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quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

PESQUISADOR PROPÕE SOLUÇÕES PARA O RIO


SOLUÇÕES PARA O RIO - Por Benjamin Lessing - especial para o Blog Favela Livre, 16/12/2010

Os moradores do Rio de Janeiro testemunharam o que muitos acreditavam ser impossível: forças do Estado ocuparam o Complexo do Alemão, o conjunto de favelas que tinha se tornado o último reduto do Comando Vermelho. Ainda mais surpreendente, a polícia enfrentou o mínimo de resistência por parte dos traficantes – cuja maioria fugiu ou se rendeu – e agiu com o mínimo de danos colaterais.

Então, o que acontece agora? Agora a poeira está se assentando e a atenção logo vai se voltar para outros problemas. No entanto, o drama das favelas do Rio, seus mercados de drogas e suas redes criminosas (incluindo a maior facção) vão persistir. Assim como no caso da recente vitória do governo colombiano contra os rebeldes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), os eventos de 28 de novembro representam avanços sem precedentes, mas dificilmente trarão um fim definitivo ao problema. O que os políticos podem fazer para consolidar os ganhos, antecipar reações adversas e evitar futuras reviravoltas?

Reconhecer que o Rio é uma anomalia

Uma vez que as organizações criminosas e o tráfico de drogas são quase um fenômeno urbano universal, é tentador generalizar sobre causas-raízes e intervenções efetivas. Entretanto, o mercado de drogas do Rio há muito tempo é anômalo, seja comparado com o de outras cidades brasileiras ou do mundo. A maior parte dos mercados de venda de drogas flutua em concentração: grupos de tamanho modesto competem por mercado, um único grupo sobe ao topo, autoridades e rivais atacam uns aos outros e, eventualmente, o mercado se fragmenta de novo. Em contraste, desde 1980, a estrutura do mercado de drogas do Rio tem permanecido consideravelmente estável: territórios fixos dominados por duas ou três quadrilhas comandadas de uma prisão, com capacidade para ação coletiva, permitiram que essa configuração sobrevivesse 30 anos de repressão policial. As condições geradoras e sustentadoras dessas quadrilhas dificilmente evaporaram quando as forças de segurança invadiram o Alemão.

Claro que, investimentos contínuos em educação, saúde e desenvolvimento comunitário são cruciais para o futuro das favelas. Porém, a receita-padrão para reduzir a violência urbana não será suficiente para o caso especial do Rio de Janeiro. Ações adicionais precisam ser tomadas para prevenir um futuro ressurgimento dos grupos armados, um colapso da segurança pública e a renovação da violência.

Reforma do sistema penintenciário

A maior facção criminosa e seus rivais nasceram de grupos da prisão e se expandiram de suas celas para o controle do mercado de drogas no Rio. Apesar de regimes carcerários cada vez mais rígidos terem enfraquecido o controle do comando sobre a vida no presídio, o sistema penitenciário permanece um domínio do CV e seu centro nervoso. De fato, a ordem para os ataques daquela facção que levaram à violência na última semana de novembro vieram de um chefe isolado em uma prisão de segurança máxima em um estado distante, um criminoso que, no entanto, conseguiu fazer a mensagem passar.

As prisões do Rio são altamente segregadas de acordo com filiações de quadrilha. Novos prisioneiros são usualmente classificados de acordo com a quadrilha que comanda a área onde vivem, independentemente de serem membros ou não. De modo perverso, isso facilitou o recrutamento e a socialização de novos membros e contribuiu para a capacidade da liderança daquela facção de coordenar as ações de membros do lado de fora.

Enquanto o sistema penitenciário continuar a ser estruturado de acordo com as relações de quadrilhas, as condições-base que permitiram que os “comandos” do Rio se formassem e se expandissem permanecerão. As autoridades do Rio precisam transformar a reforma do sistema penitenciário em uma prioridade, ainda que seja politicamente inpalatável. As prisões devem ser esvaziadas de criminosos não-violentos e de presos com sentença cumprida. As quadrilhas devem ser erradicadas e uma política de “melhores práticas” deve ser analisada e adotada. Mais importante, as condições básicas das prisões devem ser melhoradas: são exatamente as condições execráveis e a ameaça de violência – por guardas e por outros presos – que aumentam o poder de atração das quadrilhas.

Mudança de abordagens repressivas para regulatórias na política antidrogas

Um fator crucial, mas subestimado no sucesso das Unidas de Polícia Pacificadora (UPPs) foi uma mudança de metas: em vez de eliminar o tráfico de drogas em si, minimizar a violência e estabelecer o monopólio do Estado sobre o uso da força. Esse era o espírito do principal antecessor das UPPs, o programa Grupo de Policiamento em Áreas Especiais (GPAE), no Cantagalo. O GPAE foi bem sucedido em eliminar a presença armada dos traficantes (apesar de não os traficantes em si) e reduzir os homicídios a zero no primeiro ano. Entretanto, as críticas de políticos rivais, incluindo do prefeito do Rio à época, de que o GPAE tinha um pacto com os traficantes se tornou danosa e o programa teve fim prematuramente. Dez anos depois, uma coalizão política forte (incluindo o prefeito do Rio, Eduardo Paes, e o presidente Lula) permitiu que a administração do governador, Sérgio Cabral, confrontasse essas críticas e, de fato, ganhasse o debate.

Essa mudança na forma como a política antidrogas é praticada em campo – “descriminalização operacional” – indica uma abordagem mais produtiva para o problema. Com exceção de regimes ditatoriais, nenhum governo nunca conseguiu eliminar o tráfico. Tentativas de fazê-lo através de pura repressão levou os traficantes a estocar armas e converter suas áreas de ação em regiões fortificadas. As UPPs, ao contrário, levaram indiretamente à formação de mercados de drogas locais constituídos de grupos menores e desarmados (apesar de ainda ativos), que não apresentam ameaça imediata à segurança. Os políticos devem aceitar que o mercado de drogas não pode ser eliminado e que, eles podem, em vez disso, ser gerenciados, de forma a produzir os resultados menos-piores possíveis.


Confrontar as milícias e redirecionar o BOPE

Os traficantes de drogas não são o único grupo armado que assola o Rio. As milícias, grupos paramilitares ilegais formados amplamente por policiais criminosos, estabeleceram controle armado em favelas e periferias, chefiando mercados ilegais, ações de extorsão e se infiltrando no sistema político, através de clientelismo armado e compra de votos. As milícias representam uma ameaça particularmente difícil, enfraquecendo o Estado de dentro de seu próprio aparato de segurança e com muito mais poder do que os traficantes. A vitória contra o CV vai favorecer as milícias, que competem contra os traficantes por território; e as autoridades não devem cometer o erro de deixá-los ganhar terreno.

Sendo assim, o Estado deve se planejar antecipadamente para gerenciar sua própria força de elite. O Batalhão de Operações Especiais (Bope) é crucial para a habilidade do Estado de retomar território fisicamente e, consequentemente, exercer o tipo de ameaça eficaz que fez com que os traficantes fugissem ou se rendessem, no Complexo do Alemão. No entanto, exatamente por conta dos avanços do Estado, o Bope eventualmente terá que receber novo enfoque, mudando de uma força invasiva para uma de dissuasão. Os recursos investidos em equipamento e treinamento de elite devem ser redirecionados para a ampliação das UPPs e, mais além, para investimentos sociais. Como qualquer organização, o Bope vai defender sua causa. Como um martelo por excelência, vai tender a ver pregos em futuros problemas: pode até provocar confrontações como um modo de justificar sua existência.

Os políticos eleitos devem estar preparados para um risco ainda maior: de que tropas do Bope altamente treinadas, diante de cortes de pessoal e salário, sejam tentadas a se juntar às milícias. Esse cenário desconcertante se configurou recentemente com o Grupo Aeromóvil de Fuerzas Especiales (GAFES), no México, uma tropa de elite antidrogas que desertou em massa e se tornou Los Zetas, o cartel mexicano mais violento atualmente. A menos que sejam cuidadosamente observadas e gerenciadas, as tropas de elite podem rapidamente passar de um importante ativo a uma força altamente desestabilizadora e destrutiva.

*Benjamin Lessing é doutorando em ciência política, na Universidade de Califórnia, Berkeley, e mestre em economia pela mesma instituição. Dirige o Observatório Internacional de Violência Associada a Narcotráfico, que visa criar bases de dados quantitativos sobre as guerras de drogas na Colômbia, México e Brasil.

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