como secretário em janeiro, sem jamais tirar férias.

– Não tenho esse plano agora. Me preocupo mais fora, parado, do que aqui.

No gabinete de 60 metros quadrados, toma as decisões que movimentam os 55 mil homens das polícias Civil e Militar fluminense.

Anota o mais importante em um caderninho surrado com distintivo do FBI. A agenda tradicional, com capa de couro preta, fica só para registro dos compromissos formais. Beltrame ainda é meio xucro com as novas tecnologias. Na internet, usa só o “feijão com arroz” para receber e enviar documentos por e-mail e acompanhar o noticiário. Esquiva-se de redes sociais para evitar dores de cabeça.

Embora já tenha sido ameaçado de morte 18 vezes, Beltrame não se sente bem enfiado em um colete à prova de balas. Confia na equipe de segurança e na proteção divina de Nossa Senhora Medianeira. Uma réplica em ferro da padroeira do Rio Grande do Sul fica ao alcance da mão. Católico fervoroso, não perde uma missa de domingo. Reveza-se em duas capelas, a Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, e a da PUC, na Gávea. Sempre com seguranças dissimulados como fiéis. Mas nem tudo é trabalho e missa. Beltrame se incorporou aos ritmos do Rio.

– Me apaixonei pela cidade – confessa.

Vai a shows como o Rock In Rio, o de Paul McCartney e ao Sambódromo. Foi na quadra do Salgueiro, em 2004, que conheceu Rita, durante um dos primeiros passeios fora do alojamento da PF onde vivia enfurnado. Por conta da nova paixão, simpatiza com o Vasco, time da mulher, mas mantém o Inter em primeiro lugar.

Tropa de elite em defesa do Inter

Raramente tem tempo de ir aos estádios. No domingo passado, horas antes da partida do Inter contra o Botafogo, no Engenhão, ele foi com a família até a concentração conversar com jogadores e torcedores. No microfone da Rádio Gaúcha, brincou que liberaria os caveiras do Bope para defender o colorado.

E qual será seu futuro? Beltrame rejeita a política. O mais perto disso são eventos como o jantar que teria no dia em que recebeu ZH, um encontro com empresários em busca de doações para UPPs. Hoje, o grande benfeitor na iniciativa privada é Eike Batista, que assegura R$ 20 milhões ao ano até 2014. Beltrame ressalta a missão de instalar 40 UPPs – está na metade do caminho –, para depois traçar novos planos. Deixa escapar um:

– Tenho aquela coisa meio de filho de imigrante, criado na terra. Gostaria de um dia, se possível, ter um canto, onde pudesse sujar as mãos na terra, criar, plantar. Meus avós eram da roça, meus pais sempre tinham isso...

Desejo simples de um interiorano à frente da maior revolução contra o crime na história do Brasil.


“É branquear os cabelos ou se esconder embaixo da mesa”. José Mariano Beltrame, secretário da Segurança do Rio.

Entre audiências e reuniões, o secretário da Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Benincá Beltrame, recebeu em seu gabinete, na quarta-feira, uma equipe de Zero Hora. Durante 50 minutos, falou da rotina de trabalho estafante no Rio. A seguir, trechos da entrevista:

ZH – Há um ano, o Complexo do Alemão foi ocupado (28 de novembro de 2010). Em 2011, as forças de segurança avançaram para Rocinha e Vidigal. O que mais lhe dá satisfação nestas conquistas?

Beltrame – Ver as mães quando faço visitas em comunidades com UPPs. Vi uma avó com uma criança de colo dizendo: “ó secretário, esse é meu neto, vai fazer dois anos e desde que nasceu nunca ouviu um tiro”. Respondi que, se Deus quiser, não vai ouvir. Isso marcou bastante. Assim como vejo uma pessoa com uma conta de luz na frente de uma casinha humilde, e ela diz “com essa continha de luz vou ali na esquina e abro um crediário”. Isso é cidadania.

ZH – E o momento mais difícil?

Beltrame – Desde o início foi muito difícil. Fomos recebido com a cidade sendo metralhada. Incendiaram ônibus, metralharam delegacias, porque, eu mesmo antes de assumir, disse que ia mandar os líderes (das facções) para presídios federais. E o Comando Vermelho tentou se insurgir e fez ações muito fortes e eu nem tinha assumido. Nos dois primeiros dias, eu dormi aqui nesse sofá. A morte dos meninos João Hélio (arrastado durante o roubo de um carro em 2007) e do João Roberto Soares (baleado em abordagem equivocada da PM, em 2008) marcaram muito.

ZH – Pensou em desistir?

Beltrame – Volta e meia, como diz o gaúcho, isso passa pela cabeça da gente. Eu digo, que, se eu pensasse em mim e em meus companheiros, talvez, agora, fosse momento de sair por cima. Mas se pensarmos no projeto para esse Estado, a gente vê que tem muita coisa a se fazer.

ZH – Como recebeu o convite para ser secretário?

Beltrame – Na época, a equipe do governador Sérgio Cabral procurava uma delegado federal para ser secretário. Meu nome foi ventilado para fazer uma proposta de segurança pública. Conversamos muito sobre o tema. Saí dessa reunião e fui para Santa Maria, era 14 de novembro de 2006. Aí, tocou o telefone e era o governador. Confesso que deu um gelo. Mas é aquela história do cavalo passar encilhado. Não dormiria em paz se não aceitasse.

ZH – Como é sua relação com o governador Cabral?

Beltrame – Ele me disse: “você faça o que tem de ser feito, e a política faço eu”. Nos ficamos, às vezes, 10 dias sem se falar. Nunca tocou um telefone para pedir por um delegado, um coronel, “bota o Fulano ali, tira o Fulano dali”. Ou, “não faz isso que vai macular a imagem tal”. Foi um homem que garantiu isso lá em 2006 e sustenta até hoje. Não me vejo aqui sem ele ou alguém muito ligado a ele.

ZH – Ganhou cabelos brancos e perdeu alguns fios?

Beltrame – Quem quer sentar ali (aponta para a mesa) e fazer, vai branquear os cabelos ou vai se esconder embaixo da mesa. Não há outra alternativa a não ser viver isso 24 horas por dia. São decisões difíceis, posicionamentos fortes, dignos de branquear os cabelos.

ZH – As milícias lhe preocupam mais do que o tráfico?

Beltrame – No geral, não dá para dizer que o tráfico seja organizado. A milícia se desenha mais como crime organizado. Ela usa muita violência, usa o agente público. Além disso, ela conta com a polícia. Se investigar isso já é difícil, investigar com o componente polícia se torna ainda mais difícil. Nós temos ações contundentes. Cheguei aqui, tinha seis milicianos presos. Hoje tem 800.

ZH – O senhor encara a morte da juíza Patrícia Acioli como uma derrota em meio a tantas batalhas vencidas?

Beltrame – Não tenha dúvida. Não podemos ganhar todas. Tentaram calar a boca do Judiciário e isso é muito ruim. Mas o mesmo Estado que sofreu uma ação triste dessas é o mesmo que soube prender essas pessoas e entregar para a Justiça.

ZH – Foi por isso que o comandante da PM (coronel Mário Sérgio Duarte) foi exonerado? Foram quatro comandantes da PM e três chefes da Polícia Civil. Não é muita troca?

Beltrame – O comandante (Duarte) trouxe para si a responsabilidade da nomeação (do tenente-coronel Cláudio Luiz Oliveira, acusado como mentor do crime). E ele soube reconhecer que, acima dele, existe um projeto para o Estado. Gostaria que fosse um nome só. Mas a gente vai procurando entender se precisa trocar ou não. Sou exigente. A começar comigo.

ZH – O senhor é visto na rua sem colete à prova de balas...

Beltrame – Eu e minha família, graças a Deus, não pensamos muito nisso. Quando a polícia prende corretamente as pessoas, acho que isso não compromete a nossa vida. No linguajar policial, se diz ao bandido que ele perdeu. E ele sabe, dentro dele, que perdeu.



COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Bela e justa homenagem do Jornal Zero Hora a este bravo e honesto delegado da polícia federal atuando na frente da Secretaria de Segurança de um Estado que, no país, paga os piores salários aos policiais, detém os níveis de criminalidade mais elevadas, onde tem o maior número de mortes em enfrentamento, onde a corrupção é mais evidente e onde o poder do crime é mais saliente, forte e abastecido com armas de guerra. A decisão de recuperar as comunidades do poder do tráfico através da ocupação policial ao invés de continuar as políticas de enfrentamento onde mais morriam vítimas inocentes e policiais que bandidos, é seu maior mérito. Neste objetivo contou com estratégias que defendi no meu livro "Ordem e Liberdade"(PolOst.2006)num capítulo denominado "Como vencer a guerra do Rio". Ele foi além, conquistou o coração e a motivação de policiais bravos e honestos que há muito tempo já pediam medidas deste porte, estabelecendo ações prevendo a redução de riscos para as comunidade envolvidas.

Pena que todo este esforço tem sido inutilizado na continuidade, onde justiça, MP, defensoria e setores sociais ainda não estão devidamente comprometidos, assim como não estão a AL-RS e o Congresso Nacional na elaboração de leis rigorosas (sem brechas para a impunidade e conflitos constitucionais) e na construção de sistemas, nacional e estadual, de ordem pública envolvendo e aproximando o Poder Judiciário cumprindo sua função coativa. Sem estas medidas e mantendo a política de desvalorização salarial dos policiais, com o tempo, as UPPs se enfraquecerão e a bandidagem continuará operando no Rio e migrando técnicas mafiosas para outros Estados ainda despreparados e executando política partidária nociva dentro das secretarias de segurança.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A GUERRA DO RIO - DESARTICULANDO O TRÁFICO


PF realiza operação para desarticular quadrilha de traficantes. Policiais cumprem mandados de prisão em dezenas de endereços da Região Metropolitana - Antonio Werneck e Sérgio Ramalho - 25/11/11 - 9h47


RIO - Policiais federais do Rio estão cumprindo, na manhã desta sexta-feira, mandados de prisão de traficantes e de busca e apreensão em dezenas de endereços na Região Metropolitana do estado. O objetivo é desarticular uma grande quadrilha de traficantes de drogas que atuava no Rio a partir do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, com apoio e participação de policiais militares do 7º BPM (São Gonçalo). Foi do batalhão da Polícia Militar de São Gonçalo que saíram os policiais militares acusados de executar a juíza Patrícia Acioli. Ao todo, 22 policiais militares foram identificados nas investigações. Eles foram presos no mês passado por determinação judicial.

Batizada de Martelo, numa referência à atuação rigorosa da magistrada, a operação está sendo realizada em conjunto com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público estadual e com o apoio do setor de inteligência da Secretaria de Segurança do Rio e da Corregedoria da Polícia Militar do Rio. Participam da ação 410 policiais, sendo 330 federais, por terra, ar e mar, cumprindo 46 mandados de prisão e 51 de busca e apreensão.

A investigação teve início no mês de outubro de 2009, com o objetivo de apurar os envolvidos com o tráfico de drogas no Complexo do Salgueiro, considerado atualmente pela PF um dos maiores entrepostos de drogas do estado. Durante as investigações, diálogos comprometedores foram interceptados pelos policiais federais com autorização judicial. Os traficantes são da mesma organização criminosa que dominava o tráfico nos complexos da Penha e do Alemão, ocupados por forças federais há um ano para a implantação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Os policiais federais identificaram ainda que o grupo de traficantes atuava no estado em parceria com bandidos da facção criminosa de São Paulo praticando assaltos, tráfico de drogas e rebeliões em presídios. A quadrilha de São Gonçalo era comandada de dentro do Complexo Penitenciário de Bangu, pelo traficante Antônio Ilário, o Coroa ou Rabicó.

Nas investigações, os policiais federais descobriram o envolvimento de diversos policiais militares lotados na época no 7º BPM em crimes como tráfico de drogas e extorsão. Em algumas escutas, os PMs são flagrados pedindo dinheiro aos bandidos, falando sobre sequestros parentes e membros da quadrilha e até ordenando assassinatos.

Segundo relatórios da PF e do MP estadual obtidos pelo GLOBO, a identificação dos policiais flagrados nas escutas telefônicas foi possível em razão das datas, das escalas de serviço, da composição das guarnições e do teor dos diálogos travados em comparação com as informações prestadas pela Corregedoria Geral Unificada sobre a qualificação, escalas de plantão e números e placas de viaturas utilizadas. Os federais também usaram um exame minucioso de con fronto de padrão de voz.

PACIFICAÇÃO - ROCINHA AGUARDA SERVIÇOS PÚBLICOS


Rocinha partida: melhorias permanecem longe dos becos. Moradores das vielas ainda aguardam a chegada dos serviços públicos - Taís Mendes e Natanael Damasceno, O GLOBO, Atualizado: 25/11/11 - 0h29

RIO - Quem circula pelas principais ruas da Rocinha percebe logo a presença do poder público: vias livres de lixo, nova iluminação, asfalto ainda quentinho. E a presença de operadores da CET-Rio, ordenando o trânsito da Estrada da Gávea, não deixa dúvida de que ali, agora, quem manda não é mais o tráfico de drogas. Mas nem tudo é perfeito ainda. Basta se embrenhar um pouco mais para perceber que o choque de ordem tem muito a caminhar lá dentro se quiser acabar com o contraste dos becos mal iluminados e ainda cobertos por lixo e esgoto.

Na Travessa 50, cheiros de feijão fresco e de esgoto

Subindo as escadarias da Travessa 50, uma das vielas da Rua 2, chama a atenção a mistura dos cheiros do esgoto com o do feijão fresquinho. A dona de casa Lourdes da Silva aguardava na quinta-feira a chegada do marido e do filho adolescente para o almoço. Na porta de casa, olhava desolada a montanha de lixo a poucos metros:

— Aqui, não trocaram nem uma lâmpada — comentou.

O vizinho Gilmar Gomes Ferreira conta que paga a um menino para limpar o trecho do beco em frente à sua casa:

— As contas chegam para a gente todos os meses, mas o gari nunca veio aqui, nem os comunitários.

Na Travessa 40, moradores contam que pelo menos as lâmpadas dos postes já foram devidamente substituídas.

— Melhorou bastante a iluminação, mas os outros serviços ainda não chegaram — comentou um comerciante, que não quis se identificar. — É tudo muito recente. O melhor é ficar calado — justificou.

A dona de casa Ana Lúcia Vieira não teme e faz questão de denunciar.

— Aqui, o choque de ordem não chegou. E estamos pensando em fazer um abaixo-assinado para tentar acabar com esse valão cheio de ratos. Quando chove, o valão parece uma cachoeira, e os ratos caem junto com a água no meio da rua — contou Ana, que mora no beco da Rua 2 há 15 anos.

Na região conhecida como Pocinho, lixo e esgoto também imperam nos pequenas vielas. Há também uma grande quantidade de sacos de areia e entulhos de obras, que ocupam parte do espaço e dificultam a passagem dos moradores.

— Essa obra foi abandonada, mas o material nunca foi recolhido. Já virou criadouro de mosquitos, ratos e baratas — reclamou a diarista Valeria dos Santos, apontando para uma montanha de sacos de areia abandonados na casa vizinha à sua.

A dificuldade de acesso tem sido um desafio para a chegada dos serviços públicos nos becos, segundo o administrador regional da Rocinha, Jorge Colares.

— O lixo, por exemplo, tem que ser recolhido com containeres porque os caminhões, nem mesmo os menores, conseguem entrar. Mas as equipes da Rio Luz já começaram a trabalhar também nos becos. Já trocaram um total de 1, 8 mil lâmpadas — afirmou o administrador regional.

Subprefeitura diz que há esforço para chegar aos becos

De acordo com Jorge, aproximadamente 60 garis comunitários trabalham no recolhimento do lixo nos becos. Já os cem garis da Comlurb que chegaram na comunidade após a ocupação policial se concentram nas vias principais da favela.

— Alguns também reforçam a limpeza nos becos, mas nesses locais os serviços vão demorar um pouco mais para chegar por causa da dificuldade de acesso — admitiu.

Já o subprefeito da Zona Sul, Bruno Ramos, afirmou que a prefeitura está mobilizada para atingir todos os pontos da comunidade.

— Nós já vínhamos trabalhando para acabar com os problemas, mesmo antes da ocupação pela polícia. Agora vamos caminhado devagar, uma vez que, além da dificuldade de acesso, esse trabalho exige um esforço para coordenar os serviços de várias secretarias. Estamos trabalhando intensivamente a questão do lixo e da iluminação. O próximo passo será atacar o problema dos valões existentes na comunidade — afirmou.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O Estado erra ao esperar que só as forças policiais podem garantir o resgate da confiança do cidadão. É preciso que outros serviços públicos entrem em assão rapidamente para que o cidadão sinta a entrada do Estado nas comunidades e que o tráfico não fará falta.

A GUERRA DO RIO - TRÁFICO ATACA TROPA DO EXÉRCITO

Tráfico ataca tropa do Exército no Complexo do Alemão. Soldado foi ferido no braço enquanto fazia patrulhamento no Morro da Caixa D’Água - Duilo Victor - O GLOBO, 25/11/11 - 3h56


RIO - O soldado do Exército Leandro Barros dos Santos foi baleado no antebraço direito durante um tiroteio com traficantes nas proximidades do Morro da Caixa D’Água, em Ramos, no Complexo do Alemão, no final da noite de ontem. A comunidade está ocupada pela Força de Pacificação desde novembro do ano passado.

Um grupo de 12 militares fazia patrulhamento a pé, por volta das 22h, quando foi atacado por pelo menos dois bandidos, perto da sede da Central Única das Favelas (Cufa). Atingido por um tiro de pistola, o soldado foi levado para o Hospital Central do Exército (HCE), em Triagem. O quadro de saúde do militar é estável.

Logo após o ataque a tiros, cerca de 200 homens, entre soldados do Exército e policiais do Batalhão de Campanha da Polícia Militar, reforçaram o patrulhamento e realizaram buscas para tentar encontrar os bandidos. O general Rêgo Barros, comandante da Força de Pacificação, foi ao local do ataque para liderar a busca aos criminosos.

— Os bandidos atiraram deliberadamente. O soldado foi atingido logo quando os tiros começaram. Procuramos abrigo e depois veio o reforço. Nossa tropa não revida a esmo, mas a intenção agora é capturar os atiradores — disse o major Evandro Lupchinski.

De acordo com o major, foi a primeira vez que um militar do grupo Arcanjo 5, tropa da 4ª Brigada de Infantaria Motorizada, de Juiz de Fora, que está atualmente no comando da Força de Pacificação, foi ferido em ações de patrulhamento.

No fim da noite de ontem, cerca de 60 homens, em três caminhões do Exército, estavam de prontidão no quartel da Força de Pacificação, para se juntar a qualquer momento aos militares que patrulhavam o complexo.

Apesar do incidente, o tráfego era normal nas ruas que dão acesso ao Alemão no fim da noite, assim como no teleférico que atende ao complexo de favelas.

Não é a primeira vez que o Complexo do Alemão é palco de um confronto desde que a região foi ocupada pelas forças de segurança. No início de setembro, houve tiroteio na região, inclusive com balas traçantes cruzando a parte baixa da favela. Na ocasião, bandidos que estavam no Morro da Baiana, favela vizinha ao Alemão, teriam disparado contra policiais militares e integrantes da Força de Pacificação. O tráfego na Estrada do Itararé, na altura da Avenida Itaoca, foi fechado. Ninguém se feriu.

PODER CIVIL JÁ!

OPINIÃO - O Estado de S.Paulo - 25/11/2011

Cada caso de sucesso é um caso à parte no curso da conturbada primavera árabe, que completará um ano em janeiro. Na Tunísia, o primeiro país onde o povo na rua pôs abaixo uma tirania, na vasta região que vai da África do Norte à Península Arábica, dez meses depois eleições parlamentares livres abriram caminho para a formação, ainda por se consumar, de um governo legítimo. Na Líbia, ao cabo de oito meses de guerra civil, um governo provisório se instalou em Trípoli, mas a efetiva democratização do país parece uma miragem. No Egito, bastaram 18 dias de protestos para apear Hosni Mubarak. No Iêmen, a queda de Ali Abdullah Saleh, na quarta-feira, levou dez meses.

Nesses dois países, porém, as manifestações prosseguem. Os iemenitas acampados em Sanaa, a capital, rejeitam o acordo com a oposição, mediado pela ONU e a Arábia Saudita, segundo o qual o ditador se comprometeu a ceder o lugar em 30 dias para o seu vice. Este, por sua vez, formará um governo de união nacional e convocará eleições no prazo de três meses. Em troca da renúncia, Saleh recebeu garantias de imunidade - o que enfurece os ativistas, dos quais mais de 200 foram mortos no correr dos protestos. "Os crimes de Saleh não desaparecerão com o tempo", argumenta uma estudante. "Portanto, nós o perseguiremos até o fim." É improvável que o consigam: ele deve se asilar no reino saudita.

Já no Egito, o clima é de insurreição - e ninguém ousa prever o dia de amanhã. No fim da semana passada, depois de nove meses, os jovens voltaram a ocupar a Praça Tahrir, no Cairo, para denunciar a continuidade do regime de arbítrio de Mubarak, agora sob o controle dos seus camaradas do Conselho Supremo das Forças Armadas, e pela relutância da junta em promover a prometida transição para a democracia, evitando, por exemplo, marcar a data da eleição presidencial. A gota d'água foi um comunicado deixando escancarada a vontade da cúpula militar de continuar tutelando o país.

O texto estipula que as Forças Armadas indicarão 80 dos 100 membros da comissão constitucional a ser formada pelo Parlamento a tomar posse em março, depois de um arrastado ciclo eleitoral a se iniciar na próxima segunda-feira. Além disso, a futura Constituição não abrangerá assuntos militares, como o orçamento das Três Armas, os seus amplos poderes no campo econômico e a prerrogativa da última palavra em matéria de defesa e política externa. A repressão policial aos novos protestos comprovou que o passado não passou no Egito. Em três dias, 33 manifestantes foram mortos à bala e mais de mil ficaram feridos - o que só radicalizou o movimento.

Um desconcertado Mohamed Hussein Tantawi, o marechal de campo que foi ministro da Defesa de Mubarak e comanda o Conselho Supremo, foi à TV anunciar que as eleições para presidente se realizarão em junho do ano que vem e que os militares estão prontos a entregar o mando aos civis, se assim o povo decidir em um plebiscito - em data indefinida. O único efeito do pronunciamento foi aglutinar os protestos em torno de uma única palavra de ordem, o equivalente a "Poder civil, já". A destituição de Tantawi, o desmanche da junta e a formação (não está claro como) de um "governo de salvação nacional" ganharam precedência sobre o cumprimento do calendário eleitoral, a nova Constituição e até a eleição presidencial.

Ontem, um dia depois de um dos piores confrontos do ano, quando a polícia atacou os manifestantes com um tipo devastador de bombas de gás, matando cinco deles e ferindo muitas centenas - antes que tropas do Exército enfim se interpusessem -, dois generais, falando pelo Conselho Supremo, pediram inéditas desculpas pela morte dos "mártires dos leais filhos do Egito". Um deles, Muhammad al-Assar, pediu para não serem comparados ao regime de Mubarak. Mas é exatamente o que pensa o movimento democrático. O seu drama é não ter um líder nacional que possa assumir um governo para remover o entulho autoritário de 60 anos de hegemonia política armada enquanto prepara o futuro. A única força civil organizada no país é a Irmandade Muçulmana - e ela, por oportunismo, prefere dialogar com os militares.

UMA NAÇÃO INDEFESA


OPINIÃO O Estado de S.Paulo - 25/11/2011


A preservação da segurança nacional e a proteção dos cidadãos brasileiros contra ações criminosas vindas do exterior dependem cada vez mais das intenções e objetivos de potenciais agressores e cada vez menos do governo brasileiro, que não está cumprindo adequadamente seu papel de defender o território nacional e a população. O Brasil corre o risco de se transformar numa nação indefesa.

Ante o sucateamento das Forças Armadas, hoje praticamente incapazes de cumprir sua missão constitucional, como comentamos ontem nesta página, o governo, alegando motivos orçamentários, tomou uma decisão que, na prática, equivale a se ausentar das fronteiras do País. Aos problemas já graves da porosidade decorrente das características das nossas fronteiras secas, de 16,8 mil quilômetros, soma-se a decisão do governo de cortar verbas que assegurariam a presença dos órgãos de segurança e de outras instituições do Estado brasileiro nessa área. Essa presença é indispensável para o combate a crimes como tráfico de drogas, contrabando de armas e outras mercadorias e entrada ilegal de estrangeiros.

Anunciado em junho com o objetivo de tornar mais eficiente a política de segurança e estabelecer de maneira definitiva a presença do Estado nas regiões fronteiriças, o Plano Estratégico de Fronteiras foi considerado prioritário pelo governo Dilma. A designação do vice-presidente da República, Michel Temer, para coordenar a execução desse plano foi interpretada na ocasião como um explícito reconhecimento de sua importância.

No entanto, nada saiu do papel até agora, como mostrou o Estado, em reportagem de Vannildo Mendes (23/11). Apesar de sua concepção inovadora, o Plano Estratégico de Fronteiras parece ser mais um daqueles que, à míngua de recursos, ficam na gaveta.

O Ministério da Justiça, responsável administrativamente pela coordenação do plano, diz que a maioria das ações só começará a ser executada no ano que vem, pois seu orçamento para 2011 teve cortes de R$ 1,5 bilhão. Para forçar o governo a agir, policiais federais decidiram fazer uma operação-padrão.

O plano prevê benefícios para os policiais federais designados para as fronteiras e o aumento de 100% do efetivo. O adicional de 20% a 40% na remuneração do policial federal, conforme as dificuldades da região para a qual for designado, já tem a concordância do Palácio do Planalto, mas ainda depende da solução de questões legais para ser efetivado. O governo chegou a enviar policiais para as fronteiras, mas, com as remoções, aposentadorias e baixas, o saldo é praticamente nulo. Estava prevista a entrada em operação imediata de 2 aviões não tripulados de observação - de um total de 14 previstos no plano -, mas, até agora, só 1 está operando. Até o momento, não foi aberto nenhum dos 28 novos postos de policiamento de fronteira que deverão estar em funcionamento até 2013.

Pouco mais de 500 policiais atuam nos postos de fronteira e nas bases instaladas nas margens de rios que nascem em outros países. Isso representa menos de 4% do efetivo da Polícia Federal. Além de poucos, os policiais que atuam nas fronteiras enfrentam grandes dificuldades para cumprir suas missões. Meios de comunicação e de transporte precários e equipamentos insuficientes são algumas delas. Antes temida, hoje a Polícia Federal é desafiada pelos bandidos, muitos dos quais ostentam armamentos mais potentes e modernos que os que estão à disposição dos policiais.

O governo encontrou uma justificativa simples para a paralisação do plano: a situação econômica. Em resposta à reportagem do Estado, que procurou ouvir o vice-presidente Michel Temer, sua assessoria garantiu que o governo vai investir na melhoria das condições de trabalho dos policiais, mas com a ressalva de que os investimentos serão feitos "respeitando os limites de uma conjuntura desfavorável".

Um governo eficiente saberia, mesmo em "conjunturas desfavoráveis", preservar ao máximo os programas que considera prioritários. E no Congresso, com as exceções de praxe, os políticos permanecem calados diante desse descalabro.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

DEFESA SUCATEADA

OPINIÃO O Estado de S.Paulo - 24/11/2011

O mais recente documento dos comandos do Exército, Marinha e Aeronáutica sobre o estado dos equipamentos militares comprova que continua em curso o processo de sucateamento das Forças Armadas, iniciado há muitos anos. As consequências podem ser graves. O treinamento e preparo do pessoal acaba espelhando as condições precárias do equipamento e dos sistemas de armas e o resultado óbvio disso é a redução da capacidade de defesa do País, que também fica sem condições de sustentar ações de política externa que exijam qualquer tipo de apoio militar.

A reportagem de Tânia Monteiro publicada pelo Estado (22/11) mostra que o problema não se deve apenas à falta de recursos. Em termos absolutos - excluídos os gastos com a dívida pública e a Previdência -, o orçamento militar é menor, apenas, que o do Ministério da Saúde. Mas a liberação desses recursos não é regular e contínua, o que prejudica enormemente qualquer planejamento militar, que depende de continuidade.

Os contingenciamentos de verbas comprometem os planos de reaparelhamento das Forças Armadas. É verdade que as dotações orçamentárias para as três Forças cresceram nos últimos anos. De R$ 5 bilhões para investimentos e custeio em 2007, os recursos aumentaram para R$ 7,77 bilhões em 2008, R$ 10,05 bilhões em 2009, R$ 12 bilhões em 2010, R$ 12,9 bilhões (valor estimado) em 2011 e R$ 14,4 bilhões (valor que consta do projeto de lei orçamentária em exame no Congresso) em 2012.

A reportagem não deixa dúvidas, porém, de que, mesmo com mais dinheiro, a situação das Forças Armadas continua piorando, e com rapidez. Em março, a Marinha - que, como dizem as autoridades, tem a missão de proteger a área do pré-sal - mantinha em operação apenas 2 de seus 23 jatos A-4; hoje, nenhuma dessas aeronaves tem condições de decolar do porta-aviões São Paulo. Das 100 embarcações militares, entre corvetas, fragatas e patrulhas, apenas 53 estão navegando. Dos 5 submarinos, só 2 estão operando.

Na Aeronáutica, dos 219 caças, apenas 72 (33%) estão em operação; dos 81 helicópteros, 22 (27%); dos 174 aviões de transporte, 67 (39%); dos 177 aviões de instrução e treinamento, 49 (28%). Se considerada a idade média da frota, a situação é ainda pior. Quase 90% dos aviões da FAB têm mais de 15 anos de uso, quando, para uma força operacional com um mínimo de eficiência, o recomendável é que no máximo metade das aeronaves tenha mais de 10 anos de uso. Quanto às baterias antiaéreas, as 9 existentes estão fora de uso.

No Exército, a situação não é melhor. Dos 1.610 veículos blindados, apenas 982 (61%) estão disponíveis; dos 78 helicópteros, 39 (50%)estão em operação; e, dos 563 obuseiros, estão disponíveis 449 (80%).

Esses números mostram a urgência da recuperação da capacidade operacional do setor militar, que, ao mesmo tempo, precisa ampliar o alcance de suas ações, por meio de programas como o do submarino nuclear, que já contabiliza grande atraso em sua execução, e o de reequipamento da FAB.

Mas, se mais recursos têm sido aplicados no setor militar e, ainda assim, a situação piora e os programas inovadores não avançam, o que há de errado, além da intermitência da liberação das verbas?

O item que mais absorve recursos do Ministério da Defesa, e o faz em proporção alarmantemente crescente, é o de pessoal. São mais de 750 mil militares da ativa e da reserva e pensionistas. Isoladamente, esse item consome cerca de 80% do orçamento do Ministério da Defesa. Mas o mais grave é que pelo menos 75% das despesas com pessoal correspondem a gastos com inativos e pensionistas - uma despesa cujo crescimento é inexorável.

O modelo de carreira militar adotado pelo Brasil produz duas distorções. Uma delas é a concentração, cada vez maior, de despesas com o pessoal inativo. A segunda é a carência de contingentes de reservistas - sargentos e oficiais - com idade apropriada para atender a uma eventual convocação. O sistema é, assim, insustentável.

Os políticos não parecem interessados em discutir os problemas estruturais das Forças Armadas.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

LIBERDADE DE IMPRENSA AMEAÇADA

Randolfe: “A liberdade de imprensa está ameaçada”. Senador classifica as ações movidas em bloco por servidores do Senado contra o Congresso em Foco como “um crime contra a democracia”. E convida Marina Silva a entrar no Psol - por Rudolfo Lago, CONGRESSO EM FOCO, 23/11/2011 07:00


"Querer calar um veículo que presta um serviço como o que faz o Congresso em Foco chega a ser um sacrilégio", considera Randolfe

Críticas seguidas ao trabalho da imprensa, acusações de golpismo, sugestões de controle do conteúdo publicado. Há, no entender do senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP), um perigoso conjunto de ações que coloca em risco a liberdade de expressão no Brasil. E a decisão de 43 servidores do Senado que ganham vencimentos que ultrapassam o teto constitucional de ingressar com ações individuais na Justiça contra o Congresso em Foco é uma expressão desse risco. Por isso, Randolfe pensa em propor uma audiência pública no Senado para discutir, a partir do caso do Congresso em Foco, os riscos impostos hoje à liberdade de imprensa no país. “A liberdade de imprensa é uma conquista da sociedade brasileira consagrada no texto constitucional que não pode de modo algum ser ameaçada”, pondera Randolfe.

Para o senador mais jovem da República (Randolfe tem 39 anos), a atitude dos servidores que ingressaram com ação contra o Congresso em Foco é “arbitrária, indevida e fere a liberdade de imprensa”. Tudo o que envolve a administração pública, entende Randolfe, deve ser transparente. O servidor não pode invocar constrangimentos pela revelação dos seus vencimentos, cujos valores são públicos. “Constrangida fica a Constituição e a democracia”, rebate o senador.

Da mesma forma, Randolfe condena as críticas que têm sido feitas ao trabalho da imprensa nas denúncias contra os ministros do governo Dilma Rousseff. Por conta dessas denúncias, cinco ministros foram afastados e o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, enfrenta agora processo semelhante. Políticos e partidos ligados ao governo criticam tal trabalho jornalístico, alegando que a sua intenção é política, com um propósito desestabilizador e golpista. “Quem não deve, não teme”, considera Randolfe. Para o senador, o que vale é a verdade: se as denúncias publicadas não forem verdadeiras, elas não se sustentarão. Randolfe condena qualquer iniciativa de controle social da imprensa que tenha por intenção limitar o conteúdo das publicações. “Controle social – da sociedade, não do Estado – para o que é público, como a destinação das concessões de rádio e TV, é válido. Mas nunca para determinar o conteúdo do que é publicado”, defende.

Marina no Psol

Dentro das discussões que a ex-senadora Marina Silva, candidata do PV à Presidência nas últimas eleições, vem fazendo para a criação de um novo partido, há informações de que a ex-senadora Heloisa Helena, fundadora do Psol, poderia deixar o partido para ingressar na nova agremiação. “Não quero nem pensar nessa hipótese”, reage Randolfe. O senador sugere o contrário: a entrada de Marina no Psol. “Se ela quiser vir para o nosso partido, é muito bem-vinda”.

Formado em História, Randolfe faz ainda uma análise sobre a atual crise econômica mundial, e os desafios da esquerda nesse processo. Na sua resposta, ele cita dois importantes filósofos e economistas. O primeiro é o inglês John Maynard Keynes, que pregava que nos momentos de grande crise financeira, quando o investidor privado se recolhe diante da incerteza, cabe ao Estado intervir na economia e fazer os investimentos. O segundo é o alemão Karl Marx, fundador da doutrina comunista, à qual Randolfe se agrega, que propõe a existência de uma sociedade igualitária, sem classes sociais, na qual a propriedade e o controle dos meios de produção sejam comuns.

Leia abaixo a entrevista de Randolfe Rodrigues:

Congresso em Foco – O site Congresso em Foco é alvo no momento de uma série de processos movidos por servidores do Senado que recebem salários acima do teto constitucional. Foram publicados os nomes e vencimentos desses servidores, e, como consequência, foram movidos 43 processos contra o site, por orientação do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo (Sindilegis). Como o senhor avalia essa atitude?
Randolfe Rodrigues – É uma atitude arbitrária, indevida, que fere a liberdade de imprensa. Nem o poder público, nem qualquer corporação, tem o direito de tentar inibir a liberdade de imprensa. A verdade não deveria ser objeto de sigilo. O salário dos servidores não pode nunca ser objeto de sigilo. O salário dos servidores deveria ser público, do conhecimento de todos, por excelência. Nesse caso, há um claro choque entre os interesses da corporação e os da democracia brasileira, que está representada, nesse ato, pela ação livre do Congresso em Foco na sua tarefa de investigar e deixar às claras que acontece no Legislativo brasileiro.

A justificativa desses servidores, ao entrar com os processos, é que o Congresso em Foco teria violado a privacidade deles ao publicar essas informações, e que isso poderia lhes gerar certos constrangimentos, certos riscos…
Não haveria nenhum constrangimento se todos os salários pagos estivessem dentro do teto constitucional. A Constituição estabelece um teto para os salários dos servidores públicos. Que, no âmbito do Judiciário, não pode ser maior que o dos ministros do Supremo. No âmbito do Executivo, não pode ser maior que o do presidente da República. E, no âmbito do Legislativo, não pode ser maior que o de senadores e deputados federais. Isso está na Constituição, isso está preceituado no nosso texto constitucional. O constrangimento que há é a revelação da verdade, de termos vencimentos de servidores acima do que prevê a Constituição. Constrangida está a democracia e a Constituição.

O fato dessa iniciativa ter acontecido por orientação de um sindicato de trabalhadores, como é que o senhor avalia?
É mais grave ainda. Os sindicatos foram vítimas da ditadura, do arbítrio, da perseguição. Os sindicatos são fundamentais para a democracia. Mas os sindicatos não podem defender o interesse da corporação acima da Constituição, acima da democracia

Hoje, há uma grande discussão acerca do trabalho da imprensa. Os veículos jornalísticos têm feito várias denúncias que envolvem ministros do governo que, por consequência, acabam deixando seus cargos. Há quem considere que essa ação da imprensa teria um propósito político – para alguns, mesmo golpista –, desestabilizador. Como o senhor avalia essas críticas?
Eu parto do princípio de que, na administração pública, quem não deve, não teme. Esse princípio, esse adágio tão popular, deve servir também para a atuação do administrador público. Em uma democracia, é louvável, e deve ser incentivada, a fiscalização da atividade pública. E quem fiscaliza a atuação de todos os entes públicos é uma imprensa livre e democrática. Quanto mais livre for a imprensa, maior será instrumento de controle social sobre a atuação pública existirá.

E se as denúncias não tiverem fundamento?
Não vão prosperar. Uma denúncia sem fundamento cairá por ela própria. Não encontrará sustentação. O que nós estamos vendo é que uma denúncia de um meio de comunicação tem levantado outras denúncias. Então, é lógico que, numa situação dessas, acaba se tornando inevitável a substituição dos ministros envolvidos ou alguma outra medida mais dura. Reclamam da revista. Mas quem voou no avião da empreiteira não foi o jornalista da revista. Se fosse mentira que ocorreu o voo do ministro no avião da empreiteira, a revista se desmoralizaria. É simples. Se não houver fundamento, basta desmoralizar o meio de comunicação com a verdade. Provar que o que está sendo dito é mentira.

Como parte dessa mesma discussão, há quem defenda a criação de um mecanismo de controle social da mídia. Qual sua posição sobre esse tema?
Depende do que se chama de controle social. Eu não vejo dificuldade nenhuma em, por exemplo, nós constituirmos um conselho de controle social da comunicação se ele de fato for independente, com participação dos vários setores da sociedade, com participação dos jornalistas, dos proprietários de rádio, TVs e jornais. Que seja realmente da sociedade civil, que não tenha e forma alguma controle estatal. E que seja uma instituição para avaliar e controlar o que é público no setor de comunicação. Por exemplo, um canal de televisão é uma concessão pública. Hoje, existem várias concessões de rádio que são simplesmente entregues para políticos, que não têm nenhuma independência, nenhuma autonomia. A constituição de algo com esse propósito, eu não vejo problema. O que eu vejo problema é quando tal proposta aparece com o propósito de querer limitar uma conquista da sociedade consagrada no texto constitucional, que é a liberdade de imprensa, já várias vezes ratificada pelo Supremo Tribunal Federal.

Ou seja: nada que atuasse, então, na análise ou na determinação do conteúdo?
Exatamente. Nunca para discutir o conteúdo. Nada de controle sobre isso. Mas tudo de controle sobre o que é público.

O senhor chegou a mencionar a possibilidade de trazer essas discussões sobre ameaças à liberdade de imprensa, a partir do episódio ocorrido com o Congresso em Foco, para uma audiência pública. Ainda cabe essa proposta?
Está colocada a proposta. Quero provocar os parlamentares para essa discussão. O site Congresso em Foco presta um serviço inestimável para a democracia. Qual a tendência que existe? A tendência que há hoje é para os extremos. O Parlamento ser louvado, pelos seus instrumentos institucionais, como uma Casa de santos, o que não é, e por outro lado ele ser criminalizado, como instituição de bandidos, o que também não é. No Parlamento, existem muitos vícios, mas existem também parlamentares que procuram exercer o mandato pautados no interesse republicano. O site Congresso em Foco é a única instituição que eu conheço – talvez só se assemelhe em relação a isso o Diap [Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar], mas o Diap não tem o alcance do Congresso em Foco – que consegue fazer essa diferenciação. Nenhuma outra instituição consegue fazer um balanço, num final de um semestre, do perfil dos parlamentares. Nenhuma outra instituição consegue, ao final de um período, ter o cuidado de levantar quanto foram os gastos dos parlamentares e descrevê-los. Nenhuma outra instituição tem cumprido esse papel de dizer quais foram as estatísticas de presença e de falta ao final do período legislativo. Então, isso é um serviço prestado à sociedade brasileira. Eu gostaria que o Congresso em Foco, além de site, fosse jornal, fosse revista, fosse estação de rádio, canal de televisão para divulgar essas coisas da forma mais ampla. Ao mesmo tempo, instituindo o Prêmio Congresso em Foco, essa iniciativa de destacar as melhores atuações parlamentares. Chega a ser um sacrilégio criminalizar a atuação de uma instituição que cumpre um papel como esse. É um crime contra a democracia. Porque ninguém tem cumprido esse papel, em nenhum outro meio de comunicação. E o Congresso em Foco tem servido como fonte, inclusive, para pautar o restante da imprensa nacional. Quem nos colocou aqui foi o povo brasileiro. E o povo brasileiro tem de ter mecanismos de fiscalização da nossa atividade.

O senhor está chegando ao final do seu primeiro ano como senador. Como o senhor disse, não está nem numa casa de santos nem numa casa de bandidos. Qual a avaliação que o senhor faz do Senado após este primeiro ano de experiência?
Onde avançamos? Ponto positivo: conseguimos aprovar uma proposta de emenda constitucional que disciplina o rito das medidas provisórias. Ponto negativo, não para o Senado, mas para o Congresso: essa mesma PEC emperrou na Câmara dos Deputados e não consegue avançar. A aprovação dessa PEC é fundamental para o processo legislativo brasileiro e para que o nosso Parlamento seja de fato bicameral. Com relação ao rito das MPs, o Senado tem sido violentado repetidas vezes. Porque não tem conseguido completar a sua tarefa de casa revisora do processo legislativo. Porque, quase já como regra, as MPs chegam aqui sem o prazo, sem o tempo mínimo para voltar para a Câmara e serem apreciadas, e serem modificadas. Obrigando os senadores a aprovar ou rejeitar as medidas provisórias, simplesmente, que poderiam ter modificações que poderiam aperfeiçoá-las. Infelizmente, a Câmara demonstra uma lamentável falta de interesse quando não avança na apreciação do novo rito das MPs. E, infelizmente, ainda não conseguimos dar resposta a aspectos de uma crise ética que nos atingiu há algum tempo, com a história dos atos secretos e outras denúncias. A própria história dos supersalários faz parte desse conjunto de coisas que foi denunciado e não foi resolvido. Porque não avançou a reforma administrativa do Senado. E não avançou porque não existe claramente vontade política para que avance.

Logo que o senhor chegou como senador já tomou uma atitude bem polêmica quando se candidatou à Presidência do Senado contra José Sarney. Era claramente uma candidatura de protesto. Qual era a mensagem que o senhor queria passar?
A mensagem era que o Senado não podia virar as costas para a sociedade. Não podia agir como se nada tivesse acontecido no período anterior. Minha candidatura foi para chamar os senadores a uma autocrítica sobre as denúncias que tinham pairado sobre o Senado no período anterior. Por mais antiga que seja, por mais conservadora que seja, esta Casa é formada por políticos que têm os seus mandatos emanados de uma vontade popular. Esta não é uma Casa de senadores biônicos. Não mais, ainda bem, desde a Constituição de 1988. É o Senado de uma das maiores democracias do mundo. Então, tem o direito até de ser conservadora, mas não tem o direito de ser avessa às mudanças necessárias.

Certamente uma das estrelas mais conhecidas e importantes do Psol, fundadora do partido, candidata à Presidência da República em eleições anteriores, é a ex-senadora Heloisa Helena. E tem sido publicado que ela pode deixar o partido para se unir à nova legenda que a ex-senadora Marina Silva pensa em fundar. O que está acontecendo no interior do Psol?
Não quero sequer pensar na hipótese de o Psol existir sem Heloisa Helena. O Psol e Heloisa Helena são indissociáveis. O Psol nasceu da iniciativa de Heloisa Helena, num momento em que era muito difícil constituir partidos e responder a uma crise política em que se encontrava e em que ainda se encontra a esquerda brasileira. Heloisa tem as frustrações, as chateações com o partido que eu também tenho. Eu fui candidato ao Senado, propus uma política de alianças que a direção do partido não só vetou como interveio para que não acontecesse. E, assim mesmo, disputei a eleição e fui eleito para o Senado. A Heloisa tem também as suas decepções. Mas eu não ouvi em nenhum momento da boca da Heloisa – e eu só admito isso quando ouvir da sua boca – que ela tem intenção de sair do Psol.

Mas e as conversas com Marina Silva?
Não há incompatibilidade entre ela participar do movimento de Marina de construir um novo partido e ela permanecer no Psol. Inclusive, acho que o Psol deve se encontrar com Marina. Caminharmos juntos. Quando Heloisa buscou as assinaturas para viabilizar o Psol, o partido sofreu com a intolerância de setores da esquerda que se negaram sequer a apoiar a sua criação. Não me parece que intolerância, intransigência, arrogância, sejam valores de qualquer um que se reivindique de esquerda. Então, não haverá nada de mais nós do Psol até deliberarmos apoiar o movimento de Marina para constituir um novo partido, se ela assim quiser. Ou, ainda, dar abrigo a ela se ela quiser vir para o nosso partido.

O senhor defenderia, então, a filiação de Marina Silva ao Psol se fosse esse o desejo dela?
De primeira hora. Seria motivo de muito orgulho para nós se Marina quisesse vir para o Psol. Assim como defendo, e considero que Heloisa comunga nisso comigo, que o Psol apoie o movimento de Marina de construir um novo partido. O movimento feito por Marina não é exatamente o movimento para formar um novo partido. É um movimento para construir uma nova política. Nós estamos com Marina nesse movimento.

Nós estamos vivendo um momento no mundo de crise muito grande. Vários países passando por dificuldades financeiras. Protestos pipocando em vários lugares. Como o senhor avalia este momento, e que papel o senhor acha que a esquerda pode exercer na busca das soluções para esta crise?
Claramente, é uma crise característica do sistema. É o capitalismo que está em crise. A crise tem origem no monetarismo, na ortodoxia, na ditadura do mercado. E a resposta que as sociedades européias estão dando – veja agora a vitória da direita na Espanha – é exatamente no sentido contrário ao que poderia resolver a crise. Estão aprofundando a ortodoxia, estão aprofundando a monetarização, estão aprofundando a retirada dos direitos sociais. Isso, me parece, só vai aprofundar a crise. Me parece que o caminho correto seria no sentido inverso. O próprio capital sempre buscou no keynesianismo a solução para as suas crises mais antigos. Foi assim na Grande Depressão em 1930. Então, me parece que a alternativa à crise é exatamente o inverso do caminho que a Europa está seguindo.

E quanto ao papel da esquerda?
Eu acho que a resposta à crise por parte da esquerda deve ser em formatos distintos. Na Europa, deve-se ampliar a resistência às medidas conservadoras de retirada de conquistas históricas dos trabalhadores. E a esquerda precisa compreender a dimensão dessa crise que está sendo vivida. No século 19 e no século 20, as crises eram atacadas apenas pelos seus aspectos econômicos. Agora, a crise não é somente econômica. É uma crise econômica, ambiental e social. O mundo acabou de alcançar a marca de 7 bilhões de habitantes. Vamos ter alimentos o bastante para até o final deste século comemorarmos o 14º bilhão de pessoas? Vamos ter sustentabilidade ambiental para alimentar esse 14º bilhão? Em não conseguindo, vamos nos concentrar em alimentar 1% e deixar o restante morrer de fome? Como dar resposta a essas questões? E como produzir alimentos sem aprofundar a era que já vivemos, a era geológica do antropoceno, quando o homem já é capaz de alterar, apenas com as suas atitudes, as condições da vida na Terra? A esquerda precisa estar preparada para incorporar ao seu discurso as respostas a essas perguntas. O bom e velho Karl Marx continua atual. Mas só que hoje existem situações que o bom e velho Marx não viveu. Não existia no século 19 a crise ambiental que vivemos, e o planeta não tinha 7 bilhões de habitantes. Um partido de esquerda do século 21 precisa compreender isso.

PACIFICAÇÃO - A ORDEM MILITAR NÃO PODE SUBSTITUIR A REPUBLICANA

Pacificação de favelas. Alba Zaluar: A ordem militar não pode substituir a republicana - JORGE ANTONIO BARROS, Blog Repórter de Crime, 16/11/2011

A antropóloga Alba Zaluar, coordenadora do NUPEVI, Instituto de Medicina Social da UERJ, pesquisa a violência ligada ao tráfico desde 1980, quando começou a pesquisa na área de Cidade de Deus que foi palco da primeira grande guerra entre traficantes na cidade do Rio de Janeiro. Publicou inúmeros livros e artigos sobre esse tema e outros correlatos. Fico honrado por ela atender a um pedido meu para escrever neste blog. Aproveito para dizer a outros pesquisadores que o blog está aberto aqueles que desejem se manifestar sobre a questão da segurança pública e da criminalidade no Rio e em todo o país.

Por Alba Zaluar, especial para o blog Repórter de Crime

Há uma série de equívocos quanto aos significados e objetivos da operação para reconquistar territórios da cidade dominados por poderes despóticos.

O primeiro é que não se trata de uma invasão ou uma incursão como se fazia durante décadas sem nenhum resultado. Hoje, pelo projeto das UPPs, a ocupação das favelas antes dominadas por comandos de traficantes ou de paramilitares (erroneamente chamado de milícia) deve ser entendida como a reconquista do território para o estado de direito em que se restabelece os direitos fundamentais da cidadania. Entre eles, o direito à vida (antes traficantes matavam quem ousava se interpor a eles, ou quem apenas era alvo de suspeitas e morrem muito); ao ir e vir (antes moradores estavam proibidos de ir a territórios “inimigos”), à propriedade (antes, nas favelas dominadas, moradores que desagradavam ou ousavam fazer críticas aos bandos eram expulsos e perdiam suas casas), o acesso à justiça para mover ações contra os que provocam danos (antes protestar por qualquer coisa poderia significar a expulsão ou a morte), à saúde (antes médicos e enfermeiros muitas vezes eram constrangidos no exercício de sua profissão em tais locais e ambulâncias não podiam entrar porque eram alvo de exigências tais como levar armas e drogas a algum lugar), aos demais serviços públicos sem extorsão de intermediários (água, luz, gás engarrafado ainda eram vendidos nesses locais via associação de moradores também dominadas por tais comandos de traficantes ou paramilitares). Até mesmo o direito de poder utilizar um veículo para ir até a sua casa levando material de obra, ou, ao contrário, para sair de sua casa levando um doente, uma mulher grávida, um cadeirante até o a unidade de saúde onde poderia ser atendido.

O segundo é que não se pode afirmar que o poder público inexistia nas favelas e que traficantes e paramilitares substituíam o estado. O poder público sempre esteve presente, mesmo que incompleto ou insuficiente, em escolas e postos de saúde, unidades bastante espalhadas pela cidade, fruto dos movimentos sociais que trabalharam para isso desde os anos 1970. O que faltava em tais territórios dominados era o policiamento e o acesso à justiça, o que acarretava a exploração até mesmo dos serviços públicos já existentes como a água encanada e a eletricidade. Nesse sentido, o poder público que agora se instaura equivale ao estado de direito acima definido.

Porém, o poder público, para se exercer com legitimidade, precisa ter a sua face pública clara e transparente. Não se trata de jogar para a plateia da cidade, do país e do mundo, via mídia, mostrando projetos que não terão continuidade ou nos quais a população não foi ouvida nem participa como deveria. É preciso lembrar que não existe poder público sem essa legitimidade que lhe é conferida pela população local. Para isso, é preciso respeitar o associativismo já existente nesses locais e a sociabilidade entre os vizinhos. Poder público não equivale a ter policiais ou militares tomando conta de tudo, ensinando todos os esportes e atividades culturais que esses moradores já conheciam e para as quais sempre tiveram professores locais.

O terceiro é que não se pode ignorar que, no primeiro momento, o de desarmar e afastar os traficantes ou os paramilitares da favela e do bairro popular, a via militar é imprescindível. Todavia, ela deve ser sempre precedida e acompanhada pelos serviços de inteligência (e de corregedoria) das várias instituições envolvidas. O que aconteceu na Rocinha foi exemplar, pois tivemos uma ação coordenada entre a PM, a PC, a PF para impedir a fuga dos traficantes e dos policiais corruptos, sempre a eles associados para ganhar a maior parte dos lucros obtidos na atividade econômica ilegal do tráfico.

A permanência de militares, incluindo os policiais militares, até que a vida retorne ao normal e que tenha passado o medo de que os antigos dominadores voltem também é necessária. Mas é preciso dar meios para que a população local se reorganize e tome as rédeas das atividades locais, inclusive os projetos sociais financiados pelo Estado e por empresas privadas. Não se pode é manter policiais ou militares ensinando, com seus métodos de caserna, crianças e jovens pobres que têm outros padrões de comportamento. O grande perigo é que se institua, nesses locais, não a ordem pública republicana em que todos têm direito à voz, mas uma ordem militar pensada em termos de hierarquia rígida, onde o que vale é a autoridade (ou o poder) do superior hierárquico.

Finalmente, é preciso ter sempre em mente que sem confiança na (s) polícia (s) não há segurança pública. Portanto, combater a corrupção policial é fundamental para o êxito do projeto que quer mudar a política de segurança no Estado do Rio de Janeiro. O primeiro passo já foi dado: ter consciência da profundidade do problema e começar a identificar seus principais agentes. Mas não se pode parar nem esmorecer por razões corporativas ou partidárias.

PACIFICAÇÃO DA ROCINHA

A polícia, quem diria, sobe o morro com a legalidade - JORGE ANTÔNIO BARROS, BLOG REPÓRTER DE CRIME, O GLOBO, 20/11/2011

Quando este blog era uma das poucas vozes contra a política de confronto do governo do estado e eu defendia que havia sim outra forma de combater o tráfico que não fosse apenas por meio de incursões esporádicas às comunidades pobres, havia quem dissesse dentro da polícia que era impossível fazer omelete sem quebrar ovos. Quando eu dizia que era possível executar uma política de segurança que aliasse a aplicação da lei ao respeito aos direitos humanos, era chamado de "vermelho' por alguns comentaristas obtusos. Quando eu dizia que é sim possível fazer polícia de modo inteligente e sem rasgar a constituição federal e as leis do país, alguns riam e debochavam.

Felizmente chegou o dia em que uma grande operação policial, como foi a ocupação de Rocinha, Vidigal e Chácara do Céu, foi realizada não apenas sem se gastar uma bala do Estado, como também dentro dos parâmetros da lei, sem excessos nem abusos como os que lamentavelmente ocorreram durante a ocupação do Complexo do Alemão, há quase um ano. Como se sabe, a grande vitória das forças de segurança -- ao conquistarem o território que durante décadas foi dominado pelo tráfico de drogas -- acabou arranhada pela atuação de uma parte dos policiais civis e militares, que transformaram o morro numa "serra pelada", após saques em casas de bandidos e cidadãos de bem. No afã de colocar a mão nos tesouros do tráfico, o grupo de policiais da banda podre foi varrendo tudo o que encontrava pela frente.

Um ano depois, a opinião pública ainda não teve acesso ao resultado das investigações da Corregedoria Geral Unificada, que conseguiu descobrir as ilegalidades praticadas pelos policiais porque haviam infiltrado agentes na operação que contou com o apoio decisivo das forças armadas. Apesar da pouca transparência, a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio cuidou para que os abusos praticados no Alemão não fossem repetidos na Rocinha, uma das maiores favelas da América Latina, com cerca de cem mil habitantes, segundo censo do governo do estado. É verdade que pelo poder que representa nas urnas a Rocinha sempre recebeu um tratamento VIP das autoridades no Estado do Rio. Mas dessa vez o governo do estado não queria correr o risco de ver uma bem planejada operação de ocupação -- que já começou vencedora, com a prisão do chefe do tráfico antes da chegada das forças de segurança -- ser manchada pelos erros cometidos no Alemão.

Como fui um dos primeiros a ser informado dos abusos praticados no Alemão -- por meio de fontes da própria comunidade -- também fiquei atento a esse aspecto durante a ocupação policial na Rocinha, onde estive por cerca de três horas no domingo passado, conforme reportagem publicada também no jornal O GLOBO. Logo nas primeiras horas, entrei em contato com minhas fontes na favela e, para minha satisfação, fiquei sabendo que não havia qualquer denúncia contra abusos praticados por policiais.

-- Os policiais do Bope estão agindo com toda a educação, inclusive pedindo gentilmente para entrar nas casas das pessoas, em busca de criminosos -- disse uma de minhas fontes.

[Após a lição de cidadania dada pelos policiais do Batalhão de Choque, que não se venderam por R$ 1 milhão, tive vontade de mandar um telegrama parabenizando o Batalhão de Operações Especiais, cujas atrocidades tornaram-se conhecidas no livro "Elite da Tropa', que deu origem ao filme 'Tropa de Elite"]

Dias depois a Defensoria Pública do Estado do Rio -- que chegou à favela no primeiro dia da ocupação -- confirmava que não houve registros de abusos e sequer de constrangimentos dos moradores, por parte de policiais. Para mim esse é o grande avanço no combate ao crime no Rio. Como detentora do monopólio do uso da força, a polícia precisa saber empregá-la. A ocupação da Rocinha provou que é possível a polícia trabalhar sério e respeitando justamente o que ela é a maior responsável por zelar -- o cumprimento das leis. Polícia sem lei nem regras é o estado policialesco sem apreço pela cidadania. A polícia trocou a letalidade pela legalidade.

Sem alarde, pode ter sido virada uma página importante da crônica policial do Rio. Espero sinceramente que tenha chegado ao fim a época em que policiais truculentos, sem mandato judicial nem vergonha, metiam o pé nas portas dos barracos nas favelas e periferia da cidade, tratando todos como suspeitos até que se provasse o contrário. E, ao mesmo tempo, sem dar moleza para os bandidos.

O FRACASSO DAS INSTITUIÇÕES


EDITORIAL ZERO HORA 23/11/2011

A polícia não é a única instituição constrangida pelo arquivamento do inquérito do assassinato do menino Francisco Daniel Talasca Ferreira, de três anos, em janeiro de 2006, no litoral gaúcho. Ao determinar que o caso está encerrado por falta de provas, a Justiça também falha e, ao mesmo tempo, compartilha o fracasso das investigações com o Ministério Público. Francisco foi morto durante uma operação policial, e a suspeita de que o disparo teria partido da arma de um dos agentes, em meio a um tiroteio, nunca foi confirmada. Quem então matou o menino? É comprometedor para todos os envolvidos no caso a conclusão de que a perícia não conseguiu identificar a arma que teria disparado uma munição de 9 milímetros que matou a criança.

O episódio seria lamentável em quaisquer circunstâncias, por denunciar a imprudência e a imperícia da Polícia Civil quando da abordagem de suspeitos, num camping de Terra de Areia. A tragédia na praia foi amplificada por ter como vítima uma criança. Casos como esse, em que inocentes são mortos em confrontos de policiais com delinquentes, repetem-se todos os anos. Lamentavelmente, também não são incomuns os inquéritos que acabam engavetados pela incapacidade da investigação de chegar aos autores de delitos leves ou de crimes graves. O que choca, no arquivamento do processo, é que desta vez a impunidade protege o responsável pela morte de um menino de três anos.

A sequência de erros, desde a operação desastrada, reúne exemplos de tudo o que não pode ocorrer para que se esclareça um caso com tal gravidade. Como o crime ocorreu durante uma ação policial, à luz do dia, é compreensível que a população se interrogue sobre a efetividade das investigações. O próprio Ministério Público deve procurar, a partir do que aconteceu, tirar lições do arquivamento. O caso somente será prescrito, sem possibilidade de punição, em 2026, e por isso pode ser reaberto. Até lá, a polícia, o MP e a Justiça estarão permanentemente desafiados a oferecer uma resposta à família de Francisco e à sociedade, ou a morte da criança ficará para sempre como uma mácula da inépcia das instituições no Estado.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A polícia é uma peça importante, mas muito pequena na complexa tarefa de preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio. Se as outras instituições não funcionarem, a polícia ficará apenas no pincel e sem escada para combater o crime, e famílias ficarão lamentando as vítimas e a impunidade, sem acreditar nas leis, na justiça ou no Estado.

Sugiro ao leitor dar uma olhada e analisada no conceito de SEGURANÇA PÚBLICA abaixo do título do blog da Insegurança (http://blogdainseguranca.blogspot.com). O Brasil precisa dar um basta na desarmonia, no corporativismo e na inoperância do sistema.

Enquanto estiverem em vigor os efeitos nocivos da desarmonia entre os Poderes; as ligações burocráticas; as mazelas do judiciário (http://mazelasdojudiciario.blogspot.com); a morosidade e distanciamento da justiça, o formalismo do inquérito policial, a separação do ciclo policial nos corpos policiais, o sucateamento das polícias estaduais, a desvalorização dos agentes policiais; a ausência de defensores; a omissão dos congressistas; a leniência dos magistrados; a tolerância do povo brasileiro; e a falta de um sistema que possa envolver ações e processos administrativos (Executivo), jurídicos (Legislativo) e judiciais (Judiciário) na preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio; o Brasil não terá paz social.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

SUCATEAMENTO DO SETOR MILITAR


Relatório sigiloso da Defesa comprova sucateamento do setor militar no País. Documento reservado, ao qual o ‘Estado’ teve acesso, levanta situação da Marinha, Exército e Aeronáutica e revela queda significativa dos equipamentos em condição de uso. 21 de novembro de 2011 | 22h 40 - Tânia Monteiro, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Documento sigiloso produzido pelos comandos militares sobre a situação da defesa nacional repassado ao Palácio do Planalto nos últimos dias mostra um sucateamento dos equipamentos das três Forças. Segundo os militares, os dados esvaziam as pretensões brasileiras de obter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, além de inibir a participação do País em missões especiais da ONU.

Amorim, em reunião com os comandantes militares, em agosto, no Planalto
De acordo com a planilha obtida pelo Estado, a Marinha, que em março mantinha em operação apenas dois de seus 23 jatos A-4, não tem hoje condições de fazer decolar um avião sequer do porta-aviões São Paulo.

Com boa parte do material nas mãos de mecânicos, a situação da Marinha se distancia do discurso oficial, cuja missão seria zelar pela área do pré-sal, apelidada de Amazônia Azul.

Segundo o balanço, que mostrou uma piora em relação ao último levantamento, realizado em março, a situação da flotilha também não é confortável. Apenas metade dos navios chamados de guerra está em operação. Das 100 embarcações, incluídas corvetas, fragatas e patrulhas, apenas 53 estão navegando. Dos cinco submarinos, apenas dois ainda operam. Das viaturas sobre lagartas (com esteiras), como as usadas pelos Fuzileiros Navais para subir os morros do Rio de Janeiro, apenas 28 das 74 estão em operação.

O Ministério da Defesa mantém os dados sob sigilo. A presidente Dilma Rousseff já foi informada das dificuldade que as Forças estão enfrentando e a expectativa, pelo menos da Aeronáutica, é de que a partir do ano que vem o governo retome as discussões em relação à compra dos novos 36 caças brasileiros já que os atuais deixam de voar em 2014.

Queixas. Já afinado com a caserna, o ministro da Defesa, Celso Amorim, que está há apenas três meses no cargo, queixou-se dos baixos investimentos do Brasil no setor e pediu apoio dos parlamentares para a modernização das Forças Armadas.

Segundo ele, proporcionalmente ao Produto Interno Bruto (PIB), o Brasil é um dos países que menos investem em defesa entre os integrantes dos Brics, grupo que integra Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

O orçamento atual da defesa no País representa 1,39% do PIB, enquanto a Índia investe nesta área 2,8% de seu PIB, e a China, 2,2%.

Na Força Aérea Brasileira (FAB), a situação não é diferente. Dos 219 caças que a Força dispõe, há apenas 72 em operação, o que corresponde a 32%. Em março, eram 85 caças em funcionamento.

Dos 81 helicópteros que a Aeronáutica possui, apenas 22 estão voando, o que corresponde a 27% do total. Em março, eram 27 helicópteros em operação. No caso dos aviões de transporte de tropa, dos 174 que a FAB possui, 67 estão em operação, ou seja, 38%. Em março, 100 aviões deste tipo estavam voando. Aviões de instrução e treinamento caíram de 74 para 49 em funcionamento.

Reforço. Nos bastidores, os militares reclamam e pedem reforço orçamentário. Apontam que quase 90% dos aviões da FAB têm mais de 15 anos de uso, enquanto numa força operacional o recomendável é que, no máximo 50% das aeronaves podem ter mais do que 10 anos de uso. As nove baterias antiaéreas do País estão fora de uso.

O Exército também enfrenta problemas com seus helicópteros. Dos 78 que possui, exatamente a metade está parada. Em relação aos blindados, 40% deles estão parados.

A Força terrestre apresenta apenas um número grandioso: 5.318 viaturas sobre rodas. No entanto, essas são na maior parte carros oficiais para transporte de oficiais de alta patente, jipe e caminhões ultrapassados.

A situação é tão precária que todas as 23 aeronaves a jato da Marinha estão nas oficinas da Embraer. Mas só 12 sairão de lá para missões. As outras 11 serão "canibalizadas" para fornecer peças para aos "sobreviventes".