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terça-feira, 21 de junho de 2011

MANGUEIRA - TRÁFICO DEIXA FAVELA ANTES DA MEGAOPERAÇÃO DE OCUPAÇÃO

PACIFICAÇÃO. Mangueira: um domingo 'normal' com igrejas fechadas - O GLOBO, JORGE ANTONIO BARROS, REPÓRTER DE CRIME, 20/06/2011

Como este blog adiantou semana passada, os chefes do tráfico do Morro da Mangueira já haviam deixado a comunidade da estação primeira, quando uma megaoperação da Polícia Militar - com um total de 750 policiais civis e militares, além de blindados da Marinha - era realizada no local dominado há décadas pelo narcotráfico. Para alegria de todos não houve um disparo sequer. O que se gastou em logística economizou-se em munição. Bem diferente do tiroteio que ocorreu há nove meses na Mangueira e tirou a vida de Matheus Peres Viana, de 12 anos, cuja morte ainda não foi esclarecida pela Polícia Civil. Na ocasião, testemunhas contaram que o menino foi morto por policiais civis, enquanto que a polícia atribuiu a morte a uma rajada de tiros dadas por traficantes.

De fato, raramente algum morador tem condições de se queixar quando os autores dos disparos são os bandidos. A menos que use o Disque-Denúncia (2253-1177) ou esteja pensando em abandonar a favela. Quando os moradores se queixam normalmente é da violência policial. E quando os moradores da favela encaram com tranquilidade mais uma ocupação definitiva da PM? Com pompa e circunstância, desde 2009, o governo passou a chamar essas ocupações de "retomada do território" para a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), que atualmente estão em 16 favelas, com uma população estimada em mais de 300 mil pessoas.

Apesar de estar de folga, dei um pulo ontem na Mangueira não apenas para confirmar que os principais bandidos estão longe como também para sentir o clima no local. Uma coisa me chamou atenção. Numa manhã de domingo o comércio funcionou normalmente apesar de a favela ter sido praticamente sitiada pelas forças de segurança. Com o crachá, mas em carro particular, fui barrado por uma patrulha da PM no Viaduto da Mangueira. O sargento me impediu até mesmo de me aproximar a pé do viaduto. "Se o sr. for atingido por algum disparo nós seremos responsabilizados", respondeu o PM, com uma sabedoria ímpar. Parti então para o acesso a Mangueira pela Rua Visconde de Niterói, onde por volta de 12h havia apenas um carro da Guarda Municipal. Os guardas foram mais compreensivos e me deixaram passar.

Com minha mochila de reportagem portátil, sozinho, circulei pelas ruas da estação primeira. Nas rodinhas a conversa predominante era que a polícia chegou um pouco atrasada, apesar das várias operações que haviam sido feitas desde o ano passado. Outros faziam referências jocosas aos policiais. Parecia uma manhã normal de domingo, exceto pelo fato de três igrejas evangélicas estarem com as portas fechadas. Uma senhora evangélica disse que iria assistir ao culto de sua igreja, Deus é amor, no Centro do Rio.

- Como é meu aniversário, preciso correr para avisar às irmãzinhas para não virem pra cá hoje (ontem) - afirmou a senhorinha, que mora há 30 anos na Mangueira, de onde não pretende sair.

- O povo pediu muito a Deus por esse dia, mas confesso que nunca me tocaram um dedo. Nem polícia nem "os meninos" - disse a mulher, depois que me identifiquei como jornalista.

Operações policiais como a de ontem viraram grandes espetáculos midiáticos, no Rio, mas só com a presença de mocinhos, sem a atuação dos vilões. Como em outras ocupações da PM para a instalação de UPPs, não houve prisão de qualquer peixe grande. Quem sabe um bagrinho. A ausência dos vilões é explicada pela estratégia utilizada pelo governo do estado de anunciar antecipadamente à população as áreas que serão ocupadas pela PM. A ideia, de Cabral, já é assimilada até pelo secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, que no início manifestava alguma resistência.

De acordo com o secretário disse ontem à imprensa, só avisando é possível evitar confrontos que coloquem em risco a vida de moradores. Vamos ver por um ângulo positivo. Pelo menos o governo passou a levar em conta a vida de moradores de favelas, coisa que não acontecia, e foi alvo de várias críticas deste blog (lembram da famigerada "política de confronto", empregada até o início de 2008?).

A operação aparentou ter sido muito bem planejada e revelou também ótima integração de todas as forças de segurança, o que sempre defendo como algo essencial para se combater o crime com eficácia. Havia policiais civis, militares e até federais. A entrevista coletiva do secretário de Segurança foi dada num quartel do Exército vizinho à favela - a 111a Companhia de Apoio de Material Bélico - uma unidade de onde espero que jamais tenha sido desviada uma arma para o tráfico.

Após décadas de domínio (a Mangueira sempre foi uma favela com forte presença de bandidos, desde o assaltante Mineirinho, na década de 50), o tráfico fez um estrago no morro. Além de ter esculachado a principal marca local, que é a escola de samba, formou uma cultura de conivência com o crime, que é para mim a única explicação para tanta gente estar bebendo nas biroscas ouvindo música, enquanto era realizada a operação. Será que eles continuariam bebendo tranquilamente se estivesse ocorrendo uma guerra entre facções rivais do tráfico? Essa postura definitivamente não combina com a gravidade da situação. Ou o povo realmente sabe das coisas, que é tudo um grande teatro de operações?

Para completar minha reportagem, abordei dois homens vestidos de terno e gravata, com toda pinta de evangélicos (ninguém usa terno e gravata numa favela domingo se não for evangélico). Parti eufórico, como um foca, para cima de um deles, bloquinho à mão, e qual foi minha decepção? Eles trataram de acelerar o passo, negando-me a entrevista. Logo então caiu a ficha. Quem garante que não seriam dois bandidos deixando o morro disfarçados de crentes? Hoje sabe-se que foi um dos golpes mais usados na fuga do cerco ao Complexo do Alemão.

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